Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
518/08.7TBANS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: EMPREITADA
OBRIGAÇÕES
EMPREITEIRO
RESOLUÇÃO CONTRATUAL
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Data do Acordão: 11/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – INST. CENTRAL – SEC. CÍVEL – J5
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 808º E 1208º C. CIVIL.
Sumário: I – O Empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (cfr. art.º 1208º do mesmo diploma), o que não é senão o corolário a que qualquer devedor está vinculado no cumprimento das suas obrigações, quais sejam – a prestação deve ser pontualmente cumprida – artigo 406º, 1, e 762º, 1, do CC, o solvens deve agir nos termos impostos pela boa-fé – artigo 762º, 2, do CC e a prestação deve ser efetuada integralmente – artigo 763º do CC.

II - Não é qualquer tipo de incumprimento que pode determinar a resolução do contrato de empreitada, tem de haver um incumprimento definitivo.

III - Para que haja incumprimento definitivo torna-se necessário saber se há ou não inadimplemento, isto é, saber se há desconformidade entre a execução e o conteúdo do contrato.

Decisão Texto Integral:





Acordam na secção cível (3.ªsecção) do Tribunal da Relação de Coimbra

                                                           1. Relatório

1.1. – F..., residente em ..., França instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra R... Lda, com sede em ..., pedindo a resolução do contrato de empreitada celebrado em 1998 entre o autor e a ré por incumprimento definitivo e culposo desta e a condenação da mesma a pagar ao autor uma indemnização a liquidar em execução de sentença, em consequência de tal incumprimento, nomeadamente custos com a remoção do alumínio VEC de cor branca aplicado na fachada, o fornecimento e aplicação de alumínio VEC de cor preta na fachada do edifício, os custos com o fornecimento e aplicação de estores em alumínio recheados com poliuretano e respectivos motores eléctricos e os custos com a eliminação dos defeitos existentes nos trabalhos executados pela ré, a saber: ...

Para tanto alegou, em síntese, que no ano de 1998 outorgou com a ré um contrato denominado “contrato de fornecimento/prestação de serviços”, pelo qual esta se obrigou a fornecer e aplicar diversos materiais num edifício a constituir em propriedade horizontal sito na ..., propriedade do autor, mediante o pagamento pelo primeiro da quantia de 10.500.000$00, acrescido de IVA á taxa legal em vigor. Por conta dos aludidos trabalhos o autor já pagou à ré a quantia de 12.350.926$00, sendo que esta não aplicou na fachada o alumínio VEC de cor preta, nem os estores em alumínio recheados a poliuterano e respectivos motores a que acresce a execução de vários trabalhos com defeitos.

Em 10.10.2007 enviou carta à ré, na qual solicita a realização dos trabalhos em falta até ao dia 10.12.2007, data a partir da qual deixaria de ter interesse na conclusão os trabalhos por parte da ré. Respondeu esta alegando que se encontra disponível para fornecer e aplicar os estores, desde que tais trabalhos fossem pagos e executados entre 25.01.2008 e 05.02.2008.

À referida missiva respondeu, por sua vez, o autor considerando incumprido o contrato celebrado.

1.2. - Regularmente citada a ré contestou e deduziu pedido reconvencional, reconhecendo a celebração de um contrato de empreitada com o autor, mas não nos termos por este alegados.

Aceita que não colocou os estores e os motores, mas tão somente porque o autor não deixou, tendo sido marcados dias em concreto para o efeito, não tendo, no entanto, o autor comparecido. Não colocou as juntas de silicone no interior e no exterior da obra porque a obra não foi acabada por parte de outros profissionais. Por outro lado, no interior não aplicou na fachada VEC alumínio de cor preta, porque o autor solicitou alteração para cor branca naquela parte.

Mais alega que os trabalhos foram realizados de 1999 até à primavera de 2001 e a partir daí não foram terminados por culpa do autor. Nunca, até à data da instauração da acção, o autor referiu qualquer defeito ou deficiência nos trabalhos executados, pelo que já há muito prescreveu o direito do autor reclamar qualquer defeito.

Em reconvenção peticiona a condenação do autor no pagamento de € 41.798,18, correspondentes a trabalhos realizados a mais no valor de € 11.486,99, prejuízos que teve que suportar pelo atraso do autor nas obras, no valor de € 2.500,00 e € 1.500,00, valor que teve que pagar pelos alumínios na quantia de € 15.000,00, a que acresce a diferença entre o valor pago pelo autor 8.500.000$00 e o valor acordado de 12.285.000$00, no montante de € 11.311,19.

