Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
344/08.3TACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
REENVIO
TRIBUNAL CÍVEL
Data do Acordão: 12/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - VARA DE COMPETÊNCIA MISTA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 82º, N.º 3, DO C. PROC. PENAL.
Sumário: Extravasam manifestamente o campo de previsão do artigo 82º, n.º 3, do C. Proc. Penal, nomeadamente, os casos em que as partes são remetidas para os tribunais civis por os pedidos cíveis em causa assumirem valores muito elevados ou quando os mesmos pedidos apresentam complexidade em relação à prova a produzir e ao direito aplicável.
Decisão Texto Integral: 1. Nos autos de processo comum, a correr termos, sob o n.º 344/08.3TACBR, na Vara de Competência Mista de Coimbra, por despacho proferido em 05-09-2012, foi decidido pelos juízes que integram o tribunal colectivo remeter as partes do pedido de indemnização civil deduzido por A... para os tribunais civis, nos termos do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
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2. Inconformado, o demandante civil A... interpôs recurso desse despacho, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1.ª - A questão que importa decidir no presente recurso é a de saber se deverão ou não ser as partes remetidas para os tribunais civis quanto ao conhecimento do pedido de indemnização civil formulado nestes autos pelo Assistente, ora Recorrente.
2.ª - Não se vislumbra, de modo algum, que o facto de ter sido apresentada contestação por excepção e impugnação ao PIC deduzido pelo Assistente/Recorrente, por si só, impeça uma decisão rigorosa ou um conhecimento cabal das questões levantadas em sede de contestação do PIC.
3.ª - Tanto mais que, como se reconhece no douto despacho recorrido, a prova quer dos factos alegados no PIC em causa, quer dos factos alegados em sede de contestação, é essencialmente prova documental - certidões de decisões judiciais já transitadas em julgado.
4.ª - O “trabalho” por parte do tribunal recorrido quanto à mataria cível está fortemente facilitada.
5.ª - Por outro lado, tais questões - quer as levantadas no PIC quer as levantadas em sede de contestação - não são susceptíveis de gerar qualquer incidente capaz de retardar o fim deste processo penal.
6.ª - Alias, e em abono da verdade, todos os incidentes que poderiam ter lugar, já tiveram: foi deduzido PIC, foi apresentada contestação e, posteriormente, o Assistente apresentou a sua réplica. Mais nenhum incidente é possível!
7.ª - Para além disso, o julgamento nos presentes autos já teve duas datas, anteriormente designadas - o dia 7 de Dezembro de 2011 e o dia 4 de Abril de 2012 - tendo ambas sido adiadas, sem que antes, e no seu devido tempo, fosse proferido qualquer despacho e remeter as partes em causa para os meios comuns.
8.ª - Só agora, nove meses depois da primeira data designada para a realização de julgamento, é que o tribunal a quo vem remeter as partes para os meios comuns com o fundamento, note-se, de se poder retardar o fim do processo penal.
9.ª - O tribunal a quo remeteu para os meios comuns o assistente/demandante e os demandados B... e C...; porém existe nos autos um outro PIC, em que é assistente D... e demandado F..., em que os factos alegados no PIC deste demandante, na sua grande maioria, são os mesmos que são alegados no PIC do ora recorrente.
10.ª - O que torna a fundamentação dada pelo tribunal ainda mais desapropriada quanto ao possível retardamento da acção penal.
11.ª - A decisão recorrida remeteu as partes civis (apenas o ora assistente e os demandados supra indicados) e respectiva instância para os tribunais civis, para além de, como vimos, ser extemporâneo/intoleravelmente tardio, o mesmo carece de oportunidade.
12.ª - A decisão recorrida carece também de fundamentação, dado que não enuncia minimamente quais as questões levantadas pelo demandante e pela demandada que, pela sua particular complexidade, viriam provocar um retardamento intolerável do processo.
13.ª - O demandante e a demandada nenhuma questão suscitaram que não possa ser resolvida nestes autos, tendo em conta a abundante prova documental (certidões judiciais) junta e após a competente produção de prova e que não seja absolutamente normal.
14.ª - O que se discute neste processo são questões de natureza civil e criminal e nem podiam ser outras.
15.ª - O despacho recorrido estriba-se numa interpretação equívoca do art. 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que estipula:
16.ª - O tribunal recorrido fez um uso que reputamos de completamente arbitrário e indevido dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 3 do artigo 82.º do Código de Processo Penal.
17.ª - O tribunal a quo, em concreto, não se chegou a deparar com nenhuma dificuldade;
18.ª - Nem sequer ponderou que a remessa das partes para os tribunais civis, além de injustificada, também acarretaria maior onerosidade relativamente à causa penal, envolvendo bem maiores riscos de retardamento da decisão civil.
19.ª - Foram violadas e erradamente interpretadas e aplicadas as seguintes disposições legais: artigo 71.º, artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, bem como os princípios da celeridade e da economia processuais e o princípio da adesão obrigatória do sistema de dependência da decisão civil da decisão penal.
20.ª - As questões que foram reputadas como sendo susceptíveis de inviabilizar uma decisão rigorosa e poderem vir a gerar incidentes retardadores do processo penal, considera o recorrente não serem suficientes para justificar a remessa dos sujeitos processuais para os meios civis, como supra referimos.
21.ª - Existe nos autos prova documental suficiente, sendo ainda que, tais questões não se antolham geradoras de incidentes ou demoras que inviabilizem uma decisão rigorosa ou que possam gerar incidentes que venham a retardar intoleravelmente o processo penal.
22.ª - Não se descortinando outros incidentes que, pela sua complexidade ou morosidade, possam ser retardadores de uma decisão rigorosa no processo penal.
23.ª - Por todo o exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogado o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita a tramitação do pedido civil formulado pelo assistente, ora recorrente, no processo instaurado na acção cível.
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3. Não foram apresentadas resposta(s) ao recurso.
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4. Subidos os autos a esta Relação, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto apenas apôs “visto”, por se tratar de recurso relativo a pedido de indemnização civil.
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5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do Tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência uniforme nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam e fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
No caso sub judice, vistas as conclusões, o recurso comporta uma única questão a decidir, exclusivamente de direito, e que consiste em determinar se existe fundamento legal para a remessa das partes relativas ao pedido cível deduzido por A... para os tribunais civis, ao abrigo da disposição normativa do n.º 3 do artigo 82.º do Código de Processo Penal.
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2. Elementos relevantes à decisão:
A) Em 10 de Maio de 2010, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos B..., C... e F..., tendo-lhes imputado, com base nos factos infra transcritos, a co-autoria material, em concurso real, de um crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, n.º 1, 217.º, n.º l e 218.º, n.º 2, al. a) (do qual é ofendido H...); e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a) (do qual é ofendido A…):
«Em Novembro de 2003 o arguido B..., que é casado com a arguida C..., era o único sócio e gerente da sociedade comercial “W... - Café Restaurante, Unipessoal, Lda.” cujo estabelecimento comercial (restauração e café) funcionava num imóvel sito na Estrada da … , W..., área desta comarca de Coimbra, o qual era propriedade do arguido F... que para o efeito o tinha arrendado àquela sociedade.
Acontece que a sociedade “W...” tinha uma dívida de cerca de €99.000,00 para com H..., idf. a fls. 83, e, titulando este uma letra de câmbio no valor Esc. 18.000.000$00 sobre a dita sociedade, no dia 5 de Novembro de 2003 instaurou contra ela o processo executivo n.º 2291/03.6TBCBR, tendo a penhora do estabelecimento sido realizada em 12 de Maio de 2004 e a subsequente venda judicial da “W...” ao H... veio a ocorrer em 13 de Dezembro de 2005, incluindo o direito ao trespasse e ao arrendamento do prédio onde o dito estabelecimento comercial funcionava.
Apercebendo-se da iminente entrega do referido estabelecimento ao exequente H..., os arguidos B...e C..., de comum acordo e em conjugação de esforços, decidiram envidar esforços para evitar serem desapossados de tal estabelecimento e virem a obter vantagens patrimoniais, com o objectivo de vir a excluir da citada penhora o direito ao arrendamento do local onde funcionava o estabelecimento de forma a frustrar por completo o efeito útil do dito processo executivo e causar prejuízo ao H....
Para tal, abordaram o arguido F... para, em conjunto, adoptarem uma posição que os salvaguardasse a todos, pois o arguido F...estava a par do processo executivo movido pelo H... contra a “W...” já que tinha sido notificado da penhora sobre o estabelecimento comercial e que essa penhora englobava o direito ao arrendamento.
Assim, por acordo entre todos, decidiram os arguidos criar outra sociedade comercial com o mesmo objecto social e que funcionaria no mesmo local depois de a “W...” ser dali despejada por ordem judicial, tudo com o único objectivo obstar à sentença judicial proferida no âmbito do citado processo executivo a fim de retirar da penhora o direito ao arrendamento e trespasse do dito imóvel, o que beneficiaria os arguidos B...e C... mas também o arguido F... porque assim não passaria a estar vinculado a um contrato de arrendamento com H....
