Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
35/15.9F1EVR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA
INQUÉRITO
ACUSAÇÃO
TRIBUNAL CENTRAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
Data do Acordão: 12/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DO FUNDÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 39.º, N.º 2, DA CRP; ART. 38.º DA LOSJ; ARTS. 273.º E 283.º DO CPP
Sumário: I – A competência definida no inquérito mantém-se mesmo depois de deduzida acusação e enquanto o processo permanecer naquela fase processual.

II – Consequentemente, se, no início do inquérito, o MP entendeu ser competente para o exercício de funções jurisdicionais o Tribunal Central de Instrução Criminal, competência que foi posteriormente aceite por este, o despacho de reexame do estatuto coactivo do arguido, proferido, sob promoção, pelo TCIC, após a dedução da acusação mas antes de o requerimento de abertura da instrução e do sucessivo despacho de declaração de incompetência do mesmo Tribunal para a direcção da referida fase processual, é válido e operante.

III – Não obstante a literalidade textual do artigo 273.º do CPP, permitindo este normativo que, em caso de urgência sejam convocadas pessoas para comparência a actos processuais, nomeadamente arguidos, para interrogatório, com a antecedência temporal indispensável à sua presença, obviamente também estarão no âmbito de previsão daquela norma os advogados que, por força da lei, devam comparecer aos mesmos actos.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo actualmente em fase de instrução 35/15.9F1EVR que corre na Comarca de Castelo Branco, Juízo Local Criminal do Fundão, em 24 de Maio de 2017 foi proferido despacho que não reconheceu a existência de nulidade do despacho de reexame dos pressupostos da prisão preventiva do arguido A... por incompetência do Tribunal Central de Instrução Criminal e nulidade do interrogatório complementar do mesmo arguido porque realizado sem a presença dos seus defensores constituídos.

Inconformado recorreu o arguido A... , extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
1) O presente Recurso vem interposto do despacho judicial de fls 6149 a 6152 que indeferiu as nulidades invocadas pelo Arguido por requerimento de 11.05.2017, a fls 6085 a 6100, concretamente:
(i) A incompetência material do Tribunal Central de Instrução Criminal para reexaminar a medida de coação aplicada sob pena de nulidade insanável (cf: artº 119.º, al. e), do CPP);
(ii) A nulidade insanável do interrogatório complementar do Arguido;
2) Trata-se de um despacho que se limita a transcrever acriticamente a promoção do Ministério Público, à boleia da expressão “entendimento que partilhamos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, não por falta de ponderação própria da questão, mas simples economia processual”, o que por si só se lamenta.
3) No demais, como se verá, é um despacho que viola a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça pelo Acórdão n.º 2/2017, publicado na I Série do DR em 16.03.2017 e do Tribunal Constitucional n.º 41/2016, de 1 de março.
4) E tanto assim é que por despacho de fls 6672 a 6686, notificado ao Arguido no dia de ontem o Tribunal Central de Instrução Criminal declarou-se incompetente para a instrução do presente processo penal.
 O Despacho recorrido assenta igualmente em erros de facto e de direito, pressupondo que os mandatários de Arguido podem ser (i) “convocados” (ii) por mandado – pasme-se! - e (iii) com menos de 24 horas de antecedência (iv) para acompanhar interrogatórios complementares de Arguido preso, ou
5) Que a defesa do Arguido nesse interrogatório complementar fica assegurada pela mera circunstância de se ter nomeado oficioso (sem que este tenha analisado os autos).
Com efeito,
6) Sendo certo que o Ministério Público deduziu acusação pela prática dos crimes de (i) introdução fraudulenta no consumo, (ii) de fraude fiscal e (iii) de falsificação de documento, relativamente aos quais inexiste Ofendido e/ou a possibilidade de constituição como Assistente, é patente que o objeto dos autos ficou fixado nesse momento processual, e que se encerrou o inquérito.
7) Assim, a partir dessa data, a competência de Tribunal para prática de quaisquer atos processuais tem de ser aferida por referência à acusação já deduzida e não à notícia do crime ou ao objeto da investigação já concluída.
8) Do que vem sendo dito decorre, com meridiana clareza, que os tipos penais objeto dos autos não integram qualquer um dos crimes previstos no artº 120.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, o que inevitavelmente conduz à incompetência material do Tribunal Central de Instrução Criminal para o reexame da medida de coação nos termos e para os efeitos do disposto no artº 213.º, n.º 1, al. b), do CPP.
9) Em obediência à jurisprudência fixada no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça (Ac. n.º 2/2017, publicado na I Série do DR em 16.03.2017) é materialmente competente para reexaminar a medida de coação o Tribunal de Instrução Criminal do Tribunal da Comarca de Castelo Branco. 
10) Assim, a decisão de reexame dos pressupostos da prisão preventiva pelo Tribunal Central de Instrução Criminal necessariamente constituirá uma violação das regras de competência do Tribunal nessa medida enfermando de nulidade insanável (cf: artº 119.º, al. e), do CPP). Neste sentido deverá o Tribunal declarar-se incompetente remetendo do processo para o Tribunal competente, de acordo com o disposto no artº 33.º, n.º 1, do CPP.
11) A norma dos artºs 80.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, 38.º, 39.º, 119.º e 120.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 10.º, 17.º e 283.º, do CPP, interpretada no sentido de que apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao Tribunal Central de Instrução Criminal a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de reexame da medida de coação após dedução da acusação, mesmo que não verificado um dos pressupostos, cumulativos, aliás, ali mencionados - isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da Lei Orgânica do Ministério Público, ou que não se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 4 e 9 e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrária aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e do juiz natural. De resto, trata-se de uma restrição que esvazia de sentido e retira conteúdo útil aos princípios do juiz natural, do processo equitativo e da legalidade e que não se mostra adequada ou necessária a assegurar qualquer direito ou interesse constitucionalmente protegido (cf. artº 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP). Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 1, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
12) Por outro lado, a norma contida no artº 80.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, nos artºs 38.º, 39.º, 119.º e 120.º, n.º 1, als j) e k), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 47.º, n.º 1, als. j) e l), da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, segundo a qual, em sede de determinação da competência material, o conceito “infrações económico-financeiras” não é equivalente ao constante do artº 1.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, é, em tal interpretação, violador dos artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 4 e 9 e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e do juiz natural. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 1, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Acresce que,
13) Desde 17.02.2016 que é do conhecimento das autoridades judiciárias competentes que os mandatários judiciais do Arguido são os subscritores, tendo sido escolhidos por este ao abrigo do artº 32.º, n.º 3, da Constituição da República, dos artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, do CPP e do artº 67.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro.
14) Neste contexto, foi com enorme perplexidade que na visita realizada ao Arguido em 5.05.2017, os seus defensores tomaram conhecimento – não tendo sido notificados em conformidade com o disposto no artº 67.º, n.º 1, do CPP até à dedução da acusação – (i) de que tinha sido realizada uma diligência com vista ao seu interrogatório complementar, (ii) sem que o Arguido estivesse acompanhado dos seus mandatários constituídos, e (iii) sem que estes tivessem sido notificados de qualquer decisão a propósito da irregularidade da sua convocação, por mandado e com menos de 24 horas de antecedência para acompanhar a dita diligência, para mais quando haviam referido estar impossibilitados de comparecer em virtude de compromissos profissionais prévios.
15) A convocação de defensor por mandado para acompanhar um interrogatório complementar de Arguido colide de frente com dignidade da profissão, o que aqui expressamente se alega para todos os devidos efeitos.
16) Os Advogados têm direito a ser notificados para acompanharem os atos processuais, nos termos da lei, ou seja, ao abrigo do disposto nos artºs 112.º, n.º 3 e 113.º, n.ºs 1 e 11, do CPP e foi isso que se reclamou e se reclama, arguindo-se a irregularidade da “convocatória” dos seus mandatários, para acompanhamento do seu interrogatório complementar, por violação do disposto nos artºs 112.º, n.º 3, al. b), 113.º, n.º 2 e 11, do CPP, bem como dos artºs 4.º, n.º 1, e artº 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, com as necessárias consequências. 
17) Ora, apesar do requerimento de arguição de irregularidade apresentado, o Ministério Público não se pronuncia sobre a irregularidade nem notifica a sua decisão aos subscritores, Defensores Constituídos, e, segundo o Arguido expôs aos seus Defensores no dia seguinte – 5.05.2017 – nomeia um Defensor Oficioso para o ato, num processo constituído por, pelo menos, 17 Volumes, 12 Apensos (numerados de 1 a 8), 5 Anexos, correndo contra 19 Arguidos.
18) O Defensor Oficioso não analisou os autos em momento posterior à sua Constituição, de forma a poder prestar qualquer contributo útil à sua defesa, situação que o Ministério Público conhecia, pois tudo se passou na sua presença.
19) A realização de interrogatório complementar de Arguido preso (i) sem a presença do seu Defensor, (ii) mas, tão só, de Defensor Oficioso, que não beneficiou nem despendeu o tempo necessário ao estudo do processo, (iii) nomeado com recusa expressa do Arguido, constitui nulidade insanável nos termos e para os efeitos do disposto do artº 119.º, al. c), do CPP, que aqui expressamente se argui para todos os devidos efeitos.
20) Esta nulidade tem por consequência a nulidade da acusação que lhe seguiu, em conformidade com o disposto no artº 122.º do CPP, o que aqui também se alega.
21) Com a declaração destas nulidades não pode o Arguido permanecer em prisão preventiva, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 215.º, n.º 1, al. a), do CPP, situação que se requer seja declarada pelo Tribunal de Instrução competente, em obediência ao disposto no artº 213.º, n.º 2, do CPP.
22) Mais se assinala e invoca, que a norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), do CPP, artºs 112.º, 113.º, n.º 11 e 273.º, do CPP e do artº 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual os Defensores – Oficiosos ou Constituídos - podem, nessa qualidade, ser convocados por mandado para comparência em interrogatório de Arguido preso, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 3, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.
23) Assinala-se ainda, que a norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), do CPP, artºs 112.º, 113.º, n.º 11 e 273.º, do CPP e do artº 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual os Defensores – Oficiosos ou Constituídos - podem, nessa qualidade, ser convocados por via telefónica para comparência em interrogatório de Arguido preso, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 3, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.
24) Por seu turno, a norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), 67.º, 112.º, 113.º e 144.º, do CPP, e do artº 67.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual nos atos em que é obrigatória a assistência de defensor, há fundamento para substituição do mandatário constituído, quando este último não tenha sido notificado, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 1 a 3, 5 e 6, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 3, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
25) Finalmente, a norma contida no artºs 60.º, 61.º, n.º 1, al. e), f) e g) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), e 144.º, n.º 3, do CPP, segundo a qual a garantia de assistência por Defensor a Arguido preso em interrogatório se mostra assegurada com a designação e a comparência de Defensor oficioso nomeado para o ato, independentemente de este ter estudado o processo, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 1 a 3, 5 e 6, e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo, do direito a ser assistido por defensor e às garantias da defesa. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.ºs 1 e 3, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
 O Recorrente declara, nos termos e para os efeitos do artº 411.º, n.º 5, do CPP, que pretende a realização de audiência para debate dos pontos II) e III) da Motivação.

26) Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da decisão recorrida, pelos fundamentos indicados nas presentes, e, em qualquer caso, libertando-se o arguido, ora recorrente, com o que farão V.Exªs. JUSTIÇA!

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:

1.

Quanto à incompetência do Tribunal Central de Instrução Criminal para apreciar e decidir sob a medida de coação, os factos decorrentes dos autos são:

2.

Por despacho inicial do Ministério Público no inquérito (fls.14 e 15), os factos então participados, abstratamente considerados, são suscetíveis de integrar o crime de contrabando, previsto e punido pelo artigo 92º, o crime de introdução fraudulenta no consumo, previsto e punido pelo artigo 96º, o crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103º e o crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 89º, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias;

3.

No mesmo despacho, o Ministério Público aponta o caráter de natureza económico-financeira a tais crimes, cometidos de forma organizada e de natureza transnacional, encontrando-se a atuação dos suspeitos dispersa por várias localidades, pertencentes a diferentes Tribunais da Relação, mormente, Lisboa, Évora e Coimbra;

4.

Ainda no mesmo despacho, e pelos motivos acima apontados, o Ministério Público entendeu ser competente para o exercício das funções jurisdicionais o Tribunal Central de Instrução Criminal, ao abrigo do disposto nos artigos 116º e 120º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto;

5.

Por despacho judicial proferido no inquérito em 3 de julho de 2015 (fls.19 e 20) foi aceite esta competência “ Assim, atenta a complexidade dos autos, o tipo de crime, a sua dispersão territorial, e face à atuação dos seus agentes, aceita-se a competência deste TCIC, para apreciar os actos jurisdicionais até à eventual remessa do processo para julgamento – ex vi das disposições conjugadas dos artigos 46º, nº1, 47º, nºs. 1 e 3, ambos da Lei 60/98, de 27/08, com referência aos artigos 79º e 80º, nº1 da Lei 3/99, a que corresponde o artº 112º da Lei 52/08, de 28/08 e artº 17º do CPP”;

6.

No âmbito do inquérito, em 5 de abril de 2017, o Ministério Público promove o reexame da prisão preventiva do arguido, com a manutenção da prisão preventiva (fls.4865);

7.

Por despacho judicial do mesmo dia (fls.4869 a 4876), o Juiz do TCIC manteve a prisão preventiva;

8.

Em 5 de maio de 2017, o Ministério Público do DCIAP deduz acusação contra o arguido A... e mais dezoito arguidos (fls.5605 a 5887);

9.

Neste despacho o Ministério Público imputou ao arguido recorrente a prática de:

- Um crime de introdução fraudulenta no consumo qualificada, previsto e punido pelo artigo 96º, nº1, alínea a) e 97º, alínea c) do RGIT;

- Um crime de fraude fiscal qualificada (IVA), previsto e punido pelo artigo 103º, nº1, alínea b) e 104º, nº2, alínea b) do RGIT;

- Um crime de fraude fiscal qualificada (IRS), previsto e punido pelo artigo 103º, nº1, alínea b) e 104º, nº2, alínea b), do RGIT;

- Um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº1, alínea b) do Código Penal;

- Um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº1, alínea d) e artigo 255º, alínea a), ambos do Código Penal;

- Um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº1, alínea e) e artigo 255º, alínea a), ambos do Código Penal;

10.

 Também neste mesmo despacho, o Ministério Público promoveu a manutenção da prisão preventiva do arguido;

11.

Ainda neste mesmo despacho, o Ministério Público determinou a remessa dos autos ao TCIC nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 213º, nº1, alínea b) do Código de Processo Penal, ou seja, a reapreciação dos pressupostos da prisão preventiva do arguido A... ;

12.

Por despacho judicial de 9 de maio de 2017 (fls.5948 a 5981) foi mantida a medida de prisão preventiva (fls.5950);

13.

Em 8 de junho de 2017, este arguido e outras arguidas, vieram requer a abertura de instrução (fls.6475 e 6573);

14.

Por despacho judicial do TCIC datado de 26 de junho de 2017 (fls.6672) foi declarada a incompetência daquele Tribunal para a instrução, sendo os autos remetidos à Comarca de Castelo Branco, Instância Local Criminal do Fundão;

15.

Por despacho judicial proferido pela Juíza da Comarca de Castelo Branco, Instância Local Criminal do Fundão, em 10 de julho de 2017 (fls.6796) foi declarada aberta a instrução;

16.

Tendo em conta estes factos, resulta que o TCIC aceitou a sua competência material em 3 de julho de 2015 (despacho antes mencionado em 5.), de acordo com os factos inicialmente trazidos ao conhecimento do MP, a qual veio a cessar em 26-06-2017 (despacho antes enunciado em 20.) de acordo com o artigo 47º, nº1 da Lei 47/86, de 15 de outubro, ex vi do artigo 80º, nº1 da Lei 3/99, de 13 de janeiro e artigo 38º, nº1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto;    

17.

Assim, foi no âmbito da fase de inquérito que ocorreram as duas revisões da medida de coação de prisão preventiva;

18.

O facto da segunda reapreciação da prisão preventiva (que parece ser aquela o arguido coloca em crise) ser efetuada após a dedução da acusação, não muda a fase processual em que o inquérito ainda se encontra, isto é, até à presentação do requerimento da abertura de instrução e sua aceitação jurisdicional, ainda se mantém a mesma fase processual de inquérito, sendo irrelevante se o objeto do processo (o catálogo de crimes imputados) já se fixou com a dedução da acusação;

19.

