Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4019/16.1T8VIS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
DEVER DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 05/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 7, 304, 312, 314, 324 CVM, 309 CC
Sumário:
1. - A violação culposa de deveres indeclináveis de informação a cargo de intermediário financeiro (um banco, parte apetrechada na negociação), no âmbito da atividade bancária, perante cliente investidor não qualificado e em deficit de informação, é fonte de obrigação indemnizatória pelo decorrente dano causado a esse cliente.
2. - Se a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabiliza a entidade emitente do produto, tal não impede que também se constitua em responsabilidade o respetivo intermediário financeiro que, no relacionamento contratual com aquele seu cliente, atue por forma a assumir também o reembolso do capital investido.
3. - Apurado que o banco intermediário financeiro propôs ao cliente, no âmbito da contratação, a aquisição de um produto com margem de risco – que aquele não subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do mesmo –, com a prestação de informação falsa de equiparação a um depósito a prazo e garantia de reembolso do capital investido, em violação de elementares padrões de boa-fé na relação com o cliente, ocorre culpa grave do banco.
4. - Situação que afasta o curto prazo prescricional previsto no art.º 324.º, n.º 2, do CVM, sendo aplicável o prazo ordinário de prescrição (art.º 309.º do CCiv.).
Decisão Texto Integral:
Apelação n.º 4019/16.1T8VIS.C2
2.ª Secção – Cível
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
***
I – Relatório
C (…), com os sinais dos autos,
intentou ação declarativa de condenação, com a forma de processo comum, contra
BANCO (…) S. A.”, também com os sinais dos autos,
pedindo que:
a) Seja o R. condenado a pagar à A. o capital e juros vencidos e garantidos, perfazendo a quantia de € 57.000,00, bem como os juros vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
ou, assim não se entendendo,
b) Seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os € 50.000,00 que a A. lhe entregou, em obrigações subordinadas K... Rendimento Mais 2004;
c) Seja declarada ineficaz em relação à A. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes;
d) Seja condenado o R. a restituir à A. € 57.000,00 que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento;
e) Seja, em qualquer caso, o R. condenado a pagar à A. a quantia de € 3.000,00, a título de dano não patrimonial.
Para tanto, alegou, em síntese, que (() Segue-se, no essencial, por economia de meios, a síntese da decisão recorrida.):
- sendo a A. cliente do R., com conta à ordem, em outubro de 2004 o gerente do R. da agência de V… disse-lhe que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo Banco J... e com rentabilidade assegurada, sabendo ele que a A. não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, sendo que sempre aplicara o seu dinheiro em depósitos a prazo;
- porém, € 50.000,00 foram colocados em obrigações K... Rendimento Mais 2004, sem que a A. soubesse em concreto o que era, desconhecendo que a K... era uma empresa, radicando o motivo da sua autorização no facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo banco R., com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias;
- agiu a A. na convicção de colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo (produto com risco exclusivamente do banco), o que nunca aceitaria se soubesse tratar-se de um produto de risco e sem capital garantido pelo Banco J...;
- em novembro de 2015, o R. deixou de pagar os juros respetivos, sendo que nunca o contrato lhe foi lido ou explicado, tão pouco lhe foi entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas K...;
- a existirem eventuais documentos, serão contratos de cláusulas gerais, cujas assinaturas não têm validade, por os contratos serem nulos, além de que não correspondem à vontade da A.;
- o R. não lhe restituiu o montante confiado, nem tem cumprido o pagamento dos juros acordados, uma vez que contratou uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros a taxa inferior, sendo que a A. ficou impedida de usar o seu dinheiro e num permanente estado de preocupação, tristeza e ansiedade, com o receio de não o reaver.
O R. contestou, concluindo pela improcedência da ação, para o que alegou, quanto ao que ora importa:
- ocorrer ineptidão da petição inicial e a exceção da prescrição (por o negócio dos autos constituir um ato de intermediação financeira, tendo o R. cumprido ordens da cliente, com prescrição consumada, pelo decurso de mais de 2 anos);
- ter a A. desde sempre mostrado apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, o que mostra que, não tendo formação específica em área financeira, tinha conhecimentos e experiência suficientes para um tal tipo de investimento, com conhecimento da respetiva natureza, riscos e maior rentabilidade face a depósitos a prazo;
- sendo que o produto dado à subscrição da A. era seguro, resultando o seu incumprimento de circunstâncias imprevisíveis e anormais – o risco da aplicação era semelhante ao de um depósito a prazo no próprio banco;
- à A. foram explicadas, total e exaustivamente, as condições do produto, aliás de forma acompanhada com a respetiva nota técnica, sabendo ela que não se tratava de um depósito a prazo, nunca a R. tendo dito que o banco garantiria o cumprimento ou incumprimento das obrigações da K....