Ora, no desenvolvimento desse plano traçado pelos três arguidos, no dia 4 de Abril de 2005 o arguido F... intentou contra a “W...” uma acção de despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas, facto que bem sabia não corresponder à verdade, e, como o arguido, em representação da “W...”, não contestou essa acção como haviam previamente combinado, em 15 de Junho de 2005 foi proferida sentença que declarou a resolução do contrato de arrendamento datado de 17 de Março de 1976 e celebrado entre o arguido F... e a “W...”, tendo sido ordenado o consequente despejo do estabelecimento desta sociedade do imóvel que até então vinha ocupando.
Entretanto, no dia 13 de Junho de 2005, na sequência do acordo estabelecido entre os arguidos B...e C..., esta constituiu a sociedade comercial unipessoal denominada “Z..., Café Restaurante Unipessoal, Lda.”, que foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra sob o número … e tem como objecto social a actividade de restauração, designadamente a exploração de restaurante.
Nessa sequência, esta sociedade iniciou a exploração do estabelecimento de restauração instalado naquele prédio pertencente ao arguido F... por força do contrato de arrendamento que veio a ser celebrado no dia 1 de Setembro de 2005 entre o F... e a “Z...” representada pela arguida C..., nos termos do qual aquele deu de arrendamento a esta sociedade o mencionado imóvel do qual é proprietário pelo período de um ano, renovável por iguais e sucessivos períodos e com início de vigência no dia l de Setembro de 2005, o que fez apesar de saber da existência da supra aludida penhora sobre o estabelecimento comercial e que essa penhora englobava o direito ao arrendamento, sendo certo que o arguido F... nunca recebeu efectivamente o locado na sequência da mencionada acção de despejo já que, desde a data desse despejo até à data da celebração do novo contrato de arrendamento, nunca os arguidos B...e C... deixaram de explorar nesse local o estabelecimento comercial.
Foi então por essa altura que os arguidos B...e C... deram início a diligências com vista à alienação desta sociedade comercial de que a arguida C... era representante, e, tendo tido conhecimento dessa intenção dos arguidos, A..., idf. a fls. 76, mostrou-se interessado, pelo que se iniciaram as correspondentes negociações entre ele e os arguidos B...e C....
No decurso dessas negociações os arguidos B...e C... apenas exibiram ao A...o novo contrato de arrendamento celebrado entre o F... e a “Z...”, assegurando-lhe que, em caso de transmissão do estabelecimento comercial, manter-se-ia titular do direito ao arrendamento do mencionado imóvel.
Porém, nunca os arguidos B...e C... informaram o A...da existência de uma penhora sobre o estabelecimento comercial que incluía o direito ao arrendamento do prédio onde o mesmo se encontrava instalado, omitindo deliberadamente essa informação com a intenção de não virem a suportar qualquer prejuízo com o desenrolar do processo executivo instaurado por H... e, concomitantemente, virem a frustrar o efeito útil de tal execução.
Convencido pelos arguidos que se deparava com uma boa oportunidade negocial, o A...decidiu avançar para a concretização do negócio, tendo-lhe apenas sido dado a conhecer o facto de terem sido penhorados à “W...” os bens móveis que existiam no referido estabelecimento, ou seja, cadeiras, mesas, frigoríficos, fogões e vitrinas, os quais valeriam cerca de € 15.000,00, e esse valor seria depois abatido no preço a pagar.
Acreditando na argumentação dos arguidos, veio o A...a celebrar com a arguida C... (sempre acompanhada pelo arguido) os três contratos promessa realizados nas seguintes datas e condições:
(…).
Entretanto, mais concretamente no dia 13 de Dezembro de 2005, o estabelecimento que a sociedade “W...” explorava, e que funcionava no prédio urbano a que nos vimos referindo, foi vendido pelo preço de € 141.000,00 por proposta em carta fechada ao H..., venda essa que incluía o direito ao trespasse e ao arrendamento desse prédio.
No entanto, e não obstante os arguidos C... e B...serem conhecedores de tal situação, continuaram a omitir essa informação ao A...e, no dia 29 de Dezembro de 2005, foi celebrada entre a arguida C... e o A...a escritura pública de cessão de quota e alteração do contrato de sociedade por força da qual a arguida C... lhe cedeu uma quota no valor nominal de € 5.000,00 representativa da totalidade do capital social da sociedade “Z...”, tendo ainda a arguida renunciado à gerência desta sociedade e, em sua substituição, foi designado gerente o A…, constando da escritura que o preço da cessão foi de € 105.000,00.
Logo após a celebração do contrato de cessão de quota e na qualidade de único sócio e gerente da sociedade “Z...” o A...passou a fazer uso do estabelecimento em causa na convicção de exercer um direito próprio de único e exclusivo arrendatário do prédio onde o mesmo se encontrava instalado.
Foi, pois, com total surpresa que, no dia 27 de Abril de 2006, quando aquele estabelecimento se encontrava em pleno período de laboração sob a gerência do A..., este foi confrontado com a presença no local de uma Solicitadora de Execução, de um Agente da PSP, dos Advogados das partes e do H... que lhe ordenaram o encerramento do dito estabelecimento e a sua retirada do local a fim de concretizarem a diligência de “entrega de coisa certa” ao H..., o que concretizaram, tendo sido entregue ao H... o estabelecimento comercial que consistiu na entrega do espaço arrendado e onde funcionava o café e restaurante gerido pelo A..., que foi desapossado do dito estabelecimento e respectivo espaço, tendo sido mudadas todas as fechaduras do rés-do-chão desse edifício.
Só depois deste episódio é que o A...soube da existência da acção executiva que pendia sobre a sociedade comercial “W...”, tomando então conhecimento que quando comprou a sociedade “Z...” o estabelecimento que tinha funcionado nesse mesmo local sob a firma “W...” já tinha sido vendido judicialmente a H... na sequência da penhora efectuada em 12/05/2004, facto de que era totalmente desconhecedor e, só por isso, aceitou adquirir aquela sociedade comercial, tendo incorrido em erro sobre o seu valor comercial e possibilidade de exploração do mesmo no local onde vinha funcionando o respectivo estabelecimento, o que o lesou patrimonialmente.
Por força da aludida venda judicial e entrega efectiva do estabelecimento ao H..., que só por circunstâncias alheias à vontade dos arguidos é que não foi inexequível, aquele passou a ser o titular do direito ao arrendamento do prédio onde funcionou a “W...” e depois a “Z...”; contudo, o arguido F... nunca reconheceu o H... como o titular desse direito ao arrendamento, alegando que tinha despejado do locado a sociedade “W...”, pelo que todas as rendas mensalmente pagas pelo H... ao arguido F... foram por aquele depositadas em conta bancária aberta para o efeito à ordem do tribunal, pois este arguido sempre se recusou receber tais rendas.
Ora, por causa daquele desapossamento o A...teve o estabelecimento comercial “Z...” encerrado ao público desde o dia 27 de Abril de 2006 até ao início de Julho de 2006, sendo certo que até à data do fecho do estabelecimento tinha uma facturação média mensal de € 23.500,00, pelo que, para tentar obviar ao agravamento dos seus prejuízos, decidiu abordar o H... com vista a chegarem um entendimento que permitisse ao A...poder continuar a explorar naquele local o estabelecimento que tinha adquirido.
Como o H... concordou com essa hipótese, foi então o arguido F... posto ao corrente dessa possibilidade, e, com o objectivo de daí vir a alcançar o seu objectivo de desapossar o H... do seu direito ao arrendamento daquele imóvel, logo deu o seu aval para que tal se viesse a concretizar, tanto mais que o H... evidenciava já um precário estado de saúde e idade avançada.
Assim, o arguido F..., convencendo o H... que o estava a reconhecer como legítimo arrendatário, permitiu o sub-arrendamento do imóvel em questão, com promessa de trespasse, pelo H... à sociedade “Z...”, pelo que em 26/06/2006 assinou a autorização cuja cópia consta de fls. 72 do NUIPC 358/10.3TACBR apenso a estes autos por força da qual autoriza o H... a subarrendar ou sublocar pelo preço e condições que entender à sociedade “Z...”, representada pelo A..., a parte do prédio urbano onde aquele estabelecimento já havia funcionado, acrescentando ainda que, em caso de morte de H... antes de decorridos os 3 anos estabelecidos no n.º 1 do art. 58.º do NRAU, tal arrendamento será transmitido imediata e automaticamente para o seu filho D..., nas mesmas condições.
Logo no dia seguinte, ou seja, no dia 27 de Julho de 2006, o A..., na qualidade de legal representante da sociedade “Z...”, celebrou um contrato de subarrendamento e de promessa de trespasse, sujeito a condição resolutiva, com H... que estava convicto de, assim, ter sido reconhecido pelo arguido F... o seu direito ao arrendamento daquele local, motivo pelo qual aceitou celebrar com o A...este subarrendamento e promessa de trespasse, reabrindo então o A...o dito estabelecimento comercial que, a partir dessa data, voltou a funcionar sob a sua gerência naquele local.
Todavia, e não obstante ter subscrito a mencionada autorização, o arguido F... afinal não veio a reconhecer o H... como o legítimo arrendatário do imóvel, e, mesmo depois da realização do referido subarrendamento, manteve a recusa de receber as respectivas rendas que, por isso, continuaram a ser depositadas por aquele à ordem do tribunal.
Perante essa circunstância, em 29 de Julho de 2008, o H... moveu contra o arguido F... uma acção cível com vista a ser reconhecido como legítimo arrendatário daquele prédio, vindo contudo a falecer em 06/08/2009 no decurso dessa acção, razão pela qual o seu filho G... juntou à acção a necessária habilitação de herdeiros por força da qual sucedeu à posição jurídica do H... com vista a que viesse a ser declarado como o legítimo titular do direito ao arrendamento.
