Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10327/15.1T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
PETIÇÃO INICIAL
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, POMBAL, JUÍZO LOCAL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 590.º, N.º 4, DO CPC
Sumário: Perante uma petição inicial deficiente, incompleta, no que concerne à descrição dos factos constitutivos do direito a que se arroga o autor, em que não falta nem é ininteligível a causa de pedir, deve o juiz formular o convite de aperfeiçoamento previsto no artigo 590.º, n.º 4, do CPC.
Decisão Texto Integral:

           

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Condomínio A... , Lda., intentou a presente acção de processo comum contra os réus B... , Lda. e C... , peticionando, grosso modo, sejam os réus solidariamente condenados a:

a) Reparar os defeitos identificados nos artigos 12º a 24º da presente acção;

b) Arbitrar uma indemnização a cada um dos condóminos em quantia não inferior a € 2.500,00 para compensação a título de danos não patrimoniais.

Alegou em síntese, e no que para a presente decisão releva, que foi investido nas funções de administrador do condomínio do prédio sito na Rua x... , em Coimbra, e melhor descrito no artigo 1º da PI, tendo em Assembleia Geral Extraordinária sido deliberado accionar judicialmente os réus no sentido de procederem à reparação de graves defeitos existentes nas partes comuns do prédio.

Mais alegou que a 1ª ré é uma sociedade comercial que se dedica a trabalhos de construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e dona da obra do prédio melhor identificado no art. 1º da PI, e que o 2º réu é sócio gerente da 1ª ré e empreiteiro responsável pela construção do prédio em causa nos presentes autos. Mais identificou os defeitos existentes no prédio, bem como os danos que tais defeitos causaram nos respectivos condóminos.

Razão pela qual peticiona a reparação dos defeitos e o arbitramento de indemnização aos condóminos.

Contestando, os réus, arguiram a ilegitimidade do réu C... , com o fundamento em o mesmo ser sócio-gerente da ré, não tendo tido, na questão em apreço, qualquer outra intervenção que não a este título.

Referem, ainda, que não foi a ora ré que construiu o edifício em causa, mas uma outra sociedade com quem celebrou contrato de empreitada, com vista a tal construção e a pintura foi feita por uma outra sociedade, com base noutro contrato de empreitada.

Quanto ao demais, alegam que já foi feita uma reparação, relativamente aos defeitos que se invoca existirem nas partes comuns e impugnam a demais factualidade a tal atinente.

No que se refere aos danos não patrimoniais invocados, alegam que o autor não identifica os condóminos, nem especifica se tal pedido é global ou para cada um deles e impugnando a respectiva existência.

Em consequência do que pugnam pela improcedência da acção.

Respondendo, o autor, pugna pela improcedência da invocada excepção de ilegitimidade, com o fundamento em que os gerentes das sociedades, respondem perante os credores destas, pela inobservância culposa de disposições legais ou contratuais, destinadas à satisfação de tais credores, o que considera verificar-se.

Teve lugar a audiência prévia, no decurso da qual, foi proferida a decisão de fl.s 134 a 145, na qual se julgou ser inepta a petição inicial, com o fundamento em o autor não ter cumprido com o ónus de alegação que se lhe impõe, designadamente, sem ter alegado que a ré, além de ter vendido o imóvel em causa, também efectuou obras de construção, modificação ou reparação; bem como falta a alegação de que foram os réus, ou algum deles, que vendeu o prédio, a quem e quando o foi, não bastando para tal a mera remissão para documentos.

Concluiu-se que tal ineptidão, acarreta a nulidade do processado, obstando ao seu conhecimento de mérito, dando lugar à absolvição dos réus da instância, cf. artigos 186.º, n.º 1 e 2, al. a) e 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. b) e 578.º, todos do CPC.