A A., no exercício do princípio do contraditório, pugnou pela total improcedência a matéria de exceção.
Realizada audiência prévia, saneado o processo, enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se depois à audiência final, com produção de provas, seguida de sentença – incorporando decisão de facto e de direito –, pela qual foi a ação julgada parcialmente procedente, com condenação do R. a pagar à A. as quantias de “€ 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o dia 25 de Outubro de 2014 até efectivo e integral pagamento” e “€ 3.000,00 (três mil euros), a título de indemnização de danos não patrimoniais”.
Inconformado, apelou o R., apresentando alegação e oferecendo as seguintes
Conclusões
(…)
A A. contra-alegou, pronunciando-se sobre as questões suscitadas em sede de recurso e concluindo pela total improcedência da apelação.
***
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
***
II – Âmbito do Recurso
Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, cabe decidir, sobre matéria de facto e de direito, quanto ao seguinte:
a) Se houve erro de julgamento quanto à decisão da matéria fáctica, implicando a alteração dessa decisão;
b) Se está, ou não, o R./Apelante constituído na obrigação de indemnizar;
c) Se ocorre prescrição do direito indemnizatório.
***
III – Fundamentação
A) Quadro fáctico da causa
Na sentença recorrida, foi julgada provada a seguinte factualidade:
«1
A A era cliente do Réu, na sua agência de V..., com a conta à ordem nº XXXXX, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças.
2
A S (…) S.A., era detentora de 100% do capital do Banco-Réu até à sua nacionalização, em Novembro de 2008.
3
Em Outubro de 2004 o gerente do Banco Réu da agência de L…, disse à Autora que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo Banco J... e com rentabilidade assegurada.
4
O dito funcionário do Banco Réu sabia que a A não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.
5
A Autora tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, ela que até esse data sempre o aplicou em depósitos a prazo.
6
A Autora ignorava o que eram as “Obrigações K... Rendimento Mais 2004” e que a K... era uma empresa, bem como que “K...” era uma mera denominação de conta a prazo que o Banco Réu utilizava.
7
A decisão de subscrição, por parte da Autora, fundou-se na circunstância de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com antecedência não apurada.
8
Então a Autora aplicou € 50.000,00 em “Obrigações K... Rendimento Mais 2004”.
9
A Autora actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto com risco exclusivamente do Banco, convicção essa que era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu.
10
A Autora sempre esteve convencida que o Réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
11
A Autora, caso tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações K... 2004, produto de risco e que o capital não era garantido pelo Banco J..., jamais o autorizaria.
12
Era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu que nunca foi intenção da Autora investir em produtos de risco e o Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, gerando na Autora a convicção plena na segurança da aplicação em causa, ainda reforçada com o pagamento semestral dos juros, tal como o facto da agência nunca a ter alertado para qualquer irregularidade e que manteve até Novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.
13
Nunca o gerente ou funcionários do Réu, nem ninguém, leu ou explicou à Autora o que eram obrigações, em concreto, o que eram “Obrigações subordinadas K... Rendimento Mais 2004”.
14
O Réu colheu a assinatura da Autora num subscrito que foi preenchido por funcionário do Réu não identificado, desconhecendo todo o processo de aquisição das obrigações K....
15
À Autora nunca qualquer contrato lhe foi lido ou explicado, tão pouco entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas K... nem que contivesse prazos de resolução unilateral pela Autora.
16
Ainda a Autora nunca conheceu qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações K..., não lhe tendo sido entregue documento correspondente.
17
O prazo de maturidade do produto em causa ocorreu em 25 de Outubro de 2014.
18
Na data de vencimento contratada o Réu não restituiu o montante que a Autora lhe confiara, dando a informação - na agência de V... - que era melhor esperar até à maturidade das obrigações.
19
O Réu pagou juros a taxa diversa da contratada e até data não apurados em concreto.
20
As orientações e comunicações internas existentes no Banco J... e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido, dado que sendo empresas do Grupo Banco J..., o Banco cobriria sempre a solvabilidade dos produtos.
21
O Réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.
22
Pelos extractos mensais periódicos recebidos pela Autora, nos quais constavam as aplicações financeiras, analisada com cuidado e por quem tinha conhecimento, era possível destrinçar ou perceber que ali estavam produtos financeiros diferentes de Depósitos a Prazo.