Foi então que o arguido F..., no desenvolvimento da sua intenção inicial de desapossar o H... e agora o filho deste do direito ao arrendamento, veio contestar essa acção dizendo que não reconhece o G... como parte legítima na acção e muito menos como titular do direito ao arrendamento para fins não habitacionais pois ele nunca explorou em comum com o arrendatário primitivo o estabelecimento a funcionar no local, já que o mesmo tem vindo a ser explorado pelo A...com quem foi outorgado um sub­arrendamento do locado, invocando para tal o disposto no art. 58.º da NRAU que reza nos seguintes termos: “O arrendamento para fins não habitacionais termina com a morte do arrendatário, salvo existindo sucessor que, há mais de 3 anos, explore, em comum com o arrendatário primitivo, estabelecimento a funcionar no local.”
Só quando foi confrontado com esta argumentação é que o G... se apercebeu que o seu falecido pai H... havia sido ludibriado pelo arguido F..., que, através da autorização de subarrendamento que subscreveu, outra coisa não pretendeu que não fosse vir a retirar-lhe o direito a reclamar os seus direitos de locatário e de poder transmitir livremente o bem que legitimamente havia adquirido, o que causou avultados prejuízos patrimoniais ao G... pois o trespasse do estabelecimento comercial com o direito ao arrendamento que herdou por óbito de seu Pai poderia vir a concretizar-se pelo preço de €300.000,00, o que, nestas condições, não pode vir a alcançar, actuando o arguido F... com a firme intenção de defraudar o H... e agora o seu filho G..., bem ciente que, na qualidade de proprietário do imóvel em questão, se encontrava vinculado a respeitar o direito ao arrendamento destes mas, mesmo assim, não se absteve de invocar aquela argumentação em sede cível para dessa forma causar prejuízo ao G....
Actuando da forma e circunstâncias descritas, agiram os arguidos B…, C... e F... conjunta e concertadamente, com o propósito de, por um lado, através da acção de despejo com fundamentos inverídicos que foi proposta contra a sociedade “W...”, virem a frustrar o efeito útil da acção executiva instaurada pelo H..., de forma a que aquela penhora não viesse a abranger o direito ao arrendamento, assim o prejudicando patrimonialmente, o que só não conseguiram por circunstâncias alheias às suas vontades.
Por outro lado, utilizando os meios que tinham ao seu alcance e valendo-se do facto de o A...não se ter apercebido atempadamente da existência da penhora que incidia sobre a sociedade “W...”, os arguidos B..., C... e F..., actuando também conjunta e concertadamente, fizeram-lhe crer que a sociedade “Z...” e o respectivo estabelecimento comercial podiam validamente funcionar no imóvel pertencente ao arguido F..., ocultando-lhe a penhora e a subsequente venda judicial que incidia sobre a sociedade “W...” e que incluía o direito ao arrendamento do local onde a mesma funcionava, exibindo-lhe apenas o contrato de arrendamento que a arguida C..., em representação da “Z...”, tinha entretanto celebrado com o arguido F..., garantindo os arguidos ao A...que do negócio que pretendiam celebrar não lhe iriam advir quaisquer problemas, assim o determinando a largar mão de avultadas quantias monetárias que os arguidos ilegitimamente pretendiam integrar no seu património, como os arguidos B...e C... efectivamente integraram ao fazerem seus os montantes monetários que o A...lhes entregou, convencido que estava pelos arguidos que não surgiria nenhuma circunstância impeditiva de o estabelecimento que adquiriu poder laborar no local onde se encontrava instalado, o que afinal não veio a acontecer pois o mesmo, por força da actuação dos arguidos, veio a ficar desapossado do dito estabelecimento e impedido de continuar a laborar no local, o que lhe provocou avultados prejuízos patrimoniais.
Agiu ainda o arguido F... com a intenção de nunca vir a reconhecer o H... como legítimo arrendatário do imóvel onde funcionou a sociedade “W...” que este tinha adquirido por força de venda judicial, para o que decidiu convencê-lo que o estava a reconhecer como tal quando autorizou o sub-arrendamento do imóvel em questão pelo H... à sociedade “Z...”, representada pelo A..., declarando até que, por morte do H..., tal arrendamento seria transmitido para o seu filho G.... Face a tal declaração escrita e assinada pelo arguido F..., o H... ficou de facto convicto que aquele nada mais pretendia que não fosse reconhecê-lo como titular do direito ao arrendamento daquele imóvel, motivo pelo qual, e só por isso, aceitou subarrendá-lo ao A..., permitindo a este que o dito estabelecimento comercial ali voltasse a funcionar sob a sua gerência, facto que veio depois a ser usado pelo arguido F... para continuar a não reconhecer o H... como o legítimo arrendatário do imóvel, pois, após a sua morte, e à revelia do que lhe tinha garantido, veio invocar judicialmente o facto de o estabelecimento que funcionava no prédio que lhe pertence nunca ter sido explorado pelo G..., filho do falecido H..., em comum com o arrendatário primitivo, o que fez no desenvolvimento da sua intenção inicial de desapossar o H..., e depois o filho deste, do direito ao dito arrendamento, assim impedindo o reconhecimento dos direitos de locatário e impossibilitando o G... de transmitir livremente esse bem pelo preço de €300.000,00 que um interessado lhe havia proposto desde que incluído o direito ao arrendamento, pretendendo desta forma o arguido F... ficar desonerado daquela obrigação de manter o seu imóvel arrendado ao G..., bem ciente que, na qualidade de proprietário do imóvel em questão, se encontrava vinculado a respeitar o direito ao arrendamento deste.
Agiram livre e conscientemente, bem sabendo que praticavam actos proibidos e punidos por lei penal».

B) Requerida instrução, pelos arguidos B... e C..., foi proferida, em 31 de Março de 2011, decisão instrutória que pronunciou todos os arguidos pelos factos e qualificação jurídica constantes na acusação.

C) Em 2 de Junho de 2010, A... deduziu pedido de indemnização civil contra B... e C..., nos seguintes termos:
«1.º - Dá-se aqui por integralmente reproduzida toda a factualidade vertida na douta acusação pública, no que diz respeito aos dois arguidos C... e B....
2.º - Em resultado e como consequência directa dos comportamentos daqueles arguidos, no dia 27 de Abril de 2006 o ora demandante foi desapossado do bem que havia adquirido em 29 de Dezembro de 2005 (estabelecimento comercial), tendo ficado desde essa data a sofrer graves prejuízos (…), que se passam a descriminar:
3.º - Desde logo, o demandante teve o estabelecimento comercial “encerrado” ao público desde do dia 27 de Abril de 2006 (data em que foi desapossado) até início de Julho de 2006 - cf. doc. l e 2 (resposta dada ao quesito 24), e ainda, os doc. que ora se juntam e cujo conteúdo se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
4.º - De facto, e apesar de a demandante ter celebrado um contrato de subarrendamento e de promessa de trespasse sujeita a condição resolutiva com H... (exequente que comprou judicialmente a “W...” no processo executivo n.º 2291/03.6 TBCBR) a 27 de Junho de 2006,
5.º - A verdade é que o Demandante apenas “abriu as portas” do restaurante em inícios de Julho de 2006 (…).
6.º - Portanto, durante esse período de tempo, o estabelecimento esteve completamente encenado.
7.º - O demandante, à data do fecho, tinha uma facturação mensal de 23.500,00 € - cf. doc. l e 2 (veja-se a resposta ao quesito 25).
8.º - Assim, e a este título, devem os demandantes pagar ao demandante a quantia total de 50.916,70€ - correspondentes a 23.500,00€ por cada mês em que o estabelecimento esteve encerrado (23.5000,00€ x 2 meses), acrescido de 3.916,70€ (correspondentes aos restantes 5 dias em que o estabelecimento esteve encerrado).
9.º - Para além disso, e apesar do estabelecimento em causa se ter encontrado encerrado pelo período de dois meses e cinco dias, a verdade é que o demandante continuou, durante esse período de tempo, a honrar com os compromissos que tinha assumido perante os seus funcionários - cf. doc. 1 e 2 (veja-se a resposta dada ao quesito 26).
10.º - Tendo, portanto, durante todo esse período, pago integral e pontualmente os salários aos seus funcionários - cf. doc. 1 e 2 (veja-se a resposta dada ao quesito 26).
11.º - Tendo o demandante pago aos seus funcionários o valor total de 6.862,11€ a título de salários.
12.º - Para além disso, o demandante, durante o período em que o estabelecimento esteve encerrado, pagou a quantia total de aproximadamente 2.098,31€ a título de Segurança Social dos seus trabalhadores - cf. doc. 1 e 2 (veja-se a resposta dada ao quesito 28).
13.º - O demandante tem direito, ainda, a ser indemnizado pelos bens comestíveis que se encontravam no estabelecimento no dia em que este foi encerrado, e que foram totalmente destruídos, que se avaliam na quantia de 4.150,00 € - cf. doc. 1 e 2 (veja-se a resposta dada ao quesito 29).
14.º - Por último, o demandante tem direito a receber todas as quantias que entregou para pagamento do trespasse do estabelecimento em causa nos presentes autos, a saber:
15.º - O preço acordado para o referido trespasse foi de 330.000,00€ (trezentos e trinta e três mil) e não de 105.000,00€ conforme resulta da douta acusação pública.
