Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1854/09.0PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: AMEAÇA AGRAVADA
MAL FUTURO
Data do Acordão: 06/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 153.º, N.º 1, E 155.º, N.º 1, AL. A), DO CP
Sumário: I - Para que exista ameaça penalmente relevante, o anúncio do mal tem de estar na primeira pessoa do singular e em discurso directo, prenunciando grave e injusto dano, necessariamente futuro.

II - A aferição destes elementos deve reportar-se, em princípio, ao homem comum, isto é, a pessoa adulta e normal, sem se ignorar, no entanto, como factor de correcção, a concreta pessoa ameaçada.

III - A expressão “és um homem morto”, dirigida pelo agente ao ofendido, comporta o anúncio de um mal futuro, na medida em que não indica o momento exacto da acção, podendo ser sinónimo de “hei-de matar-te”. O verbo “haver”, estando no presente do indicativo, traduz inequivocamente uma ideia de futuro.

IV - Essa afirmação inequívoca de morte, alusiva a homicídio, conduz à verificação do crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.ºn.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do CP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª secção (criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)

Relatório

1.            No âmbito do processo comum singular n.º 1854/09.0PCCBR.C1, do 1.º Juízo Criminal de Coimbra, em que é arguido A..., solteiro, desempregado, nascido em 8 de Julho de 1961, natural de Alcains, filho de (...) e de (...), residente na (...), em Coimbra, o Ministério Público deduziu acusação contra o mesmo, imputando-lhe (fls. 43) a prática, em autoria material, de um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

O arguido não apresentou contestação.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença (fls. 130 e seguintes), onde se decidiu nos seguintes termos:

«Julga-se procedente a acusação e condena-se A..., pela autoria material de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos art.ºs 153.º, 1, e 155.º, 1 a), com referência ao 131.º, todos do Cód. Penal, na pena de cento e cinquenta (150) dias de multa, à razão de seis euros (€ 6) dia, num total de novecentos euros (€ 900).

Verificada que seja a hipótese do art.º 49.º, 1, do Cód. Penal, o arguido cumprirá cem (100) dias de prisão subsidiária. (…)»

