Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
48/12.2GTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PRISÃO POR DIAS LIVRES
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 45º, DO C. PENAL
Sumário: Não é possível a suspensão da execução da pena de prisão por dias livres
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

           

1. No processo sumário n.º 48/12.2GTLRA do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, o arguido A..., devidamente identificado nos autos, foi condenado, por sentença datada de 16/2/2012, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelos artigos 3.° n.° 2 do D.L. n.° 2/98 de 3 de Janeiro, com referência ao art. 121.° do C.E., na pena de prisão por 8 (oito) meses, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, subordinada ao dever de o arguido proceder à entrega, ao Banco Alimentar Contra a Fome da quantia de 500,00€ (quinhentos euros), a efectuar no prazo máximo de 1 ano.

            2. Inconformado, o MINISTÉRIO PÚBLICO recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

· Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que condenou o arguido A... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, n° 2, do D.L. n° 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121°, do Código da Estrada, na pena 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, subordinada ao dever de o arguido proceder à entrega, ao Banco Alimentar contra a Fome, da quantia de 500,00 € (quinhentos Euros), a efectuar no prazo máximo de 1 (um) ano.

· Face aos antecedentes criminais do arguido - e, até, à ineficácia das 3 (três) penas de multa e de 2 (duas) penas prisão suspensas na sua execução, todos eles relacionados com a prática do mesmo crime de natureza rodoviária, as quais em nada serviram para afastar o arguido da prática de novos crimes e, em especial, da prática de um novo e mesmo crime de natureza rodoviária, entende o Ministério Público que arguido foi, e bem, condenado na pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, n° 2, do D.L. n° 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121°, do Código da Estrada.

· A suspensão da execução da pena de prisão não é apenas facultativa, tratando-se antes, de um poder-dever dependendo dos pressupostos formais e materiais estipulados na lei.

· É pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão a verificação de um prognóstico favorável pelo Tribunal, relativamente ao comportamento do condenado, tendo em atenção a sua personalidade e as circunstâncias do facto, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para o afastar da criminalidade, satisfazendo, simultaneamente, as exigências de prevenção geral, ínsitas na finalidade da punição, previstas no artigo 40°, do Código Penal.

· Tendo-se em conta no necessário juízo de prognose a personalidade do arguido, as suas condutas anteriores ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto, o seu percurso de vida, pautado pela prática reiterada do mesmo crime, entende- se que tais circunstâncias denotam um quadro manifestamente negativo de inserção social e comunitária, de molde a não justificar como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

· Não existe um juízo de prognose favorável a favor do arguido A... quando este - apesar de averbar no seu certificado de registo criminal 5 (cinco) condenações anteriores pela prática de 5 (cinco) crimes de natureza rodoviária, em penas de 3 (três) penas multa, em 2 (duas) penas de prisão suspensas na sua execução - volta a cometer o 6° (sexto) crime de natureza rodoviária de cuja prática vem agora condenado, embora por Sentença ainda não transitada em julgado;

· O modo de execução da pena de prisão enunciado no artigo 45°, do Código Penal, permite limitar de forma mais acentuada os efeitos criminógenos da privação continuada da liberdade, evitando-os ou, pelo menos, fazendo diminuir os efeitos perversos de uma curta pena de privação da liberdade, de cumprimento continuado, nos casos em que não é já possível abdicar das necessidades de prevenção geral.

· A execução da pena de prisão por dias livres terá ainda potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico violado, assim se satisfazendo as exigências de prevenção geral e terá, de igual forma, potencialidades de facilitar a ressocialização do arguido, satisfazendo as exigências de prevenção especial, sem estender, de forma gravosa, as consequências da sua punição ao seu agregado familiar restrito, assim como às suas obrigações familiares para com o filho e compromissos obrigacionais assumidos.

· Nesta conformidade, deveria a douta Sentença a quo ter substituído a pena de 8 (oito) meses de prisão pela pena de prisão por dias livres, a executar em 48 (quarenta e oito) períodos, cada um com a duração de 48 (quarenta e oito) horas (em virtude de se desconhecer actividade laboral do arguido aos Sábados) e equivalente a 5 dias de prisão contínua.

· Mais deveria ter decidido determinar que estes períodos de 48 horas fossem cumpridos aos fins-de-semana, desde as 7.00 horas de Sábado até às 7.00 horas de Segunda-feira, com início no primeiro fim-de-semana subsequente ao trânsito em julgado da douta Sentença.

· Mais deveria ter determinado que o cumprimento dessa pena deveria ter lugar no Estabelecimento Prisional que viesse a ser indicado pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, sendo que tal indicação deveria ser efectuada de modo a facilitar a deslocação do arguido e com observância do demais formalismo legal.

· Ao assim não ter decidido, violou a douta Sentença a quo o disposto nos artigos 40º, n° 1, 45°, n°s 1 a 4, 50º, n.ºs 1, 2 e 5 e 70°, todos do Código Penal, 487°, do Código de Processo Penal e 125°, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

· Pelo que, em consequência, com sempre e mui merecido respeito, deverá a mesma ser substituída por douto Acórdão a proferir por esse Venerando Tribunal que condene o arguido nos termos supra pugnados».

 
           
3. O arguido respondeu ao recurso, opinando que a sentença recorrida deve ser mantida na íntegra na medida em que a pena foi justa e adequada.

           

            4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento, aderindo à fundamentação do MP de 1ª instância.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (tendo vindo o arguido apresentar a resposta de fls 64-65), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

           

1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso[1], as questões a decidir consistem em saber:

            - se a pena de prisão suspensa na sua execução deve ser substituída pelo efectivo cumprimento de prisão por dias livres, assim se agravando a pena.

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA

            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

«1. No dia  … de 2012, pelas … , o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula … , na Estrada Nacional 1, ao Km. 100, em Casais de Santa Teresa, Alcobaça.

2. O arguido conduziu aquele veículo automóvel nestas circunstâncias de espaço, modo, tempo e lugar sem se encontrar habilitado com carta de condução ou com qualquer outro documento que lhe permitisse conduzir veículos a motor na via pública.