Inconformada com a mesma, dela interpôs recurso o autor “Condomínio A... ”, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 188), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

I - Ascende à douta consideração deste Superior Tribunal ad quem recurso impetrado do despacho proferido nos presentes autos de Processo Comum, pelo qual o Tribunal a quo determinou a ineptidão da petição inicial, com a consequente nulidade do processo e absolvição dos réus da instância.

II - A ideia primordial no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial é a de impedir o prosseguimento de uma acção viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objecto do processo; o fito secundário é permitir o cabal conhecimento por parte do réu das razões fácticas que alicerçam o pedido do autor para, assim, poder exercer cabalmente o contraditório - Ac. do STJ de 28.05.2002, p.02B1457 - disponível in www.dgsi.pt (na lição sempre actual do Mestre Alberto dos Reis, há que ter presente que: Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta - Comentário, 2º, 364 e 371)

III - A jurisprudência tem vindo a defender que a insuficiência ou incompletude do concreto factualismo consubstanciador da causa petendi, não fulmina, em termos apriorísticos e desde logo formais, a petição de inepta, apenas podendo contender, em termos substanciais, com a atendibilidade do pedido pois verdadeiramente só haverá falta de indicação da causa de pedir quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que seja impossível ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar qual o pedido e a causa de pedir – cfr. Acs. do STJ de 30.04.2003, 31.01.2007 e 26.03.2015, p.03B560, 06A4150 e 6500/07.4TBBRG.G2,S2, disponível in www.dgsi.pt.

IV - O articulado apresentado pelo recorrente, em consonância com os documentos juntos, evidenciam um quadro factual mínimo que justifica o prosseguimento do processo ou, caso assim não se entendesse, pelo menos justificaria um convite ao aperfeiçoamento mas não legitima a nulidade de todo o processo com a absolvição dos réus da instância.

V - Os documentos juntos com a petição devem considerar-se parte integrante desta e por isso susceptíveis de suprir as lacunas de que a petição possa enfermar - Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 27-02- 1970 (na J. R. ano 16º, p. 86); mas também Acórdão do STJ de 02-07-1991 (Processo 080329, Relator Simões Ventura) – disponível in www.dgsi.pt -, onde se refere que “(…) III - Os documentos juntos com a petição devem considerar-se parte integrante dela e por isso, ao remeter-se expressamente para eles, outro alcance se não teve senão o de integrar a petição com o conteúdo de tais documentos, não estando, portanto, a autora obrigada a reproduzir no articulado as prestações descritas naqueles documentos; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-10-2008 (Processo 2377/07.8TBVIS.C1, Relator Virgílio Mateus) – disponível in www.dgsi.pt - “A causa de pedir é a matéria de facto alegada, quer seja narrada na petição, quer conste dos documentos juntos com a petição e para os quais esta remeta.” (e, em idêntica opinião, também os Acórdãos de 01.04.2009 (P.236/08.6TBLSA.C1) e de 26.01.2010 (Pº 1801/09.7TBCBR.C1).

VI - O quid essencial aduzido que determinou a ineptidão da petição inicial – falta de factos demonstrativos da qualidade de empreiteiro/construtor e simultaneamente de vendedor do imóvel - está bem patente ao longo do articulado apresentado pelo autor, mas também dos documentos juntos de onde emana a pretensão deduzida, ou seja, a causa petendi – artigos 1º, 2º, 3º, 8º, 9º, 10º, 25º, 27º, 45º, 76º, 77º, 85º e 86º da petição inicial e documentos n.º 1, 2 e 5 juntos com a petição inicial e para os quais o autor remeteu expressamente, com referência à reprodução integral do seu teor, para os devidos efeitos legais.