2.            O arguido, não se conformando com a decisão proferida, veio interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
1. O ora recorrente foi acusado e condenado pela autoria material de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) ambos do CP, na pena de cento e cinquenta (150) dias de multa, à razão de seis euros (6€) dia, num total de novecentos euros (900 €).
2. Foram incorrectamente julgados os pontos 1., 2. e 4. dos “Factos Provados”.
3. Estes factos deviam constar dos “Factos não provados” e não dos “Factos provados”.
4. O Tribunal a quo fundamenta a sua convicção, no que aos pontos 1. e 2. diz respeito, nas supostas declarações do arguido, A..., no que toca à ocorrência da discussão, e nos depoimentos “coincidentes, credíveis, circunstanciados e sólidos” do queixoso B..., e das testemunhas C..., D...e E....
5. O mesmo Tribunal a quo, que levou em conta as declarações do arguido na prova da existência da discussão, já as “despreza” na parte em que negou ter proferido a ameaça.
6. Quanto ao ponto 4. da matéria de facto provada, a convicção do tribunal foi fundada numa presunção natural – a idade do arguido, a experiência criminal respectiva e a experiência da vida.
7. Existe uma insuficiência da prova produzida e a prova que existe impõem uma decisão diversa da recorrida.
8. Desde logo, as declarações do arguido, que se foram consideradas credíveis e sólidas para a prova de que houve uma discussão por causa do estacionamento do veículo da esposa do queixoso, devem sê-lo também na parte em que o arguido nega ter ameaçado o ofendido, em obediência a um princípio de coerência por parte do Douto Tribunal a quo.
9. O arguido referiu que existiu, de facto, uma confusão/discussão, mas na qual ele não foi interveniente.
10. Foi uma confusão por causa do estacionamento do veículo da esposa do queixoso, e que ocorreu entre a esposa do queixoso e a nora do arguido.
11. Aliás, o Arguido, só veio a saber depois o que tinha acontecido quando a polícia se dirigiu ao seu estabelecimento a saber o que tinha acontecido.
12. Estas declarações foram valorizadas na íntegra pelo Merítissmo Juiz do Tribunal a quo.
13. Quando perguntado sobre se tinha proferido a expressão “És um homem morto”, afirmou pecuniariamente que não.
14. Nem tinha motivos para isso, tendo em conta que a discussão não tinha sido consigo, mas sim com a sua nora; nunca tinha visto o queixoso na vida; e não houve qualquer problema com aquele relativamente ao sucedido (isto é, não discutiram e não houve qualquer tipo de ofensa, quer verbal, quer física de qualquer das partes).
15. Não tendo o arguido negado a existência de uma discussão entre a sua nora e a esposa do ofendido, não pode interpretar-se que a existência de tal discussão pressupõe uma ameaça, pois, de contrário, estaremos a condenar o arguido com base em suposições.
16. Para uma situação revelam-se credíveis e fundamentais as declarações do arguido para a prova dos factos e para a outra, revelam-se totalmente falsas e, portanto, dispensáveis.
17. O Meritíssimo Juiz a quo refere que relativamente à ameaça (ou melhor, à negação da mesma), tais declarações não são de ter em conta, porque “não tiveram suporte algum probatório, antes foram desmentidas de forma unânime”.
18. O Douto Tribunal a quo desconsidera por completo o auto de notícia que foi lavrado pelos agentes da PSP que ao local se dirigiram e onde não existe qualquer registo de que tenha sido proferida tal expressão.
19. Se tal expressão afectou tanto o ofendido como este referiu, descrevendo aquele episódio como um episódio muito “dramático”, como é que tal não consta do auto de notícia?
20. Só se pode concluir que, ou não existiu qualquer ameaça ou não se revelou assim tão dramática e o ofendido a desconsiderou por completo, não a tendo revelado aos OPC que ali se deslocaram.
21. Quanto às declarações prestadas pelo ofendido, este diz que quando chega ao local o arguido, ora recorrente, estava dentro da loja.
22. Portanto, confirmando o que este já tinha dito, o arguido encontrava-se dentro da loja quando tudo se passou com a esposa do ofendido.
23. Em primeiro lugar, é estranho ter tido o instinto de se dirigir logo ao ora recorrente a pedir explicações, tendo em conta que quem agrediu a sua esposa foi a nora do arguido e não este.
24. Em segundo lugar, num primeiro momento diz que é ele próprio que vai à loja pedir explicações, mas depois já foi o próprio arguido quem veio à porta empunhando um tubo.
25. A testemunha C... amiga do ofendido refere que o arguido, ora recorrente só disse ao Ofendido, o Dr. B... que “era uma pessoa morta” depois de ter chegado a polícia.
26. E segundo esta, o arguido terá proferido várias vezes “Tu és um homem morto”, “Não foi só uma vez nem duas. Repetiu várias vezes”.
27. Perguntada pela Procuradora se Quando o arguido proferiu essa expressão relativamente ao Dr. B... já lá estava a PSP ou não?” A testemunha refere que “Disse-o antes e disse-o depois. Diante da Polícia, nós dissemos: “vê que está a tirar fotografias? Vê que está-nos a insultar?”.
28. E disse expressamente que a polícia tomou conta da ocorrência, tendo inclusive esta e os ofendidos, acompanhado a polícia para apresentar queixa.
29. E antes da chegada da polícia, o ofendido não esteve em momento algum sozinho com o arguido, ora recorrente, segundo o depoimento desta testemunha, uma vez que eles os três (o ofendido, a esposa deste e a própria testemunha) aguardaram a chegada da polícia na rua, dentro do carro.
30. Em momento algum poderia, assim, ter proferido a ameaça, sem que estivessem pessoas a assistir.
31. A outra testemunha, D..., esposa do ofendido, disse que na confusão inicial, em que a mesma se viu envolvida e que esteve na origem de toda esta situação, um filho do arguido, um outro rapaz que vinha num carro e duas mulheres (uma de meia idade e uma outra mais nova) é que insistiram para que ela tirasse o seu carro do sítio em que o tinha estacionado (à frente do estabelecimento do arguido).
32. E segundo ela, estas pessoas é que começaram a bater no carro, com as mãos e com um tubo de ferro e que a agrediram quando esta abriu a porta.
33. Como se pode constatar não houve aqui qualquer intervenção do arguido em toda esta situação.
34. Esta mesma testemunha adianta que só “quando a polícia veio, e já na presença da polícia, este Sr. que se encontra aqui sentado ao meu lado – o arguido, portanto –, disse para o meu marido que “Era um homem morto, que o matava”.
35.  Entram em contradição com o ofendido, uma vez que este último disse que o arguido terá proferido tal expressão “és um homem morto” na ausência da polícia.
36. Não podem estes depoimentos, pela sua falta de coincidência, ausência de credibilidade e falta de solidez na descrição dos factos, servir para fundamentar o que quer que seja.
37. Uma correta e atenta audição da prova gravada e uma ponderada leitura e análise comparativa da transcrição da prova gravada e produzida na sessão da audiência de julgamento, na sua globalidade e não de forma meramente estanque, revela que o Tribunal não fez uma correta apreciação e valoração dos factos e das ambiguidades e contradições insanáveis entre os depoimentos prestados pelo ofendido e as suas testemunhas.
38. Quanto ao agente da PSP que foi chamado ao local para tomar conta da ocorrência, este, quando perguntado sobre o estado do arguido quando chegou ao local, disse que se recordava que ele estava normal e nada exaltado.
39. O ora recorrente pergunta então, como pôde o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, chegar à conclusão a que chega no ponto 2. dos “Factos Provados”, de que “o arguido achava-se exaltado...”?!
40. Ao agente foi perguntado “Se alguém, nesse momento lhe tivesse dito que tinha sido ameaçado de morte pelo arguido, A..., ou por qualquer outra pessoa, o Sr. teria registado na mesma, embora não tivesse ouvido?”.
41. Ora, como se pode ver, o agente da PSP não disse nada que confirme o constante do ponto 1. dos Factos Provados.
42. Bem pelo contrário, uma vez que disse que não ouviu nada da parte do arguido e se tivesse ouvido teria registado no auto de notícia.
43. Todavia, não consta daquele auto de notícia qualquer referência a esta suposta ameaça.
44. Todos os factos que ali constam dizem respeito e outros ilícitos e o ora arguido não aparece como autor de nenhum deles.
45. Logo, é de concluir que o ora recorrente não proferiu a expressão “és um homem morto”.
46. Por conseguinte, o ponto 1. e 2. dos “factos provados” deviam constar dos “factos não provados”.
47. Também não se percebe o que quer o Tribunal a quo transparecer ao dizer que fundamentou a sua convicção quanto ao ponto 4. (“Com o intuito de infundir no visado um fundado receio de que um mal futuro lhe sucederia, nomeadamente à sua própria vida”), numa presunção natural – atenta a idade do arguido, experiência criminal respectiva e experiência de vida.
48. Há, assim, erro notório, na apreciação e valoração da prova, a que se alude na al. c) do n.º 2 do art. 410 do C.P. Penal, não tendo feito o Tribunal a quo uma correta aplicação dos princípios que regem a apreciação da prova em processo penal, designadamente do princípio da livre apreciação da prova e do princípio do in dubio pro reo (art. 32 nº 2 da CRP), devendo os pontos 1., 2. e 4. dos “factos provados” passar a constar dos “factos não provados”.
49. Além disso, a expressão supostamente proferida não preenche o tipo do crime de ameaça, previsto no art. 153º do CP.
50. A expressão “és um homem morto” não encerra em si qualquer prenúncio de mal futuro, mas apenas, e tendo-a como relevante, de mal atual, presente e não futuro.
51. Quem pega num tubo de ferro e diz para o ofendido aquelas expressões, não será para futuramente causar mal, mas quiçá no imediato, o que também não aconteceu.
52. A ver-se a ameaça apenas no facto de o arguido ter aparecido munido de um tubo de ferro, e considerando que o tubo tinha a finalidade exclusiva de intimidar, a haver mal era para ser praticado, cometido de imediato.
53. Ora tal expressão está no presente do indicativo – “és” – e não no futuro – “serás”.
54. Como tal, não contendo aquela expressão anúncio de mal futuro, não preenchia os elementos do tipo de crime.
55. Face aos factos provados a conduta objetiva do arguido, não é anúncio de mal futuro, pelo que não integra o tipo do crime de ameaça.
56. Também não se verificou o preenchimento do critério da adequação da ameaça, de modo a causar medo ou inquietação ao ofendido, atendendo ao critério objetivo-individual, estabelecido para esse efeito.
57. No quadro do conflito, nunca, antes ou depois, teve o recorrente, qualquer conduta com as características do potencial significado ameaçador das expressões em causa nos autos…
58. Também o elemento subjetivo do tipo de crime de ameaça, que exige o dolo, não se encontra preenchido.
59. O ora recorrente entende que tem de ser absolvido, por os factos não preencherem os elementos do tipo de crime.
60. Além disso, o recorrente acha que não se podem subsumir os factos à norma agravativa da al. a do n.º 1 do artº 155º do CP.
61. Ora, na expressão “És um homem morto”, há a mais despojada expressão do que pode vir a ser um atentado contra a vida.
62. Não há qualquer grau de concretização e, assim, a ameaça, fica apenas pelo que é – de crime contra a vida – nada acrescentando à previsão do artº 153º, n.º 1, do CP.
63. Jamais poderia ter sido aplicado ao arguido a pena de 150 dias de multa, à taxa de 6 € dia, num total de €900 (novecentos euros).
64. Pelo que deveria ter sido aplicada uma pena, no máximo, de 80 dias de multa.
65. E a taxa deveria ter sido fixada no mínimo legal – 5 € – por se achar o arguido sem qualquer ocupação profissional, sem auferir o subsídio de desemprego, vivendo unicamente com a ajuda dos seus filhos.