3. Tinha perfeito conhecimento da obrigatoriedade legal de tal documento para poder conduzir veículos a motor na via pública.

4. O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua descrita conduta era censurada, proibida e punida por lei.

Mais se provou que:

5. O arguido desenvolve a actividade de operário fabril.

6. Aufere cerca de 525,00€ por mês.

7. Reside com a mãe em casa própria desta contribuindo para despesas de alimentação em montante não concretamente apurado.

8. O arguido paga cerca de 125,00€ mensais a título de pensão de alimentos devida a um filho menor.

9. O arguido paga ao Banco cerca de 220,00€ mensais para amortização de crédito contraído a título pessoal.

10. O arguido tem o 4.° ano de escolaridade.

11. O arguido tem como antecedentes criminais registados:

· a condenação nos autos de processo comum singular, n.° 444/01 .OGARMR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Rio Maior, por sentença proferida a 02/10/2002, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado a 18/08/2002, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 3,00€;

· a condenação nos autos de processo sumaríssimo, n.° 321/02.8GCSTR, do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, por sentença proferida a 21/01/2003, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado a 2 1/02/2002, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00€;

· a condenação nos autos de processo sumário, n.° 35/07.2PTSTR, do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, por sentença proferida a 09/03/2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado a 27/02/2007, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 3,00€;

· a condenação nos autos de processo comum singular, n.° 429/04.5GTTVD, do 3.° Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, por sentença proferida a 21/11/2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado a 19/02/2004, na pena de prisão por 5 meses, suspensa na execução por um ano;

· a condenação nos autos de processo abreviado, n.° 95/10.9PTSTR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial Santarém, por sentença proferida a 13/12/2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado a 09/03/2010, na pena de prisão por 7 meses, suspensa na execução por um ano».

            2.2. Inexistindo factos não provados, o tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

«A convicção do Tribunal relativamente aos factos constantes da acusação e que se deram como provados formou-se com base na confissão livre, integral e sem reservas por parte do arguido.

No que diz respeito às condições sócio-económicas do arguido, a convicção do Tribunal baseou-se em declarações do próprio que se mostraram credíveis na medida em que foram coerentes e compatíveis com as regras da experiência comum.

Por último, a consignação dos factos que dizem respeito aos antecedentes criminais registados do arguido teve por base o certificado de registo criminal junto de fls. 9 a 14 dos autos».

            3. APRECIAÇÃO DE DIREITO

           

3.1. Recorre o MP apenas da matéria de DIREITO.

Assim sendo, não havendo nulidades a conhecer e não resultando do texto do acórdão qualquer vício dos enumerados no artigo 410º/2 do CPP, conclui-se que inexistem quaisquer razões para alterar o juízo probatório constante da sentença recorrida, mantendo-se, em consequência, toda a matéria de facto dada como provada na decisão «a quo».

3.2. DA MEDIDA DA PENA

3.2.1. Perfectibilizados os elementos objectivo e subjectivo do crime de condução de veículo sem habilitação legal, urge fixar a pena a aplicar ao arguido, sendo esse o móbil deste recurso, discordante que é o MP da pena encontrada como justa pelo tribunal recorrido.

Raciocinou, assim, o tribunal recorrido:

«Conforme prescreve o art. 71º do C.P., a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

No caso dos presentes autos, as necessidades de prevenção geral situam-se a um nível médio.

Na verdade, apesar de se tratar de um tipo de crime pelo qual continuam a ser pessoas julgadas diariamente, não se sente a necessidade de prevenção geral a um nível elevado na medida em que existe por parte da comunidade em geral uma conformação das condutas com a norma proibitiva.

Ademais, inversamente ao que se verifica com outro tipo de crimes relacionados com o trânsito rodoviário, como a condução em estado de embriaguez, inexiste um sentimento geral de necessidade premente de repressão do tipo de condutas que se visa evitar com aquele tipo de crime uma vez que, apesar de se tratar de um crime de perigo, não é sentida uma forte insegurança por parte da comunidade face a este tipo de condutas.

Já no que diz respeito à prevenção especial sentida relativamente ao arguido em concreto, a mesma situa-se num nível elevado.

Tal nível é revelado pelo rol de condenações anteriores deste arguido pelo mesmo tipo de crime, sendo forçoso concluir que aquelas não foram passíveis de surtir o desejado efeito de conformação definitiva da sua conduta com os valores jurídicopenalmente relevantes da sociedade em que se insere.

Assim, é elevada a necessidade sentida de, mediante a medida da pena a aplicar, coagir o arguido a pautar a sua postura ético-jurídica pelo respeito pelas normas penais da comunidade a que pertence.

Segundo o n.° 2 do art. 71.° do C.P., na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

No caso do presente arguido, milita favoravelmente o facto se encontrar social, familiar e profissionalmente bem inserido.

Releva ainda positivamente o facto de ter confessado integralmente os factos imputados, denotando consciência da ilicitude dos factos praticados.

Contudo, não poderá deixar de se atender ao elevado grau de ilicitude da sua actuação, porquanto o arguido tinha plena consciência da punibilidade dos seus actos, tendo deliberadamente actuado de forma criminalmente relevante.

Ademais, o facto de o arguido ter já sido condenado pela prática do mesmo tipo de crime 5 vezes nos últimos 10 anos, tendo inclusivamente já sido aplicada pena de prisão suspensa, denota uma falta de preparação por parte do arguido para manter uma conduta lícita.

Nos termos do n.° 1 do art. 3.° do Decreto-Lei n.° 2/98 de 3 de Janeiro, ao crime de condução de veículo sem habilitação legal é aplicável a pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias. Segundo o n.° 2 do mesmo artigo, se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.

Uma vez que nos presentes autos resultou provado que o arguido praticou a acção típica conduzindo um automóvel, será de atender à moldura penal abstracta prevista no n.° 2 do artigo em causa.

Determina o art. 70.° do C.P. que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição — protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (art. 40.° do C.P.).

Sucede que assume neste ponto especial relevância o facto de ao arguido terem sido aplicadas, sucessivamente, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, as seguintes penas:

· 100 dias de multa;

· 60 dias de multa;

· 150 dias de multa;

· 5 meses de prisão suspensa por um ano e

· 7 meses de prisão suspensa por um ano.