1.3. Replicou o autor a fls 76 ss, reiterando o pagamento no valor de 12.350.926$00, apesar de a ré apenas ter dado quitação de 10.156.330$00.

Pugna pela improcedência da excepção da caducidade, alegando para o efeito que o prazo a que alude o art.º 1225.º do Código Civil ainda não se iniciou sequer, pois que a ré não concluiu a obra e consequentemente ainda não a entregou ao autor para verificação, sendo certo, de todo o modo, que sempre reconheceu todos os defeitos denunciados pelo autor e comprometeu-se a proceder à sua reparação antes da conclusão da obra.

Alega quanto ao mais que em Julho de 1998 o prédio já estava em condições de se poderem montar as janelas, não interferindo com este trabalho os trabalhos de quaisquer outros profissionais. Admite que a colocação de oscilo-batentes não estava inicialmente prevista no orçamento inicial, impugnando, todavia, o valor apresentado pela ré.

Por outro lado, a questão da cor dos alumínios não ficou logo decidida, tendo ficado estabelecido que o valor seria sempre o mesmo independentemente da cor. Também solicitou à Ré a aplicação de um vão com 4850x2330 em substituição do vão com 2000x2000 acordado, de uma água e ainda janelas laterais como extra, tendo esses trabalhos sido pagos de que a ré deu o respectivo recibo de quitação.

Até à presente data a ré nunca apresentou qualquer descrição dos valores referentes a alterações do contrato, desconhecendo inclusivamente alguns dos trabalhos a que a ré alude na contestação.

Não pode ser-lhe imputado qualquer atraso na execução das obras, uma vez que a ré tinha chave do edifício podendo lá entrar quando quisesse, pelo que todos os montantes peticionados em reconvenção correspondentes a prejuízos relacionados com tais atrasos não têm fundamento.

1.4 Treplicou ainda a ré a fls 137, limitando-se a reiterar o já por si alegado em sede de contestação/reconvenção.

            1.5. Proferido despacho saneador de fls 196 ss decidiu-se que o tribunal é competente, o processo não enferma de nulidades, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

Relegou-se para final a apreciação da excepção da caducidade

Foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória da causa, da qual reclamou a autora a fls 231 e que foi parcialmente deferida por despacho de fls 305.

1.6. Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo tendo sido proferida decisão onde se decidiu:

a)-  Julgar improcedente a acção e consequentemente absolver a ré dos pedidos contra si formulados;

b)- Julgar improcedente a reconvenção e absolver o autor dos pedidos contra si formulados.

1.7. Inconformado com tal decisão dela recorreu o A. terminando a motivação com as seguintes conclusões:

...

1.8. A R. contra alegou terminando a motivação com as seguintes conclusões:

                                               2. Fundamentação

2.1. Factos Provados

...

                                    3.Motivação
3.1. É, em princípio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.ºs 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.

As questões a decidir são:

 I - Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

II - Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que condene a R. nos pedidos formulados na petição inicial.

Tendo presente que são duas as questões a apreciar, por uma questão de método vejamos cada uma de per si.

I - Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

Tendo presente que os requisitos do art.º 640º do C.P.C. foram observados, cabe apreciar se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ou não ser alterada.

...

II - Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que condene a R. nos pedidos formulados na petição inicial.

Segundo o recorrente a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que condene a R. no pedido formulado.

            Opinião diversa tem a recorrida que pugna pela manutenção do decidido.

            Vejamos.

O recorrente pede a resolução do contrato de empreitada celebrado com a R. em 1998 por incumprimento definitivo e culposo desta e a condenação da mesma a pagar-lhe uma indemnização a liquidar em execução de sentença, em consequência de tal incumprimento, nomeadamente custos com a remoção do alumínio VEC de cor branca aplicado na fachada, o fornecimento e aplicação de alumínio VEC de cor preta na fachada do edifício, os custos com o fornecimento e aplicação de estores em alumínio recheados com poliuretano e respectivos motores eléctricos e os custos com a eliminação dos defeitos existentes nos trabalhos executados pela ré, falta de um encaixe para dissimular uma das dobradiças da porta principal; alta de puxadores nas portas; imperfeições nas caixilharias de alumínio; aplicação de juntas nas caixilharias de alumínio para fazerem a junção com as paredes em que assentam; afinação das janelas e portas de alumínio.