Pretende que foram violados os artigos 153.º e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, 32.º, n.º 2, da Constituição, 410.º, n.º 1, alínea c), e 412.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal.

Termina afirmando que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e sendo a mesma substituída por outra nos exactos termos supra alegados.

2.2          O Ministério Público, em 1.ª instância, apresentou resposta à motivação, expressando o seguinte entendimento:

1.º Inexiste qualquer erro de julgamento na apreciação da prova produzida em julgamento.

2.º Nunca ficou o tribunal em estado de dúvida razoável que pudesse fazer funcionar o princípio «in dubio pro reo».

3.º Foi bem condenado – e na justa medida – o arguido pela prática de um crime de ameaça agravada.

Termina afirmando que deve negar-se provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.

2.3          Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público teve vista nos autos; acompanhando genericamente a resposta dada em primeira instância, salientou quanto à matéria de facto que, sendo lacónica a motivação relativamente aos factos provados, é suficiente para se perceber que foi assumida a versão do queixoso em detrimento da do recorrente e que, apesar da expressão em causa não ter sido proferida no futuro, tem essa conotação, já que o presente é alargado no sentido de “considera-te”, afirmando ainda a adequação da pena.

Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

2.4          O arguido, notificado, nada disse.

3.            Colhidos os vistos e remetidos os autos a conferência, cumpre apreciar a matéria que é objecto de recurso e decidir.

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, nomeadamente as que estão previstas nos artigos 379.º e 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Tendo presentes as conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do presente recurso consubstancia-se na apreciação das seguintes questões:

§ A arguição da existência de erro notório na apreciação da prova e a impugnação da matéria de facto.

§ A verificação dos pressupostos de facto que configuram o crime de ameaça e a ameaça agravada.

§ A adequação da pena.

II)

Fundamentação

1.            Factos relevantes.

Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os factos que foram julgados provados e não provados na sentença recorrida e a respectiva motivação – elementos que integralmente se transcrevem.

«A. OS FACTOS.

A audiência de julgamento realizou-se com observância de todo o formalismo legal, dela resultando os seguintes

factos provados:

1. No dia 08.07.2009, pelas 18:10 horas, na Rua ..., em Coimbra, o arguido, quando se encontrava a ser interpelado por B..., por ter participado em distúrbio onde foi parte visada D..., esposa deste, dirigindo-se ao interpelante proferiu a seguinte afirmação: “És um homem morto!!!...

2. O arguido achava-se exaltado pelo facto de a esposa do interpelante haver estacionado o veículo que conduzia à frente do seu estabelecimento, recusando-se a retirá-lo quando foi convidada a fazê-lo, pelo que foi chamada a PSP.

3. Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente;

4. Com o intuito de infundir no visado um fundado receio de que um mal futuro lhe sucederia, nomeadamente à sua própria vida;

5. Sabia a sua conduta proibida e criminalmente punível.

6. Acha-se sem ocupação profissional; vive com a companheira, doméstica, e 4 filhos (3 maiores de idade e já autónomos e um de 3 anos de idade), em casa própria; tem o 9.º Ano de Escolaridade;

7. Foi condenado, a 19.12.2001, pela prática, a 08.11.1998, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, em dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo – extinta;

a 11.12.2006, pela prática, a 23.12.2002, de um crime de ameaça simples, em quatro meses de prisão, substituídos por 120 dias de multa – extinta pelo pagamento;

a 29.10.2010, pela prática, a 22.07.2006, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, em 100 dias de multa;

a 09.11.2010, pela prática, a 14.01.2008, de um crime de desobediência, em 90 dias de multa.

factos não provados:

Inexistem.

B. A CONVICÇÃO.

Convicção do tribunal:

Foram determinantes para a fundamentar:

Factos 1.º e 2.º: As declarações do arguido – na parte em que reconheceu a ocorrência de discussão, relacionada com o estacionamento de um veículo à frente da sua loja, que motivou a chamada da PSP ao local –, complementadas pelos depoimentos coincidentes, credíveis, circunstanciados e sólidos, porque presenciais das testemunhas B..., queixoso/visado – que confirmou todo esse circunstancialismo fáctico, precisando que o arguido segurava um tubo/ferro (usado para graduar um toldo) –, C..., acompanhante da esposa do queixoso – que se achava, no local, precisamente ao lado desta, e relatou que a incidência inicial, relativa ao estacionamento, levou o arguido a agredir mesmo a esposa do queixoso com bofetadas, confirmando também ter assistido ao arguido a proferir essa expressão dada por assente, dirigida ao queixoso, quando segurava um ferro do toldo na mão, aditando que proferiu essa expressão por mais do que uma vez –, D..., esposa do queixoso – que começou por confirmar ter estacionado o veículo junto ao estabelecimento do arguido e ter sido agredida quando saiu do carro, por não fazer o que lhe pediam (tirar o carro dali), reafirmando também ter ouvido o arguido a dirigir ao seu marido a expressão dada por assente, enquanto segurava na mão um tubo –, e E..., agente da PSP chamado ao local – que apenas confirmou esse chamamento e lembrar-se no arguido no local, já não se recordando de outros pormenores –, em detrimento das declarações do arguido – na parte em que negou ter proferido essa expressão – que, nessa parte, não tiveram suporte algum probatório, antes foram desmentidas de forma unânime nos moldes supra mencionados;

3.º a 5.º: Presunção natural – atenta a idade do arguido, experiência criminal respectiva e experiência de vida;

6.º: As declarações do arguido – informando o tribunal sobre os seus elementos pessoais – que, na ausência de outros elementos mais consistentes, se consideraram atendíveis;

7.º: O teor do doc. de fls. 74 a 78 (CRC do arguido, de onde resultam os elementos especificados).»