23
À data da subscrição a procura superava a oferta e, sempre que solicitado endosso de tais obrigações, não era difícil obter um comprador em prazo não concretizado.
24
E na ocasião o “Banco Réu” era o principal activo do património da sociedade emitente.
25
Com a descrita actuação do Réu a Autora passou a ter um estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro, provocando nela ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida, sentindo-se ainda desapossada das suas economias de uma vida e sem perspectivas de futuro, gerando na Autora um estado de “stress”.
26
A presente acção foi instaurada no dia 31 de Julho de 2016 e o Réu foi citado para a presente acção no dia 2 de Agosto de 2016 - aviso de recepção de fls 14, facto provado documentalmente nos termos do disposto no artigo 607º nº 4 CPC.».
E foi julgado não provado:
«1
A Autora percebeu o facto descrito em 22.
2
A Autora sempre mostrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco.
3
À data dos factos a sociedade emitente gozava de solidez financeira.
4
O risco de um DP era, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da K... ser indexado ao risco do próprio Banco.
5
O seu incumprimento foi determinado pela nacionalização e a forma como essa nacionalização foi determinada, separando o Banco do restante grupo de empresas.
6
Aquando do contacto pelo seu gestor para oferta da possibilidade de subscrever o produto aqui em causa, este explicou que se tratava da sociedade-mãe do Banco e de um produto seguro.
7
E apresentou as condições do produto, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente aos DP’s, o seu prazo, de 10 anos e as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.
8
A Ré sempre explicou todos os formulários dados a assinar à Autora.
9
A subscrição de Obrigações K..., sendo um contrato entre a Autora e a K... nunca se corporizou num qualquer escrito.
10
Mas apenas e tão-só numa proposta da K..., veiculada pelo Banco Réu.
11
E uma aceitação da Autora, corporizada numa ordem de subscrição de títulos.
12
Os juros respectivos acordados foram sendo pagos semestralmente à Autora.».

B) Da impugnação da decisão da matéria fáctica
(…)
Donde a improcedência das conclusões do Apelante em contrário, persistindo inalterado o quadro fáctico ilustrado na decisão em crise.

C) Matéria de direito
1. - Da obrigação de indemnizar do intermediário financeiro
1.1. - Na fundamentação jurídica da sentença recorrida, focada na interpretação dos factos provados quanto ao relacionamento contratual das partes (() De um lado um banco, um profissional apetrechado no âmbito da sua atividade comercial, e do outro alguém posicionado ao nível de um mero consumidor de produtos financeiros (mesmo se chamado ao estatuto de investidor), pessoa sem qualificação ou formação técnica quanto a tais produtos da complexa órbita financeira (cfr. factos provados 3 a 7 e 9), o que logo mostra o existente desequilíbrio (significativo) de posições negociais, com marcado deficit de conhecimento/preparação da A. (apesar de investidora, mas não qualificada) face à contraparte (intermediário financeiro).), pode ler-se:
«(…) o Réu através do seu identificado funcionário, agiu por forma a desrespeitar o conjunto de deveres com que estava onerado», estando «factualmente demonstrado que o Réu ignorou a prescrição do artº 7º nº 1 do CVM, ou seja, não prestou informação respeitante a instrumentos financeiros, de forma completa, verdadeira, actual, clara e objectiva desde logo omitiu um esclarecimento cabal e entendível sobre ou acerca de quem era a sociedade emitente.
Em segundo lugar é facto que nos termos do artº 304º nºs 1 e 2 do mesmo diploma estava obrigado a “orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, e a observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de lealdade e transparência, o que não sucedeu na exacta medida em que era sabido o perfil “conservador” da Autora, adepta ou cliente de aplicações essencialmente em depósito a prazo, ou de aplicações seguras e sem risco, mas a subscrição de obrigação com o perfil das obrigações K... Mais Rendimento 2004 ou 2006, não obedece a tais características tal como ignorou a necessidade de respeito de ratios de solvabilidade do banco.
E finalmente porquanto tinha o dever de “prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sobretudo perante um investidor não qualificado, e igualmente não os respeitou, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art. 312º, nº 1, a), do CVM – alínea e) actual – e nº 2)” na medida em que sempre lidou com o cliente indicando-lhe ou dando-lhe a entender que era uma aplicação segura, com capital garantido no final da maturidade, como bem sabia não suceder, como de facto e infelizmente não sucedeu.