O contrato de empreitada encontra-se regulado no capitulo XII, sendo definido no artigo 1207º do Cód. Civil: “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

É o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” - Ver AC. DO S.T.J., DE 3-11-1983, BMJ, 331º, 489, e PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações (Parte Especial), Contratos, Almedina, Coimbra, 2000, p. 292, realizando a obra com absoluta autonomia é requisito e critério a que atende a noção legal do contrato de empreitada - PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., Coimbra Editora, 1997, p. 865.

O Empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (cfr. art.º 1208, do mesmo diploma), o que não é senão o corolário a que qualquer devedor está vinculado no cumprimento das suas obrigações, quais sejam – a prestação deve ser pontualmente cumprida – artigo 406º, 1, e 762º, 1, do CC, o solvens deve agir nos termos impostos pela boa-fé – artigo 762º, 2, do CC e a prestação deve ser efetuada integralmente – artigo 763º do CC - MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 918 e segs.; PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, Almedina, Coimbra, 1994, p. 129. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 138, 141-142.

Os sujeitos do contrato de empreitada são dois: o empreiteiro – que se obriga à produção da obra sem vícios e a cumprir o acordado – e o dono da obra que também deve cooperar com o empreiteiro, proporcionando-lhe as condições indispensáveis à realização da obra, que dependam dele, quer por vontade das partes, quer pela natureza da coisa (cfr. Antunes Varela e Pires de Lima, in Código Civil, anotado, 2.ª edição, fls. 705).

No caso em apreço, como contornos destas obrigações temos que o empreiteiro se obrigou a fornecer e aplicar os seguintes materiais - Caixilharia em alumínio na série SYSTHERM 52 30o, lacada na cor janelas brancas, fachada VEC. Lacada na cor preto, vidro duplo, montras e Rés-do-chão: Laminado 4.4mm + Cx 14mm + Planitherm 6mm ambos incolores, fachada: Laminado 4.4 mm incolor + Cx 14 mm + Espelhado Temperado 6mm - Clarabóia: Laminado 4.4 mm + Cx 14 mm + Planitherm temperado 6 mm ambos incolores, janelas apartamentos: Planitherm 6mm + Cx 14mm + Float 5mm ambos incolores , estores em alumínio recheados c/ poliuretano, motores eléctricos p/ estores, bem como a colocar vãos e estores, 12- vãos conforme nosso mapa de vãos c/1500 x 1000 , 6- vãos conforme nosso mapa de vãos c/2000 x 1000, 12- Vãos conforme nosso mapa de vãos c/1500 x 2000, 1- Vão conforme nosso mapa de vãos c/1500 x 600,2- Vão conforme nosso mapa de vãos c/ 2900 x 2100, 2- Vão conforme nosso mapa de vãos c/ 2700 x 2100, 1- Vão conforme nosso mapa de vãos c/ 1000 x 2600, 1- Vão conforme nosso mapa de vãos c/ 2500 x 2600, 2- Vão conforme nosso mapa de vãos c/ 1000 x 2600 , 2- Vão conforme nosso mapa de vãos c/3000 x 3200, 1-Vão conforme nosso mapa de vãos c/ 8600 x 3200 , 1- Vão conforme nosso mapa de vãos VEC. c/3000 x 10800, 1- Vão conforme nosso mapa de vãos c/ 2000 x 2000,12 – Estores c/ 1500 x 2000, 6- Estores c/ 2000 x 1000, 12- Estores c/ 1500 x 2000, 1- Estore c/ 1500 x 600. (cfr. factos 2.1.2. e 2.1.3.),  e o dono da obra o autor obrigava-se a pagar à ré a quantia de 10.500.000$00 (dez milhões e quinhentos mil escudos), acrescido da taxa de IVA à data em vigor, da seguinte forma: - Na data da assinatura do contrato 20%; - No início da fabricação da obra 50%  e com a entregar da conclusão da obra os restantes 30%  (cfr. 2.1.4.).

Mais resulta que no dia 5 de Maio de 1998 a ré, por referência à obra referida em 2.1.2., elaborou o orçamento identificado como II Orçamento – Orçamento 28/98 – REV.01, com o valor de 11.231.000$00 acrescido do valor do IVA à taxa em vigor, tendo em conta os trabalhos a realizar (cfr. factos 2.1.8. e 2.1.9.).