A única relevância que a qualificação jurídica imputada trouxe aos autos, foi precisamente aquela declaração de incompetência do TCIC para proceder aos atos de instrução;

20.

O acórdão acima transcrito no seu sumário não deixa lugar para dúvidas, o TCIC mantém a sua competência até à instrução, tendo sido deduzida acusação, ou não, independentemente dos crimes que vierem a ser imputados ao arguido, sendo que a única consequência dos crimes imputados não serem os elencados no artigo 47º, nº1 da Lei 47/86, de 15 de outubro, é a declaração de incompetência para atos de instrução, que foi precisamente o que aconteceu;

21.

Não se pode confundir, como pretende o arguido, fixação do objeto do processo com a competência do TCIC, pois que esta vai mais além, permitindo que seja deduzida acusação, apenas sendo impedido para atos de instrução se os crimes não forem os elencados no já citado artigo 47º, nº1 da Lei 47/86, de 15 de outubro;

22.

Além disso, a pretensão do arguido bule com a atribuição do juiz natural de acordo com o disposto no artigo 32º, nº9 da Constituição da República Portuguesa, pois que, em sede de pretensão do arguido, em vez de existir um único juiz natural na fase de inquérito, passaria a haver dois, o antes e o depois da acusação;   

23.

Quanto à nulidade do interrogatório do arguido, veja-se os factos:

24.

Por despacho do MP de 03-05-2017 (2ª parte) de fls.5471, com vista a dar conhecimento ao arguido de todos os factos recolhidos no inquérito e respetivas provas, com vista a, querendo, prestar declarações;

25.

Face à urgência que reveste o inquérito (com prazo de acusação até 06-05-2017 – arguido preso preventivamente), nos termos do disposto nos artigos 273º, nº2, in fine, 114º, nº1 e 112º, todos do Código de Processo Penal, determinou-se o dia seguinte, 04-05-2017, pelas 14H00, para se proceder ao interrogatório do arguido;

26.

Nestes mesmo despacho, foi determinado que os ilustres advogados fossem de imediato convocados por telefone e fax nos termos do disposto no artigo 112º do Código de Processo Penal;

27.

O que foi realizado de acordo com o teor de fls.5475 a 5479;

28.

Os ilustres mandatários do arguido não compareceram à diligência de interrogatório marcada para o dia 04-05-2017;

29.

Pese embora tivessem apresentado nessa mesma data, às 14H08, o requerimento que consta de fls.5511 a 5516;

30.

Sobre este requerimento incidiu o despacho do MP de fls.5517, onde se considera que a convocatória dos senhores advogados do arguido foi regular, dado que dado o caráter urgente de acordo com o disposto nos artigos 112º e 113º, nº11, ambos do Código de Processo Penal, inexistindo a necessidade da diligência ser marcada com três dias de antecedência, até porque se trata de processo com arguido preso preventivamente;

31.

Também neste despacho, face à não comparência dos advogados do arguido, e porque este se encontrava presente, foi solicitada a nomeação de defensor oficioso para o ato;

32.

Cerca das 15H10 daquele dia, iniciou-se o interrogatório do arguido A... , o qual fi informado elo MP dos factos que lhe são imputados (fls.5518 a 5598);

33.

Encontrava-se presente à diligência a defensora oficiosa, Dra. Edviges Ribeiro (fls.5518);

34.

O arguido não quis prestar declarações e recusou-se a assinar o auto de interrogatório (fls.5598);

35.

O arguido vem referir que não devia ser convocado (através dos seus mandatários) mas sim notificado.

Porém, conforme sobressai de forma clara do artigo 112º, nº1 e 3, alínea b) do Código de Processo Penal, a convocação é o ato pelo qual se designa o modo de fazer alguém (sujeito processual, interveniente processual, mandatário ou defensor) de comparecer em ato processual, não existindo em termos processuais a figura de sujeito processual – convocado;

36.

De acordo com o que já consta nos despachos do MP anteriormente indicados, verifica-se que o processo reveste caráter urgente (arguido preso e acusação em fim de prazo) pelo que é legítimo, de acordo com o disposto no artigo 112º, nº1 e 3, alínea b) e 113º, nº11, ambos do Código de Processo Penal, o MP proceder à determinação da convocação, ou notificação, através de telefone, fax ou telefone, meios utilizados, para que os ilustres defensores do arguido (dois) estivessem presentes em sede de interrogatório do arguido;

37.

Os ilustres mandatários do arguido foram por isso devidamente notificados/convocados;

38.

Apesar da alegação, não está junto aos autos nenhum meio de prova que demonstre o impedimento em estar presentes os ilustres advogados dos arguidos, e sendo esta efetiva, os Exmos. advogados, não substabeleceram noutro colega, apesar de bem saberem o objetivo e finalidade da diligência;

39.

Deste modo, face à falta de comparência dos ilustres advogados do arguido, o MP limitou-se a proceder de acordo com o legalmente exigido, ou seja, a solicitação de defensor para o ato, não existindo nenhuma oposição deste defensor à realização da diligência de acordo com o disposto no artigo 64º, nº1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal;

40.

O que o artigo 64º do Código de Processo Penal determina é a obrigatoriedade de assistência ao arguido (nº1, alíneas a) e b)) e não a efetiva representação pelos seus mandatários quando estes faltam à diligência agendada;

41.

A falta dos ilustres mandatários do arguido não implica, nem pode impedir que a diligência se realize, conforme sobressai de forma clara e inequívoca do artigo 67º, nº1 do Código de Processo Penal;

42.

Acresce sublinhar, que os ilustres mandatários do arguido estavam devidamente convocados, leia-se, notificados para comparecerem à diligência e não o fizeram nem se fizeram representar por substabelecimento, sabendo, desse modo, que a diligência se realizaria com a nomeação de um defensor oficioso para o ato, conforme decorre do já acima apontado artigo 64º do Código de Processo Penal;

43.

Além disso, sabia o arguido e os seus mandatários, porque devidamente notificados do despacho de fls.5471, que os autos revestiam uma dupla qualidade de urgência – arguido preso e fim de prazo para o MP deduzir a respetiva acusação, assim como, sabiam dos motivos e objetivo concreto da diligência – informar o arguido dos factos apurados e sustentados na prova recolhido durante o inquérito;

44.

Quanto à diligência propriamente dita, a mesma obedeceu ao informado na notificação do MP, ou seja, a mesma teve por fim informar o arguido dos factos concretos apurados em sede de inquérito, sendo que o arguido se remeteu ao silêncio;

45.

A legítima vontade do arguido optar pelo silêncio (e até de se recusar a assinar o auto) torna, a nosso ver, oco e desprovido de conteúdo o recurso nesta parte, uma vez que a diligência se limitou a informá-lo dos factos apreendidos e recolhidos em sede de inquérito, e por isso, o seu comportamento e direitos em nada foram beliscados;

46.

A questão da notificação com três dias de antecedência é o procedimento normal das notificações/convocações, sem contar os casos de exceção, como é ocaso, também estes normais e legais, basta pensar nos julgamentos sumários, onde, por definição e realização, a ação, julgamento e decisão, ocorrem num período temporal pré-definido e curto, sendo nomeado um defensor através do SINOA, assim como situações de processo urgentes, de apreensões ou buscas seguidas de constituição de arguido e interrogatório;

47.

O arguido para o ato em causa encontrava-se devidamente representado por defensora oficiosa, sendo certo que os mandatários devidamente convocados/notificados não compareceram e o arguido recusou-se a prestar declarações, pelo que tal interrogatório é vazio de conteúdo quanto ao desvalor da sua conduta;

48.

O artigo 119º, nº1, alínea c) do Código de Processo Penal, comina com a nulidade se o arguido não estiver acompanhado de mandatário ou defensor;

49.

No plano dos factos, é verdade que os ilustres mandatários do arguido não estiveram presentes ao interrogatório (vazio de conteúdo), mas por motivos exclusivamente imputados a estes, (sendo dois advogados notificados e nenhum compareceu apesar das circunstância acima descritas) e o arguido foi, conforme decorre da Lei, devidamente representado no ato por defensora oficiosa (que aceitou o cargo) conforme artigo 64º, nº1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal;

50.