Conjugando este facto com o que acaba de se referir relativamente às necessidades de prevenção especial e às restantes circunstâncias que envolvem a actuação do arguido, resulta claro que a aplicação de uma pena de multa a este arguido não é passível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

De facto, já anteriormente foi feita essa opção pela aplicação da pena de multa, a qual se revelou insuficiente para alcançar as finalidades das penas, tendo inclusivamente já sido tomada a opção pela pena privativa da liberdade por duas vezes, tendo a mais recente ocorrido em 2010.

Ora, uma vez que a aplicação já por duas vezes de pena de prisão pela prática daquele tipo de crime não surtiu qualquer efeito preventivo, a conclusão é necessariamente no sentido de que apenas uma pena de prisão poderá surtir o desejado efeito de protecção de bens jurídico-penalmente relevantes e de reintegração do arguido na sociedade no sentido de conformar definitivamente a sua conduta com as normas vigentes.

Contudo, não poderá deixar de se atender ao facto de as anteriores punições dizerem respeito a factos praticados nos anos de 2002, 2004, 2007 e 2010, ou seja, com intervalos temporais que revelam o cometimento daquele tipo de crime de forma esporádica.

Isto posto, atendendo a todos os elementos relevantes para determinação da medida da pena agora ponderados, considera-se adequada e necessária a pena de prisão por 8 (oito) meses.

Segundo o art. 43.° do C.P., a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

No caso deste arguido, a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, pelas razões já referidas, é clara e acentuada pelo que não é possível proceder à substituição da pena de prisão por multa nos termos daquele artigo sob pena de se desvirtuar o efeito preventivo negativo desejado.

Determina, o art. 50º do C.P., que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ora, apesar de ao arguido ter sido anteriormente aplicada pena de prisão suspensa, a verdade é que tal ocorreu em 2007 relativamente a factos praticados em 2004 e em 2010 relativamente a factos praticados nesse mesmo ano, não tendo ocorrido revogação das anteriores suspensões e existindo entre elas um intervalo temporal superior ao da suspensão da prisão.

Assim sendo, e atendendo a todos os elementos até aqui ponderados, não existem factos que conduzam à conclusão de que a simples censura do facto e ameaça da pena de prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo ainda possível efectuar um julgamento em sentido positivo na eficiência de uma pena nesses termos, atento o disposto no n.° 5 do art. 50.°, pelo que a pena de prisão de 8 (oito) meses aplicada ao arguido será suspensa na sua execução pelo período de um ano.

Determina ainda o n.° 2 do art. 50.° que o Tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

No caso dos presentes autos, considera-se que a suspensão da execução da pena de prisão deverá ser subordinada ao cumprimento do dever de entregar ao Banco Alimentar Contra a Fome a quantia de 500,00€ (quinhentos euros).

Tal entrega deverá ocorrer no prazo máximo de 1 (um) ano, devendo o arguido nesse mesmo prazo fazer prova nos autos da entrega dessa quantia ao Banco Alimentar Contra a Fome».

O tribunal «a quo» começou por escolher a modalidade da pena a aplicar ao arguido, tendo escolhido a pena de prisão, afastando a multa como pena alternativa e substitutiva.

Depois, acabou por escolher uma pena de substituição, já a ele aplicada em outras sentenças anteriores – a suspensão da execução da pena, neste caso, subordinada ao cumprimento de uma obrigação/injunção.

Há, POIS, divergência quanto à MEDIDA da pena aplicada ao arguido.

3.2.2. Para a fixação da pena o tribunal recorrido considerou, além do mais, as elevadas exigências de prevenção geral positiva, o elevado grau da ilicitude do facto, o dolo intenso e, em sede de prevenção especial, as anteriores condenações do arguido exactamente pelo mesmo tipo de ilícito o que revela que as penas aplicadas não têm surtido qualquer efeito.

Temos por adquirido que a aplicação de uma pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal.

Também estatui o art. 70° do Código Penal que "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

Nos termos do preceituado no art. 40°, n.º 2, do Código Penal, uma das finalidades da punição é a reintegração do agente na sociedade prevenindo-se a prática de futuros crimes.

A determinação da pena envolve diversos tipos de operações.

Na parte que agora nos importa, o julgador, perante um tipo legal que prevê, em alternativa, como penas principais, as penas de prisão ou multa, deve ter em conta o disposto no artigo 70.º do Código Penal que consagra o princípio da preferência pela pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Tais finalidades, nos termos do artigo 40.º do mesmo diploma, reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente da sociedade (prevenção especial).

Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina, em seguida, a medida concreta da pena que vai aplicar, para depois escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.

Assim, o tribunal, perante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa, deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.

Neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção.

O artigo 70.º opera, precisamente, como regra de escolha da pena principal, nos casos em que se prevê pena de prisão ou multa.

Porém, a escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa que desde logo se opte pela execução ou cumprimento da pena privativa da liberdade, pois entretanto haverá que ponderar a aplicação das penas de substituição que apenas são aplicáveis depois de escolhida a pena de prisão e de concretamente determinado, nos termos do artigo 71.º, o seu quantum.

No nosso caso, a moldura abstracta da pena do crime de condução de veículo SEM HABILITAÇÃO LEGAL é a de prisão até 2 anos ou multa de 10 a 240 dias.

O tribunal a quo escolheu a prisão em detrimento da multa e fixou aquela em oito meses.

Já o assinalámos: da escolha da pena principal de prisão, no caso de moldura abstracta que contempla prisão ou multa, não decorre, necessariamente, que a pena privativa da liberdade tenha de ser cumprida.

O que pode acontecer é que o tribunal, atento o preceituado no artigo 70.º, opte pela prisão como pena principal, por entender que a multa não satisfaz de forma adequada e suficiente todas as finalidades da punição, mas que, num segundo momento, uma vez fixada a prisão em certa medida, entenda dever proceder à sua substituição, por tal lhe ser legalmente imposto se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (artigo 43.º), ou porque, face às penas de substituição legalmente previstas, acaba por concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 364).