  Invoca o A. que a R. incumpriu o contrato e como tal pede a resolução do mesmo.

Nos termos do n.º 1 do art.º 432º do C.C. é admitida a resolução do contrato fundado na lei ou em convenção.

No caso em apreço as partes nada convencionaram quanto à resolução do contrato, pelo que a mesma apenas pode ter base o pressuposto lei.

O A. para fundamentar essa pretensão assenta no pressuposto da lei – como seja o incumprimento.

Porém, não é qualquer tipo de incumprimento que pode determinar a resolução do contrato, tem de haver um incumprimento definitivo.

Para que haja incumprimento definitivo, torna-se necessário saber se há ou não inadimplemento, isto é, saber se há desconformidade entre a execução e o conteúdo do contrato.

Conforme ensina Batista Machado, in Pressupostos da Resolução por incumprimento, Obra Dispersa, Vol. I, pág. 134. "quer o art. 793.º, 2, quer o art. 802.º, 2, quer ainda o art. 808.º, inculcam a ideia de que é o interesse do credor que deve servir como ponto de referência para o feito de apreciação da gravidade ou importância do inadimplemento capaz de fundamentar o direito de resolução".

Mas o interesse do credor deve aferir-se por um critério objectivo, como, aliás, resulta do disposto no art. 808.º, 2 do CC.

E a gravidade da inexecução mede-se pela extensão da inexecução, a qual pode ser "total ou parcial, definitiva ou temporária, podendo ainda a inexecução parcial ser mais ou menos extensa, quantitativa ou qualitativamente, e a inexecução temporária ser também maior ou menor, conforme for maior ou menor o atraso no cumprimento. Do mesmo modo pode a execução defeituosa ser mais ou menos defeituosa" cfr. Batista Machado, in Ob. e loc. cits.).

Ora, no caso dos autos vem demonstrado que não foram colocados na obra, pela ré, os estores em alumínio recheados com poliuretano, motores e as juntas de silicone no interior, que  a ré não aplicou em toda a fachada do prédio alumínio VEC de cor preto, tendo aplicado alumínio de cor branco no interior, não sendo visível do exterior a cor branca, sendo que os preços praticados entre as diferentes cores eram idênticos, que na porta principal do prédio referido em 2. falta um encaixe para dissimular uma das dobradiças da porta e as portas das lojas e a porta de entrada não têm puxadores exteriores e interiores, que de um modo geral, as caixilharias do prédio referido em 2. estão bem executadas ao nível do corte e fixação de esquadros nos aros e folhas, observando-se ligeiras imperfeições no que respeita a acabamento de silicone, afinação, isolação e corte de remates e faltam peças para não se verem os furos de saída de água das caixilharias, que  numa das lojas existe um remate junto a uma viga de betão com um corte por defeito com cerca de 60 mm, que existe uma janela onde o vidro está seguro com pedaços de vedante de borracha, que  os prumos que fazem a ligação entre fixos e entre fixos e portas das lojas não têm rotura térmica nem qualquer outro tipo de isolamento térmico e falta uma tampa e uma dobradiça na porta de entrada, que foi aplicado silicone para fazer a junção entre as caixilharias em alumínio e as paredes em que assentam, tendo sido aplicado silicone em cor branca nos apartamentos, com excepção de 350 mm numa janela, silicone cinzento no exterior das lojas e porta de entrada e no interior foi aplicado silicone em dois vãos, não estando um deles completamente acabado, sendo que em outros fixos, portas das lojas e porta de entrada não têm silicone no interior, que nos apartamentos existe falta de uniformidade na aplicação de silicone e algum encontra-se descolado em várias janelas e portas, verificando-se a descolagem quer do lado do alumínio quer do lado da parede, que as portas em alumínio não abrem e fecham normalmente por falta de afinação.

Mais se provou que em 11 de Fevereiro de 2003 o autor, através do seu mandatário, enviou uma carta à ré, por esta recebida em 13.02.2003, do seguinte teor: «O nosso Constituinte tem a obra parada desde Dezembro de 2000, por culpa exclusiva de R..., Lda, que não cumpriu as obrigações assumidas, havendo a notar, entre outros aspectos, a não aplicação de motores eléctricos para estores e estores em alumínio recheados com poliuretano. Estamos em crer que será possível dirimir extrajudicialmente o dissídio gerado a propósito daquele fornecimento/prestação de serviços. Nesse sentido, convidamos V.a Exas. a comparecerem no nosso escritório, no próximo dia 17 de Fevereiro de 2003, pelas 11:30 horas».