Acontece que foi suportado ou alicerçado no conjunto de informações que lhe foram transmitidas, acerca da natureza e características do produto em causa – que se revelam não verdadeiras, por um lado, e omitindo os riscos da aplicação, por outro – e em absoluto desrespeito pelos enunciados deveres legais de boa-fé, diligência e lealdade e do dever de informação, que a Autora subscreveu a dita aplicação, na convicção de que era um produto seguro, de capital garantido, sem risco e equivalente a um depósito a prazo.
Dado que se concluiu pela presença de conduta violadora de obrigações e deveres que oneravam o Réu, (…) “desta violação resulta a obrigação de indemnizar os danos causados, seja ao abrigo do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do CC, donde se exige às partes que actuem de boa-fé na execução do contrato, seja ao abrigo do artigo 227.º, n.º 1, no momento prévio à formação do contrato, donde se exige que as partes contratantes procedam segundo as regras da boa-fé”, que conjuga com o disposto no 314º nº 1 do CVM (…)», sendo «“determinante reter que, já na sua redacção originária (aplicável ao caso em análise), decorria do nº 2 do referido art.º 314º que «A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação». Com efeito, a responsabilidade do intermediário financeiro a que alude o artigo 314º do CVM, apresenta-se desde logo (embora não exclusivamente) como uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do CC, sendo a causa de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, definido no artigo 75º, nº 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12 (…)» (() Cita-se na decisão recorrida o Ac. STJ de 17/03/2016, Proc. 70/13.1TBSEI.C1 (Cons. Maria Clara SottoMayor), www.dgsi.pt, na seguinte passagem: «Trata-se de uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, e que aqui qualificamos como responsabilidade contratual, aplicando-se em consequência o regime do art. 799.º do CC.(…) / A culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art. 799.º do CC. Esta norma, segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. ««Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa»» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432). Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a ««falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»»» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432). Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de excusa (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 433). No domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância. (…)».).
E acrescenta-se (na senda da jurisprudência do STJ):
A declaração do Banco, segundo a qual «estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco», interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a percepção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade. Neste sentido também se orientou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 10-01-2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, segundo o qual «(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)» (…) A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor colectivo da segurança jurídica. Neste caso, sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem (…). As modalidades de responsabilidade civil aqui em causa são a responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o autor que estava garantido o retorno, e a responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital e dos juros) e executou o contrato, violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC)».
(…)
Relativamente ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade contratual decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente, tem-se por verificada a ilicitude (atenta a violação do dever de informação e da garantia do capital e de juros) e a culpa (que se presume nos termos do art.º 799.º, n.º 1 do CC e 314º, n.º2 do CVM). Quanto ao nexo causal entre o facto e o dano, este não só se deve ter por abrangido pela presunção do art.º 799.º, n.º 1 do CC (…), como se encontra amplamente provado. Como tem salientado a jurisprudência, atendendo ao disposto no art.º 563º do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano (…) está demonstrado quando em face dos sobreditos factos podemos concluir que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, os autores não teriam investido naquelas aplicações (…).
Com efeito, resulta com clareza que caso os deveres de informação tivessem sido devidamente cumpridos os autores não teriam realizado tal aplicação de capital e, assim, não teriam sofrido os riscos e prejuízos subsequentes. Não se pode, pois, acompanhar o réu quando alega que a causa da desvalorização (e assim do prejuízo) foi a nacionalização do réu (ou de forma ainda mais abrangente a crise financeira de 2008), pois o prejuízo dos autores decorre da informação enganosa prestada. Assim, a inobservância dos deveres de informação pelo banco réu na aquisição dos produtos financeiros em causa, torna-o responsável pelos prejuízos causados aos autores, nos termos do art.º 314.º, n.º1 do CVM.
Ora, cabe dizer que, além dos mencionados arestos do STJ, também esta Relação se vem pronunciando reiteradamente sobre a matéria (() Já no Ac. TRC de 09/10/2012, Proc. 1432/09.4T2AVR.C1 (Rel. Arlindo Oliveira), em www.dgsi.pt, se elegia o seguinte sumário: “Se as informações prestadas por um banco são inexactas, incompletas ou falsas e foram causais da celebração de um acto ou contrato, então terá aquele de ser responsabilizado pelos danos que assim causa, quer por via contratual quer extra-contratual”.) e até sobre casos semelhantes ao dos presentes autos, inclusive nesta mesma Secção.