VII - Salvo o devido respeito, que muito é, entendemos que mal andou o Tribunal a quo por não ter atentado, como lhe competia e era seu mister, ao disposto no nº 3, do art. 186º do CPC - mesmo que o réu, na contestação, invoque a falta ou ininteligibilidade do pedido, tal invocação não é atendível se se concluir que ele, não obstante as deficiências invocadas, inteligiu o feito que o demandante introduziu em juízo e está cônscio das consequências que dele pretende retirar não sendo possível, nestas circunstâncias, absolver o réu da instância por ineptidão da petição inicial – cfr. Ac. Do STJ de 01.10.2003, p.02S3742 – disponível in www.dgsi.pt

VIII - Escalpelizando o articulado apresentado pelos réus, a conclusão a retirar terá forçosamente de ser a de que a petição inicial é suficientemente explícita e perceptível para permitir a qualquer declaratário normal colocado na posição do real declaratário (art. 236º do Código Civil), ou a um diligente bom pai de família, compreender os contornos da relação material controvertida, como foi, atento o teor da defesa dos réus.

IX - Ora, no caso dos presentes autos, os réus não invocam a referida excepção que os beneficia e, por outro lado, contestam com conhecimento, rigor e domínio perfeito e técnico-jurídico, o que é demonstrativo da interpretação da petição inicial, causa de pedir e pedido,

X - De facto, os réus reconheceram a aquisição do imóvel pelos condóminos (apesar de terem referido que a aquisição foi feita apenas à 1ª ré e já não ao 2º réu) – artigo 3º da contestação; admitiram que “a responsabilidade pela construção do edifício administrado pelo autor é da sociedade 1ª ré, única e exclusivamente” – artigo 5º da contestação; admitiram terem efectuado reparações ao imóvel – artigos 14º e 21º da contestação; reconheceram a deslocação de dois técnicos ao imóvel para verificação de anomalias no prédio – artigo 29º da contestação; reconheceram a denúncia dos defeitos e a tentativa de resolução dos mesmos – artigo 32º da contestação.

XI - No caso concreto, deve concluir-se pela cabal compreensão pelos réus, evidenciada na contestação, sendo suficiente ver que não tiveram dificuldade em defender-se quer por excepção quer por impugnação, deste modo assegurando um efectivo e leal contraditório - a compreensão pelos réus é impeditiva do vício da ineptidão, que nem sequer levantaram, formal e expressamente, precisamente por tê-la interpretado convenientemente, pelo que o Tribunal a quo não podia conhecer desta questão oficiosamente art. 196º do CPC.

XII - Em denegação do direito do recorrente, nem o Tribunal a quo atendeu à jurisprudência nacional relevante que considera que mesmo existindo ineptidão da petição inicial (o que apenas por hipótese académica de admite), nos termos do art. 186.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo deve considerar forçosamente sanada, prosseguindo os ulteriores termos do processo. Este tem sido o entendimento perfilhado pelos Tribunais Superiores desde sempre pelo que, a título meramente exemplificativo, iremos destacar apenas o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-11-1988 (Processo 076956, Relator Pinto Ferreira) – disponível in www.dgsi.pt -, em cujo sumário podemos ler que: () III - Ocorre a sanação do vício de ineptidão da petição inicial consistente na falta ou ininteligibilidade da causa de pedir desde que o réu, não obstante arguir o vício, conteste e se verifique que interpretou correctamente o pensamento do autor expresso na petição, valorando-se, para o efeito, a aceitação implícita do autor dessa interpretação decorrente do teor da réplica (do artigo 193º, n. 3 do Código de Processo Civil de 1967) [actual art. 186º, n.º 3 do CPC].