Em 19 de Outubro de 2007 o autor enviou à ré uma carta registada com aviso de recepção do seguinte teor: «Na sequência da nossa última reunião, em que Vossas Exas. se comprometeram em finalizar os trabalhos a que se obrigaram no âmbito do contrato de fornecimento/prestação de serviços para fornecimento e colocação de alumínio com a minha pessoa, para a obra que me pertence sita na Av. ..., a verdade é que volvido este tempo, e apesar das minhas constantes insistências, até ao momento a R..., Lda ainda não terminou os trabalhos a que estava adstrita, nomeadamente, e entre outros, ao fornecimento e aplicação de motores eléctricos e estores em alumínio recheados com poliuretano. Considerando que a R..., Lda., já recebeu a totalidade do preço do contrato, bem como o tempo decorrido desde a data em que Vossas Exas. iniciaram os trabalhos até ao presente, e ainda que tenho a necessidade premente em concluir a obra do referido prédio, serve a presente para solicitar a Vossa Exa. que finalize os trabalhos a que se obrigaram até ao dia 10 de Dezembro de 2007, data a partir da qual deixarei de ter qualquer interesse na conclusão dos trabalhos pela vossa empresa, considerando o contrato incumprido definitivamente. Desta forma, agradecia que me comunicassem o dia e a hora em que irão retomar os trabalhos, a fim de providenciar o acesso da vossa empresa ao prédio. Caso tais trabalhos não se encontrem finalizados até àquela data, intentaremos a respectiva acção judicial, em que reclamaremos todos os prejuízos sofridos com a presente situação».

A ré enviou uma carta ao autor datada de 20.11.2007 do seguinte teor “(...)  «É com grande satisfação que recebemos notícias suas, mesmo sob a forma de uma notificação registada. Já passaram 6 anos desde a última vez que nos cruzámos. Muito nos surpreendeu a sua afirmação de que nos contactou inúmeras, pois os nossos contactos ainda permanecem os mesmos desde então.

Em relação à vossa missiva, dizemos o seguinte:

1.º - Referente à acusação de lhe dever fornecimentos, como é do seu conhecimento, rejeitamos essa acusação pois não é verdadeira. Não é prática da nossa empresa receber quaisquer importâncias e não fazer o fornecimento correspondente. Mais esclarecemos que não recebemos qualquer importância referente aos estores como também nunca nos concluiu os pagamentos referentes aos trabalhos de caixilharia.

2.º - Como é do seu conhecimento a última vez que nos encontrámos foi na Primavera de 2001, nas nossas instalações. Nessa reunião, por motivos seus pessoais pediu- nos o adiamento do fornecimento dos estores por algum tempo. Foi até esta data (6 anos). Diversas vezes tentámos contacta-lo, mas nunca o conseguimos.

3.º - Encontramo-nos disponíveis para fornecer, facturar e receber, não até à data que nos estabeleceu 10 de Dezembro de 2007, por indisponibilidade dos nossos recursos humanos, mas desde o dia 25 de Janeiro de 2008 até ao dia 05 de Fevereiro de 2008.

Antes desta data, para fabricação dos estores, agradecemos o acesso ao prédio para rectificação das medidas».

Em 17 de Dezembro de 2007, em resposta à carta referida em 39., o autor enviou à ré uma carta registada, a qual foi recebida por esta em 19.12.2007, onde entre o mais refere: « Conforme referido na minha última carta, existem um conjunto de trabalhos que ainda não foram executados pela vossa empresa, nomeadamente, entre outros, o fornecimento e aplicação de motores eléctricos e estores de alumínio recheados com poliuretano, da vossa carta datada de 20 de Novembro de 2007, resulta claramente que a vossa empresa considera que tais trabalhos ainda não foram finalizados mas que não estarão pagos, e que só estão na disponibilidade de os finalizarem, caso os pague novamente.

Assim, como a R..., Lda apenas se encontra disponível para fornecer e executar os trabalhos em falta entre os dias 25 de Janeiro de 2008 e 5 de Fevereiro de 2008 sob condição de ter que os pagar novamente, considero incumprido definitivamente o contrato de empreitada celebrado entre a minha pessoa e a vossa empresa, pelo que irei accionar todos os mecanismos judiciais que tiver ao meu alcance para responsabilizar a vossa empresa pelos prejuízos que sofri com a vossa conduta (...)».  