Assim, o Ac. TRC de 12/09/2017, Proc. 821/16.2T8GRD.C1 (Rel. Moreira do Carmo), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se (no relevante para o caso):
«(…) 5.- Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente assumir também o reembolso do capital investido;
6.- Provando-se que a gerência do Banco propôs aos AA uma aplicação financeira - a aquisição de obrigações da S (…) - com garantia do capital investido a que os AA deram a sua anuência, por se tratar de um produto comercializado pelo B (…) (detido a 100% pela referida S (…) em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido e rentabilidade assegurada, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros;
7. Além desta responsabilidade contratual, existe também responsabilidade pré-contratual por parte do Banco, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304º, nº 1 e 2, do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de lealdade e transparência, como também da violação dos deveres de informação a que aludem os arts. 7º, nº 1, e 312 nº 1, ambos do CVM, assim fazendo incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 314º, nº 1 do mesmo código, sendo certo, também, que o Banco não ilidiu a presunção legal de culpa do nº 2 do citado art. 314º (todos os indicados artigos na redacção anterior ao DL 357-A/2007, de 31.10), constituindo-se por essa via, igualmente, na obrigação de indemnizar os danos causados aos AA.».
Também, do mesmo modo, o Ac. TRC de 12/09/2017, Proc. 986/16.3T8GRD.C1 (Rel. Luís Cravo), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:
«1 - Tendo o Banco intervindo como intermediário financeiro na comercialização das Obrigações ajuizadas [K... rendimento mais 2004 e K... 2006], tinha ele, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cf. art. 312º, al. a) do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável].
2 - Decorre do nº 2 do art. 314º do CVM, na mesma redacção, que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
3 - Sendo certo que sujeito responsável pela indemnização em causa será o dito intermediário financeiro, pois que, não obstante a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido» (() No mesmo sentido, cfr. o Ac. TRC de 23/01/2018, Proc. 3246/16.6T8VIS.C2 (Rel. Luís Cravo), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «I- Tendo o Banco intervindo como intermediário financeiro na comercialização das Obrigações ajuizadas, tinha ele, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cf. art. 312º, al. a) do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável]. / II- Decorre do nº 2 do art. 314º do CVM, na mesma redacção, que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”. / III- Sendo certo que sujeito responsável pela indemnização em causa será o dito intermediário financeiro, pois que, não obstante a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido, compromisso esse que na circunstância se mostra violado (foi executado o contrato com violação dos deveres de boa fé - art. 762º do C.Civil).».).
E o Ac. TRC de 16/01/2018, Proc. 3906/16.1T8VIS.C1 (Rel. Fonte Ramos), www.dgsi.pt, onde se concluiu que:
«1. Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda ao intermediário financeiro (Banco), se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente assumir também o reembolso do capital investido e juros.
2. Além desta responsabilidade contratual, existe responsabilidade pré-contratual por parte do Banco, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro - nomeadamente os princípios orientadores consagrados no Código dos Valores Mobiliários (CVM), como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de lealdade e transparência -, como também da violação dos deveres de informação, assim fazendo incorrer o Banco Réu na responsabilidade prevista no art.º 314º, n.º 1 do CVM (in casu, na redacção anterior ao DL n.º 357-A/2007, de 31.10), sendo que, não ilidida a presunção de culpa do n.º 2 do mesmo art.º, incorre por essa via, igualmente, na obrigação de indemnizar os danos causados aos clientes (AA.).».
Sem esquecer, ainda, o Ac. TRC de 23/01/2018, Proc. 4327/16.1T8VIS.C1 (Rel. Fernando Monteiro), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:
«1.O Banco intermediário financeiro tinha o dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes aos riscos envolvidos nas operações a realizar (art. 312º, al. a) do CVM, na sua redacção originária aplicável).
2.- A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
3.- Provando-se que o Banco propôs ao autor uma aplicação financeira com garantia do capital investido e que este aceitou a mesma, nesse pressuposto e por se tratar de um produto comercializado pelo próprio Banco, este é responsável pelo compromisso assumido com o cliente.
4.- Actua com culpa grave aquele Banco que oculta informação e desconsidera grosseiramente o perfil do cliente, que conhece há vários anos, colocando-lhe um produto financeiro que este não subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto.