16.º - De facto, ficou dado como provado no processo n.º 3039/06.9TBCBR que correu termos na 1.ª secção das Varas Mistas de Coimbra que o valor do trespasse foi de pelo menos 125.000,00€ - cfr. doc. 1 e 2 (veja-se resposta dada ao quesito 1.º e, ainda, toda a introdução que faz parte da resposta aos quesitos junta como doc. 2).
18.º - A quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros), na data da celebração do contrato de cessão de quota, i. e., no dia 19 de Dezembro de 2005 - doc. 1 e 2 (veja-se a este propósito toda a introdução à resposta aos quesitos).
19.ª - A quantia de 10.000,00€ (dez mil euros) no dia 26/10/2005 - doc. 1 e 2 (veja-se resposta ao quesito 4).
20.º - A quantia de 7.000,00€ (sete mil euros) no dia 27/10/2005 - doc. 1 e 2 (veja-se a resposta dada ao quesito 5).
21.º - A quantia de 3.000,00€ (três mil euros) no dia 28/10/2005 - doc. 1 e 2 (veja-se a resposta dada ao quesito 6).
22.º - A quantia de 10.000,00 (dez mil euros) no dia 31/10/2005 - doc. 3 que ora se junta e cujo conteúdo se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
23.º - A quantia de 10.000,00€ (dez mil euros) no dia 04/11/2005 - doc. 4 que ora se junta e cujo conteúdo se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
24.º - A quantia de 10.000,00€ (dez mil euros) no dia 0711/2005 - cfr. doc. 4.
25.º - A quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros) no dia 30/12/2005 - cfr. doc. 5 que ora se junta e cujo conteúdo se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
26.º - A quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros) no dia 03/01/2006 - cfr. doc. 6 que ora se junta e cujo conteúdo se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
27.º - A quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros) no dia 09/01/2006 - doc. 6.
28.º - A quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) no dia 17/01/2006 - cfr. doc. 6.
29.º - A quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros) no dia 25/01/2006 - cfr. doc. 6.
30.º - A quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) no dia 01/02/2006 - cfr. doc. 7 que ora se junta e cujo conteúdo se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
31.º - A quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) no dia 21/4/2006 - cf. doc. 8 que ora se junta e cujo conteúdo se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
32.º - No total e em líquido, para pagamento do preço acordado para o trespasse, o demandante entregou aos demandados a quantia total de 180.000,00€ (cento e oitenta mil euros).
33.º - Deste valor (180.000,00€) os demandados já entregaram ao demandante o valor total de 35.000,00€, em virtude da instauração do processo executivo n.º 3039/06.9TBCBR-D, que correu termos na 1.ª secção das Varas Mistas de Coimbra.
34.º - Pelo que devem ao demandante o valor de 145.000,00€ (cento e quarenta e cinco mil euros).
35.º - Por todo o exposto, o demandante vem reclamar, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, o valor total de 209.027,12€ (duzentos e nove mil, cento e vinte e sete euros e doze cêntimos).
(…).
41.º - Quantia a que acrescem os juros de mora calculados à taxa legal de 8% desde 27 de Abril de 2006 até efectivo e integral pagamento.
42.º - Acresce que, em consequência necessária e directa das condutas dos arguidos, o ofendido/assistente sentiu-se enganado, burlado e defraudado, passou a ter grandes dificuldades económicas, para além de não conseguir confiar nas pessoas e desconfiar de todos os que o rodeiam.
43.º - Ora, estando em causa um estabelecimento comercial (restaurante) implantado na cidade de Coimbra há vários anos, sendo conhecido e frequentado, à data dos factos, por centenas diariamente, muitas pessoas, entre os quais a maioria dos clientes, tiveram conhecimento dos factos praticados pelos arguidos/demandados e da forma como estes astuciosamente enganaram o demandante, o que lhe causou vergonha, humilhação e desespero.
44.º - Para além daqueles sentimentos, o demandante sentiu sobretudo desalento e revolta pelo fato de ter investido as poupanças de toda uma vida de trabalho e sacrifício no estrangeiro no seu país de origem e ser embusteado, burlado sem “qualquer dó nem piedade”.
45.º - Todo o exposto, constituem danos de natureza não patrimonial que merecem tutela legal e que, em sede de compensação, não se podem fixar em menos de 5.000,00 (cinco mil euros).
Termos em que e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente pedido de indemnização civil ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência, serem os arguidos B... e C... condenados a pagar ao demandante:
a) o valor total de 209.027,12€, a título de danos patrimoniais;
b) o valor de 5.000,00€, a título de danos não patrimoniais;
c) juros de mora vencidos e vincendos desde 27 de Abril de 2006 até efectivo e integral pagamento».

D) Os demandados B... e C... apresentaram contestação deste teor:
«I - Por excepção: caso julgado:
1.º - A 03/11/2006, o ofendido e sua esposa interpuseram, nas Varas Mistas de Coimbra contra a ora arguida C..., acção declarativa de condenação, com a causa de pedir e o pedido constantes da p.i. que se junta e na íntegra se dá por reproduzida - doc. 1.
2.º - A referida acção, que correu termos sob o n.º 3039/06.9TBCBR, 1.ª Secção da identificada Vara Mista de Coimbra, foi considerada, por sentença, parcialmente procedente - doc. 1.
3.º - Objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual proferiu o Acórdão que se junta - doce. 1.
4.º - E objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que proferiu o Acórdão que se junta - doc. 1.
5.º - As decisões proferidas pelas diversas instâncias sofreram as alterações, que, por facilidade de exposição de raciocínio se reproduzem:
Sentença: “Considerando tudo o que fica exposto julgo a acção parcialmente procedente e declaro nulo o contrato de cessão de quota celebrado entre Autor marido e Ré, em 29 de Dezembro de 2005, referido na al. c) dos “Factos provados”.
Condeno a Ré a entregar aos Autores a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa anual de 4%, desde a citação até integral pagamento.
Absolvo a Ré do resto que é pedido.”
Acórdão do Tribunal da Relação: “Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e revogando parcialmente a sentença apelada condena-se a Ré C... a pagar aos AA a importância de € 56.587,32, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Mantém-se em tudo o demais decidido na sentença apelada.”
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: “Pelo exposto, concede-se parcialmente a revista, revogando-se a decisão recorrida e condenando-se a R a pagar aos AA a quantia de 10.000€, a título de indemnização pela má fé pré contratual, com juros de mora desde a citação.”
6.º - Da conjugação das decisões proferidas, resultou a condenação da Ré C...:
- ao pagamento da quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
7.º - Em data anterior ao trânsito do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, os então AA instauraram contra a R C... e seu marido ora arguidos, processo executivo, que correu termos sob o apenso D ao processo 3039/06.9TBCBR, 1.ª Secção da Vara Mista de Coimbra, conforme documento que se protesta juntar.
8.º - Após trânsito em julgado da decisão referida no número anterior do presente articulado, a exequente reduziu a quantia exequenda - doc. 2.
9.º - Quantia que a R C... e o arguido B...pagaram aos AA, o que motivou a extinção da execução, conforme documento que se protesta juntar.
Ora acontece que:
10.º - O pedido e causa de pedir do pedido cível formulado nos presentes autos correspondente ao pedido e causa de pedir formulado no âmbito do processo 3036/09.9TBCBR, 1.ª Secção da Vara Mista; aliás da simples leitura da p.i e do presente pedido, resulta inclusive que, alguns dos artigos têm igual formulação.
11.º - E o trânsito em julgado do Acórdão proferido ocorreu em data anterior à dedução do pedido cível formulado nos presentes autos.
12.º - Pelo que, se verifica a excepção do caso julgado, por identificação de sujeitos, pedido e causa de pedir - artigos 407.º e 498.º do C.P.C.
13.º - Quanto à identificação dos sujeitos, não obstante a referida acção cível ter sido instaurada por AA contra C... (pelo facto de o contrato de cessão de quotas ter sido celebrado entre C... e AA) certo é que os exequentes instauraram a acção executiva também contra o ora arguido, motivo pelo qual o caso julgado estende-se, naturalmente, ao cônjuge da arguida C....
14.º - Os fatos que fundamentam a causa de pedir, são na acção declarativa e no pedido cível formulado os mesmos, conclusão que resulta da leitura de ambas as peças processuais apresentadas.
15.º - O pedido peticionado é o mesmo em ambas as acções, pelo que há identidade de pedido.
16.º - Pelo exposto, deve a excepção do caso julgado ser considerada procedente, por provada e, consequentemente, ser o pedido cível ora formulado considerado improcedente, com as legais consequências.
Caso assim não se entenda:
II - Por excepção; do pagamento:
17.º - Dá-se integralmente por reproduzida a matéria supra explanada em supra artigos 1.º a 16.º da presente contestação.
18.º - Tendo sido efectuado, pelos arguidos, o pagamento das quantias em que foram condenados no âmbito do processo 3036/06.9TBCBR, 1.ª Secção da Vara Mista, nada devem ao ofendido.
III - Por impugnação:
(…)».

E) Também D... deduziu pedido cível, contra todos os arguidos, com os fundamentos de fls. 47/53 dos presentes autos de recurso em separado, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, o qual foi contestado pelos demandados B...e C..., nos termos de fls. 63/66.