Deste modo, não existe nenhuma irregularidade ou nulidade que cumpra conhecer, designadamente, as previstas no artigo 119º, alíneas e) e c) do Código de Processo Penal ou a violação do disposto nos artigos 61º, nº1, alínea e), 62º, nº1, 63º, 64º, nº1, alínea b), 144º, nºs. 3 e 4 e 272º, todos do mesmo diploma legal.         

Em face do exposto, com o devido respeito, entende-se que dever negado provimento ao recurso, fazendo-se JUSTIÇA.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso, acompanhando a resposta do Ministério Público na 1ª Instância.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, tendo sido proferido acórdão que negou provimento ao recurso interposto datado de 27 de Setembro de 2017.

Notificado do acórdão, o recorrente vem arguir a sua nulidade por omissão de pronúncia, nos seguintes termos:

A... , Arguido e Recorrente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a fls., vem, em obediência ao preceituado no artº 379.º, n.º 1, ai. e), do CPP, aplicável ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP, arguir a respetiva NULIDADE

O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

I) Objeto

1. O Recorrente foi notificado do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. que negou provimento ao Recurso interposto pelo Arguido;

2. Todavia, salvo o devido respeito, o referido Acórdão não cuidou de decidir questões cuja apreciação se lhe impunha, a saber:

i) A nulidade decorrente da falta de assistência efetiva do Arguido por Defensor Oficioso nomeado no interrogatório complementar; e

ii) Todas as questões de constitucionalidade invocadas na Motivação e Conclusões, concreta mente:

a) A norma dos artºs 80.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, 38.º, 39.º, 119.º e 120.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 10.º, 17.º e 283.º, do CPP, interpretada no sentido de que apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao Tribunal Central de Instrução Criminal a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-­se à fase de reexame da medida de coação após dedução da acusação, mesmo que não verificado um dos pressupostos, cumulativos, aliás, ali mencionados - isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da Lei Orgânica do Ministério Público, ou que não se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa, viola os artºs l.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 4 e 9 e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrária aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e do juiz natural. De resto, trata-se de uma restrição que esvazia de sentido e retira conteúdo útil aos princípios do juiz natural, do processo equitativo e da legalidade e que não se mostra adequada ou necessária a assegurar qualquer direito ou interesse constitucionalmente protegido (cf. artº 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP). Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 1, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

b) A norma contida no artº 80.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, nos artºs 38.º, 39.º, 119.º e 120.º, n.º 1, als j) e k), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 47.º, n.º 1, als. j) e 1), da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, segundo a qual, em sede de determinação da competência material, o conceito "infrações económico-financeiras" não é equivalente ao constante do artº 1.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, é, em tal interpretação, violador dos artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 4 e 9 e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e do juiz natural. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 1, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

c) A norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), do CPP, artºs 112.º, 113.º, n.º 11 e 273.º, do CPP e do artº 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual os Defensores - Oficiosos ou Constituídos - podem, nessa qualidade, ser convocados por mandado para comparência em interrogatório de Arguido preso, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 3, 165.º, n.º 1, al. e), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

d) A norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), do CPP, artºs 112.º, 113.º, n.º 11 e 273.º, do CPP e do artº 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual os Defensores - Oficiosos ou Constituídos - podem, nessa qualidade, ser convocados por via telefónica para comparência em interrogatório de Arguido preso, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 3, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

e) A norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), 67.º, 112.º, 113.º e 144.º, do CPP, e do artº 67.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual nos atos em que é obrigatória a assistência de defensor, há fundamento para substituição do mandatário constituído, quando este último não tenha sido notificado, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 1 a 3, 5 e 6, 165.º, n.º 1, ai. e), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 3, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

f) A norma contida no artºs 60.º, 61.º, n.º 1, al. e), f) e g) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), e 144.º, n.º 3, do CPP, segundo a qual a garantia de assistência por Defensor a Arguido preso em interrogatório se mostra assegurada com a designação e a comparência de Defensor oficioso nomeado para o ato, independentemente de este ter estudado o processo, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 1 a 3, 5 e 6, e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo, do direito a ser assistido por defensor e às garantias da defesa. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.ºs 1 e 3, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

3. Nesta medida, o Arguido entende que o Acórdão sob apreciação está ferido de nulidade, em conformidade com o disposto no artº 379.º, n.º 1, al. e), do CPP.

Vejamos.

II) As questões suscitadas

4. Por Recurso de fls ... veio o ora Reclamante recorrer do despacho judicial de fls. 6149 a 6152 que indeferiu as nulidades invocadas pelo Arguido por requerimento de 11.05.2017, a fls. 6085 a 6100;

5. Na Motivação de Recurso - concretamente nos pontos 77 a 84 e 91 - foi, designadamente, alegado pelo ora Reclamante o seguinte:

77. Neste cenário, apesar do requerimento de arguição de irregularidade apresentado, o Ministério Público não se pronuncia sobre a irregularidade nem notifica a sua decisão aos subscritores, Defensores Constituídos, e, segundo o Arguido expôs aos seus Defensores no dia seguinte - 5.05.2017 - nomeia um Defensor Oficioso para o ato, num processo constituído por, pelo menos, 17 Volumes, 12 Apensos (numerados de 1 a 8), 5 Anexos, correndo contra 19 Arguidos.

78. O Defensor Oficioso não analisou os autos em momento posterior à sua Constituição, de forma a poder prestar qualquer contributo útil à sua defesa, situação que o Ministério Público conhecia, pois tudo se passou na sua presença.

79. A propósito da ausência de prestação de qualquer aconselhamento ou defesa ao Arguido pelo Defensor Oficioso veja-se a hora a que o defensor foi nomeado e a hora de início da diligência - 15:10 segundo fls 5518 dos autos - e de conclusão da diligência - 15:48 cf 5598.

80. O lapso temporal que mediou a sua nomeação e o início da diligência demonstra que o Defensor Oficioso não teve tempo para estudar o processo, não tendo prestado qualquer assistência efetiva.

81. Não é humanamente possível ter a menor perceção do que estava a discutir-se e a ser imputado em coisa de minutos, por alguém que não tinha qualquer conhecimento prévio da matéria.

82. Como nota IRENEU CABRAL BARRETO em comentário ao arts 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos:

"É preciso não esquecer a importância do inquérito na preparação do processo, na medida em que as provas recolhidas nesta fase determinam o enquadramento legal segundo o qual a infração imputada será examinada no processo.

Paralelamente, um arguido encontra-se, em regra, numa situação vulnerável nesta fase do processo, efeito que se encontra ampliado pelo facto de que a legislação sobre o processo penal tende a tornar-se cada vez mais complexa, nomeadamente no que respeita à recolha e utilização das provas.

( ... )

Por outro lado, o acusado tem direito à assistência de um defensor oficioso e não apenas à designação, o que acarreta para o Estado especiais obrigações, incumbindo-lhe tomar medidas positivas destinadas a assegurar o exercício efetivo desse direito.

( ... )

O Acusado tem direito a uma defesa efetiva, incumbindo às autoridades competentes, respeitando a independência dos advogados, atuar de modo a assegurar ao interessado o gozo efetivo daquele direito; esta ideia foi desenvolvida pelo Tribunal no Acórdão proferido no caso artigo: artigo 6.º, n.s 3, alínea c), fala de assistência e não de designação.

( ... )

Em dois casos portugueses, o Tribunal já teve a oportunidade de se pronunciar sobre esta matéria: os casos Daud e Czekalla, citados na nota 461.

No Acórdão Daud (§ 3BJ, o Tribunal censurou o facto de o primeiro defensor nomeado oficiosamente antes de se declarar doente, não ter tomado qualquer medida na defesa do arguido; quanto ao seguindo defensor, de cuja nomeação o arguido só teve conhecimento 3 dias antes do dia designado para a audiência, o Tribunal entendeu que ele não teve tempo necessário para estudar o processo, ir ver o Arguido se necessário e preparar a defesa…

83. Mas esta situação a que o despacho em crise não dá qualquer relevância é tanto mais grave quanto o Arguido se opôs expressa e veementemente à nomeação de um Oficioso para o ato, notando que tinha mandatários escolhidos e constituídos nos autos, que apenas estes podiam assegurar a sua defesa e que jamais poderia expressar-se ou defender-se sobre a nova matéria que lhe estava a ser imputada sem o seu aconselhamento, acompanhamento e defesa.