5.- O prazo de prescrição do art. 324º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, não se aplica quando o intermediário financeiro atue com culpa grave.» (() Cfr. também, no mesmo sentido, o Ac. TRP de 11/04/2018, Proc. 984/17.0T8PNF.P1 (Rel. Carlos Querido), www.dgsi.pt – e demais jurisprudência ali citada –, com o seguinte sumário:
«I- Provando-se que no âmbito de um contrato de intermediação financeira os funcionários do banco propuseram aos clientes a aquisição de um produto financeiro, prestando informação falsa relativamente, quer à equiparação do produto financeiro ao depósito a prazo, quer à garantia de reembolso do capital investido, haverá que concluir que a conduta do banco é violadora das mais elementares exigências da boa fé e da lealdade devidas aos seus clientes, previstas no artigo 304.º do CVM. / II- No contexto factual referido, o banco agiu com culpa grave, sendo por essa razão inaplicável o reduzido prazo prescricional previsto no n.º 2, do artigo 324º do CVM, antes se aplicando o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, previsto no artigo 309º do CC. / III- Conforme vem entendendo a jurisprudência, face ao disposto no art.º 563º do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores está demonstrado quando, face à factualidade provada, podemos concluir que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, os AA. não teriam investido naquele produto financeiro.».).
Não se vê razão, diga-se desde já, para discordar do posicionamento jurídico dos arestos citados (mormente, os do STJ e do TRC, cinco destes proferidos nesta mesma Secção, alguns deles em que foram Relatores os aqui Exm.ºs 1.º e 2.º Adjuntos).
Pelo que, por economia de meios, se adere ao enquadramento jurídico explanado nesses arestos – antes citados – e também acolhido na sentença em crise, em tudo aplicável ao caso dos autos.
1.2. - O aqui R./Apelante sustentava o seu recurso, desde logo, na empreendida impugnação da decisão da matéria de facto, âmbito em que pretendia, como visto, que fosse dada como não provada extensa e relevante matéria julgada provada na sentença em crise, referente, essencialmente, ao relacionamento pré-contratual e contratual entre as partes, matéria essa nuclear para a condenação proferida na 1.ª instância, com que não se conforma o Recorrente.
Porém, como dito, improcedeu in totum aquela impugnação da decisão de facto, termos em que falece o primeiro e essencial pressuposto recursório daquele recorrente.
Por isso, assentando o fundamento jurídico recursivo essencialmente naquela pretendida alteração da matéria de facto, designadamente o não ter sido transmitida qualquer garantia pelo banco intermediário à A. aquando da subscrição por esta das obrigações “subordinadas” mencionadas (“K... Rendimento Mais 2004”), bem como ter o R./Apelante, enquanto intermediário financeiro, transmitido à contraparte a informação necessária e legalmente imposta, a falência dessa parte do recurso (impugnação da decisão de facto) compromete grandemente a decorrente argumentação de direito, pois que se prova o contrário do pretendido pelo Recorrente.
Com efeito, persiste provado, com toda a eloquência, que:
«3 - (…) o gerente do Banco Réu (…) disse à Autora que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo Banco J... e com rentabilidade assegurada.
4 - O dito funcionário do Banco Réu sabia que a A não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.
5 - A Autora tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, ela que até esse data sempre o aplicou em depósitos a prazo.
6 - A Autora ignorava o que eram as “Obrigações K... Rendimento Mais 2004” e que a K... era uma empresa, bem como que “K...” era uma mera denominação de conta a prazo que o Banco Réu utilizava.
7 - A decisão de subscrição, por parte da Autora, fundou-se na circunstância de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com antecedência não apurada.
(…)
9 - A Autora actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto com risco exclusivamente do Banco, convicção essa que era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu.
(…)
11 - A Autora, caso tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações K... 2004, produto de risco e que o capital não era garantido pelo Banco J..., jamais o autorizaria.
12 - Era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu que nunca foi intenção da Autora investir em produtos de risco e o Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, gerando na Autora a convicção plena na segurança da aplicação em causa (…).
13 - Nunca o gerente ou funcionários do Réu, nem ninguém, leu ou explicou à Autora o que eram obrigações, em concreto, o que eram “Obrigações subordinadas K... Rendimento Mais 2004”.
(…)
15 - À Autora nunca qualquer contrato lhe foi lido ou explicado, tão pouco entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas K... nem que contivesse prazos de resolução unilateral pela Autora.
16 - Ainda a Autora nunca conheceu qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações K..., não lhe tendo sido entregue documento correspondente.
(…)
20 - As orientações e comunicações internas existentes no Banco J... e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido (…).
21 - O Réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.» (itálico e sublinhado aditados).
Donde que logo esteja comprometido o sustentado neste enquadramento pelo Apelante, subsistindo todos os fundamentos de facto e de direito para a decisão condenatória adotada na 1.ª instância, no tocante à existência de obrigação indemnizatória, ademais fundada na mais autorizada doutrina e jurisprudência dos nosso Tribunais superiores, que, como visto, repetidamente se têm pronunciado sobre casos semelhantes.