XIII - Sobre esta questão em particular também o Supremo Tribunal de Justiça se debruçou, nomeadamente em Acórdão datado de 19-12-1989 (Processo 078268, Relator José Domingues) disponível in www.dgsi.pt -Desde que haja contestação, o juiz não pode, por força do disposto no nº 3 do artigo 193º do Código de Processo Civil, julgar inepta a petição inicial no despacho saneador, por falta de indicação da causa de pedir, consequentemente, anulando todo o processo, se chegar à conclusão que o Réu, na contestação, interpretou correctamente a dita petição (ouvindo para tanto o Autor, se necessário) e isto quer o mesmo Réu haja ou não suscitado a questão da ineptidão.(o destaque é nosso); a este propósito (e também sobre a importância da documentação junta com o articulado) veja-se, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-1997 (Processo 97ª448., Relator Cardona Ferreira) - disponível in www.dgsi.pt, “Não é inepta a petição inicial por falta de causa de pedir se a ré a interpretou tão adequadamente que se defende por excepção e por impugnação e reconveio, e apenas existe certa complexidade por haver que conjugar, em termos de fundo, articulados com documentos conexos e pedidos cruzados.” (o destaque é nosso) e, mais recentemente, o Acórdão do STJ proferido pelo mesmo Tribunal Superior, datado de 04-06-2008 (Processo 08S937, Relator Pinto Hespanhol) - disponível in www.dgsi.pt - “(…) 3. Tratando-se de um vício que afecta todo o processo, a ineptidão da petição inicial não é susceptível de suprimento, salvo no caso previsto no n.º 3 do artigo 193.º do Código de Processo Civil [actual art. 186º, n.º 3 do CPC]. (o destaque é nosso) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16-04-2013 (Processo 139/11.7TVLSB.L1-7, Relator Conceição Saavedra) – disponível in www.dgsi.pt -, cujo sumário refere o seguinte: “II- Descortinando-se irregularidade, insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização de certos factos necessários à procedência da acção, tal será sempre sanável através do convite ao aperfeiçoamento, nos termos do art. 508, nºs 2 e 3, do C.P.C.[actual art. 590º, n.º 3 e 4 do CPC]. (o destaque é nosso)

XIV - Com a Reforma processual de 2013 passou a entende-se que a falta de pressupostos processuais é sanável, com base no poder-dever de prolação de decisão de aperfeiçoamento do Juíz que decorre das exigências constitucionais de um processo justo e equitativo (artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa) e do dever de gestão processual consagrado no artº 6º do CPC, pelo que fica claro que o Juiz está vinculado a gerir bem o processo, concretizado, por exemplo no artigo 590º do CPC, devendo providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias, pelo aperfeiçoamento dos articulados e inclusive determinar a junção de documentos para conhecimento de exceções ou do seu mérito.

XV - Conforme se advogou em decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 14-05-2013 (Processo 2665/10.6TJCBR.C1, Relator Maria Domingas Simões) – disponível in www.dgsi.pt – A revisão da nossa lei processual civil foi claramente enformada pela preocupação de fazer prevalecer a providência de mérito em preterição de uma decisão proferida em aplicação de normas adjectivas. Tal princípio surge claramente evidenciado no reforço do princípio do inquisitório, dos poderes de direcção do processo pelo juiz e consagração lata do princípio da cooperação, com atenuação clara do princípio da preclusão, neste âmbito se inscrevendo claramente a prolação do despacho de aperfeiçoamento(o destaque é nosso)

XVI - Já era o entendimento perfilhado pelos nossos Tribunais Superiores na vigência da anterior legislação - Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 19-04-2005, (Processo 811/05, Relator Virgílio Mateus) – disponível in www.dgsi.pt -, em cujo sumário se pode ler o seguinte:II O poder previsto no nº 3 do artº 508º do Cód. Proc. Civil quanto ao convite ao aperfeiçoamento não se traduz numa faculdade, mas antes num poder vinculado quando o juiz, após os articulados, se veja na alternativa de perante a insuficiência da causa de pedir fazer, no momento do saneador, terminar a acção com base nessa insuficiência sem o prévio convite referido ou prosseguir os demais termos normais do processo.; o Acórdão do STJ, datado de 25-05-2010 (Processo 115/09.0TBCDN.C1, Relator Carlos Gil) – disponível in www.dgsi.pt Verificando-se deficiência na alegação dos factos integradores da pretensão da autora, o tribunal tem o poder dever de proferir despacho a convidar a autora a suprir as deficiências detectadas de modo a poder ser proferida uma decisão segura de procedência ou de improcedência da pretensão ajuizada.ou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-06-2009 (Processo 3380/07.3TCLRS.L1-1, Relator João Aveiro Pereira) – disponível in www.dgsi.pt:III Perante a deficiência da petição, quanto à causa de pedir, haverá que dar ao autor a oportunidade de a aperfeiçoar, nos termos do art.º 508º, n.ºs 1 e 3, do CPC. [actualmente art. 590º, n.º 2 e 4 do CPC]. Só depois, se o convite não for correspondido, é que se justificará uma solução mais drástica.

XVII - Aqui chegados, entendemos não podendo manter-se o decidido no que concerne à ineptidão da petição inicial, existindo factualismo controvertido no articulado apresentado pelo autor e cabalmente interpretado pelos réus, evidenciado no exercício do contraditório quer por excepção quer por impugnação, pelo que importa que os autos prosseguiam os seus termos normais, sem prejuízo de convite à parte para suprimento de deficiências apontadas pelo Tribunal a quo, numa efectiva afirmação da prevalência da decisão de mérito, sobre decisões meramente formais, ideia sintetizada no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão de 27-09-2016, (Processo nº 220/15.3T8SEI.C, Relator Carlos Moreira) – disponível in www.dgsi.pt - 1.A petição inicial apenas é inepta, por falta de causa de pedir, quando o autor não indica o núcleo essencial do direito invocado, tornando ininteligível e insindicável a sua pretensão.2. Se tal não se verifica a petição é, quando muito, deficiente, devendo o juiz proferir despacho de aperfeiçoamento artºs 6º e 590º nº4 do CPC. 3. Em qualquer dos casos, se o réu a interpretou convenientemente, tal vício fica arredado/sanado artº 186º nº3 sendo, então, a questão da (im)procedência do pedido dilucidada a final.

XVIII - O despacho proferido pelo Tribunal a quo violou as disposições legais dos artigos 20º da Constituição da República Portuguesa, artigo 9º e 236º do Código Civil, e artigos 6º, n.º 1 e 2, 186º, n.º 1, 2, al a) e 3, 196º e 590º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao recurso julgando-o totalmente procedente e, em consequência, revogar-se a decisão proferida, substituindo-a por outra em que se julgue não verificada a ineptidão da petição inicial e a nulidade do processado, determinando-se o prosseguimento da causa, se necessário com convite ao autor no sentido do aperfeiçoamento da matéria de facto inicialmente alegada, assim fazendo Vossas Excelências a costumada Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se a petição inicial padece de ineptidão ou se, assim não sendo, se deve determinar o prosseguimento dos autos, se necessário, com convite ao autor no sentido do aperfeiçoamento da matéria de facto alegada.

A matéria de facto a ter em conta para a decisão em causa, é a que consta do relatório que antecede.

Se a petição inicial padece de ineptidão ou se, assim não sendo, se deve determinar o prosseguimento dos autos, se necessário, com convite ao autor no sentido do aperfeiçoamento da matéria de facto alegada.

Como resulta do relatório que antecede, importa decidir se se verifica ou não a ineptidão da petição inicial, com o fundamento em o autor não ter alegado factos de onde se possa extrair que a ré foi a vendedora do imóvel ou que o tivesse construído, modificado ou reparado; nem que qualquer dos réus o foi e a quem foram vendidas as fracções e quando ou; se padecendo a mesma de incorrecções/imperfeições na exposição da matéria de facto, ainda assim, é passível de ser aproveitada, com recurso ao seu aperfeiçoamento, nos termos propostos pelo recorrente.

Como dispõe o artigo 552.º, n.º 1, al. d), do CPC, na petição inicial deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção.

E, desde já se diga, com o devido respeito por opinião em contrário, que a referida exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, têm que ser descritos/narrados, directamente na petição inicial e não por remissão para documentos.

Os documentos, como consabido, constituem um meio de prova dos factos alegados, mas a alegação destes tem de ser feita no local próprio – no caso do autor, na petição inicial.

Como já referia Manuel de Andrade, in Noções Elementares De Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, a pág.s 110 e 111, a petição inicial é a base do processo e baliza os termos da acção, identificando-a, sendo para tal essencial a exposição dos fundamentos de facto, o acto ou facto jurídico concreto donde emerge a pretensão do autor.

Em idêntico sentido, se pronunciam, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág.s 232 e seg.s, que consideram que a petição inicial tem como função pedir ao tribunal o meio de tutela jurisdicional destinado à reparação da violação ou ao afastamento da ameaça e entre as suas indicações mais importantes, destaca-se a narração dos factos que servem de fundamento à acção, sendo que para tal, não basta a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor assenta a sua pretensão, mas sim os factos concretos – o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.

Em caso de a causa de pedir faltar ou ser ininteligível, sanciona a lei tal falha com a nulidade de todo o processado, cf. artigo 186.º, n.º 1 e 2, al. a), do CPC, o que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição dos réus da instância – cf. artigos 576.º, n.os 1 e 2; 577.º, al. b), o que é de conhecimento oficioso, cf. artigo 578.º, todos do CPC.

In casu, como referido na decisão recorrida, pretende o autor accionar a responsabilidade dos réus, pela existência de defeitos no imóvel descrito nos autos.

É pacífico que, nos termos ali expostos, tal responsabilidade só pode decorrer da qualidade de empreiteiro ou de vendedor de tal imóvel, por parte dos réus e devendo, ainda, ser identificadas as pessoas a quem as fracções do imóvel foram vendidas, decorrendo a alegada responsabilidade dos réus, da alegação e prova dos factos que enformam a previsão dos artigos 916.º ou 1225.º, ambos do Código Civil, consoante a qualidade em que intervieram os réus na relação jurídica que está na génese dos presentes autos.

Sucede que, como se refere a fl.s 139 e 140, efectivamente, o autor não alegou os factos concretos de que deriva a responsabilidade dos réus, limitando-se a alegar que a ré teve a qualidade de dona da obra e o réu foi o empreiteiro responsável pela construção do prédio em causa, sem indicar quaisquer concretos factos sobre a questão de saber de que forma actuaram os réus, designadamente, que tenham construído, alterado ou feito quaisquer obras no prédio e muito menos que o tenham vendido.

Em face do que – aliás, o próprio recorrente reconhece que assim é, pretendendo remediar tal falta com a remissão para o teor de documentos juntos, o que, do nosso ponto de vista, como acima já referido, não releva – se tem de concluir que existe uma alegação deficiente dos factos concretos em que o autor baseia a sua pretensão.

Não obstante isso, o certo é que os réus contestaram a acção, sem arguir a ineptidão da petição inicial, nos termos que lhes aprouveram, revelando ter percepcionado/entendido quais os objectivos/pedidos formulados pelo autor com a propositura da presente acção, o que, nos termos do disposto no artigo 186.º, n.º 3, do CPC, afastaria a possibilidade de se declarar a ineptidão da petição inicial, com fundamento na falta ou ininteligibilidade da causa de pedir.

Para além do que, como resulta da alegação recursiva do autor, importa averiguar se ao invés de proferir decisão de absolvição da instância, com fundamento na ineptidão da petição inicial, se impunha à M.ma Juiz a quo que convidasse o autor a aperfeiçoar a sua petição, de molde a que a acção pudesse vir a ter possibilidades de êxito, em termos de poder vir a conhecer-se do seu mérito.

Nos termos do disposto nos artigos 6.º e 411.º, do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer e dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.

Uma das concretizações de tal comando reflecte-se no n.º 4 do artigo 590, do CPC, de acordo com o qual, o juiz convida as partes, ou seja, deve – não se trata de um poder discricionário, já que a sua função se conexiona com a justa composição do litígio, como o refere Lopes do Rego, in Comentários …, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2004, a pág. 433 – convidar as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (asserção que se mantém válida, bem como as demais citações doutrinárias a seguir referidas, dada a similitude da redacção do antigo artigo 508.º, n.º 3 e actual 590.º, n.º 4, do CPC).

No mesmo sentido se pronuncia Abrantes Geraldes, in Temas …, II Volume, 4.ª Edição Revista E Actualizada, Almedina, Março de 2004, a pág.s 72 e 73, que ali refere: “A interpretação dos poderes do juiz deve, porém, fazer-se de acordo com os princípios que regulam as suas intervenções processuais, de onde ressalta a necessidade de existir uma efectiva cooperação entre os vários intervenientes, por forma a alcançar-se o bom julgamento da causa.

Trata-se, assim, de um poder-dever ou de um poder funcional a desencadear pelo juiz sempre que seja confrontado com uma situação que, não sendo remediada, conduza a uma decisão prejudicial à parte causadora das insuficiências ou imprecisões em qualquer dos articulados.

Não é legítimo que, perante evidentes falhas nos articulados que incidam sobre o modo como as partes cumpriram o ónus de alegação da matéria de facto integradora da pretensão ou da defesa …, o juiz se remeta a uma posição de inércia para, num momento posterior, retirar de tais falhas a argumentação necessária e, acto seguido, proferir uma decisão em prejuízo da parte responsável pelas mesmas. Se outras razões legais não existissem, bastaria a alusão ao dever de cooperação recíproco e a invocação do verdadeiro papel dos tribunais como órgãos de administração da justiça e de resolução de conflitos para fundar a ilegitimidade de tal conduta omissiva.

A mesma ideia é defendida por Paula Costa e Silva, in Saneamento e Condensação No Novo Processo Civil: A Fase da Audiência Preliminar, Aspectos do Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, a pág.s 228 e 229, quando afirma que o juiz deve convidar a parte a apresentar articulado em que se complete ou corrija aquele que anteriormente produziu, pedir à parte que supra lacunas ou que elimine erros na exposição da matéria de facto.

Por último, também, no mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Março/Julho de 1996, a pág.s 66 e 67, quando ali refere que tal dever é uma consagração do dever de prevenção que impende sobre o tribunal, no sentido de que este deve promover o suprimento das insuficiências ou imprecisões na matéria de facto alegada, o carácter lacunar da exposição dos factos relevantes, assim, evitando o inêxito da acção.

No entanto, este poder-dever que se impõe ao juiz, nos termos expostos, não tem, nem pode ter, um carácter ilimitado.

Como se refere nos n.ºs 3 e 4, do artigo 590.º CPC, o juiz apenas o deve usar para convidar as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões (sublinhado nosso) na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, podendo a parte corresponder a esse convite, caso em que, os factos objecto de esclarecimento, aditamento ou correcção (mais uma vez, sublinhado nosso) ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova (cf. seu n.º 5).

Acrescentando-se no n.º 6 que as alterações à matéria de facto alegada, se introduzidas pelo autor, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º (que fixa as possibilidades de alteração da causa de pedir e pedido na falta de acordo).

Daqui resulta pois que, por esta via, não pode obter-se o suprimento de uma petição inepta, nem a convolação para uma “causa petendi” diferente da invocada pelo autor como suporte da petição – cf. Lopes do Rego, ob. cit., a pág. 431.

O mesmo nos diz Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., a pág. 263, que aí defende que a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento de que tratamos, respeita apenas ao conteúdo do articulado e à apresentação da matéria de facto, designadamente em face da escassez dos factos alegados ou em lacunas ou saltos na sua exposição, sem que permitam uma alteração da causa de pedir.

Também Paula Costa e Silva, ob. cit., a pág.s 232 e 233, assinala que o aperfeiçoamento não poderá traduzir-se numa alteração ou na ampliação da causa de pedir, apenas sendo lícito à parte, em caso de convite ao aperfeiçoamento, manter a mesma fundamentação para a procedência da pretensão a que se arroga, já exposta na petição inicial, apenas acrescentando factos à acção que são necessários ao preenchimento do direito a que se arroga, sob pena de a nova fundamentação não poder ser considerada.

De igual forma, Abrantes Geraldes, ob. cit., a pág.s 74 e 75 alinha pelo mesmo diapasão, ali defendendo que, em consequência de convite ao aperfeiçoamento, apenas poderão ser superadas insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, através do consequente esclarecimento, aditamento ou correcção.

Mas estando afastada a sua aplicação aos casos que configurem uma verdadeira ineptidão motivada pela ausência de causa de pedir, ininteligibilidade ou contradição com o pedido.

Acrescenta, quanto a tal, este autor (nas páginas ora indicadas): “No que concerne à causa de pedir que, com o pedido, completa o objecto do processo, exige-se da parte do autor, em regra patrocinado por profissional do foro necessariamente apetrechado com os conhecimentos técnicos, que identifique os fundamentos fácticos da sua pretensão, de acordo com os preceitos que são aplicáveis, e transponha para o articulado inicial, através da verbalização adequada, a realidade histórica que subjaz ao litígio.

… Em geral, a falta de alegação do facto integrador da norma aplicável ao caso concreto determina a ausência de causa de pedir ou da excepção, sendo determinante de um vício do articulado insusceptível de ser corrigido através do instrumento processual em referência … e, no caso da existência de vários factos constitutivos do direito, importa averiguar da maior ou menor gravidade do vício e dos efeitos processuais.”.

Ora, no caso em apreço, não obstante a singeleza e o carácter conclusivo, daquilo que o autor alegou, pode concluir-se qual o fundamento em que demanda os réus, o que estes, como acima já referido, entenderam e interpretaram, como resulta da contestação que deduziram.

Estamos, pois, segundo o nosso entendimento, perante uma petição inicial em que não falta ou é ininteligível a causa de pedir, mas perante petição inicial, deficiente, incompleta, no que concerne à descrição dos factos constitutivos do direito a que se arroga o autor, mas não de forma tão grave que não permita o aproveitamento dos presentes autos, ainda que com recurso ao convite de aperfeiçoamento previsto no artigo 590.º, n.º 4, do CPC.

Efectivamente, a alegação constante da petição inicial, a que se deve atribuir a importância acima já referida, é deficiente, relativamente à descrição dos factos em apreço, mas permite a sua correcção, de modo que, a após tal correcção, se poderá aferir da existência dos pressupostos para a declaração do almejado direito, possa este vir a ser apreciado, desde que o autor, como lhe compete, enuncie/descreva, as concretas condições, os concretos factos, em que fundamenta a sua pretensão de ver os réus responsabilizados, nos termos pretendidos.

Para o que será necessário que o autor refira, concretamente, qual a intervenção dos réus no que se refere à construção, reparação e/ou venda do imóvel em causa.

Tais deficiências, entendemos nós, pelos fundamentos expostos, podem ser remediadas pelo recurso ao convite de aperfeiçoamento em causa, por, reitera-se, se considerar, não estarmos perante uma ausência de causa de pedir ou da sua ininteligibilidade, pelo que, tem o presente recurso de proceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, determinando-se que, após a baixa dos autos à 1.ª instância, seja proferido despacho de aperfeiçoamento, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.º 4, do CPC, seguindo-se os ulteriores termos do processo, nos moldes acima referidos.

Custas, a fixar a final.

Coimbra, 14 de Março de 2017.

Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos:

1º - Emidio Francisco Santos
2º - Catarina Gonçalves