84. Ou seja, o Ministério Público decidiu prosseguir com a nomeação e com a diligência apesar da oposição expressa do Arguido à dita nomeação, oposição essa que o levou a recusar a assinatura e/ou rubrica do auto do interrogatório complementar.

( ... )

91. É neste cenário, que a realização de interrogatório complementar de Arguido preso (i) sem a presença do seu Defensor, (ii) mas, tão só, de Defensor Oficioso, que não beneficiou nem despendeu o tempo necessário ao estudo do processo, (iii) nomeado com recusa expressa do Arguido, constitui nulidade insanável nos termos e para os efeitos do disposto do artº 119.º, al. c), do CPP, que aqui expressamente se argui para todos os devidos efeitos.

6. De resto, nas Conclusões 18) a 21) foi declarado pelo Arguido:

18) Ora, apesar do requerimento de arguição de irregularidade apresentado, o Ministério Público não se pronuncia sobre a irregularidade nem notifica a sua decisão aos subscritores, Defensores Constituídos, e, segundo o Arguido expôs aos seus Defensores no dia seguinte - 5.05.2017 - nomeia um Defensor Oficioso para o ato, num processo constituído por, pelo menos, 17 Volumes, 12 Apensos (numerados de 1 a 8), 5 Anexos, correndo contra 19 Arguidos.

19) O Defensor Oficioso não analisou os autos em momento posterior à sua Constituição, de forma a poder prestar qualquer contributo útil à sua defesa, situação que o Ministério Público conhecia, pois tudo se passou na sua presença.

20) A realização de interrogatório complementar de Arguido preso (i) sem a presença do seu Defensor, (ii) mas, tão só, de Defensor Oficioso, que não beneficiou nem despendeu o tempo necessário ao estudo do processo, (iii) nomeado com recusa expressa do Arguido, constitui nulidade insanável nos termos e para os efeitos do disposto do artº 119.º, al. e), do CPP, que aqui expressamente se argui para todos os devidos efeitos.

21) Esta nulidade tem por consequência a nulidade da acusação que lhe seguiu, em conformidade com o disposto no art.º 122º do CPP, o que aqui também se alega.

7. Do mesmo modo foram alegadas nos pontos 31 a 35, 95 a 100, da Motivação de Recurso as inconstitucionalidades seguintes:

31. A norma dos arts 80º, nº 1 da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, 38º e 39º, 119.º e 120.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 10.º, 17.º e 283.º. do CPP, interpretada no sentido de que apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao Tribunal Central de Instrução Criminal a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de reexame da medida de coação após dedução da acusação, mesmo que não verificado um dos pressupostos, cumulativos, aliás, ali mencionados - isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da Lei Orgânica do Ministério Público, ou que não se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e art.º 32.º, nºs 4 e 9 e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrária aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e do juiz natural.

32. De resto, trata-se de uma restrição que esvazia de sentido e retira conteúdo útil aos princípios do juiz natural, do processo equitativo e da legalidade e que não se mostra adequada ou necessária a assegurar qualquer direito ou interesse constitucionalmente protegido (cf. Art.º 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP).

33. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o art.º 14.º, n.º 1, do PIDCP e o art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

34. Por outro lado, a norma contida no art.º 80.º. n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, nos art.ºs 38.º, 39.º, 119.º e 120.º, n.º 1, als j) e k), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 47.2, n.º 1, als. j) e 1) da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, segundo a qual, em sede de determinação da competência material, o conceito "infrações económico-­financeiras" não é equivalente ao constante do art.º 1.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, é, em tal interpretação, violador dos art.ºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e art.º 32.º,. n.º 4 e 9 e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade., da democracia e do processo equitativo e do juiz natural.

35. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o art.º 14.º, n.º 1, do PIDCP e o art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

( ... )

95. Mais se assinala e invoca, que a norma contida no art.º 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a). do CPP, art.ºs 112.º. 113.º, n.º 11 e 273.º, do CPP e do art.º 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual os Defensores Oficiosos ou Constituídos – podem, nessa qualidade, ser convocados por mandado para comparência em interrogatório de Arguido preso, viola os art.ºs 1.º, 2.º 3.º, 20.º, n.º 4 e art.ºs 32.º, n.º 3, 165.º, n.º 1, al. e), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

96. Assinala-se ainda, que a norma contida no art.ºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n. 1, al. a), do CPP, artºs 112.º, 113.º, n.º 11 e 273.º, do CPP e do art.º 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual os Defensores - Oficiosos ou Constituídos - podem, nessa qualidade, ser convocados por via telefónica para comparência em interrogatório de Arguido preso, viola os art.ºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e art.º 32.º, n.º 3, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

97. Por seu turno, a norma contida no art.ºs 61.º, n.º 1, ail. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, ail. a), 67.º, 112.º, 113.º e 144.º, do CPP, e do art.º 67.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual nos atos em que é obrigatória a assistência de defensor, há fundamento para substituição do mandatário constituído, quando este último não tenha sido notificado, viola os art.ºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e art.º 32.º, n.º 1 a 3, 5 e 6, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

98. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o art.º 14.º, n.º 3, do PIDCP e o art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

99. Finalmente, a norma contida no art.º 60.º, 61.º, n.º 1, al. e), f) e g) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), e 144.º, n.º 3, do CPP, segundo a qual a garantia de assistência por Defensor a Arguido preso em interrogatório se mostra assegurada com a designação e a comparência de Defensor oficioso nomeado para o ato, independentemente de este ter estudado o processo, viola os art.ºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e art.º 32.º, n.º 1 a 3, 5 e 6, e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo, do direito a ser assistido por defensor e às garantias da defesa.

100. Pelos motivos invocados, a Interpretação apontada viola também o art.º 14.º, n.ºs 1 e 3, do PIDCP e o art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

8. Por seu turno, nas Conclusões 12) 13), 23) a 26), foi invocado:

12) A norma dos artºs 80.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, 38.º, 39.º, 119.º e 120.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 10.º, 17.º e 283.º, do CPP, interpretada no sentido de que apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao Tribunal Central de Instrução Criminal a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de reexame da medida de coação após dedução da acusação, mesmo que não verificado um dos pressupostos, cumulativos, aliás, ali mencionados - isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da Lei Orgânica do Ministério Público, ou que não se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 4 e 9 e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrária aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e do juiz natural. De resto, trata-se de uma restrição que esvazia de sentido e retira conteúdo útil aos princípios do juiz natural, do processo equitativo e da legalidade e que não se mostra adequada ou necessária a assegurar qualquer direito ou interesse constitucionalmente protegido (cf. artº 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP). Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 1, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

13) Por outro lado, a norma contida no artº 80.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, nos artºs 38.º, 39.º, 119.º e 120.º, n.º 1, als j) e k), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 47.º, n.º 1, als. j) e l), da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, segundo a qual, em sede de determinação da competência material, o conceito “infrações económico-financeiras” não é equivalente ao constante do artº 1.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, é, em tal interpretação, violador dos artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 4 e 9 e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e do juiz natural. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 1, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

 ( ... )

23) Mais se assinala e invoca, que a norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), do CPP, artºs 112.º, 113.º, n.º 11 e 273.º, do CPP e do artº 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual os Defensores – Oficiosos ou Constituídos - podem, nessa qualidade, ser convocados por mandado para comparência em interrogatório de Arguido preso, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 3, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

24) Assinala-se ainda, que a norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), do CPP, artºs 112.º, 113.º, n.º 11 e 273.º, do CPP e do artº 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual os Defensores – Oficiosos ou Constituídos - podem, nessa qualidade, ser convocados por via telefónica para comparência em interrogatório de Arguido preso, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 3, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

25) Por seu turno, a norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), 67.º, 112.º, 113.º e 144.º, do CPP, e do artº 67.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual nos atos em que é obrigatória a assistência de defensor, há fundamento para substituição do mandatário constituído, quando este último não tenha sido notificado, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 1 a 3, 5 e 6, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 3, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