Ocorre, pois, comprovação de violação pelo banco R., enquanto intermediário financeiro (() Papel atribuído – e bem – na sentença e que as partes não questionam, matéria em que, assim, inexiste controvérsia.), de importantes deveres de informação a que estava adstrito em sede de responsabilidade pré-contratual e contratual invocadas, matéria que, por demais desenvolvida na jurisprudência citada – para a qual se remete, nos trechos supra transcritos –, seria fastidioso aqui repetir.
As exigências da boa-fé negocial e de execução contratual – postulando a adoção de uma conduta honesta, correta e leal – e os deveres de informação e proteção da confiança do cliente (a ora A./Apelada), também a cargo do R./Apelante –enquanto banco intermediário financeiro, interveniente na negociação (o interlocutor da A.) nesse âmbito e emitente de informações –, impunham que este, dispondo, por sua vez, de um quadro de informação exato/adequado/coerente, o facultasse – sem omissões ou inexatidões – a tal seu cliente, para que este pudesse decidir de forma esclarecida e verdadeira/adequada.
Não o tendo feito, violou os deveres de informação que lhe competiam, não correspondendo às exigências da boa-fé objetiva no relacionamento com o cliente, o qual foi levado a decidir, em prejuízo dos seus interesses, perante um quadro erróneo que lhe foi transmitido.
Quadro erróneo esse conhecido do banco R./Apelante, tal como conhecia o perfil conservador do cliente, que acabou aliciado a adotar, investindo, um produto/aplicação financeiro de risco (() Tratava-se, desde logo, de “Obrigações subordinadas K… Rendimento Mais 2004”, com o inerente risco, decorrente de tal “subordinação”, em caso de insolvência da entidade emitente – posição de desfavor dos credores subordinados no concurso face aos demais (pagamento apenas depois dos credores comuns). Ao que acresce, tratando-se de “obrigações”, a ausência de uma garantia como a decorrente, para os depósitos bancários, do Fundo de Garantia de Depósitos (já então existente, embora com montante garantido inferior ao atual).), na convicção, que lhe foi suscitada, de inexistência de tal risco, por lhe ter sido informado que se estava num plano de segurança financeira, garantido pelo banco, similar ao de um depósito a prazo (o R. sempre assegurou que a aplicação tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, gerando na A. a convicção plena na segurança da aplicação).
Ora, a A./Apelada, caso soubesse – se tivesse sido esclarecida, e não foi – que se tratava de produto de risco e que o capital não era garantido pelo Banco J..., jamais o autorizaria, só podendo, pois, concluir-se que foi enganada, posto até que era do conhecimento do gerente e funcionários do R. que nunca foi intenção da A. investir em produtos de risco e que sempre lhe foi assegurado que a garantia era a mesma de um depósito a prazo.
Donde que haja de concluir-se – como na jurisprudência citada – que o R./intermediário financeiro já tinha, ao tempo, o dever básico, a que não correspondeu, de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (cfr. art.º 312.º, al.ª a), do CVM, na redação originária/aplicável.
Ora, se é certo que a culpa do intermediário financeiro se presume quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (() Cfr. art.º 314.º, n.º 2, do CVM, na redação aplicável.), tal culpa é in casu até uma culpa grave, por se ter provado que o R., através do seu funcionário (gerente de agência), no âmbito de contrato de intermediação financeira, propôs à cliente (A.) a aquisição do produto financeiro mediante prestação de informação falsa, relativamente à equiparação desse produto a um depósito a prazo e à garantia de reembolso do capital investido, impondo-se, pois, a conclusão de que a conduta do banco é violadora das mais elementares exigências da boa-fé negocial, quanto à indeclinável conduta honesta, correta e leal perante os seus clientes (() Cfr. o aludido Ac. TRP.).
Quanto ao nexo de causalidade relativamente ao intermediário financeiro (banco), provado que está que a A. nunca autorizaria a compra de um produto de risco, sem capital garantido pelo banco (facto 11), também deve concluir-se, face ao disposto no art.º 563.º do CCiv., pela verificação do nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano ocorrido (se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, a A. não teria investido naquele produto financeiro e, por consequência, não teria perdido o capital investido).
Assim, o R./Apelante, enquanto intermediário financeiro interveniente na operação, responde pela indemnização do dano, não obstante a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilizar em primeira linha a entidade emitente do produto, posto que a responsabilidade é extensiva àquele intermediário financeiro se, no relacionamento contratual desenvolvido com o cliente, assumiu em nome desse relacionamento também o reembolso do capital investido.