F) A... e esposa propuseram, em Novembro de 2006, acção declarativa de condenação em processo ordinário contra C..., cuja petição inicial aqui se deixa reproduzida:
«1.º - A ré constituiu, em 13 de Junho de 2005, uma sociedade comercial unipessoal - a “Z..., Café e Restaurante Unipessoal, Lda.” (…).
2.º - A referida sociedade encontra-se matriculada sob o n. … do Registo Comercial de Coimbra (…).
3.º - Tem como objecto a actividade de restauração, designadamente a exploração de restaurante.
4.º - E tinha, até 29 de Dezembro de 2005, como única sócia e gerente a ora Ré.
5.º - Aquela sociedade, no âmbito da sua actividade, iniciou a exploração de um estabelecimento de restauração.
6.º - Tal estabelecimento encontra-se instalado num prédio urbano destinado a comércio e habitação, sito na Estrada da … - W..., inscrito na matriz predial urbana sob o n.º … , e composto de Rés do chão, primeiro andar e logradouro.
7.º - Por força de um contrato de arrendamento celebrado em l de Setembro de 2005, para fins habitacionais e comerciais, através do qual a sociedade em causa, representada pela Ré, tomou de arrendamento a F..., e este deu de arrendamento, o prédio supra referido, de que o segundo é dono e legitimo proprietário (…).
8.º - Em 29 de Dezembro de 2005, a Ré cedeu ao Autor marido uma quota no valor nominal de 5.000,00€ (cinco mil euros), representativa da totalidade do capital social da “W…Unipessoal Lda.”, por escritura pública de cessão de quota e alteração ao contrato de sociedade (…).
9.º - Nos termos da referida escritura, a Ré renunciou à gerência da Sociedade “W...” - facto averbado no registo (Av. 1) sob a Ap. 10/20060307 (…).
10.º - Tendo na mesma data, 29 de Dezembro de 2005, sido designado como gerente daquela sociedade o ora Autor - facto averbado no registo sob Ap. 11/20060307 (…).
11.º - Nos termos daquele contrato, e apenas nos termos do mesmo, a quota foi cedida com todos os correspondentes direitos e obrigações inerentes, pelo preço de 105.000,00€ (cento e cinco mil euros).
12.º - Porém, a verdade é que a quota em causa não foi cedida pelo preço constante no contrato de cessão de quota junto como doc. n.º 4, mas sim pelo preço de 330.000,00€ (trezentos e trinta e três mil euros).
14.º - De facto, o Autor, tendo estado mais de 40 anos emigrado na França,
15.ª - e recém-chegado a Portugal, pretendendo fixar-se por conta própria no seu país de origem, como a grande maioria dos nossos emigrantes,
16.º - facilmente foi convencido pela Ré a declarar no contrato um preço inferior àquele pelo qual efectivamente o negócio foi celebrado, pois o Autor falava e compreendia mal a língua portuguesa.
17.º - Antes do contrato definitivo identificado em 8.º, Autor e Ré celebraram 3 contratos-promessa.
(…).
23.º - Da análise dos mencionados contratos-promessa facilmente se depreendem as várias reduções de preço de um contrato para outro, sendo certo que nenhum deles contempla o preço real pelo qual o negócio foi efectuado.
24.º - Para as referidas alterações de preço, a Ré argumentava, aproveitando-se de inexperiência e do facto de o Autor perceber mal a língua portuguesa, que tinha falado com o seu contabilista e que este tinha aconselhado ser declarado um preço inferior,
25.º - pois tal era mais vantajoso para a Ré e, por sua vez, para o Autor não trazia qualquer consequência.
26.º - Assim, ingenuamente, o Autor aceitou declarar um preço inferior daquele que verdadeiramente pagaria, e pagou, a Ré.
(…).
28.º - Para pagamento do preço acordado, isto é, para pagamento do preço de 330.000,00€, o Autor entregou à Ré os seguintes valores:
29.ª - A quantia de 5.000,00€, na data da celebração do contrato de cessão de quota, i.e., no dia 29 de Dezembro de 2005 - cfr. doc. 4;
30.º - A quantia de 10.000,00€, no dia 26/10/2005 - doc. 8 (…);
31.º - A quantia de 7.000,00€, no dia 27/10/2005 - doc. 8;
32.º - A quantia de 3.000,00€, no dia 28/10/2005 - doc. 8;
33.º - A quantia de 10.000,00€, no dia 31/10/2005 - doc. 8;
34.º - A quantia de 10.000,00€, no dia 04/11/2005 - doc. 9 (…);
35.º - A quantia de 10.000,00€, no dia 07/11/2005 - doc. 9;
36.º - A quantia de 20.000,00€, no dia 30/12/2005 - doc. 10 (…);
37.º - A quantia de 20.000,00€, no dia 3/1/2006 - cfr. doc. 11 (…);
38.º - A quantia de 20.000,00€, no dia 9/1/2006 - cfr. doc. 11;
39.º - A quantia de 15.000,00€, no dia 17/1/2006 - cfr. doc. 11;
40.º - A quantia de 20.000,00€, no dia 25/1/2006 - cfr. doc. 11;
41.º - A quantia de 15.000,00€, no dia 1/2/2006 - cfr. doc. 12 (…);
42.º - A quantia de 15.000,00€, no dia 21/4/2006 - cfr. doc. 13;
43.º - No total e em líquido, o Autor já entregou à Ré a quantia de 180.000,00€ para pagamento do preço acordado.
44.º - Para além desse dinheiro, o Autor entregou ainda duas letras de câmbio no valor de 50.000,00€ cada, vencendo-se a primeira em 2 de Janeiro de 2007 e a segunda em 2 de Janeiro de 2008 - cfr. doc. 4 (…).
45.º - E ainda preencheu, assinou e entregou um cheque no valor de 67.000,00€, para uma determinada data que o Autor não recorda, mas que não foi apresentado a pagamento pela Ré na data aposta no mesmo.
46.º - O ora Requerente passou, logo após a celebração do referido contrato de cessão de quota, e na qualidade de único sócio e gerente da sociedade “W…”, a fazer uso do estabelecimento em causa na convicção séria e legítima de exercer um direito próprio de único e exclusivo arrendatário do prédio onde o mesmo se encontrava instalado,
47.º - pois o contrato de arrendamento identificado em 7.º deste articulado foi celebrado pelo período de um ano, com o início de vigência no dia l de Setembro de 2005, renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo, nos termos da cláusula 4.ª do doc. 3.
48.º - Pelo que, na data em que foi celebrado o contrato de cessão de quota - 29 de Dezembro de 2005 - o contrato de arrendamento estava em plena vigência.
49.º - No entanto, e para completa surpresa do Autor, no dia 27 de Abril de 2006, sensivelmente pelas 10 da manhã, irromperam pelo estabelecimento do ora Requerente inúmeros indivíduos, completamente desconhecidos do Requerente - doc. 14 (…);
50.º - Entre eles um advogado, uma solicitadora de execução e um agente da Polícia de Segurança Pública - doc. 15 (…).
51.º - O estabelecimento estava em pleno período de laboração, estando presente o ora Autor, enquanto sócio gerente da “Z...”, trabalhadores da mesma e inúmeros clientes.
51.º - Em acto contínuo e com a intervenção de um serralheiro, foram mudadas as fechaduras do rés-do-chão.
52.º - O Autor, estupefacto com o que se estava a passar e numa tentativa de impedir toda aquela invasão, exibiu o contrato de arrendamento (doc. 3) e a escritura de cessão de quotas (doc.4).
53.º - Todavia, o gesto do Autor foi completamente ignorado, tendo sido conduzido para fora do estabelecimento em causa pela força policial.
54.º Concluída a remoção e a substituição das fechaduras do rés-do-chão do prédio em causa, o Autor, na qualidade de único sócio e gerente da sociedade “Z...”, foi informado de que se tinha levado a cabo uma diligência de “entrega de coisa certa”, mais concretamente de um estabelecimento comercial.
55.º - Diligência essa decretada no âmbito do processo executivo n.º 2291/03.6TBCBR, a correr os seus termos na 1.ª secção da Vara Mista de Coimbra, para cobrança coerciva de 99.959,30€.
56.º - Na referida acção executiva é exequente H..., e são executados W... - Café Restaurante, Unipessoal, Lda., - cfr. doc. 14.
57.º - O executado “W... - Café Restaurante, Unipessoal, Lda.” era o anterior arrendatário do imóvel identificado em 5.º deste articulado e explorava um estabelecimento no mesmo local.
58.º - Compulsados os autos da referida execução, o ora requerente ficou a saber, que:
A) A sociedade que explorava o estabelecimento que funcionava no prédio identificado em 6.º (“W... - Café Restaurante, Unipessoal, Lda.”) foi penhorado nos ditos autos, tendo sido vendido, em 13/12/2005, por proposta em carta fechada ao exequente H...Alves dos Santos, pelo preço de 141.000,00 € - doc. 16 (…);
B) A referida execução tem subjacente, enquanto título executivo, uma letra de câmbio, no montante de 18.000.000$00, sacada pelo exequente sobre a “W...” - doc. 17 (…);
C) Letra avalizada pela aí executada;
D) Vencida a 31/12/2001 - doc. 17.