2.            A arguição da existência de erro notório na apreciação da prova e a impugnação da matéria de facto.

2.1          Constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis, sendo admissíveis as provas que não forem proibidas por lei – artigos 124.º e 125.º do Código de Processo Penal.

Salvo quando a lei dispuser diferentemente – como ocorre nos casos de prova vinculada – o Tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção – artigo 127.º do Código de Processo Penal.

“Como uniformemente expendem os autores, livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova” – Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal”, Almedina, página 354, em anotação ao artigo 127.º.

“O princípio da livre apreciação da prova é direito constitucional concretizado. Ele não viola a CRP antes a concretiza (acórdão do TC n.º 1165/96, reiterado pelo acórdão n.º 464/97): “A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessário para uma efectiva motivação da decisão”.

O princípio tem, portanto, limites. A CRP e a lei estabelecem limites endógenos e exógenos ao exercício do poder de livre apreciação da prova. Esses limites dizem respeito (…) ao grau de convicção requerido para a decisão, (…) à proibição de meios de prova, (…) à observância do princípio da presunção da inocência, (…) à observância do princípio in dubio pro reo” – Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, páginas 329 e 330, em anotação ao mesmo artigo.

O limite normativo do princípio da livre apreciação da prova consubstancia-se no princípio “in dubio pro reo”, que impõe ao julgador que decida para além de toda a dúvida razoável, beneficiando o arguido sempre que, perante as provas disponíveis, exista dúvida séria acerca dos factos.

“O princípio in dubio pro reo consubstancia um princípio geral do direito processual penal (…). Trata-se da aplicação de uma regra de decisão (…). A aplicação deficiente desta regra, bem como a sua não aplicação são passíveis de controlo pelo STJ (…). Mas é importante que se note que este controlo não inclui as dúvidas que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e deveria ter tido (…), pois o princípio in dubio não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio in dubio não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto” – autor e obra anteriormente citados, página 341, em anotação ao artigo 127.º.

É permitido o recurso das sentenças; e, sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida; mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova – artigos 399.º a 410.º do Código de Processo Penal.

Nos casos em que a prova foi documentada, é admitido o recurso relativo à matéria de facto, impondo-se ao recorrente que observe as exigências do artigo 412.º do Código de Processo Penal, devendo o Tribunal da Relação proceder à audição ou visualização das passagens indicadas pelo recorrente e pelo recorrido e de outras que julgue relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa; a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base ou se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º – artigo 431.º do mesmo diploma legal.

No entanto, “não se concebe como seja possível, sem outros instrumentos que não sejam as transcrições das gravações da prova produzida em audiência, formar uma convicção diferente e mais alicerçada do que aquela que é fornecida pela imediação de um julgamento oral, onde, para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam” – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2003, disponível na base de dados do ITIJ (www.dgsi.pt), processo n.º 02P3100.

É pacífico que, em princípio e perante a impugnação da matéria de facto, não se procede a um novo julgamento, pelo tribunal superior, visando-se antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último, proceder à reponderação dos factos provados e não provados e da respectiva fundamentação, corrigindo-se no que for essencial e relevante os factos provados e não provados, colmatando-se erros de julgamento.

“A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, disponível na base de dados do ITIJ (www.dgsi.pt), processo n.º 0314013.

Assim, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, só devendo ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.

À luz do quadro legal que sumariamente se deixa traçado se apreciará a matéria sob recurso.

2.2          Importa no entanto apreciar a título prévio a arguição de erro notório na apreciação da prova, invocada pelo recorrente, com referência ao artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.

Como antes se mencionou, nos termos do n.º 2 do artigo 410.º, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [alínea a)], a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [alínea b)] e/ou erro notório na apreciação da prova [alínea c)].

Restringindo-nos ao caso – invocado – do erro notório na apreciação e valoração da prova e recorrendo ao ensinamento de Simas Santos e Leal-Henriques (“Recursos em Processo Penal”, 6.ª edição, Editora Rei dos Livros, página 74), o mesmo consubstancia-se em “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.

Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.

Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido).

Assim, não poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efectuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no artigo 127.º (…)”.

Sendo um vício que se relaciona com a apreciação da prova, tem de traduzir-se em vício de raciocínio inquestionável e perceptível pelo comum dos observadores, designadamente quando o tribunal dá como provado algo que manifestamente está errado, porque baseado em juízo ilógico ou contraditório, resultando o vício do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum. Não se confunde no entanto com a mera divergência de valoração feita pelo arguido ou por outro interveniente processual.

Daqui resulta que o erro notório da apreciação da prova a que se reporta o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, também não se confunde com o erro de julgamento que legitima, em sede de recurso, a impugnação da matéria de facto e a invocação de prova que impõe decisão diversa, à luz do disposto no artigo 412.º do mesmo diploma legal.

No caso em apreciação e como antes se mencionou, regista-se que o recorrente invoca a existência de erro notório na apreciação da prova, com referência ao artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.

Pretende a este propósito que não se percebe o que quer o Tribunal a quo transparecer ao dizer que fundamentou a sua convicção quanto ao ponto 4. (“Com o intuito de infundir no visado um fundado receio de que um mal futuro lhe sucederia, nomeadamente à sua própria vida”), numa presunção natural – atenta a idade do arguido, experiência criminal respectiva e experiência de vida.

Ao fundamentar nos termos enunciados, a sentença recorrida reporta-se a razões de experiência comum para afirmar as razões que fundamentam a afirmação do arguido, tendo presente que este é um homem adulto, de onde resulta uma previsível experiência de vida e que, além disso, teve já anteriores condenações, pelo que alcança as implicações decorrentes de tal acto.

Perante isso, não se vê que haja erro notório na apreciação da prova (consubstanciado em falha ostensiva na análise da prova que resulte do próprio texto da sentença, perceptível pelo cidadão comum e denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si).

O arguido afirma ainda haver incoerência por parte do tribunal, ao considerar as declarações por si prestadas em relação à prova da existência de discussões, mas já as desprezando para outros efeitos, na parte em que nega peremptoriamente a afirmação de ameaça.

Perante os fundamentos da convicção do tribunal que se deixaram transcritos, não se vê que haja a pretendida incoerência. O tribunal recorrido, ao sustentar a sua convicção, entre outros elementos e em relação a alguns dos factos, nas declarações prestadas pelo arguido, não o faz de forma incondicional, mas antes na medida em que são confirmados, complementados, por outros elementos de prova, especificamente, pelo relato das testemunhas que explicita, presentes no local e com intervenção directa nos factos.