3.2.3. No caso em causa, a sentença recorrida não CONFUNDE os dois momentos atrás delineados: o da escolha da pena principal e o da ponderação da aplicação de uma pena de substituição.

Foi bem feito o procedimento de determinação da pena:

· determinação da medida abstracta da pena (prisão OU multa);

· escolha, no caso de molduras compósitas alternativas de prisão ou multa, da pena principal, nos termos do artigo 70.º do Código Penal (prisão, no caso);

· fixação do quantum da pena principal dentro da moldura respectiva, com base nos critérios do artigo 71.º do Código Penal (OITO meses de prisão);

· ponderação da aplicação de uma pena de substituição (não substituição por multa[2]).

· Aplicação da pena substitutiva da suspensão da execução da pena de prisão assim encontrada.

Diríamos que o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição ou qualquer outra, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição.

Ou seja:

Determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, impõe-se verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.

Dentro das penas de substituição em sentido próprio, para além da pena de multa (artigo 43.º, n.º 1 do C.P.), também as penas de suspensão de execução da prisão (art.50.º do CP) e de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58.º do CP) podem substituir a pena de prisão de 8 meses aplicada ao arguido.
Há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação (art.44.º do CP), a prisão por dias livres (art.45.º do CP) e a prisão em regime de semidetenção (art.46.º do CP), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua.
Tendo em conta a natureza e os pressupostos de cada uma das diferentes penas substitutivas, damos a nossa concordância à seguinte ordem de ponderação:
Substituição da pena de prisão por:
1º - multa (artigo 43º);
2º - suspensão da pena (artigo 50º);
3º - Prestação de Trabalho a favor da Comunidade (artigo 58º);
4º- regime de permanência na habitação (artigo 44º);
5º - prisão por dias livres (artigo 45º);
6º - regime de semidetenção (artigo 46º).

3.2.4. Vejamos o nosso caso.

O tribunal optou pela pena autónoma da suspensão da execução da pena de prisão.

O MP discorda pois o passado criminal do arguido devia ser impeditivo da opção por tal pena, o que configura quase uma recompensa para ele.

In casu, o arguido sofreu já cinco condenações criminais pela prática de cinco crimes de condução de veículo sem habilitação legal, sendo tais condenações anteriores aos factos a que respeitam estes autos:

· 1ª- Factos de 2002 – pena de multa (sentença de 2002);

· 2ª- Factos de 2002 – pena de multa (sentença de 2003);

· 3ª- Factos de 2007 – pena de multa (sentença de 2007);

· 4ª- factos de 2004 – pena de 5 meses de prisão, suspensa por um ano (sentença de 2007);

· 5ª- factos de 2010 – pena de 7 meses de prisão, suspensa por um ano (sentença de 2010);

· 6ª NOSSA SITUAÇÃO – factos de 2012 – pena de 8 meses de prisão (sentença de 2012).

Revela-se, assim, inequívoco e fora de qualquer outra cogitação, que as penas não detentivas não lograram surtir o pretendido efeito dissuasor da prática de novos ilícitos.

Há, então, que optar pela pena de prisão, o que só fez bem o tribunal recorrido, doseando de forma adequada e equilibrada tal tempo de prisão efectiva (os oito meses estão correctos, assente que anteriormente tinha sido condenado em 5 e 7 meses).

3.2.5. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA

No que se reporta à suspensão da execução da pena de prisão (estando o seu regime jurídico previsto nos artigos 50.º a 57.º do C.P, e nos artigos 492.º a 495.º do C. P.Penal), há que dizer o seguinte:

            O artigo 50.º, n.º 1, do CP dispõe:

«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

            As finalidades da punição são, nos termos do disposto no artigo 40.º, do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

            Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (outrora era de 3 anos), entendemos, com o apoio da melhor doutrina e jurisprudência, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt).  

            Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projecto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada) figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no art. 47.º do projecto de 1963, que continha o elenco das penas principais.

             No seio da Comissão, Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, teve a oportunidade de sustentar o carácter autónomo, de verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J.)

            Figueiredo Dias, a propósito do projecto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou:

              «(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).

            O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como “a mais importante das penas de substituição” (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., p. 91 e p. 329).

Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).

            A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».

            A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias.

Deste modo, sob o prisma dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.

            Se assim é, ou seja, se a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime a às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

            No caso vertente, entendeu-se que a aplicação de uma suspensão da execução da pena era um poder-dever que vincula o julgador, que a terá de decretar, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os citados pressupostos.

            Entendendo-se que resulta dos presentes autos que o arguido tem antecedentes criminais, tendo sofrido já condenações sucessivas relacionadas com a condução, em pena de prisão suspensa na sua execução, que inexistem comprovadas circunstâncias que possam favorecer o arguido e que tais circunstâncias impedem um juízo de prognose favorável ao arguido, tanto mais que não se vislumbra do seu recente comportamento que tenha interiorizado o desvalor da sua conduta delituosa (tal juízo terá como ponto de partida, o momento da decisão e não a data da prática do crime), terá de se ajuizar que fez mal o tribunal recorrido em suspender a execução da pena de prisão que aplicou concretamente ao arguido.

O juízo de prognose favorável que o percurso criminal do arguido e a persistência que vem demonstrando na prática de crimes, nomeadamente da natureza dos autos, revela-se, à saciedade, irremediavelmente comprometido.

Como tal, só há que afastar a possibilidade de suspender a execução da pena de prisão, só havendo que dar aqui razão ao MP recorrente.

3.2.6. Então partiremos para a pena de prisão efectiva ou ainda poderemos percorrer as penas substitutivas aplicáveis ao caso?

Ora, em concreto, atender-se-á:

· à culpa, sendo certo que o arguido actuou com dolo directo;

· às exigências de prevenção geral, as quais se nos afiguram particularmente acentuadas dada a enorme frequência deste tipo de crime e alarme que provoca na comunidade, uma vez que abala o princípio geral de confiança na circulação rodoviária, impondo assim fortes necessidades de prevenção geral intimidatória;

· às exigências de prevenção especial, as quais revestem elevadíssima intensidade uma vez que o arguido já tem 5 condenações anteriores aos factos por crimes de idêntica natureza, o que denota indiferença pelo sistema judicial e pelos seus comandos.