            Como decorre do art. 808º/1 do CC, para se poder pedir a resolução do contrato com base no incumprimento definitivo é necessária a interpelação admonitória e a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor no seu âmbito ou então que o credor perca o interesse na prestação (sendo a perda apreciada objectivamente, não valendo casos de "escassa importância" para não sujeitar o devedor ao "capricho ou até ao arbítrio do credor"- B. Machado, Dos pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, Vol. I, pá. 162.)".

E essa interpelação admonitória tem que conter três elementos:

a) "a intimação para o cumprimento ;
b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento;
c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo.

 Trata-se, pois, de uma declaração intimidativa" (B. Machado, Ob. Cit., pág. 164 e 165).

Face à conjugação das missivas referidas nos pontos 38. e 40. que se transcrevem  [ 38. « Na sequência da nossa última reunião, em que Vossas Exas. se comprometeram em finalizar os trabalhos a que se obrigaram no âmbito do contrato de fornecimento/prestação de serviços para fornecimento e colocação de alumínio com a minha pessoa, para a obra que me pertence sita na Av. ..., a verdade é que, volvido este tempo, e apesar das minhas constantes insistências, até ao momento a R..., Lda ainda não terminou os trabalhos a que estava adstrita, nomeadamente, e entre outros, ao fornecimento e aplicação de motores eléctricos e estores em alumínio recheados com poliuretano. Considerando que a R..., Lda., já recebeu a totalidade do preço do contrato, bem como o tempo decorrido desde a data em que Vossas Exas. iniciaram os trabalhos até ao presente, e ainda que tenho a necessidade premente em concluir a obra do referido prédio, serve a presente para solicitar a Vossa Exa. que finalize os trabalhos a que se obrigaram até ao dia 10 de Dezembro de 2007, data a partir da qual deixarei de ter qualquer interesse na conclusão dos trabalhos pela vossa empresa, considerando o contrato incumprido definitivamente. Desta forma, agradecia que me comunicassem o dia e a hora em que irão retomar os trabalhos, a fim de providenciar o acesso da vossa empresa ao prédio. Caso tais trabalhos não se encontrem finalizados até àquela data, intentaremos a respectiva acção judicial, em que reclamaremos todos os prejuízos sofridos com a presente situação» - 40. « Conforme referido na minha última carta, existem um conjunto de trabalhos que ainda não foram executados pela vossa empresa, nomeadamente, entre outros, o fornecimento e aplicação de motores eléctricos e estores de alumínio recheados com poliuretano. Da vossa carta datada de 20 de Novembro de 2007, resulta claramente que a vossa empresa considera que tais trabalhos ainda não foram finalizados mas que não estarão pagos, e que só estão na disponibilidade de os finalizarem, caso os pague novamente. Assim, como a R..., Lda apenas se encontra disponível para fornecer e executar os trabalhos em falta entre os dias 25 de Janeiro de 2008 e 5 de Fevereiro de 2008 sob condição de ter que os pagar novamente, considero incumprido definitivamente o contrato de empreitada celebrado entre a minha pessoa e a vossa empresa, pelo que irei accionar todos os mecanismos judiciais que tiver ao meu alcance para responsabilizar a vossa empresa pelos prejuízos que sofri com a vossa conduta (...)»], temos para nós que o A. fez uma interpelação admonitória, pois contêm a interpelação para a realização dos trabalhos em falta, a fixação do prazo para o efeito, quer a cominação.

Chegados aqui, cabe verificar se o A. face aos factos provados estava em condições de fazer a interpelação admonitória.

Nos termos do preceituado no  n.º 1 do art.º 808º do C.C., que equipara a mora ao incumprimento definitivo, desde que haja perda de interesse do credor em consequência da mora ou que o devedor moroso não tenha cumprido dentro do prazo adicional ou peremptório que lhe foi fixado (cfr. Ac. Porto, de 20/11/2014, relatado pelo Desembargador Pedro Martins).

A perda de interesse, que resulta muitas vezes da própria natureza da obrigação assumida, é apreciada objectivamente (art. 808º nº 2), incumbido a prova ao credor (art. 342º nº 2).