O que tudo foi claramente desenvolvido na sentença apelada, com apoio da melhor doutrina e jurisprudência sobre a matéria, não havendo motivo para dela divergir, nem sequer quanto à definição do dano ocorrido e medida do respetivo ressarcimento, assim improcedendo as extensas conclusões em contrário do Recorrente (() A fonte da obrigação indemnizatória radica, assim, desde logo, na grave violação de deveres indeclináveis de informação à contraparte em posição de deficit informativo, com atropelo à boa-fé objetiva, ocasionando o dano ocorrido, pois que, se os deveres de informação (e até de esclarecimento e conselho) houvessem sido cumpridos, como se impunha, o dano não teria ocorrido, posto que o cliente não arriscaria no negócio que se veio a mostrar danoso. É esta, pois, a basilar causa geradora da responsabilidade do intermediário financeiro.).
Quanto à questão interpretativa, também suscitada no recurso, concorda-se com a jurisprudência citada: A declaração do Banco, segundo a qual “estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco”, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade, um compromisso contratual do banco para com o cliente, em que este confiou, no sentido de garantir o reembolso do capital aplicado, confiança essa – da parte fragilizada na negociação (investidor não qualificado, em posição deficitária de informação) – a dever ser protegida.

2. - Da exceção da prescrição
Na sentença expendeu-se assim, quanto à matéria da invocada prescrição extintiva:
«(…) prescreve o artigo 324, nº 2 do CVM que, “salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócios em que haja intervindo nessa qualidade, prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”.
A primeira questão que se coloca é a de saber quando é que o cliente tem conhecimento da “conclusão do negócios e dos respectivos termos”?
Salvo o devido respeito por melhor e melhor fundado entendimento consideramos que o negócio deve considerar-se executado na data do vencimento/reembolso do capital já que é apenas a partir desse momento exacto, concreto e objectivo, que o investidor sabe/constata/verifica, em linguagem comum, se o capital lhe é efectivamente pago e, como tal, na acepção legal, só a partir daí está em condições de “exercer o seu direito”.
Quais os dados temporais dos autos?
In casu resulta da factualidade apurada que a presente acção foi instaurada no dia 31 de Julho de 2016 e o Réu foi citado para ela no dia 2 de Agosto de 2016.
Por outro lado as obrigações subscritas pela Autora venceram-se em 25 de Outubro de 2014 pelo que, articulando datas, é possível afirmar que na data da interposição da presente acção ainda não tinha decorrido o legal período prescricional de dois anos o qual, ainda assim, se interrompeu com a citação do Réu em 2 de Agosto de 2016- artº 323º nº 1 do CC.
Sem embargo de tal circunstancialismo ainda que assim se não entendesse, a verdade é que, em função dos contornos fácticos da conduta do Réu, que bem se constatam do pertinente local deste peça e dos considerandos efectuados supra acerca dela, dúvidas não temos em dizer que a conduta do Réu tem de ser havida como configurando culpa grave, seja no decurso do processo negocial como posteriormente, na execução do mesmo, na medida em que mostra uma violação grave e ostensiva das obrigações a que estava vinculado, na sua qualidade de intermediário financeiro.
Como não a qualificar enquanto tal quando está em causa um investidor não qualificado, cuja vinculação contratual aconteceu na total e completa ignorância da natureza e características próprias das subscritas obrigações, seja por via da ignorância e desconhecimento da verdadeira entidade emitente como do risco de perdas financeiras que podiam suceder, dado que não foi informada de tal risco?
Esta ponderação e qualificação da concerta conduta do Réu, nestes autos - actuação dos funcionários do Reu com culpa grave - implica necessariamente que se desconsidere o prazo prescricional de dois anos previsto no citado artigo 324º nº 2 e decidir da aplicabilidade ao caso das auto do prazo de prescrição ordinário ou seja 20 anos, plasmado no artigo 309º do CC.».
No caso dos autos, já se viu que o R./Apelante agiu com culpa grave, sendo que o prazo de prescrição do art.º 324.º, n.º 2, do CVM, não se aplica quando o intermediário financeiro atue com culpa grave, pois que em tal caso é aplicável o prazo ordinário de prescrição (de vinte anos).
Tal é quanto basta, sem necessidade de outras considerações, para se concluir pela improcedência da exceção da prescrição, pelo que também nesta parte não há motivo para censurar a decisão recorrida.
Em suma, improcede a apelação.

***
IV – Decisão
Pelo exposto, negando-se provimento à apelação, mantém-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo R./Apelante.

***
Coimbra, 15/05/2018

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro