Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/10.3TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 23º, Nº 1, 26º, 27º, NºS 2 E 3, E 32º DO CÓDIGO DE EXPROPRIAÇÕES
Sumário: 1. - O art. 23 nº 1 do CExp. estabelece, como critério geral e vinculativo para se fixar a justa indemnização, o critério do “valor de mercado”.

2. - Para alcançar este valor de mercado, os arts. 26 a 32 do CExp. estipulam diversos critérios referenciais, não vinculativos, por serem instrumentais do critério geral.

3. - Quanto ao cálculo do valor dos solos para outros fins, o Código das Expropriações de 1999 postula dois critérios referenciais no art. 27, o chamado “critério ou método fiscal (nº1) e o “critério ou método do rendimento” (nº 3).

4. - O art. 23 nº 5 do CExp. consagra a possibilidade da utilização de outros métodos ou critérios alternativos para atingir o valor real e corrente dos bens.

5. - Incumbe à entidade expropriante diligenciar pela obtenção da lista de transacções e avaliações (art. 27 nº 2), cujo incumprimento inviabilizará a adopção do critério fiscal.

6. - Na situação de terreno inculto, à data da DUP, o art. 27 nº 3 C.Exp. impõe que para o cálculo do bem se considere o rendimento possível (potencial).

7. - Sendo a peritagem obrigatória, ainda que a prova não seja vinculativa, mas tratando-se de um problema essencialmente técnico, o tribunal deve aderir, em princípio, ao parecer dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

Expropriante – Estradas de Portugal S.A

Expropriados - Maria …, J… e esposa, I...

1.1.– Por Despacho do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas de 24 de Abril de 2004 ( DR II Série de 25 de Maio de 2004 ), foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, para a expropriação, da parcela de terreno nº 88R, necessária à execução da obra A25/IP5 – no lanço Mangualde-Guarda, com área total de 4634 m2, a desanexar do prédio inscrito na matriz rústica da freguesia do Sobral da Serra, pertencente aos expropriados.

         1.2. – Por acórdão arbitral (cf. fls.59 a 66), foi fixada a indemnização no montante global de € 10.408,30, correspondendo às verbas de € 5.849,20 pelo terreno florestal e € 4.559,20, pelas benfeitorias.

         1.3. – A expropriante recorreu (fls.90 e segs.), alegando, em síntese:

         Foi considerado um investimento inicial com a plantação florestal de 1.250,00€, valor que não foi aplicado no valor do cálculo do solo;

Considerou-se um período de análise de investimento de 60 anos, com 2 cortes, quando nos cálculos apresentados foram considerados 2 cortes em 30 anos;

Ignorou-se pedregosidade existente na parcela, que, de acordo com a vistoria ad perpetuam rei memoria é de 20% - razão pela qual deve a densidade da plantação apresentada se deduzida em 25%;

Não pode ser considerado o preço da madeira em valor superior a

30,00€/m2, valor praticado na região.

Foi ignorado o acentuado declive e a orografia ondulada - tendo atribuído apenas 15% do valor bruto da produção para as despesas de manutenção do pinhal, quando, com aquelas características, não deve ser atribuído um valor inferior a 20%;

Considerou-se a vida económica do pinhal em 30 anos e a viabilidade da obtenção de dois cortes seguidos, quando o pinhal (diferentemente do eucaliptal) não tem regeneração espontânea, sendo necessário recomeçar o ciclo após o corte – razão pela qual só deve ser considerado um ciclo de 30 anos;

         O valor da mina não deve ser superior a € 1000,00 e o muro deve ser avaliado com um valor unitário não superior a € 4,40/m.

         Concluiu pela indemnização de € 1.841,37.

1.4. – Por sentença de 29/06/2011 (fls.250e segs.) decidiu-se julgar parcialmente procedente o recurso e fixar a justa indemnização em € 9.750,40, actualizável de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, publicado no INE relativamente ao local da situação dos bens, desde a data da declaração de utilidade pública até à data do trânsito em julgado da decisão.

1.5. – Inconformada, a expropriante recorreu de apelação (fls.269 e segs.), com as seguintes conclusões:

Não houve contra-alegações


II – FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. – O objecto do recurso:

         As questões submetidas a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, contendem, no essencial, com a indemnização e critérios de referência, concretamente:

         O método de avaliação utilizado (violação do art. 27 nº1 C.Exp);

O erro na aplicação do método analítico (cálculo do rendimento).

         2.2. – Os factos provados (descritos na sentença):

2.3. – O mérito do recurso:

          A expropriação por utilidade pública confere ao expropriado o direito a uma justa indemnização (arts.62 nº2 da CRP, 1310 do CC, 1º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº168/99, de 18/9 (CExp)), e será justa desde que compense plenamente o sacrifício patrimonial suportado pelo expropriado, de modo que a perda patrimonial imposta seja suportada equitativamente por todos os cidadãos e não apenas pelo expropriado.

          Remetendo a Constituição para a lei ordinária a definição dos critérios a que deve obedecer a “justa indemnização”, o art. 23 nº1 do C.Exp., preceitua que ela “ não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor de mercado e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração da utilidade pública (…)”. E o valor de mercado e corrente é aquele que o expropriado, em livre troca e numa situação de normal funcionamento do mercado, obteria pelo bem expropriado, ou seja, o dano suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor corrente do bem expropriado, ao respectivo valor de mercado (cf. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1982, pág. 129).

          Por isso, a indemnização por expropriação deve aproximar-se tanto quanto possível do valor que o proprietário obteria pelo seu bem se não tivesse sido expropriado. E essa indemnização tenderá a coincidir com o valor de mercado, em situação de normalidade, como aquele que um comprador médio, sem razões especiais para a aquisição do bem, tendo em consideração as condições de facto e as circunstâncias existentes à data da declaração de utilidade pública, está disposto a pagar pelo bem, para efectuar o seu aproveitamento económico normal (permitido pela lei e regulamentos em vigor).

          Em suma, o conceito constitucional de “ justa indemnização” leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização irrisória ou simbólica, o respeito pelo princípio da igualdade de encargos e a consideração do interesse público da expropriação (cf. Alves Correia, RLJ ano 132, pág.232).

Para se obter o “ valor real e corrente do bem expropriado “, o Código das Expropriações define um conjunto de critérios referenciais ou elementos ou factores de cálculo, os quais variam conforme a natureza do solo.

O art.23 nº1 do CExp. estabelece, como critério geral e vinculativo para se fixar a justa indemnização, o critério do “valor de mercado”, ou seja, o “ valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”.

         Com vista a encontrar-se este valor de mercado, os arts.26 a 32 do CExp. estipulam diversos critérios referenciais, não vinculativos, por serem instrumentais do critério geral.

No que se refere ao cálculo do valor dos solos para outros fins, o Código das Expropriações de 1999 postula dois critérios referenciais no art.27, o chamado “critério ou método fiscal (nº1) e o “critério ou método do rendimento” (nº3).

         No entanto, o art.23 nº5 do CExp. consagra a possibilidade da utilização de outros métodos ou critérios alternativos para atingir o valor real e corrente dos bens, designadamente quando aqueles critérios instrumentais se revelam inidóneos a tal desiderato, prevendo-se, assim, uma “válvula de escape” ou “cláusula de salvaguarda” ( cf. Alves Correia, RLJ ano 133, pág.122 ).

         Por isso mesmo, os peritos podem, de sua iniciativa, elaborar laudo baseado noutro critério alternativo que fundadamente conduzam ao valor de mercado do bem (cf., neste sentido, Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações, 2ª ed., pág.264).

         Não está em causa a classificação da parcela expropriada, com área de 4.634 m2, como solo para outros fins (art.25 nº3 do C.Exp.), discutindo-se apenas a aplicação de alguns dos critérios referenciais para o cálculo da indemnização.

Com efeito, a sentença recorrida, seguindo o critério estabelecido no art.27 nº3 C.Exp., considerando o rendimento possível da parcela expropriada ( produção florestal ), acolheu o laudo dos peritos e fixou o valor do solo em € 5.191,20 ( 4.635 m2 x 1,12 € ), o que somado ao valor das benfeitorias ( € 2.500,00 ) concluiu pela indemnização global de € 9.750,40.

A primeira objecção à sentença refere-se ao critério adoptado, já que a Apelante sustenta haver sido violado o art.27 nº1, por não se seguir o “método comparativo”, preferencialmente imposto.

O art.27 nº1 do C.Exp estatui o chamado “critério fiscal”, traduzindo-se num método de pendor comparativo, não de forma directa, por comparação do valor de transacção de terrenos idênticos, através de prospecção de mercado, mas resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais, com base numa lista de transacções e das avaliações fornecida pelas Finanças.