Que dizer, então, da PENA DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE (artigo 58º do CP)?

O princípio que a doutrina tem denominado da necessidade das penas [da tutela penal] ou da máxima restrição das penas afirma que a legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a protecção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados, não sendo só os princípios dogmáticos do direito constitucional-penal que nos obrigam a uma reflexão mais profunda sobre a eficácia das penas privativas de liberdade.

São também os dados da reincidência a revelar que o espaço prisional mais do que reabilitativo é igualmente estigmatizante, e por consequência, alavanca maiêutica de mais criminalidade.

Como se sabe, de acordo com a lei – artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal (revisto em 2007) – a pena de prisão de medida não superior a 2 anos pode [e deve] ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade “sempre que [o tribunal] concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – no fundo, estamos perante um poder-dever que vincula o tribunal a apreciar a aplicação desta medida sempre que se mostrem preenchidos os pressupostos legais da sua admissão – ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2007 [Relator: Cons. Rodrigues da Costa], Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tomo II, p. 228.

Considerada como uma das mais relevantes e revolucionárias medidas de político-criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório [ver Maia Gonçalves, Código Penal Português – 11ª ed., em anotação ao art. 58.º] e recomendada pelas mais altas instâncias [v.g. as recomendações e resoluções do Conselho da Europa e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) adoptadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/110, de 14 de Dezembro de 1990 – com menção expressa à imposição de prestação de serviços à comunidade no ponto 8.2.i)], a prestação de trabalho a favor da comunidade concita elevadas expectativas na progressiva afirmação das medidas não institucionais como fórmulas punitivas indispensáveis à eficácia do sistema penal (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/7/2008, no Pº 0842309 (nº convencional JTRP00041539 - http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/5b7495cf2e91b4f5802574880050042a?)

Tal prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração [mesmo que em regime de dias livres] e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido. Ao mesmo tempo, apela a um forte sentido de co-responsabilização social e de reparação simbólica.

Não se vislumbra, CONTUDO, NO CASO VERTENTE, que a aplicação da pena de substituição de TFC, relativamente à previamente aplicada pena de prisão permita realizar, de forma adequada, as exigências de prevenção.

Além disso, desconhecemos se o mesmo nela consente, sem o qual não se pode aplicar tal pena.

O passado do arguido, em matéria rodoviária, pondo em perigo flagrante a sua vida e a dos outros, não é de molde a dar-lhe esta chance, sendo demasiadas reiterações criminosas.

3.2.6. REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO

Que dizer, então, do regime de permanência na habitação, previsto, em termos pioneiros, pela letra do artigo 44º do CP (na revisão de 2007, levada a cabo pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro)?

Porque razão a não aplicamos in casu?
Este preceito estatui que:

«1- Se o condenado o consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância[3], sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição:    

a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano;

b) O remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação de liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação.

2- O limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselhem a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente:

a) Gravidez;

b) Idade inferior a 21 anos ou superior a 65;

c) Doença ou deficiência graves;

d) Existência de menor a seu cargo;

e) Existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado.

3 - (…)

a)- (…)

b) – (…)

4 - (…) ».

A filosofia do preceito assenta numa evidente reacção contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão (apoiando-se em razões de cariz humanitário na letra do seu n.º 2), situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efectiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela ruptura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral.

Mais do que um modo pelo qual pode ser executada a pena de prisão (na palavra aparentemente expressa do artigo 44.º, n.º 1 do CP), entendemos que estamos perante uma pena substitutiva da prisão (pelo menos em sentido impróprio), na linha aliás do expressamente declarado na Proposta de Lei n.º 98/X, que esteve na base da revisão de 2007 do CP.

Aí se deixou escrito que:

5.«No Título III, que versa sobre as consequências jurídicas do crime, para tornar as sanções mais eficazes e promover a reintegração social dos condenados, prevêem-se novas penas substitutivas da pena de prisão e alarga-se o âmbito de aplicação das já existentes. Assim, a prisão passa a poder ser executada em regime de permanência na habitação quando não exceder um ano e, em casos excepcionais (gravidez, idade, doença, deficiência, menor a cargo ou familiar ao cuidado), dois anos (…)».

A propósito da natureza assumida pelo regime assim instituído, tomaram já posição Maria João Antunes, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, bem como o Exmº Desembargador Jorge Gonçalves, em comunicações realizadas nas Jornadas de Direito Penal, organizadas pelo CEJ, em Novembro de 2007, na Aula Magna da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa.

Maria João Antunes opina que

«No artigo 44.º prevê-se agora o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, (…) à qual são correspondentemente aplicáveis regras da Lei que regula a vigilância electrónica prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal (artigo 9.º da Lei n.º 59/2007). Substitui a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano; e o remanescente não superior a 1 ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Ou, excepcionalmente, o remanescente não superior a 2 anos, quando se verifiquem circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente gravidez, idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos, doença ou deficiência graves, existência de menor a seu cargo, existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado.

O enquadramento do regime de permanência na habitação nas penas de substituição (…) é para nós inequívoco, quando substitui – à semelhança da prisão por dias livres e do regime de semidetenção – pena de prisão em medida não superior a um ano e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.º 1, alínea a)].

Quando substitui o remanescente não superior a um ano – ou, excepcionalmente, dois – da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em cumprimento de medida de natureza processual e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.ºs 1, alínea a), e 2], já não estamos, verdadeiramente, perante uma pena de substituição, mas antes perante uma regra de execução da pena de prisão, semelhante à agora introduzida no artigo 62.º (Adaptação à liberdade condicional)».

Jorge Gonçalves adianta que:

«O novo artigo 44.º, com a epígrafe Regime de permanência na habitação, veio estabelecer uma forma de execução domiciliária da prisão, podendo ser entendida como uma nova pena de substituição (pelo menos em sentido impróprio), a aplicar-se como alternativa ao cumprimento da prisão nos estabelecimentos prisionais, em condenações até um ano, ou quando estejam em causa condenações superiores, mas em que o remanescente a cumprir não exceda um ano, descontado o tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Excepcionalmente, pode ser uma alternativa em penas até dois anos.

Esta nova pena de substituição/modo de execução, dependente do consentimento do condenado (o que também se exige no regime de semi-detenção e na prestação de trabalho a favor da comunidade), tem a particularidade de associar ao cumprimento domiciliário a vigilância electrónica que, até ao momento, estava prevista apenas como mecanismo de fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação. Mecanismo este que também passa a estar associado à adaptação à liberdade condicional, nos termos do artigo 62.º, na nova redacção.

A proposta de revisão do Código Penal colocava algumas dúvidas: seria ou não aplicável, ao regime de permanência na habitação, a legislação relativa à vigilância electrónica, designadamente a Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, pensada para a medida de coacção?

O artigo 9.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, soluciona a dúvida, estabelecendo que o disposto no n.º 1 do artigo 1.º, no artigo 2.º, n.º 2 a 5 do artigo 3.º, nos artigos 4.º a 6.º, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 8.º e no artigo 9.º do mencionado diploma, é aplicável ao regime de permanência na habitação.

Que disposições são essas?

- As que dispõem sobre o consentimento (do arguido e de outros);

- As que dispõem sobre o conteúdo da decisão (que admite o estabelecimento de autorizações de ausência) e a solicitação de prévia informação aos serviços encarregados da execução da medida sobre a situação pessoal, familiar, laboral ou social do arguido (a unidade de monitorização local colocada na habitação depende da existência de energia eléctrica – condições técnicas);

- As relativas à execução, entidade encarregada da execução, deveres do condenado, causas de revogação e ao equipamento a utilizar na vigilância electrónica.

Parece-me que, como pena de substituição, pelo menos em sentido impróprio, o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, tal como ocorre com a prisão por dias livres e o regime de semidetenção».

Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pág. 331, escreve que:

«à pena privativa da liberdade o tribunal deve preferir «uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação».

O artigo em causa, repete-se, inscreve-se numa cruzada de combate às penas curtas de prisão, lançando mão de circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional.

No artigo 13º da Lei n.º 51/07 de 31/8 (objectivos, prioridades e orientações de política criminal) prevê-se a possibilidade do Ministério Público promover a aplicação de penas não privativas de liberdade aos crimes referidos no artigo 11º da mesma Lei, mencionando na alínea e) o regime de permanência na habitação, a par de outras penas, como a prisão por dias livres, o regime de semidetenção, a suspensão da execução de pena de prisão subordinada a regras de conduta e a prestação de trabalho a favor da comunidade.

É, no fundo, a lei a dar a nota de que a sanção penal se caracteriza como não privativa da liberdade.

Nas chamadas penas de substituição detentivas (penas de substituição em sentido impróprio), temos agora, além da prisão por dias livres (art. 45º do CP) e do regime de semi-detenção (art. 46º do CP), que já existiam e cujo âmbito foi alargado na revisão de 2007, o regime de permanência na habitação previsto no art. 44º do CP.

As duas primeiras (dependendo o regime de semidetenção do consentimento do condenado) são cumpridas intramuros na prisão (parte-se da ideia de que o inconveniente do “efeito criminógeno da prisão vale para a pena de prisão contínua mas já não, ou de forma muito atenuada, para a prisão por dias livres ou para o regime de semi-detenção”, mesmo quando substituem penas de prisão até 1 ano), enquanto a terceira é cumprida extramuros (é uma alternativa à prisão no EP).

De facto, «o CP distingue claramente os regimes do artigo 44º (Regime de permanência na habitação) e do artigo 46º (Regime de semidetenção).

Se o primeiro visa poupar o condenado ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional, pelo período de uma pena curta, tendo em vista o binómio ganhos/perdas – efeito ressocializador da pena versus a dessocialização inevitavelmente devida ao efeito criminógeno – que pode ser, será, desfavorável ao fim de ressocialização da pena, esgotando-se portanto, na substituição do meio prisional pela residência, é ao segundo que é reservada a opção pela preservação da integração do condenado no seu meio de inserção e na profissão, reduzindo ao mínimo a solução de continuidade que a pena representa na sua vida.

Temos, assim, diferentes normas, instituindo diferentes meios para se atingirem diferentes fins.

A aplicação do regime do artigo 44º do CP não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional» (Acórdão da Relação do Porto de 23/9/2009, Pº n.º 42/06.2TAOVR-B.P1/JTRP00042926).

O expressivo e completo Acórdão da Relação do Porto em 28/5/2008 (Pº 0812167 – JTRP00041428), adianta o seguinte:

«Todos sabemos que qualquer reforma penal não pode prescindir da protecção dos direitos fundamentais que são assegurados a qualquer pessoa em sociedades democráticas, liberais, tolerantes e solidárias.

A prisão deve ser reservada aos crimes mais graves e a situações em que já não é possível, por outros meios, dissuadir o agente da prática de novos crimes.

Claro que é preciso saber como é que se vai conseguir, com êxito, prevenir a prática de novos crimes pelo mesmo agente.

Sabemos que um delinquente (e não me refiro ao ocasional) não deixa de cometer crimes de um dia para o outro.

É necessário construir e ajudar a construir todo um processo que lhe permita criar uma “identidade não criminal”.

Nesse capítulo é essencial encontrar um trabalho e ter condições de vida com (pelo menos) um mínimo de dignidade.

O Estado tem de contribuir eficazmente, como é sua obrigação, para a socialização do condenado e, portanto, tem de criar essas condições que permitirão afastar o delinquente da prática de novos crimes.

É precisamente por causa da ineficácia da pena de prisão junto da pequena e da média criminalidade, que o legislador vem reagindo, sendo disso exemplo a diversificação das penas substitutivas da prisão que se vão criando.

Repare-se que o regime de permanência na habitação é extremamente exigente para o condenado. É preciso que não seja encarada (mesmo por parte dos operadores judiciários) como um “favor” ou “falta de pena”.

O regime de permanência na habitação é, como diz Germano Marques da Silva, “um desafio permanente à vontade do condenado” (…) “que não tem grades em casa…”.