A afirmação feita na sentença relativamente ao relato do arguido não permite sustentar uma credibilidade incondicional do mesmo e uma ulterior afirmação de descrédito – que, a verificar-se, consubstanciaria, não um erro notório na apreciação da prova, mas antes uma contradição insanável da fundamentação, reportada ao artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.

De qualquer modo, confrontando os pressupostos enunciados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal com a sentença recorrida, não se verifica qualquer um dos restantes vícios a que a norma se reporta.

Na verdade, além da inexistência de erro notório na apreciação da prova, não se vê que ocorra insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (entendida como uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito) ou contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão (entendida como incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão).

2.3          Está essencialmente em causa a matéria dos artigos 1), 2) e 4) dos factos provados (que o recorrente pretende que devia ser julgada não provada).

Nos aludidos artigos, o tribunal julgou provado que, no dia 8 de Julho de 2009, pelas 18 horas e 10 minutos, na Rua ..., em Coimbra, o arguido, quando se encontrava a ser interpelado por B..., por ter participado em distúrbio onde foi parte visada D..., esposa deste, dirigindo-se ao interpelante proferiu a seguinte afirmação: “És um homem morto!!!...”; o arguido achava-se exaltado pelo facto de a esposa do interpelante haver estacionado o veículo que conduzia à frente do seu estabelecimento, recusando-se a retirá-lo quando foi convidada a fazê-lo, pelo que foi chamada a PSP; agiu com o intuito de infundir no visado um fundado receio de que um mal futuro lhe sucederia, nomeadamente à sua própria vida.

O recorrente questiona a matéria de facto com a invocação de diferentes argumentos – que sucessivamente se apreciarão.

Começa por afirmar que há incoerência por parte do tribunal, nos termos anteriormente referidos (ao considerar as declarações prestadas pelo arguido em relação a alguns factos – a prova da existência de discussões – mas já as desprezando para outros efeitos – a negação peremptória da afirmação de ameaça).

Reitera-se o que se deixou mencionado no ponto anterior e com referência aos termos da sentença recorrida, para concluir que não se verídica a alegada incoerência.

O recorrente pretende também que não tinha motivo para ameaçar o queixoso, que não conhecia e com quem nunca tivera qualquer problema, não sendo relevante a discussão ocorrida entre as mulheres.

É pacífico que na origem dos factos em discussão nos autos está o estacionamento da respectiva viatura, pela testemunha D..., esposa do queixoso, junto ao estabelecimento comercial do arguido; do relato desta testemunha, do queixoso e da testemunha C..., que os acompanhava, resulta que o estacionamento naquele local se destinou a facilitar o carregamento de umas cortinas adquiridas num outro estabelecimento comercial existente na mesma rua e que, na origem da discussão que entretanto ocorreu, envolvendo nomeadamente a nora e um filho do arguido e que culminou em agressões à esposa do queixoso, esteve o entendimento de que a aludida viatura estava a obstruir o acesso ao estabelecimento do arguido, sendo esta discussão confirmada pelo relato do próprio arguido.

O recorrente, refutando ter afirmado, dirigindo-se ao queixoso, ser este um homem morto, alega ainda ter sido estranho aos factos, de que só posteriormente tomou conhecimento. Prestando declarações em audiência, alegou que estava dentro do respectivo estabelecimento comercial, na Rua ..., vindo a saber depois que a polícia tinha sido chamada por uma senhora, mulher ou irmã do queixoso, a dizer que “os ciganos lhe estavam a fazer mal”. Caracterizando a loja, afirmou que a mesma tem um espaço à face da Rua, depois tem um entrepiso, encontrando-se ele nesse entrepiso, onde sempre se manteve, de nada se apercebendo a priori, mas apenas quando chegou a polícia, entrando no estabelecimento e perguntando-lhe quem é era o proprietário, ao que o arguido disse ser ele próprio; só depois soube o que se tinha passado; antes da polícia chegar nunca saiu da loja, não tendo conhecimento do que se estava a passar cá fora; quando a polícia chegou estava junto ao balcão – cf., nomeadamente, momentos 02m:02s, 05m:18s e 08m:05s das respectivas declarações.

O arguido afirma-se, portanto, completamente estranho aos factos ocorridos, nomeadamente à aludida discussão que diz ter ocorrido entre a esposa do queixoso e a sua própria nora; extrai-se ainda de parte do seu relato que sempre se manteve no interior do respectivo estabelecimento e que apenas com a chegada da polícia se apercebeu de haver ocorrência anómala.

O seu relato é contrariado, em diferentes pontos, pelos depoimentos das testemunhas inquiridas.

É assim que a testemunha D..., relatando as circunstâncias em que estacionou o respectivo veículo e as ocorrências posteriores, que culminaram na sua agressão, é explícita na afirmação de que o arguido interveio nesta discussão, no exterior do respectivo estabelecimento e antes da presença da Polícia no local, esteve ao pé do carro, impedindo a testemunha de fechar a porta do respectivo veículo; a testemunha salienta também que foi agredida e que foram causados estragos no respectivo veículo, afirmando que foram 5 pessoas a agredi-la; esclarece que essas cinco pessoas eram, além do arguido, duas mulheres (uma das quais com um bebé ao colo) e dois rapazes – cf., nomeadamente, momentos 04m:10s a 06m:02s do respectivo depoimento.

Também a testemunha C... relatou que o arguido se encontrava no exterior da loja antes de chegar a polícia, sendo uma das pessoas que, quando ela e o queixoso chegaram ao local, cercava a viatura onde se encontrava a testemunha D... – cf., nomeadamente, momento 02m:30s a 03:30s do respectivo depoimento.

O próprio arguido, apesar da afirmação antes mencionada, veio a admitir que, antes de chegar a Polícia, veio à rua, à porta do respectivo estabelecimento (cf. momento 08m:46s das respectivas declarações.

Entretanto, na sequência da aludida discussão, a testemunha D... chamou a polícia, por contacto telefónico – isso mesmo é confirmado pelos relatos da testemunha C... e do queixoso (momentos 05m:32s e 11m:37s) e admitido pelo arguido (momento 6m:25s das respectivas declarações).

A ponderação destes elementos contraria o alegado alheamento do arguido/recorrente relativamente aos factos que ocorriam no exterior do respectivo estabelecimento comercial, envolvendo um filho dele e respectiva nora e a alegada inexistência de motivo para a discussão e ameaça; as afirmações atribuídas ao arguido mostram-se enquadrados perante os factos relatados e compatíveis com o desagrado resultante do estacionamento da viatura e do chamamento da Polícia.