59.º - Ficou a saber, ainda, que:
A) A executada “W... - Café Restaurante, Unipessoal, Lda.”, na data em que deu entrada a referida acção executiva, tinha como único sócio e gerente B... - doc. 18 (…);
B) E que este por sua vez era, e é, casado em regime de comunhão geral de bens com a ora Requerida.
C) A referida acção executiva deu entrada no dia 5 de Novembro de 2003.
D) O auto de penhora do estabelecimento é datado de 12 Maio de 2004 - cfr. doc.16.
E) A venda judicial do estabelecimento “W...” a … , em 13/12/2005, incluiu o direito ao trespasse e ao arrendamento do prédio identificado em 6.º - cfr. doc. 16.
60.º - Ficou a ter conhecimento, ainda, que no dia 4 de Abril de 2005 foi intentada uma acção de despejo contra a “W...” por alegada falta de pagamento de rendas - doc. 19 (…).
61.º - A referida acção de despejo não foi contestada - doc. 20 (…).
62.º - O despejo foi decretado em 15 de Junho de 2005 - cfr. doc. 20.
Ou seja:
63.º - Após a penhora da “W... - Café Restaurante, Unipessoal, Lda.”, (de que era sócio gerente B..., casado em regime de comunhão geral de bens com a ora Requerida) onde se incluía o direito ao arrendamento,
64.º - o senhorio (F...) intentou acção de despejo contra aquela por alegada falta de pagamento de rendas.
65.º - A qual foi assim, por não contestada, julgada procedente por sentença de 15 de Junho de 2005 - cfr. doc.20;
66.º - Com a consequente resolução do contrato de arrendamento (o celebrado entre a “W...” e F...) que datava de 17 de Março de 1976.
67.º - Deste modo, e atendendo a todo o exposto, com a referida acção de despejo a “W...” pretendia evitar que o direito ao arrendamento fizesse parte integrante do estabelecimento em causa;
68.º - Estabelecimento esse que já estava penhorado a favor de … .
69.º - Por outro lado pretendia possibilitar a instalação no locado de uma nova sociedade - conforme veio de resto a acontecer, por parte da esposa do sócio gerente da “W...” - ora Ré:
• A Ré constituiu, em 13 de Junho de 2005, uma nova sociedade a “Z...”;
• Em 1 de Setembro de 2005 celebrou, na qualidade de única sócia e gerente da “Z…”, um novo contrato de arrendamento com o mesmo senhorio F...;
• E imediatamente a seguir, em 29 de Dezembro de 2005, celebrou um contrato de cessão de quota com o ora Autor.
70.º - Porém, a verdade é que, quando foi intentada a acção de despejo, o senhorio já era conhecedor da existência da penhora sobre o estabelecimento comercial e que a mesma englobava o direito ao arrendamento - cfr. doc. 16.
71.º - Tudo se passou de forma conveniente e planeada, entre a ora Ré e o marido da mesma, com vista a que o direito ao arrendamento não fizesse parte do estabelecimento e, era consequência, libertar aquele direito da penhora efectuada.
72.º - A exclusão do direito ao arrendamento, nestas circunstâncias, corresponderia pois a um manifesto beneficio da executada “W...” (em que o único sócio e gerente era o marido da ora Ré), já que toda a conduta desta e da ora Ré teve apenas e tão somente defraudar os interesses do exequente H... e, consequentemente, defraudar, burlar enganar consciente e dolosamente o ora Autor.
73.º - Ora, nos termos do art. 820.º do C. C., sendo penhorado algum crédito do devedor, a extinção dele por causa dependente da vontade do executado ou do seu devedor, verificado depois da penhora é igualmente ineficaz em relação ao exequente.
Um dos objectivos da ora Ré não foi conseguido, pois a sentença que decretou o despejo da “W...” não produziu qualquer efeito perante o então executado H....
75.º - De facto, aquela acção de despejo deveria ter sido intentada também contra o executado para que este tivesse a possibilidade de pagar as rendas alegadamente em dívida, uma vez que, por um lado, o direito ao arrendamento já estava penhorado a favor dele;
76.º - E por outro lado, o senhorio - F... - já tinha sido notificado da penhora - cfr. doc. 16.
77.º - Assim, a sentença de despejo não produziu efeitos perante o exequente, a penhora não foi levantada, e, em consequência, no dia 27 de Abril de 2006, o ora Autor foi desapossado do bem que havia adquirido em 29 de Dezembro de 2005, tendo ficado desde essa data a sofrer gravosos prejuízos.
78.º - Pelo que um dos outros objectivos da ora Ré foi efectiva e objectivamente alcançado - defraudar, burlar e enganar astuciosa e dolosamente o Autor.
79.º - O Autor desconhecia até ao dia 27 de Abril de 2006, data em foi desapossado, a existência de qualquer dívida e de qualquer processo executivo.
80.º - O Autor desconhecia, até essa data, a existência de qualquer penhora tendo por objecto o estabelecimento que no mesmo local havia funcionado.
81.º - A única coisa de que o Autor sabia era que os bens móveis da “W...” estavam penhorados;
82.º - Comprometendo-se a ora Ré a pagar o valor atribuído a esses bens, caso a “W...” não chegasse a acordo com o exequente.
83.º - Assim, a Ré ocultou dolosa e deliberadamente o montante e a extensão da penhora da “W...”, bem como a sua venda judicial em 13 de Dezembro de 2005.
84.º - De facto, antes de ter sido celebrado o contrato definitivo de cessão de quota entre Autor e Ré, foram celebrados os já referidos 3 contratos-promessa de cessão de quota (doc. 5, 6 e 7) em que em todos eles é constante a referência que “à Sociedade W...” foram penhorados os bens móveis, nomeadamente cadeiras, mesas frigoríficos, fogões e vitrines, aos quais se atribui um valor de 15.000,00 €;
85.º - Nunca em momento algum a Ré mencionou que tinha sido penhorado o estabelecimento comercial, nomeada e principalmente o direito ao arrendamento;
86.º - Pois se o Autor soubesse da existência de tal penhora jamais teria celebrado qualquer contrato: nem o contrato promessa e muito menos o definitivo.
87.º - E a Ré consciente disso (pois o valor acordado entre ambos para a celebração do negócio teve em conta quase exclusivamente o estabelecimento, o locado em si) ocultou deliberada e dolosamente a referida penhora do Autor!
88.º - Essa ocultação dolosa por parte da Ré foi a causa exclusiva e directa do estado de erro em que o Autor se encontrava aquando da celebração do contrato;
89.º - Erro que, por sua vez, foi causa determinante para que o Autor celebrasse o referido contrato!
90.º - No caso em apreço, a Ré astuciosamente colocou o Autor em erro, ocultando-lhe deliberada, consciente e dolosamente o objecto e a extensão da penhora; se não fosse esse estado de erro em que o Autor se encontrava, por culpa exclusiva da Ré, ele jamais celebraria qualquer negócio com aquela.
91.º - No caso sub judice, era qualidade essencial do negócio o direito ao arrendamento. Era determinante para o Autor que ao celebrar o contrato de cessão de quota o mesmo passasse a ser titular do direito ao arrendamento sobre o imóvel onde estava instalado o estabelecimento em causa.
92.º - Tanto era assim, que o preço acordado entre Autor e Ré tinha como factor essencial a existência de um contrato de arrendamento válido e plenamente vigente, caso contrário o Autor jamais teria celebrado o contrato em causa.
93.º - Por sua vez, a Ré bem sabia que a aquisição do direito ao arrendamento era para o Autor condição essencial, determinante, se não mesmo exclusiva para a celebração do contrato de cessão de quota.
94.º - Por saber disso é que a Ré ocultou dolosa e deliberadamente a extensão e o objecto da penhora.
95.º - Por último, a Ré não podia deixar de saber da referida penhora - ela era, e é, mulher do único sócio e gerente da sociedade executada “W...”.
96.º - Para além disso, a Ré era trabalhadora na sociedade executada.
97.º - A Ré sabia perfeitamente da extensão e do objecto da penhora.
98.º - A Ré agiu dolosamente, pois sabia que ocultando o objecto e a extensão da penhora, o Autor celebraria o negócio em causa;
99.º - Negócio que se o Autor soubesse da verdade não teria celebrado.
100.º - Existe assim, um nexo de causalidade entre o dolo e a actuação do Autor (do enganado).
101.º - O Autor não se enganou! Foi enganado pela Ré - havendo assim erro qualificado.
102.º - Tal situação configura-se como de responsabilidade pré-negocial, nos termos do art. 227.º do C.C., pois quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos causados à outra parte.
103.º - Em face da conduta dolosa da Requerida, o principal efeito é a anulabilidade do negócio nos termos do art. 254.º do C.C.
104.º - Ao qual acresce a responsabilidade civil pré-negocial da Requerida, em conformidade com o preceituado no art. 227.º do C. C., por ter dado origem à invalidade com o seu comportamento contrário às regras da boa fé, desde os preliminares até à conclusão do mesmo negócio, e com isso ter causado danos.