Deverá até (como defende o mesmo Autor) ser assegurada a sua compatibilização com saídas para o trabalho ou outras actividades sociais necessárias à sua reintegração social: só assim será uma pena verdadeiramente eficaz.

Ora, é precisamente tendo em vista a ideia de prevenção especial (finalidade de socialização), aliado à expectativa razoável de que esta pena de substituição (art. 44 n.º 1-a) do CP) ainda pode ser eficaz relativamente ao comportamento futuro do arguido, que se justifica a sua escolha, uma vez que a mesma ainda se mostra suficiente não só para evitar que o arguido reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico».

Note-se que é o próprio Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovada pela Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro, a não regular no âmbito do seu texto (246 artigos) a pena prevista no artigo 44º do CP, apenas a ela se referindo no artigo 2º da Lei (e não do Código por ela aprovada) – para fazer as correspondências entre esta pena e o regime da vigilância electrónica da Lei n.º 122/99 de 20/8 -, no artigo 120º/1 b) do seu texto (ao falar da possibilidade de modificação da execução da pena de prisão, transformando-a no regime de permanência de habitação[4] e no artigo 188º (adaptação à liberdade condicional, que se refere ao já previsto no artigo 62º do CP).

O novo Código é claro – fala apenas da execução das penas privativas de liberdade e das medidas de segurança privativas de liberdade em estabelecimentos prisionais ou em estabelecimentos destinados ao internamento de inimputáveis.

Fala sempre em recluso, o que não é a situação do condenado em regime de permanência na habitação que, fora de qualquer dúvida, tem alguma liberdade – exactamente aquela que não tem o recluso que foi condenado em prisão efectiva.

Como tal, estamos perante uma pena de substituição, claramente não privativa da liberdade (sob o ponto de vista jurídico-criminal) – na medida em que o arguido «já regressou a casa», na feliz expressão do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 21/10/2009 - no sentido que a distingue da efectiva reclusão em meio prisional[5].

No nosso caso, entendemos também que não é esta pena do artigo 44º que é a adequada, pois ainda assim representa um incómodo para o agente que, muitas vezes, nem sequer a entendem como pena pois estão em liberdade relativa.

No entanto, reiteramos que não deve ser o critério norteador da nossa opção – o menor ou maior transtorno que uma pena venha a criar ao condenado.

 É a 6ª prevaricação, a última de uma cadeia intolerável – foi condenado pela 5ª vez em Dezembro de 2010 e logo reitera o mesmo comportamento em Fevereiro de 2012.

Há que ser duro e exemplar, antes que aconteça alguma tragédia na sua ou na vida de terceiros inocentes.

Como tal, só há que afastar a pena do artigo 44º do CP.

Além disso, desconhece-se ainda - embora esse não seja o verdadeiro primeiro motivo para não a aplicarmos - se há ou não condições para a poder executar e se o arguido nela consente.

3.2.7. A PRISÃO POR DIAS LIVRES

Resta a pena do artigo 45º do CP, aquela que é peticionada pelo MP recorrente.

Aqui chegados, tendemos a concordar com a argumentação do recorrente quando alega que «a execução da pena de prisão por dias livres terá ainda potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico violado, assim se satisfazendo as exigências de prevenção geral e terá, de igual forma, potencialidades de facilitar a ressocialização do arguido, satisfazendo as exigências de prevenção especial, sem estender, de forma gravosa, as consequências da sua punição ao seu agregado familiar restrito, assim como às suas obrigações familiares para com o filho e compromissos obrigacionais assumidos».

Tem o arguido de sentir na pele e na soma dos seus dias o desarranjo existencial que uma pena deste cariz sempre lhe irá naturalmente acarretar.

A pena tem de ser suficientemente expressiva para que o arguido pondere futuramente o que consigo se passou e a condenação de que foi alvo e não volte a conduzir sem estar «encartado».

Para seu bem e dos outros que consigo que cruzarão na estrada e na vida…

Foram dadas 5 hipóteses ao arguido de se emendar, e mesmo assim, voltou a ser apanhado a conduzir ilegalmente num seu – não se duvida - automóvel.

A nossa opção é clara - esta privação de liberdade permitirá ao recorrente, mais uma vez, reflectir sobre as sérias e graves consequências que para si advirão, se repetir o seu comportamento delituoso e particularmente, a prática da condução de veículo de forma ilegal.

Além disso, e não obstante o que atrás de deixou escrito, a prisão por dias livres permite que não se quebrem totalmente os laços sociais do recorrente, assim impedindo a potenciação do efeito criminógeno particularmente activo nas penas de privação da liberdade de curta duração, razão pela qual acabamos por concordar com a opção de substituir a pena – efectiva - de prisão por prisão por dias livres.

Note-se que o artigo 45º do CP preceitua que «a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano (o nosso caso pois entendeu-se, de forma equilibrada, ser de aplicar uma pena de oito meses de prisão[6]), QUE NÃO SEJA SUBSTITUÍDA POR PENA DE OUTRA ESPÉCIE, é cumprida em dias livres (…)[7]».

Dela falando, bem doutrina Maia Gonçalves:

«(…) O que no fundo se pretende com a prisão por dias livres é adaptar a pena à vida familiar e profissional do condenado e criar um regime intermédio entre a prisão contínua e o tratamento em meio aberto, mas a ideia apoia-se também em considerações que transcendem o delinquente. É, antes de mais, indesejável que se projectem sobre a família do condenado consequências económicas desastrosas, a ponto de se dizer que “une peine de prison cloclochodise la famille”, sendo ainda indesejável a ruptura prolongada com o meio profissional e social (...)».

Vendo o seu regime legal, conclui-se que a prisão por dias livres consiste na privação da liberdade por períodos correspondentes a fins-de-semana, e não pode exceder 72 períodos (art. 45º, nº 2, do CP) – cada período equivale a 5 dias de prisão contínua, e tem a duração mínima de trinta e seis horas e máxima de quarenta e oito horas (nº 3 do art. 45º, do CP), podendo os feriados que antecederem ou se seguirem a um fim-de-semana ser utilizados para a execução da prisão por dias livres, sem prejuízo da duração máxima estabelecida para cada período (nº 4 do mesmo artigo).