Conclui-se por isso que não assiste razão ao arguido quando pretende que não havia motivo para proferir a afirmação que lhe é atribuída.

O recorrente pretende também que não foi devidamente considerado o teor do auto de notícia, onde não existe qualquer registo de ameaça, quando é certo que, de acordo com o que afirma o próprio queixoso, foi um episódio muito dramático.

A análise do documento de fls. 12 (“Auto de Notícia”) evidencia que nele consta como lesada D...e suspeitos o próprio arguido e F...., não constando qualquer referência à afirmação atribuída ao arguido.

Aí se afirma ocorrer a tipificação de crime contra a integridade física, consignando-se o seguinte: “Por a hora e local acima mencionados, comuniquei com a lesada, que me informou que quando se encontrava com o seu veículo ligeiro de passageiros já referenciado estacionado na referida artéria em frente ao estabelecimento do suspeito ( A...), foi agredida por F... com bofetadas na face, foi ainda ameaçada com um cabo de vassoura de metal. Posteriormente, e ainda com este cabo de vassoura, os suspeitos danificaram a sua viatura automóvel na porta do lado esquerdo frente, causando danos que de momento não soube avaliar. O A... colocou a sua viatura ( ..., BMW preto) a impedir a saída da viatura da ofendida. (…)”.

O auto reporta-se apenas aos factos ocorridos directamente com D..., sem que se veja que tal facto determine, necessariamente, o descrédito da afirmação do queixoso quanto à expressão que lhe foi dirigida pelo arguido.

Não se evidencia que o queixoso, nesse próprio dia, tenha tomado conhecimento do conteúdo do “Auto de Notícia”, de modo a poder arguir desde logo a existência de qualquer omissão.

Releva ainda a este propósito que logo no dia seguinte, 9 de Julho de 2009, foi lavrado o “Auto de Denúncia” de fls. 11 (que veio a ser incorporado nos presentes autos em 13 de Julho de 2009), em que B... denunciou os factos que aqui se discutem.

Por outro lado e contrariamente à leitura que é feita pelo recorrente, o facto de nada constar no “Auto de Notícia” quanto à afirmação atribuída ao arguido não significa necessariamente que se trate de uma inverdade.

É certo que a testemunha E..., agente da Polícia de Segurança Pública que, nessa qualidade, lavrou o “Auto de Notícia”, relatou que, em princípio e caso se tivesse apercebido da existência de ameaças ou se tal lhe tivesse sido mencionado, teria registado no auto, não se recordando que tal tenha ocorrido (cf. momento 02m:11s a 03m:06 do respectivo depoimento).

No entanto, é a própria testemunha que admite que não ouviu todas as afirmações do arguido na sua presença (cf. momento 04m:20s do respectivo depoimento).

Também não releva a pretensão do recorrente ao afirmar a incompatibilidade do relato desta testemunha com a afirmação de que o arguido se achava exaltado. É certo que a testemunha, ao ser inquirida sobre o estado do arguido, afirmou achar que estava normal (cf. momento 01m:38s do respectivo depoimento). No entanto, como a própria testemunha afirma, pouco se recorda do caso e, em momento ulterior do seu depoimento, ao ser de novo questionado sobre o estado do arguido, se este estava ou não exaltado, afirmou não se recordar (cf. momento 06m:25s do respectivo depoimento).

A dúvida afirmada pela testemunha não permite contrariar o relato das restantes testemunhas e a descrição que fazem quanto à intervenção do arguido e que, conforme decorre da fundamentação expressa na sentença recorrida, foi considerada pelo tribunal.

Conclui-se por isso que também aqui improcede a argumentação do recorrente.

Este alega ainda falta de coincidência, ausência de credibilidade e falta de solidez na descrição, relativamente aos depoimentos das testemunhas B..., C... e D....

É certo que se registam divergências no relato das testemunhas, nomeadamente quanto ao exacto momento em que foram proferidas as afirmações imputadas ao arguido (nomeadamente, se antes ou depois da polícia chegar ao local) e ao facto do queixoso ter ou não entrado no estabelecimento do arguido.

Ponderadas as referidas divergências, não se vê que as mesmas sejam relevantes em termos que permitam pôr em causa a credibilidade do relato, no que diz respeito ao ponto fulcral, saber se o arguido afirmou ou não, dirigindo-se ao queixoso: “És um homem morto!!!...”.

O próprio queixoso revelou hesitação quanto ao momento em que tal ocorreu: situando o acontecimento, inicialmente, ainda antes da chegada da Polícia ao local, relatou em momento posterior que a afirmação do arguido ocorreu já com a presença dos agentes policiais (cf. momentos 01m:38s a 05m:09s e 09m:10s do respectivo depoimento). O mesmo é no entanto peremptório quanto ao facto do arguido ter efectivamente proferido a afirmação em causa (cf., nomeadamente, momentos 09m:10s, 09m:25s, 10m:24s e 10m:52s do respectivo depoimento).

As testemunhas C... e D... situam temporalmente os factos já com a polícia no local (cf., nomeadamente, o momento 03m:28s e os momentos 02m:50s e 07m:45s dos respectivos depoimentos).

Nos termos anteriormente mencionados, o próprio agente policial admite a possibilidade de não ter ouvido tudo o que possa ter sido afirmado quando se encontrava no local.

Não é inverosímil, perante as regras da experiência comum, que o arguido, na sequência dos factos entretanto ocorridos envolvendo directamente D..., desagradado com o facto de ter sido chamada a Polícia e ao ser questionado pelo queixoso por que razão perturbara sua esposa, tenha proferido a afirmação em causa de modo a ser por ele ouvido, mas sem que tal ocorresse com os agentes policiais.

Não contraria este entendimento o facto do queixoso ter entretanto contactado pessoas em estabelecimentos comerciais aí existentes e que, apesar de terem alegadamente presenciado os factos ocorridos, nenhuma se tenha prestado a testemunhar os factos.

Por outro lado, as declarações prestadas pelo arguido evidenciam que esta não foi uma ideia posterior do queixoso, com intuitos sombrios ou persecutórios, mas que foi algo que logo suscitou perante os agentes policiais – e apesar do agente inquirido em audiência nada recordar a este propósito e nada constar no “Auto de Notícia”.

Na verdade, o próprio arguido confirma que o queixoso, na ocasião dos factos, no interior do estabelecimento e dirigindo-se aos agentes policiais, lhes afirmou ter sido ameaçado de morte pelo arguido, indagando dos mesmos se tinham ouvido (cf. momento 03m:00s do respectivo depoimento).