26) Finalmente, a norma contida no artºs 60.º, 61.º, n.º 1, al. e), f) e g) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), e 144.º, n.º 3, do CPP, segundo a qual a garantia de assistência por Defensor a Arguido preso em interrogatório se mostra assegurada com a designação e a comparência de Defensor oficioso nomeado para o ato, independentemente de este ter estudado o processo, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 1 a 3, 5 e 6, e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo, do direito a ser assistido por defensor e às garantias da defesa. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.ºs 1 e 3, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Posto isto,

III) Dever de apreciação da falta de assistência efetiva do Arguido pelo Defensor Oficioso nomeado no interrogatório complementar [alegado pontos 77 a 84 e 91 da Motivação, e nas Conclusões 18) a 21)]

9. O despacho recorrido indeferiu a nulidade do interrogatório complementar nos termos do disposto no artº 119.º, al. e), do CPP por ter entendido que o Arguido tinha sido assistido por Defensor Oficioso regularmente nomeado para o dito ato (cf: Despacho Recorrido e Resposta do MP à Motivação de Recurso);

10. Tal significa que o despacho assenta, designadamente, no artº 119.º, al. e), do CPP;

 

11. Assim, recorrendo aos ensinamentos do Tribunal Constitucional verifica-se que o artº 119.º, al. c), do CPP, integra o critério ou padrão normativo que conduziu ao indeferimento da nulidade arguida;

12. Por seu turno, decorre da Motivação do Recurso que o problema da falta de assistência efetiva do Arguido, pelo Defensor Oficioso, foi colocado à apreciação do Tribunal ad quem nos pontos 77 a 84 e 91 Motivação e nos pontos 18) a 21) das Conclusões, integrando o objeto do Recurso;

13. Neste quadro é patente que o Tribunal da Relação de Coimbra estava obrigado a pronunciar-se sobre a dita questão de direito, nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 368.º, n.º 2, 374.º e 379.º, n.º 1, al. e), do CPP, aplicável ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP, o que aqui se argui para todos os devidos efeitos legais.

IV) Dever de apreciação das inconstitucionalidades invocadas (pontos 31 a 35 e 95 a 100 da Motivação e pontos 12) 13), 23) a 26), das Conclusões)

14. A propósito do dever de apreciação das inconstitucionalidades invocadas em 31 a 35 e 95 a 100 e nos pontos 12) 13), 23) a 26), das Conclusões, deve referir-se o seguinte:

 

15. Quer o despacho recorrido quer o Acórdão de que se reclama concluem que o TCIC era competente para reexaminar a prisão preventiva aplicada ao abrigo do disposto nos art.ºs 80.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, 38.º, 39.º, 119.º e 120.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 10.º, 17.º e 283.º, do CPP;

16. Por seu turno, o Recorrente invocou a inconstitucionalidade da interpretação normativa do despacho - e seguida no Acórdão - nos termos constantes dos pontos 31 a 35 da Motivação e 12) e 13) das Conclusões;

17. Ora, sendo as referidas normas critério ou padrão normativo da decisão, o Tribunal ad quem estava obrigado a apreciar a constitucionalidade dos preceitos legais em questão;

18. Por outro lado, é igualmente claro que, quer o despacho recorrido, quer o Acórdão reclamado, concluem pela não verificação das nulidades/irregularidades relacionadas com a convocatória dos Defensores para prestarem assistência ao Arguido no interrogatório complementar, por aplicação dos artºs 67.º, 112.º, 113.º, 273.º e 119.º al. c), todos do CPP;

19. Neste âmbito não sofre também dúvida que o Recorrente invocou a inconstitucionalidade das interpretações normativas contidas no despacho - e seguidas no Acórdão - nos termos constantes dos pontos 95) a 100) da Motivação e 23) a 26) das Conclusões;

20. Sendo as referidas normas critério ou padrão normativo da decisão, o Tribunal ad quem estava obrigado a apreciar a constitucionalidade dos preceitos legais em questão;

21. De resto, a propósito da omissão de pronúncia sobre os problemas de inconstitucionalidade alegados deve ainda salientar-se o seguinte:

22. A Constituição da República Portuguesa estabelece um modelo judicial de fiscalização difusa e incidental da conformidade constitucional das normas.

23. Assim, em obediência ao disposto no artº 204.º da CRP, os Tribunais, independentemente da sua categoria ou espécie, estão obrigados a apreciar a constitucionalidade dos dispositivos legais, não podendo aplicar preceitos que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados.

24. Como ensina JORGE MIRANDA:

"O art. 204.º da Constituição é, pois, o ponto de partida necessário da fiscalização concreta da constitucionalidade (e da legalidade) e significa, antes de mais, que: a) todos os tribunais, seja qual for a sua categoria (art. 209.º}, exercem fiscalização - a qual implica «apreciação» e não simplesmente «não aplicação» ( .. .) d) a questão só pode e deve ser conhecida e decidida na medida em que haja um nexo incindível entre ela e a questão principal objecto do processo, entre ela e o feito submetido a julgamento".

25. No mesmo sentido, conclui CARLOS BLANCO DE MORAIS o seguinte:

"A fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade de normas e da legalidade de leis consiste num instituto de controlo da validade de atos normativos, suscetível de ser exercido por qualquer tribunal sempre que os mesmos atos sejam aplicáveis a um caso singular que se encontre por ele a ser julgado num processo jurisdicional comum. "2

26. Ou seja, a fiscalização concreta da constitucionalidade assume-se como um verdadeiro direito-dever de todos os tribunais.

27. É um direito na medida em que qualquer tribunal tem a faculdade de desaplicação de uma norma por ele julgada inconstitucional num processo que lhe tenha sido submetido.

28. É um dever porque o tribunal está obrigado a julgar o Direito aplicável ao processo à luz da Constituição, inscrevendo-se esta apreciação, na esfera de uma 11 competência vinculado'",

29. E tanto assim é, que se decidiu, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.12.20074, que:

"3. Suscitada no recurso, além de várias outras, a questão jurídica da inconstitucionalidade normativa, de que o tribunal recorrido não conhecera, vedado estava à Relação, só por isso, o julgamento nos termos daquele normativo.

4. A referida infracção processual consubstancia-se na violação do normativo mencionado sob 2 e na omissão de pronúncia que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil" [realce e sublinhado nosso]."

30. Mais: segundo a doutrina e a jurisprudência nacionais, a fiscalização concreta da constitucionalidade configura uma questão de conhecimento oficioso, dispensando-se até a sua invocação perante o Tribunal.

31. Isto mesmo recorda o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 222/955, ao afirmar que:

“(…) a inconstitucionalidade é questão de conhecimento oficioso de qualquer tribunal, pelo que os interessados podem invocá-la em qualquer via de recurso ordinário que a decisão consinta (…). Deve, por isso, entender-se que a natureza oficiosa do conhecimento da questão de inconstitucionalidade prevalece sempre em face do argumento da "questão nova", desde Jogo porque, em processo constitucional, basta que a decisão do tribunal aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, nos termos do disposto no art. 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, norma que aparece, de resto, em consonância com a alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição" [realce nosso].

32. Neste contexto, é inequívoco que o Tribunal ad quem estava obrigado a apreciar a conformidade constitucional das normas supra descritas, nos moldes invocados em 31 a 35 e 95 a 100 e nos pontos 12) 13), 23) a 26), das Conclusões, até porque ser manifesto que estas constituem ratio decidendi do Acórdão.

33. Dito de outro modo, o Tribunal da Relação de Coimbra estava obrigado a pronunciar-se sobre as ditas questões de direito, nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 368.º, n.º 2, 374.º e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, aplicável ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP, o que aqui se argui para todos os devidos efeitos legais.

V) Da Omissão de pronúncia

34. Analisado o Acórdão, facilmente se percebe que o Tribunal ad quem não teceu qualquer consideração sobre - pelo que não apreciou - a questão da falta de assistência efetiva do Arguido pelo Defensor Oficioso nomeado no interrogatório complementar,

35. Nem sobre as questões de constitucionalidade supra descritas e alegadas.

36. Nestes termos, impõe-se a declaração de nulidade do Acórdão sob apreciação, devendo, em consequência, ser proferida nova decisão que conheça das sobreditas questões de direito, em respeito pelo preceituado artºs 368.º, n.º 2, 374.º e 379.º, n.º 1, al. e), do CPP.