Assim sendo, tendo o recorrente sido condenado em 8 meses de prisão que correspondem a 240 dias deverá, nos termos das normas citadas, cumprir a prisão por dias livres durante 48 períodos (48 períodos x 5 dias = 240 dias) - cada período terá a duração de 36 horas e será cumprido entre as 8 horas de sábado e as 20 horas do Domingo seguinte, sem prejuízo do disposto no art. 45º, nº 4, do CP quanto a feriados.

Nesta conformidade,

· iremos aplicar ao arguido a pena de prisão por dias livres (substitutiva da pena de 8 meses de prisão), a executar em 48 (quarenta e oito) períodos, cada um com a duração de 36 (trinta e seis) horas e equivalente a 5 dias de prisão contínua;

· determinaremos que estes períodos de 48 horas sejam cumpridos aos fins-de-semana, desde as 8.00 horas de Sábado até às 20.00 horas de Domingo, com início no primeiro fim-de-semana subsequente ao trânsito em julgado deste acórdão;

· solicitaremos ainda ao tribunal de 1ª instância que indague pelo Estabelecimento Prisional que vier a ser indicado pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, e que tal indicação deveria ser efectuada de modo a facilitar a deslocação do arguido para casa/trabalho/EP e com observância do demais formalismo legal.

Como tal, merece total provimento o recurso intentado pelo MP, só havendo que revogar a pena suspensa na sua execução decretada pelo tribunal recorrido.

Ainda a tempo do arguido reflectir sobre a sua condução e de evitar a pena maior…

3.3. Face ao exposto, só resta dar provimento TOTAL ao recurso.

                                                                       *

            III – DISPOSITIVO

1. Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em conceder provimento ao recurso intentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, revogando a sentença recorrida na parte em que condena o arguido em 8 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano, com a condição de cumprimento de uma injunção, CONDENANDO antes o arguido, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelos artigos 3.° n.° 2 do D.L. n.° 2/98 de 3 de Janeiro, com referência ao art. 121.° do C.E., na pena de prisão por 8 (oito) meses, a cumprir em dias livres, em 48 períodos correspondentes a fins-de-semana, cada um deles com a duração máxima de 36 horas, equivalendo cada um a cinco dias de prisão contínua, sendo cumpridos desde as 8.00 horas de Sábado até às 8.00 horas de Domingo, com início no primeiro fim-de-semana subsequente ao trânsito em julgado deste acórdão;

2. Deverá o tribunal de 1ª instância indagar por um Estabelecimento Prisional que vier a ser indicado pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, devendo tal indicação ser efectuada de modo a facilitar a deslocação do arguido para casa/trabalho/EP e com observância do demais formalismo legal.

            Sem custas.


Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo também revisto pelo segundo - artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


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(Paulo Guerra)


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(Alberto Mira)


[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[2] Quanto à segunda ponderação da aplicação de uma pena de multa, estamos com o Acórdão da Relação do Porto de 20/4/2009, publicado no site do itij:
«Aparentemente, tendo o tribunal a quo optado pela aplicação da pena de prisão em alternativa à aplicação da pena de multa, levaria a crer que a questão da eventual substituição desta pena de prisão por multa, já não se colocaria. Puro engano, segundo a posição de Figueiredo Dias e que se acolhe.
Este jurisconsulto, na obra Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, afirma a fls. 363 e 364:
“Se, apesar deste comando, o tribunal se decide pela pena de prisão, que sentido poderá ter, quando ao crime fosse já aplicável em alternativa prisão ou multa, cominar a substituição-regra por multa da prisão concretamente fixada em medida não superior a 6 meses”?
Para logo responder:
“A resposta está em que uma coisa é a aplicação da pena de multa ser preferível à da prisão, outra diversa e muito mais estrita, é que a execução da prisão seja exigida por razões de prevenção; além temos um critério de conveniência e de maior ou menor adequação, aqui um critério estrito de necessidade: é necessário - e o tribunal tem de o demonstrar, sob pena de erro de direito inescapável - que só a execução da prisão permita dar resposta às exigências de prevenção”».
[3] A vigilância electrónica é meio técnico de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação permitido no País a partir da introdução do n.º 2 do art. 201º do CPP pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, regulado pela Lei 122/99, de 20 de Agosto (medida de coacção que não se confunde, como é bem de ver, com o regime do artigo 44º do CP).
A Lei n.º 59/2007 de 4.9 prevê que o disposto no n.º 1 do artigo 1º, no artigo 2º, nos n.ºs 2 a 5 do artº3º, nos artigos 4º a 6º, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artº 8º e no artº9º da Lei n.º122/99, de 20.8, que regula a vigilância electrónica prevista no artº201º do Código de Processo Penal, é correspondentemente aplicável ao regime de permanência na habitação previsto nos artigos 44º e 62º do Código Penal.
Isso mesmo agora também resulta do texto do artigo 2º do Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovada pela Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro.
[4] Regime este que nem sequer consta de qualquer Capítulo autónomo do novo Código (já o capítulo II do Título XVI incide sobre a prisão por dias livres e em regime de detenção).
[5] No sentido de não se aplicar a este regime de cumprimento da pena de prisão o instituto da liberdade condicional, veja-se o acórdão por nós relatado proferido no Recurso n.º 938/09.1OTXCBR.C1.

[6] A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
[7] Note-se que a prisão por dias livres constituiu-se como uma pena de substituição detentiva (em sentido impróprio), enquadrando-se, a par do regime da semidetenção (artigo 46º do CP), no quadro integrado dos esforços empreendidos para substituir as penas curtas de prisão (contínua) por medidas político-criminais mais aceitáveis. Tal pena só poder ter lugar quando anteriormente o tribunal tenha considerado, nos termos da parte final do artigo 43º, n.º 1, que a execução da prisão é exigida pela necessidade de prevenir futuros crimes. Por isso, ou se aplica a prisão por dias livres, ou se suspende a execução da pena de prisão, não sendo possível a suspensão de uma pena de prisão por dias livres.