Ponderados os elementos que se deixam enunciados, não se vê que haja razões válidas e consistentes que evidenciem a existência de erro de julgamento e que legitimem a alteração da matéria de facto nos termos pretendidos pelo recorrente, pelo que o recurso improcede nesta parte.

3.            A verificação dos pressupostos de facto que configuram o crime de ameaça e a ameaça agravada.

3.1          O artigo 153.º do Código Penal, sob a epígrafe “ameaça”, sanciona quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

A pena é agravada, nomeadamente, quando há uma especial gravidade da ameaça, o que ocorre quanto tal facto for realizado por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos – artigo 155.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal.

«São três as características essenciais do conceito ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. O mal tanto pode ser de natureza pessoal (p. ex., lesão da saúde ou da reputação social) como patrimonial (…). O mal tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coação, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex., haverá ameaça, quando alguém afirma: “hei-de-te matar”; já se tratará de violência, quando alguém afirma: "vou-te matar já”. Que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só (…) que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos da tentativa (…). Indispensável é, em terceiro lugar, que a ocorrência do “mal futuro” dependa (ou apareça como dependente…) da vontade do agente. Esta característica estabelece a distinção entre a ameaça e o simples aviso ou advertência» – Américo Taipa de Carvalho, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, Coimbra Editora, 1999, página 343.

Para ser uma verdadeira ameaça, o anúncio do mal tem de estar na primeira pessoa do singular e em discurso directo, prenunciando grave e injusto dano, necessariamente futuro (na certeza de que não ser futuro não significa necessariamente impunidade, mas antes crime diverso); a aferição destes elementos deve reportar-se, em princípio, ao homem comum, isto é, a pessoa adulta e normal, sem se ignorar no entanto, como factor de correcção, a concreta pessoa ameaçada.

O recorrente pretende que a expressão “és um homem morto” não configura ameaça de mal futuro, não aparece em termos de vir a ocorrer no futuro, antes constitui um acto de execução do crime de que, afinal, o recorrente “desistiu”, não prosseguindo na sua execução; a expressão está no presente do indicativo – “és” – e não no futuro – “serás”. E a haver receio do uso do tubo, era receio de execução do mal de forma iminente (na hora) e não futura.

Na sentença recorrida e a este propósito, afirma-se em sede de fundamentação:

«Se pelo lado das circunstâncias em que a afirmação (“És um homem morto!!!...”) é proferida – em clima de conflituosidade relativo a distúrbio relacionado com estacionamento de veículo conduzido pela esposa do visado à frente do estabelecimento do arguido, recusando-se a mesma retirá-lo quando foi convidada a fazê-lo, o que motivou a chamada a PSP ao local –, independentemente da personalidade do agente, tudo aponta no sentido de se considerar o comportamento do arguido como susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa na situação do visado, também pelo lado individual deste, no contexto referido e com a motivação do mesmo conhecida, potenciava um fundado receio da prática do facto anunciado.

O legislador penal tem em conta pessoas normais, com padrão médio de comportamento, sendo a estabilidade emocional e a tranquilidade, relacionadas com a liberdade de determinação, dos pontos mais sensíveis do ser humano.

Finalmente, quanto ao elemento subjectivo necessário – a conduta dolosa:

“O dolo exige e basta-se com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado. Isto, assim como o próprio conceito de ameaça, pressupõe, naturalmente, que o agente tenha a vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento do seu destinatário”.

Também este elemento constitutivo se acha sobejamente demonstrado. As palavras do arguido não só são adequadas a provocar receio, medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do visado, como se pode dizer que têm mesmo essa finalidade.

Para além disso, a referida circunstância agravante verifica-se igualmente preenchida com a conduta levada a cabo pelo arguido (cfr. art.º 131.º do Cód. Penal).

A afirmação “És um homem morto!!!...” tem a significância explícita de ameaça de morte.

Verificam-se, assim, preenchidos – na conduta levada a cabo pelo arguido – os elementos constitutivos do tipo legal de crime de ameaça agravado, p. e p. pelos art.ºs 153.º, 1, e 155.º, 1 a), com referência ao 131.º, todos do Cód. Penal.»

A sentença recorrida não responde nos termos adequados (de forma explícita) a esta questão.

Apesar disso, não se vê motivo para afastar a conclusão formulada.

Com efeito, a expressão afirmada pelo arguido comporta o anúncio de um mal futuro, na medida em que não indica o momento exacto da acção, podendo ser substituída, ou ser sinónimo de «hei-de matar-te». O verbo “haver”, estando no presente do indicativo, traduz inequivocamente uma ideia de futuro.

Como salienta o Ministério Público no respectivo parecer, a afirmação do arguido não evidencia um comportamento actual, em que mataria o queixoso nesse acto, mas antes um nítido significado de ocorrência futura, no sentido de que o queixoso é pessoa marcada, que se deve considerar morta, ainda que como ocorrência futura.

Assim, não há razão para considerar que não estão verificados os pressupostos de facto que configuram o crime de ameaça.

3.2          O recorrente alega ainda que não se verificam os pressupostos da ameaça agravada.

Afirma para o efeito que a previsão de crime agravado pela alínea a) do artigo 155.º do Código Penal tem de dirigir-se àqueles casos em que ocorre a descrição dos meios mediante os quais a ameaça – no caso, contra a vida – se poderá vir a concretizar, podendo ser expressões do tipo: “Eu espeto-te uma faca, quando estiveres a dormir, e mato-te”; ou: “Quando mal te precates, ponho-te veneno na bebida e mato-te”. A ameaça com um anúncio de morte, genericamente formulado (nomeadamente, “és um homem morto”), sem qualquer concretização quanto aos meios a empregar, não pode deixar de estar prevista, tão só, no n.º 1 do artigo 153.º do Código Penal.

Não se sufraga este entendimento.

É certo que o artigo 153.º prevê, entre os actos que integram a prática do crime, a ameaça a outra pessoa com a prática de crime contra a vida e a integridade física.

A referência a crime contra a vida tem um sentido amplo que pode englobar diferentes procedimentos que põem em risco a vida, na certeza de que os crimes contra a vida não se esgotam no homicídio.

No entanto, a afirmação inequívoca de morte, conduzindo ao homicídio, integra por essa via a previsão do artigo 155.º, n.º 1, alínea a), sem que tenha que se especificar uma concreta causa dessa morte, seja com a utilização de uma faca ou por forma mais insidiosa, com a utilização de veneno.

Não se vê, relativamente à ameaça, que a sua capacidade de provocar medo e insegurança cresça necessariamente com a antecipação, na consciência do ameaçado, do que será o concreto meio criminoso de a levar a cabo; esse medo, angústia e insegurança poderão ter idêntico ou maior grau e gerar uma maior vulnerabilidade perante o desconhecimento de tais concretos meios por parte da vítima.