37. Mais se assinala que a norma extraída dos artºs 368.º, n.º 2, 374.º e 379.º, n.º 1, al. e), do CPP, aplicável ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP, segundo a qual a alegação da falta de assistência efetiva de Arguido por Defensor não constitui questão de direito, que Tribunal ad quem deva apreciar sob pena de nulidade, é, em tal interpretação, inconstitucional, por violação dos artºs 2.º, 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 5 e 10, 202.º e 205.º, da CRP.

38. Do mesmo modo, a norma extraída dos artºs 368.º, n.º 2, 374.º e 379.º, n.º 1, al. e), do CPP, aplicável ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP, segundo a qual a apreciação de questão de constitucionalidade alegada na Motivação de Recurso, não constitui questão de direito que o Tribunal ad quem deva apreciar sob pena de nulidade, é, em tal interpretação, inconstitucional, por violação dos artºs 2.º, 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 5 e 10, 202.º e 204.º e 205.º, da CRP.

39. Na lição de GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA 6, no seu comentário ao artº 205º, n.º 1, da CRP, que aqui se dá por integralmente reproduzida:

"O dever de fundamentação das decisões dos tribunais - «as decisões dos tribunais são fundamentadas nas formas previstas na lei» - obedece a várias razões extraídas do princípio do Estado de direito, do princípio democrático, e da teleologia jurídico-constitucional dos princípios processuais. Sob o ponto de vista da juridicidade estatal (princípio do Estado de direito) o dever de fundamentação explica-se pela necessidade de justificação do exercício do poder estadual, da rejeição do segredo nos atos do Estado da necessidade de avaliação dos atos estaduais aqui se incluindo a controlabilidade, a previsibilidade, a fiabilidade e a confiança nos atos do Estado. A estes exige-se clareza, inteligibilidade e segurança jurídica. Sob o ponto de vista do princípio democrático, para além de algumas das razões explicitadas a propósito do princípio da juridicidade podem acrescentar-se as exigências de abertura e transparência da atividade judicial, de clarificação da responsabilidade jurídica (e política) pelos resultados da aplicação das leis, a indispensabilidade de aceitação das sentenças judiciais e dos seus fundamentos por parte dos cidadãos. Finalmente, sob o prisma da teleologia dos princípios processuais a fundamentação das sentenças serve para a clarificação e interpretação do conteúdo decisório, favorece o autocontrolo do juiz responsável pela sentença, dá melhor operacionalidade ao heterocontrolo efetuado por instâncias judiciais superiores e, em último termo contribui para a própria justiça material praticada pelos tribunais.

ii - A fundamentação das decisões judiciais é um dever jurídico constitucional («as decisões dos tribunais são fundamentadas ... »), exercido nas formas previstas na lei o que justifica, desde logo, a mediação legislativa deste dever nas principais leis processuais (CPC, arts 659; CPTA arts 94.º CPP art.ºs 97.º, 194.º e 374.º).

( ... ) o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (cf art.º 2) ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objeto a solução da causa em juízo como instrumento de ponderação e de legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso.".

40. Como decorre da lição de GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA transcrita no ponto 38. precedente, e para além do que aí vem dito, as interpretações descritas nos pontos 36. e 37. supra, põem em causa o princípio do Estado de Direito, o princípio democrático e da legalidade, previstos nos artºs 2.º, 3.º e 202.º, da CRP, bem como o princípio da tutela jurisdicional efetiva, constante do artº 20.º, n.º 4, da CRP, na medida em que admitem que o Tribunal deixe de decidir questões relacionadas com a norma que integra o critério ou padrão normativo que conduz à condenação de Arguido, que constituem ratio decidendi da decisão a quo, à revelia do regime legal vigente, aprovado em respeito pelo artº 165.º, n.º 1, al. e), do CPP, pondo em causa o direito a um processo equitativo.

41. Trata-se de interpretações que violam o direito ao recurso, o princípio do contraditório e as garantias da defesa, previstos nos artºs 32.º, n.ºs 1, 5 e 10, da CRP; efetivamente, a ideia segundo a qual o Tribunal ad quem pode omitir a apreciação questões que integram o objeto de recurso, para mais de conhecimento oficioso, que, em caso de procedência, implicam necessariamente a nulidade de decisão desfavorável ao Arguido, viola o conteúdo essencial dos supra referidos direitos e princípios, na medida em que lhes retira qualquer conteúdo útil.

42. De resto, trata-se de restrições que não se mostram adequadas ou necessárias a assegurar direito ou interesse constitucionalmente protegido (cf: artº 18.º, n.º 2, da CRP).

43. Relativamente à omissão de apreciação das inconstitucionalidades invocadas, a norma descrita em 37. supra viola o artº 204.º, da CRP visto que, como ensina JORGE MIRANDA no texto já transcrito, o art. 204.º da Constituição é, pois, o ponto de partida necessário da fiscalização concreta da constitucionalidade (e da legalidade) e significa, antes de mais, que: a) todos os tribunais, seja qual for a sua categoria (art. 209.º), exercem fiscalização - a qual implica «apreciação» e não simplesmente «não aplicação»" da questão de inconstitucionalidade invocada.

Termos em que se espera o provimento das nulidades arguidas.

Assim se fará JUSTIÇA!

O Magistrado do Ministério Público, neste Tribunal, notificado do requerimento do recorrente, pronunciou-se nos seguintes termos:

No que respeita à assistência por defensor foi considerada a urgência do acto e a regularidade da nomeação por ausência, não se verificando a apontada nulidade prevista no art.º 119º e) do Código de Processo Penal, havendo assim uma efectiva pronúncia sobre esta.

No que se reporta às inconstitucionalidades, o que se constata é que a decisão recorrida as afastou por entender que não se verificavam as nulidades e, ou, os vícios assacados à decisão recorrida e que àquelas andavam ligados, como se refere conclusivamente a final. E assim, quanto à assistência, face à regularidade da notificação, atenta a sua justificação pela urgência e assegurado que esteve o contraditório, não se verifica a alegada inconstitucionalidade. De igual modo, no que respeita à competência, tendo em conta a fase dos autos e não estando ainda aberta outra, não existe qualquer violação de preceito constitucional, pois o juiz só pode ser o do inquérito como foi decidido. Ou seja, foram afastadas, por essa via, as questões relativas à constitucionalidade, negando-se, a final, a sua violação, não havendo assim omissão de pronúncia.

Assim, por não se verificar o alegado vício, deverá ser indeferido o requerido.

Corridos os vistos legais, foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Apreciação da arguida nulidade do acórdão

O recorrente vem arguir a nulidade do acórdão proferido por omitir pronúncia sobre a alegada falta de assistência efectiva do arguido pelo Defensor Oficioso nomeado no interrogatório complementar (conclusões 18 a 21 acima transcritas) e por não conhecer das questões de constitucionalidade que suscitou, quer a propósito da alegada representação viciada, quer quanto à questão de competência suscitada (conclusões 12 e 13 e 23 a 26).

Confrontado o contestado acórdão, verifica-se que efectivamente não se pronunciou sobre uma das alegadas dimensões da falta de representação do arguido por defensor consistente na alegação de que de que a defesa não foi efectiva porque o defensor oficioso não despendeu o tempo necessário ao estudo do processo e o arguido se recusou a ser por ele representado, bem como sobre a inconstitucionalidade alegada que tem como pressuposto essa realidade.

Quanto às restantes inconstitucionalidades a realidade que se constata não é de omissão de pronúncia, mas antes de insuficiência de fundamentação, porque esta se limita a negar a sua existência depois de conhecer as questões que suscitaram a sua alegação. Está neste caso em causa violação do disposto no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, cominada com nulidade no artigo 379º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma, enquanto a omissão de pronúncia vem cominada com nulidade na alínea c) do nº 1 do mesmo artigo.

Será, pois, proferido novo acórdão sanando as nulidades apontadas.

 

III. Apreciação do Recurso

Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação. Resulta das conclusões do recurso interposto e acima transcritas que se colocam as seguintes questões para apreciação deste Tribunal:

- Se a dedução de acusação determina que a competência para a prática de actos jurisdicionais passe a ser determinada de acordo com as regras de competência aplicáveis aos crimes objecto da mesma;

- Se, em caso de urgência, o defensor constituído pode ser notificado para comparecer a interrogatório do arguido que representa por telefone e fax no dia anterior ao acto e se a sua falta justifica a nomeação de defensor para o acto;

- Se a nomeação de defensor oficioso no referido contexto sem que lhe tenha sido concedido tempo para estudar o processo e sem que o arguido tenha anuído nessa representação, constitui nulidade do artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal.