II. Da indemnização pelos prejuízos sofridos:
105.º - No dia 27 de Abril de 2006 o ora Autor foi desapossado do bem que havia adquirido em 29 de Dezembro de 2005, tendo ficado desde essa data a sofrer gravosos prejuízos, como consequência necessária e directa da conduta da Ré, que se passam a descriminar:
106.º - o Autor teve o estabelecimento comercial “Z...” encerrado ao público durante dois meses e meio - desde o dia 27 de Abril de 2006 até meados de Julho de 2006;
107.º - Isto porque em 27 de Junho de 2006 o ora Autor celebrou um contrato de subarrendamento e de promessa de trespasse sujeita a condição resolutiva com H... (exequente que comprou judicialmente a “W...” no processo executivo n.º 2291/03.6 TBCBR) - doc. 21 (…).
108.º - O contrato de subarrendamento foi celebrado nesse dia, mas o Autor só abriu as portas ao público em meados de Julho.
109.º - Portanto, durante esse período de tempo, o estabelecimento esteve completamente encerrado.
110.º - Atendendo a que o Autor, na data do fecho, tinha uma facturação diária de 1.000,00 € (mil euros);
111.º - A este título deve a Ré ser condenada a pagar aos Autores a quantia de 1.000,00 € X 77 dias = 77.000,00 € (setenta e sete mil euros).
112.º - Para além disso, e apesar do estabelecimento em causa se ter encontrado encerrado pelo período de dois meses e meio, a verdade é que o Autor continuou, durante esse período de tempo, a honrar com os compromissos que tinha assumido perante os seus funcionários;
113.º - Tendo, portanto, durante todo esse período, pago integral e pontualmente os salários aos seus funcionários.
114.º - Tendo em conta que o mesmo tinha à data do fecho oito funcionários, cada um deles auferindo o salário mensal melhor descriminado nos doc. 22 a 29;
115.º - A Ré deve aos Autores a quantia de 8.051,52 € (oito mil e cinquenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos).
116.º - A essa quantia acresce o salário mensal do Autor marido, na qualidade de sócio gerente da “Z...” no valor de 424,36€ e, perfazendo o total, e a este título, a quantia de 1.060,90€ - cfr. doc. 30.
117.º - Para além disso, o Autor marido pagou por mês a quantia de aproximadamente 1.200,00€ a título de Segurança Social para os seus trabalhadores;
118.º - O que significa que, a título de Segurança Social, o Autor pagou a quantia global de 3.000,00€ durante o período em causa.
119.º - Por último, o Autor tem direito a ser indemnizado pelos bens comestíveis que se encontravam no estabelecimento no dia em que foi desapossado, que se avaliam na quantia de 7.000,00€.
120.º - Assim, o Autor vem reclamar, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, o montante de 97.312,42 (noventa e sete mil, trezentos e doze euros e quarenta e dois cêntimos).
III. Do direito:
(…).
Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada e, em consequência:
1. Ser declarado anulado o contrato de cessão de quota identificado em 9.º deste articulado;
2. Ser a Ré condenada a restituir ao Autor:
a) As duas letras de câmbio identificadas em 38.º deste articulado;
b) O cheque no valor de 67.000,00€, identificado em 39.º deste articulado;
c) A quantia de 180.000,00€, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento;
3. Ser a Ré condenada a pagar, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia de 97,312,42€ (noventa e sete mil, trezentos e doze euros e quarenta e dois cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação e até efectivo e integral pagamento».

F) Por sentença de 4 de Janeiro de 2008, o Mm.º Juiz do tribunal de 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
- Declarou nulo o contrato de cessão de quota celebrado entre Autor marido e Ré, em de 29 de Dezembro de 2005;
- Condenou a Ré a entregar aos Autores as duas letras de câmbio identificadas no artigo 44.º da petição;
- Em relação ao pedido de pagamento da quantia de 180.000,00€, condenou a ré a pagar aos Autores tão só a quantia de 25.000,00€, acrescida de juros, à taxa anual de 4% desde a citação até integral pagamento;
No que concerne ao pedido do n.º 3 da petição inicial, foi entendido que os Autores não tinham direito à quantia aí referida, de 97,312,42€.

G) Interposto recurso pela Autora, o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 30 de Novembro de 2008, julgou a apelação procedente e, revogando parcialmente a sentença apelada, condenou a Ré C... a pagar aos AA., para além da indemnização já atribuída, e por conta do pedido concretizado em 3 da petição inicial, a quantia de 56.587,32€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

H) Insatisfeita, a Ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, onde, por acórdão de 10 de Setembro de 2009, na concessão parcial da revista, foi revogada a decisão recorrida e reduzida a condenação da Ré, do montante de 56.587,32€ para a quantia de 10.000,00€.

I) Tendo como título o acórdão da Relação de Coimbra referido na alínea G), por apenso ao proc. n.º 3039/06.9TBCBR, A... e … instauraram contra C... acção executiva.

J) Posteriormente, face ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, os exequentes reduziram a quantia exequenda ao valor de 35.000€, acrescido de juros de mora.

L) A dita execução foi declarada extinta, pelo pagamento da respectiva quantia, através de despacho de 9 de Janeiro de 2010, transitado em julgado.

M) O despacho recorrido está lavrado nestes termos (cfr. acta de julgamento):
«Cumprindo nesta fase de julgamento tomar posição sobre questões prévias que possam influir no mérito da causa, nos termos previstos no art. 338.º do C. P. Penal, cumpre apreciar o seguinte:
- Na sequência da acusação por parte do Ministério Público, veio o assistente/demandante cível A..., a fls. 354.º, deduzir pedido de indemnização cível contra B... e … , com vista a ser ressarcido dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que lhe foram causados pelos arguidos pelos factos que foram imputados pelo Ministério Público na acusação.
O pedido cível veio a ser contestado pelos arguidos a fls. 755 e seguintes onde aqueles se defendem por excepção e por impugnação.
Por via de excepção são invocadas as de caso julgado e de pagamento.
Ora da leitura de toda a prova documental junta ao longo de todo o processo, a maioria da qual proveniente de diversos outros processos de natureza cível que correram termos por este tribunal ou pelos juízos cíveis desta comarca, chegamos à conclusão que, perante uma aparente simplicidade das questões de facto e de direito, que aquele pedido põe à consideração do tribunal, estas questões assumem uma elevada complexidade pela necessidade da articulação e conjugação coerente das questões a apreciar neste processo, com outras já apreciadas no âmbito daqueles outros processos de natureza cível cujas decisões já transitaram em julgado, designadamente com os limites da prova já produzida no âmbito da acção n.º 3039/06.9TBCBR, que correu termos por esta 1.ª Secção desta Vara Mista de Coimbra.
A complexidade advém não só das questões de direito, mas também dos reflexos da prova produzida naquelas acções na apreciação do mérito deste pedido de indemnização cível nestes outros autos (cfr. a propósito as questões suscitadas nos requerimentos que justificam a junção aos autos dos documentos de fls. 17 a 24; 27; 69 a 73; 130 a 147; 203 a 213; 262 a 286; 326 a 333; 360 a 380; 398 a 604 e 615 a 660).
Destinando-se estes autos essencialmente à apreciação da matéria criminal exposta na acusação e confirmada na pronúncia, entendemos que a apreciação aqui do referido pedido de indemnização cível inviabiliza uma decisão rigorosa daquelas questões e é susceptível de gerar incidentes que irão retardar o fim deste processo penal.
Posto isto, decidem os juízes que integram este colectivo, nos termos e com fundamento do disposto no art. 82.º, n.º 3 do C.P.P., remeter as partes deste pedido de indemnização cível em concreto para os tribunais civis».
*
3. Sobre o mérito do recurso:
No domínio do direito anterior ao Código Penal de 1982, a reparação por perdas e danos arbitrada em processo penal tinha natureza especificamente penal.
Com efeito, na medida em que se postergava o princípio da necessidade do pedido, se considerava a indemnização como um efeito necessário da condenação penal (arts. 34.° e 450.°, n.° 5 do C.P.P./29), se definiam critérios próprios da sua avaliação, distintos dos estabelecidos pela lei civil (§ 2.° do mesmo art. 34.°), e não se previa a possibilidade de transacção ou de renúncia ao direito e desistência do pedido, aquela reparação constituía, em rigor, um «efeito penal da condenação - como aliás claramente o inculca o art. 75.°, 3 do CP - hoc sensu “uma parte da pena pública”, que não se identifica, nos seus fins e nos seus fundamentos, com a indemnização civil, nem com ela tem de coincidir no seu montante» Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.° vol., 1974, pág. 549..
Contra essa descaracterização, quer da acção civil enxertada no processo penal quer da própria natureza e finalidades da indemnização aí arbitrada, que não contra o sistema da adesão em si mesmo, veio a grande reforma do direito penal de 1982.
Passando a ser determinada de acordo com os pressupostos e critérios substantivos da lei civil, por força da norma do art. 128.º do Código Penal de 1982 (que revogou, tacitamente, o § 2.° do art. 34.° do C.P.P./29), reproduzida no art. 129.° do CP/95, a reparação assume-se agora como pura indemnização civil que, sem embargo de se lhe reconhecer uma certa função adjuvante, não se confunde com a pena (o art. 128.º do C.P./82 corresponde, com ligeiras alterações formais, ao art. 106.º do Projecto da Parte Geral do Código Penal de 1963, que Eduardo Correia justificou pela «ideia de que, pelo menos no ponto de vista substantivo, a indemnização civil do dano produzido pelo crime é coisa diferente, de todo o ponto, da responsabilidade penal ...» - cfr. Acta da 32.ª sessão, in “Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral”, II vol., M.J., 1966, págs. 211/212).