Contudo, incumbe à entidade expropriante diligenciar pela obtenção da referida lista de transacções e avaliações (art.27 nº2), cujo incumprimento inviabilizará a adopção do critério fiscal.

Os peritos explicitaram, quer no relatório (fls.148), quer em esclarecimento adicional (fls.222), haverem aplicado o critério do rendimento (art.27 nº3) por impossibilidade da adopção do critério fiscal, dado que a expropriante não forneceu os respectivos elementos.

Por isso, está cabalmente justificada a escolha pelo critério do rendimento.

A segunda objecção recursiva prende-se com o imputado erro na aplicação do método analítico, alegando não poder calcular-se o rendimento por referência à produção florestal, pois teria que ser apurado “pela regeneração espontânea da vegetação”, em virtude de o terreno estar inculto ( à data da DUP ).

Conforme consta do relatório (fls.145 e segs.), os peritos foram unânimes na avaliação do terreno, divergindo apenas em relação ao valor das benfeitorias.

Como se sabe, a peritagem é obrigatória, cuja prova, embora não vinculativa, é um instrumento indispensável para se decidir sobre a “justa indemnização “. Daí o entendimento jurisprudencial uniforme, no sentido de que o tribunal deve, em princípio, acolher o parecer dos peritos e dar preferência ao parecer dos peritos escolhidos pelo tribunal, quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem. A este propósito, escreveu-se no Ac da RC de 29/6/2010 (disponível em www dgsi.pt): “Porque a determinação do valor da coisa expropriada é essencialmente um problema técnico, sendo a avaliação, no processo expropriativo, uma diligência probatória fundamental, deve o juiz aderir, em princípio, ao parecer dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes”.

O método do rendimento parte do pressuposto de que as coisas valem o que rendem, e o art.27 nº3 C.Exp impõe que, na determinação do valor do bem, se considere não só o rendimento efectivo (actual), como o rendimento possível (potencial) - ( “(…) o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública (…)”.).

Provou-se que, à data da DUP, o terreno da parcela encontrava-se inculto e apresentava um índice de fertilidade baixa e pouco profundo, sendo constituído por solos de origem granítica.

Como já em 1943 escreveu Henrique de Barros, na situação de terreno inculto “ o rendimento a capitalizar não deverá ser o real (por vezes insignificante, nulo ou até negativo), mas sim o calculado como possível em condições normais” (O Método Analítico de Avaliação da Propriedade Rural, pág.27).

Está provado que a parcela expropriada estava inserida numa área de características agroflorestais, com predominância para a produção florestal, destinando-se o solo, à data da DUP, à produção florestal, com predominância para a produção de pinhal.

Sendo assim, apesar de o terreno se encontrar inculto, a avaliação deve ter em conta a potencialidade do rendimento, que é o da produção florestal, conforme se justificou no relatório e se adoptou correctamente na sentença.

         Improcede o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

         2.4. - Síntese Conclusiva:

1. - O art. 23 nº 1 do CExp. estabelece, como critério geral e vinculativo para se fixar a justa indemnização, o critério do “valor de mercado”.

         2. - Para alcançar este valor de mercado, os arts. 26 a 32 do CExp. estipulam diversos critérios referenciais, não vinculativos, por serem instrumentais do critério geral.

3. - Quanto ao cálculo do valor dos solos para outros fins, o Código das Expropriações de 1999 postula dois critérios referenciais no art. 27, o chamado “critério ou método fiscal (nº1) e o “critério ou método do rendimento” (nº3).

         4. - O art. 23 nº 5 do CExp. consagra a possibilidade da utilização de outros métodos ou critérios alternativos para atingir o valor real e corrente dos bens.

5. Incumbe à entidade expropriante diligenciar pela obtenção da lista de transacções e avaliações (art. 27 nº 2), cujo incumprimento inviabilizará a adopção do critério fiscal.

6. Na situação de terreno inculto, à data da DUP, o art. 27 nº3 C.Exp. impõe que para o cálculo do bem se considere o rendimento possível (potencial).

7. - Sendo a peritagem obrigatória, ainda que a prova não seja vinculativa, mas tratando-se de um problema essencialmente técnico, o tribunal deve aderir, em princípio, ao parecer dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes.


III – DECISÃO

         Pelo exposto, decidem:

1)

         Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

2)

         Condenar a Apelante nas custas.

        


Jorge Arcanjo (Relator)

Teles Pereira

Manuel Capelo