 Precisando o tipo de casos a que alude a primeira parte do art. 808º nº 1, salienta Baptista Machado, in Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, Vol. I, 160) que esta só pode referir-se aos casos em que o interesse do credor que desapareceu durante a mora se liga a uma finalidade (de uso ou de troca) que não entrou a fazer parte do conteúdo do negócio (nem, evidentemente, deu origem a um termo essencial, absoluto ou relativo).

Tratar-se-á, pois, de mais um tipo de casos em que o fim-motivo negocialmente irrelevante pode vir a relevar por efeito de uma inexecução (de uma perturbação na fase executiva) do negócio.

A perda de interesse não pode resultar de um simples capricho do credor: a superveniente falta de utilidade da prestação terá que resultar objectivamente das condições e das expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio, bem como das que, posteriormente, venham a condicionar a sua execução. Impõe-se uma perda subjectiva do interesse com justificação objectiva, isto é, justificada segundo o critério de razoabilidade, próprio do comum das pessoas.
Saliente-se que, como se prevê expressamente na norma – em consequência da mora – a perda de interesse tem de resultar da mora no cumprimento e não de qualquer outra circunstância (cfr. Antunes Varela, RL 118-56).

Ou seja, para produzir os seus efeitos a interpretação admonitória tem de ter o suporte mora, consistindo esta no atraso culposo no cumprimento da obrigação - ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 109; a prestação, ainda possível, não foi realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor - MENEZES LEITÃO, ob. e vol. cits., p. 227 - artigo 804º, 2, do CC.

            Neste sentido o Ac. da Rel. do Porto de 6/11/2008, in www.dgsi.pt, citado na sentença recorrida, ao dizer « a interpelação admonitória ali prevista (art.º 808, n.º 1) só pode visar o devedor moroso; caso contrário, equivale a poder o credor em qualquer altura, impor unilateralmente ao devedor um termo essencial subjectivo, sem este ter sido convencionado; situação que a lei admite mas no caso de existir mora do devedor, concedendo-se a este uma derradeira oportunidade de manter o contrato».     

No caso em apreço resulta provado que entre o A. e o R. foi celebrado o contrato aludido no ponto 2., do qual não consta qualquer prazo para a conclusão da obra, por outro lado resulta provado que a R. executou os trabalhos na obra referida em 2. de 1999 até à Primavera de 2001, data a partir da qual deixou de ter acesso à obra, motivo pelo qual não finalizou todos os trabalhos a que se obrigara.

Ora, como referimos in supra o dono da obra pode também ser obrigado a cooperar com o empreiteiro, proporcionando-lhe as condições indispensáveis à realização da obra.

No caso em apreço e como resulta do ponto 17. o dono da obra não cooperou com o empreiteiro, desde logo, por este a partir da primavera de 2001 deixar de ter acesso à obra, motivo pelo qual não pode finalizar os trabalhos.

Tendo presente estes factos, temos para nós que a R. não se encontrava em mora, desde logo por do contrato não figurar qualquer prazo para findar a obra e, por outro,ter-se provado que a R. a partir da primavera de 2001 deixar de ter acesso à obra, motivo pelo qual não finalizou os trabalhos a que e obrigara.

Ora, não existindo mora da R. os efeitos na interpelação admonitória não produzem os efeitos pretendidos pelo A. – resolução do contrato.

O A. além de ter pedido a resolução do contrato – que não pode proceder,  como já dissemos -, pede também a condenação da R. a pagar-lhe uma indemnização a liquidar em execução de sentença, em consequência de tal incumprimento.

Como se sabe, só nos casos de incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos ou de necessidade urgente da realização das respetivas obras pode o dono da obra optar pela efetivação dessa eliminação por si próprio ou terceiro e requerer o respetivo pagamento pelo empreiteiro – artigos 1221º, 1222º e 1223º do CC – ver neste sentido os Acs. do S. T. J., de 10-9-2009, da Relação de Lisboa, de 20-10-2009 e 19-5-2009, e da Relação de Coimbra, de 16-9-2008, www.dgsi.pt.

No caso em apreço, como já referimos não se verifica o incumprimento definitivo invocado pelo A., pelo que esta pretensão também não pode proceder.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se:
a)-Julgar improcedente o recurso da matéria de facto mantendo-a, como fixada em 1.ª instância.
b)-Julgar improcedente esta apelação, assim confirmando a sentença proferida em 1.ª instância
Custas pelo recorrente.
Coimbra, 15/11/2016 

            (Des. Pires Robalo – relator)

Des. Sílvia Pires – adjunta)

Des. Jorge Loureiro – adjunto)