E, no plano do direito adjectivo, o Código de Processo Penal, mantendo o sistema da adesão [embora alargando, no art. 72.º, o número de casos em que, concedendo ao princípio da alternatividade ou opção, é permitido intentar a acção cível em separado, e levando essa maior maleabilidade ao ponto de autorizar o tribunal não só a condenar no que se liquidar em execução da sentença, sempre que não disponha de elementos bastantes para fixar a indemnização - art. 82.º, n.º l -, mas também a remeter para os tribunais civis, nos casos previstos no n.° 2 (hoje, n.° 3) do último dispositivo citado], veio conferir àquela acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertada no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção civil, acolhendo, inequivocamente, os princípios da disponibilidade - cfr. art. 81.° - e da necessidade do pedido (nemo judex sine actore, ne procedat judex ex officio, ne eat judex ultra vel extra petita partium) - cfr., v.g., os arts. 71.º, 74.º a 77.º e 377.º [a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, além do mais, aditou, relativamente ao texto originário do Código de Processo Penal de 1987, o art. 82.º-A que consagra, para uma situação de excepção (“quando particulares exigências da protecção da vítima o imponham”), uma solução de excepção (em caso de condenação, atribuição, ex officio, de reparação à vítima) que pressupõe, obviamente, a regra ou princípio de que, em processo penal, o juiz só pode arbitrar indemnização, ao lesado, quando este tiver deduzido o respectivo pedido, nos termos do cit. art. 77.º, do C.P.P.], e prescrevendo que a decisão penal, ainda que absolutória, que conheça do pedido cível, constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis, cfr. art. 84.º.
Porém, dizer que em processo penal a indemnização se determina de acordo com os pressupostos e critérios da lei civil não significa que a própria admissibilidade do pedido se afira, ali, em função, apenas, do direito civil substantivo da responsabilidade civil, sem qualquer tipo de limitação. Com efeito, como flui, claramente, do disposto nos arts. 71.º, n.º l, e 74.º, n.º l, do C.P.P., 128.º, do CP/82, e 129.º, do CP/95, a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a indemnização de perdas e danos causados por um crime e só essa. Logo, se o pedido não é de indemnização por danos ocasionados pelo crime, se não se funda na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime, causou, então o pedido é legalmente inadmissível no processo penal. Consequentemente, pelos danos causados por um facto que não é susceptível de integrar um tipo legal de crime e que viola, exclusivamente, um crédito ou uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respectiva indemnização no processo penal.
Em suma: no específico domínio do processo penal, a indemnização só pode fundar-se em responsabilidade civil extracontratual ou em responsabilidade pelo risco. Foi justamente neste sentido que o Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão n.° 7/99, de 17 de Junho de 1999 Publicado no D.R.- I-A, n.° 179, de 3/8/99., fixou a seguinte jurisprudência:
«Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual».
Com a consagração do princípio da adesão resolveram-se no processo penal todas as questões que envolvem o facto criminoso em qualquer uma das suas vertentes sem necessidade de recorrer a mecanismos autónomos.
Por outro lado, não se esquece a manifesta economia de meios, porquanto os interessados não têm de despender e dispersar custos quando a final o tribunal a quem se atribui competência para conhecer do crime oferece as mesmas garantias quando ela é alargada ao conhecimento de uma matéria que está intimamente ligada a esse crime.
Finalmente, importa salientar razões de prestígio institucional, o qual poderia ser posto em causa se houvesse que enfrentar julgados contraditórios acerca do ilícito criminal a julgar, um no foro criminal, com determinado sentido, e outro no foro cível, eventualmente com expressão completamente oposta.
Como se refere no acórdão do STJ de 10/07/2008 Proferido no proc. 08P1410, publicado, em texto integral, no sítio www.dgsi.pt., «a interdependência das acções significa que mantêm a independência de pressupostos e nas finalidades (objecto), sendo a acção penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção penal, e a acção cível dos pressupostos próprios da responsabilidade civil; a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (artigo 129.º do Código Penal) nos respectivos pressupostos e só processualmente é regulada pela lei processual penal. A interdependência das acções significa, pois, independência substantiva e dependência (a “adesão”) processual da acção cível ao processo penal».
Em consonância com o que acaba de expor, o pedido de indemnização civil a deduzir em processo penal tem como causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais os arguidos são acusados.
Efectivamente, com o exercício da acção cível, o que releva no processo penal é o conhecimento, pelo tribunal, de factos que constam da acusação e do respectivo pedido de indemnização e que, consequentemente, são coincidentes quanto à caracterização do acto ilícito. Atributo próprio do pedido cível formulado será o conhecimento, a definição, do prejuízo reparável.
O percurso probatório é exactamente o mesmo no que toca aos factos que consubstanciam a responsabilidade criminal e a responsabilidade civil, havendo apenas que acrescentar que em relação a esta há, ainda, que provar os factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito.
*
A par dos princípios penais da suficiência e da adesão, teremos ainda de destacar, na vertente que nos é dado analisar, o princípio constitucional da obtenção de uma decisão num prazo razoável, não só para a defesa, mas também para as respectivas vítimas do crime (cfr. artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa) e a preocupação do legislador em assegurar que é seguramente possível, a prolação, no âmbito do pedido cível, de uma decisão justa e equitativa.
Daí a consagração, no n.º 3 do artigo 88.º do CPP, do poder/dever de o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa, fundamentalmente pela escassez de elementos factológicos para a determinação da responsabilidade civil, ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo Penal Cfr., v.g., Ac. do STJ de 03-11-2004, in Colectânea, III, pág. 217..
Só nestes casos é que se deve afastar o julgamento do pedido cível no âmbito do processo penal.
Em ambas as situações taxativamente previstas, a manutenção da adesão surge altamente desvantajosa. Na primeira, a desvantagem é para o pedido cível, pois inviabiliza a sua decisão rigorosa; na outra, o prejuízo é para o processo, pois retarda-o intoleravelmente.
Deste modo, como tem salientado a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, extravasam manifestamente o campo de previsão daquele normativo nomeadamente os casos em que as partes são remetidas para os tribunais civis por os pedidos cíveis em causa assumirem valores muito elevados ou quando os mesmos pedidos apresentam complexidade em relação à prova a produzir e ao direito aplicável Cfr., v.g., Acs. da Relação de Évora de 31-05-1995 e de 20-06-1995, ambos publicados na Colectânea, tomo III, respectivamente págs. 230 e 307..
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No caso submetido à apreciação deste tribunal, os julgadores do tribunal colectivo de 1.ª instância remeteram as partes para os tribunais civis no que concerne ao pedido de indemnização civil deduzido por A... contra os arguidos B... e C... com base na seguinte ordem de razões:
- as excepções, de caso julgado e da verificação do pagamento dos valores devidos, invocadas na contestação apresentada pelos demandados assumem uma elevada complexidade, decorrente da necessidade de articulação e conjugação coerente “das questões a apreciar no processo crime” com outras “já apreciadas no âmbito dos processos de natureza cível cujas decisões já transitaram em julgado, designadamente com os limites da prova já produzida no âmbito da acção n.º 3039/06.9TBCBR (…)”;
- “a referida complexidade advém não só das questões de direito, mas também dos reflexos da prova produzida naquelas acções na apreciação do mérito do pedido de indemnização civil deduzido nestes autos”;
as quais, segundo é invocado, preencheriam os dois requisitos previstos no n.º 3 do artigo 82.º do CPP, ou seja, a apreciação no processo penal do pedido de indemnização em causa inviabiliza uma decisão rigorosa daquelas questões e, em simultâneo, é susceptível de gerar incidentes que irão retardar o fim do referido processo.
Esta singela e genérica argumentação não tem a nossa concordância.
Procedemos, em sede adequada, à concretização de todos os elementos relevantes à avaliação da vexata quaestio que nos é colocada. E, perante eles, só uma conclusão se deve retirar, no sentido de permitirem ao tribunal a quo conhecer, com o devido rigor, das questões suscitadas pelo pedido cível deduzido no domínio do processo penal.
Em verdade, os termos desse pedido, entretecidos com o teor da contestação apresentada pelos demandados e com os factos, direito e decisão da sentença, transitada em julgado, proferida no processo n.º 3039/06.9TBCBR, não impossibilitam, no plano dos factos a apurar e no domínio do direito aplicável, uma valoração/apreciação rigorosa sobre as condições de procedência ou improcedência do mesmo.
Por seu turno, porque as questões a conhecer dependem fundamentalmente da ponderação da base documental que o processo já comporta, não são de esperar incidentes aptos a retardarem, de forma intolerável, o julgamento e a prolação do acórdão, a incidir também sobre o mérito do pedido cível formulado por A....
Estando em causa, à luz do despacho recorrido, fundamentalmente, a verificação (ou não) das excepções de caso julgado e de pagamento das quantias reclamadas, no circunstancialismo decorrente dos elementos acima expostos, só o tribunal criminal, sem mácula para uma boa decisão, pode/deve, em tempo adequado, dirimir as ditas questões.
Em suma, o recurso é procedente.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, acordam os juízes na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido que, em relação ao pedido cível deduzido por A..., remeteu as partes para os tribunais civis.
Sem tributação.
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Coimbra, 12 de Dezembro de 2012
(processado e revisto pelo relator, o primeiro signatário)

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(Alberto Mira)

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(Elisa Sales)