Conclui-se então que nada há a objectar relativamente à sentença recorrida quando afirma que o comportamento do arguido configura a prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), com referência ao 131.º, todos do Código Penal.

4.            A adequação da pena.

O recorrente questiona, no fim, a adequação da pena, alegando diferentes razões: por um lado, tendo presente que não existe a agravação prevista no artigo 155.º, n.º 1, alínea a), a pena de multa a aplicar não pode exceder 120 dias, nos termos do artigo 153.º, n.º 1; por outro, mesmo que assim não se entenda, os dias de pena de multa aplicados são excessivos, tendo em conta a expressão que foi supostamente proferida, sem quaisquer requintes de malvadez, a que acresce que o arguido não praticou qualquer acto posterior intimidativo, visto que nunca mais o ofendido viu o arguido, nem recebeu outra espécie de ameaça, pelo que deveria ter sido aplicada uma pena, no máximo, de 80 dias de multa; a taxa deveria ter sido fixada no mínimo legal – 5€ - por se achar o arguido em situação de desemprego, sem auferir o subsídio de desemprego e (sobre)vivendo unicamente com a ajuda dos seus filhos.

A conclusão declarada no ponto antecedente prejudica a pretensão do recorrente, quando afirma que não existe a agravação prevista no artigo 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Importará então ver se se justifica a concreta pena imposta, seja pelo número de dias, seja pela taxa diária fixada.

O crime em questão é sancionado com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa de 10 a 240 dias, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 155.º, n.º 1, e 47.º do Código Penal.

Não está em causa a opção do tribunal recorrido pela aplicação da pena de multa.

Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção; na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais – artigo 47.º do mesmo diploma.

Na sentença recorrida, fundamentou-se nos seguintes termos a concreta pena imposta ao arguido:

«Importa, assim, atender ao facto de o arguido expressar um comportamento em que o desvalor da conduta tem como suporte a pretensão de intimidar o visado no decorrer de interpelação efectuada por este, depois da ocorrência de distúrbio motivado pelo facto de a esposa do visado ter estacionado o veículo que conduzia à frente do estabelecimento do arguido, recusando-se retirá-lo quando foi convidada a fazê-lo;

A gravidade das consequências do facto é de considerar de algum relevo, tendo em conta o tipo de ameaça proferida e o circunstancialismo em que é anunciada;

A intensidade do dolo é elevada, porque de dolo directo se trata: o arguido representou o facto e actuou com intenção de o realizar;

Os motivos determinantes fundam-se em conflituosidade momentânea, tendo a actuação do arguido como particularidade reagir a interpelação do visado, pedindo satisfações quando havia sido a esposa do mesmo a despoletar toda a confusão ocorrida, ao recusar-se a retirar o veículo da frente do estabelecimento do arguido, sem razões aparentes, o que motivou a chamada da PSP ao local;

As condições pessoais são medianas e a situação económica precária, considerando a sua idade, situação vivencial e profissional, rendimentos e despesas respectivos;

As práticas criminais anteriores conhecidas relevam como agravante, porque são sinal evidente da necessidade de prevenção especial – reforçada no tipo legal de crime de ameaça, que pratica pela 2.ª vez, entre outros;

Finalmente, o elevado número de crimes do tipo a nível local e nacional, impõe a especial necessidade de prevenção geral, com vista a desmotivar este tipo de comportamentos, que privilegia a composição de interesses pela intimidação, e em que os valores subjectivos da liberdade e segurança são cada vez mais diluídos.

Por tudo o exposto, julga-se concretamente adequada a pena de multa – considerando a madura idade do arguido, pese embora o seu passado criminal (supra referenciado), a sua inserção social e familiar (com responsabilidades de progenitor), profissionalmente desocupado (numa conjuntura nacional que já catapultou a taxa de desemprego para os 15,8%), afigura-se-nos aquela pena susceptível de facilitar (e alcançar), ainda, a sua socialização, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico –, que se fixa em 150 dias, à razão de € 6 dia, num total de € 900 (art.ºs 70.º e 47.º, 1 e 2, ambos do Cód. Penal)».

É certo que, como pretende o recorrente, nunca mais praticou qualquer acto posterior intimidativo, visto que nunca mais viu o ofendido e este não recebeu entretanto outra espécie de ameaça. Este facto não deixou de ser ponderado pelo tribunal recorrido, ao considerar que os motivos determinantes do crime se fundam em conflituosidade momentânea.

Relativamente a antecedentes criminais, regista-se a condenação do arguido, no período compreendido entre Dezembro de 2001 e Novembro de 2010, em quatro processos distintos, pela prática de diferentes crimes (homicídio qualificado, na forma tentada, ameaça simples, venda, circulação ou ocultação de produtos e desobediência), com referência a factos ocorridos entre Novembro de 1998 e Janeiro de 2008, sendo sancionado no primeiro dos crimes com pena de prisão cuja execução foi suspensa e entretanto julgada extinta e com penas de multa.

Quanto à situação do arguido, considerou-se que tem o 9.º ano de escolaridade e que se achava (com referência à data do julgamento) sem ocupação profissional; vivia com a companheira, doméstica, e 4 filhos (3 maiores de idade e já autónomos e um de 3 anos de idade), em casa própria.

Perante as concretas circunstâncias em que foi cometido o crime e a situação do arguido, incluindo os respectivos antecedentes criminais, não se vê razão válida para censurar a fixação da multa em 150 dias – que, considerando a moldura penal, pouco ultrapassa a média aí prevista.

Também em relação à taxa diária, fixada praticamente no seu valor mínimo, não se vê que haja fundamento consistente para alterar a mesma, na certeza de que, na sentença recorrida, não deixou de se ponderar a concreta situação do arguido. Apesar das limitações económicas que resultam dos factos provados, não se evidencia uma situação de tal precariedade que imponha a redução da pena em um euro diário, para o valor mínimo previsto.

Acresce que, sem prejuízo das limitações económicas afirmadas na sentença recorrida, a comprovação da incapacidade económica e financeira do arguido pode justificar, entre outros procedimentos, aquele que está previsto no n.º 3 do artigo 47.º do Código Penal.

Conclui-se por isso que também aqui não há fundamento para alterar a decisão proferida em primeira instância, o que determina a improcedência do recurso.

III)

Decisão:

Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UC o valor da taxa de justiça.

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(Joaquim Correia Pinto - Relator)

(Fernanda Ventura)