Previamente importa conhecer da pretensão do recorrente no sentido de a decisão do recurso ser precedida de audiência.

Como resulta do disposto no artigo no artigo 419º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal é decidido em conferência o recurso relativo a decisão que não conheça a final do objecto do processo, como no caso ocorre.

Por consequência não há, no caso, lugar a audiência, restrita aos recursos relativos a decisões que conheçam a final do objecto de processo.

Tendo em vista a apreciação do recurso, transcreve-se o despacho recorrido que é seguinte teor:

Fls. 6135 a f 6139, com referência a fls. 6085 a 6100 - Na sequência de requerimento interposto pelo arguido A... , onde, para além do mais, invoca a incompetência do Tribunal Central de Instrução Criminal e a consequente nulidade da decisão que procedeu ao reexame dos pressupostos da medida de prisão preventiva a que se encontra sujeito, que aqui se dá por reproduzido por mera economia processual, veio o detentor da acção penal promover o seguinte:

«Vem o arguido A... invocar a incompetência do Tribunal Central de Instrução Criminal e a consequente nulidade da decisão do reexame dos pressupostos da prisão preventiva (subentende-se, ser do despacho judicial proferido após a prolação do despacho de acusação).

Invoca o arguido a este respeito que a decisão do reexame dos pressupostos da prisão preventiva do Tribunal Central de Instrução Criminal constitui violação das regras da competência do Tribunal e, nessa medida, enferma de nulidade insanável nos termos do disposto no art. 119: al. e) do Código Processo Penal, uma vez que, seguindo de perto a decisão proferida no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/2017 do STJ, o TCIC não será o competente para tramitar a instrução dos presentes autos.

Sucede porém, que os autos ainda não se encontram em fase de instrução (desconhecendo-se, inclusivamente, neste momento, se essa fase processual irá decorrer) pelo que a competência pata a reexame dos pressupostos da prisão preventiva, imediatamente após a dedução de acusação, nos termos do art. 213º, nº 1, al. b) do Código Processo Penal, mantêm-se no Tribunal de Instrução competente para a prática dos actos jurisdicionais de inquérito, que, in casu, era o Tribunal Central de Instrução Criminal.

Essa competência foi fixada no início do inquérito e manter-se-á até ao início da instrução ou do julgamento, nos termos do disposto no art. 38º da LOSJ e em total respeito pelo princípio do "juiz natural" consagrado no art. 32°, nº 9 da Constituição da República Portuguesa, sem que [qualquer decisão tomada pelo Mmº JIC do TCIC após a dedução da acusação padece de nulidade.

Por outro lado, invoca o arguido a nulidade insanável do interrogatório complementar realizado no dia 4 de Maio de 2017, nos termos do disposto no art. 119º, al. e) do Código Processo Penal, uma vez que o mesmo foi realizado com a presença de defensor oficioso, sem a presença dos seus defensores constituídos.

Com efeito, por despacho de 03-05-2017 foi o arguido A... convocado para interrogatório complementar.

Face à urgência que revestiam os autos, nos termos do disposto no art. 273°, nº 2, in fine, 114°, nº 1, 112º e 113º do Código Processo Penal, por despacho fundamentado (fls. 5471) foram convocados os arguidos A... e a sua Ilustre Advogada para comparência no DCIAP no dia seguinte (04-05-2017), pelas 14.0üh.

O arguido A... foi convocado através de requisição efectuada, no dia 03-05-2017, via fax, com carácter de muito urgente, ao Director do EP em que o mesmo se encontra, nos termos do disposto no art. 114º do Código Processo Penal (fls. 5473 e 5474).

Os Ilustres Advogados foram convocados, no mesmo dia, via telefone e via fax, nos termos do disposto no art. 112º do Código Processo Penal (fls. 5475 a 5479), para, querendo, estarem presentes na referida diligência.

Finalizadas que se mostravam as diligências de inquérito, o interrogatório complementar visava dar ao arguido a possibilidade de, querendo, prestar declarações sobre os factos que lhe eram imputados e que seriam o objecto da acusação, tanto mais que o mesmo não havia prestado declarações em sede de primeiro interrogatório judicial.

Atenta a proximidade do prazo máximo para a manutenção da medida de coacção de prisão preventiva, sem dedução de acusação, (que ocorreria a 06-05-2017) a convocatória para o referido interrogatório foi fundamentadamente realizada sem a antecedência do prazo de 3 dias, usualmente necessária para a convocação para actos processuais.

Dispõe o art. 273°, nº 1 e 2 do Código Processo Penal:

"1 - Sempre que for necessário assegurar a presença de qualquer pessoa em acto de inquérito, o Ministério Público ou a autoridade de polícia criminal em que tenha sido delegada a diligência emitem mandado de comparência, do qual conste a identificação da pessoa, a indicação do dia, do local e da hora a que deve apresentar-se e a menção das sanções em que incorre no caso de falta injustificada.

2 - O mandado de comparência é notificado ao interessado com pelo menos três dias de antecedência, salvo em caso de urgência devidamente fundamentado, em que pode ser deixado ao notificando apenas o tempo necessário à comparência".

Ora, dúvidas não existem (nem tal é posto em causa pelo arguido requerente) que o arguido A... foi regularmente convocado para acto processual, ainda que sem a antecedência devida idos três dias, face à natureza urgente que revestem os presentes autos.

Ora, se essa urgência se verificava em relação ao arguido e a sua convocatória se mostrou devidamente assegurada pelo despacho de fls. 5471 ( o que nunca é posto em causa no requerimento que ora nos ocupa), por maioria de razão, se mostra devidamente assegurada e válida em relação aos seus defensores a convocatória, nos mesmos moldes, efectuada com carácter de urgência, via telefone e via fax, nos termos legalmente previstos no art. 112º, nº 2 e 3 do Código Processo Penal, sem que tal configure qualquer nulidade. Não faria qualquer sentido que o afastamento da regra da antecedência de três dias valesse para o arguido, mas não para os seus advogados, sob pena de, por essa via, sempre se frustrar a aplicação deste preceito normativo, não se assegurando as urgências Código Processo Penal contempla.

Com efeito, na realização de outros actos urgentes de inquérito, os defensores dos arguidos são chamados a estar presentes ( ex: primeiros interrogatórios judiciais de arguidos detidos), muitas vezes apenas por telefone, comparecendo os mesmos ou substabelecendo caso a urgência do acto não lhes permita estar presente. Seria absurdo, nestes casos, com base na mesma argumentação aduzida pelo requerente, pensar-se na necessidade de ser respeitada a antecedência de 3 dias da notificação para comparência ou a nulidade do interrogatório por, face à impossibilidade dos defensores constituídos, ser nomeado defensor oficioso.

Idêntica urgência se verificou no presente caso, em que as diligências de inquérito se encontravam findas, havendo apenas necessidade de interrogar complementarmente o arguido (que se encontrava privado da liberdade) para que fosse deduzida acusação e o mesmo ficasse com a situação processual definida no mais curto espaço de tempo possível.

In casu, os Ilustres Defensores do arguido tomaram conhecimento prévio da diligência agendada quer através de fax, quer através de contacto telefónico realizado para o seu escritório (tanto assim que, à hora da diligência, manifestaram por requerimento a sua indisponibilidade para estarem presentes), tendo por isso, podido ter tomado a opção de comparecerem em acto processual para o qual estavam regularmente notificados, ou, caso tal não fosse possível por se encontrarem ambos impedidos em diligência de igual urgência, terem substabelecido em advogado da sua confiança.

Tendo optado os defensores do arguido por não comparecer, nem subestabelecer, e encontrando-se o mesmo, na data designada, neste Departamento a fim de ser interrogado nos moldes em que fora convocado, foi solicitada a nomeação de defensor oficioso para o acto, tendo o arguido mantido o propósito de não prestar declarações.

Não existe, deste modo, nenhuma nulidade do interrogatório a que o arguido foi sujeito a 04-05-2017, porquanto, tendo sido nomeado defensor oficioso para o acto em estrita observância ao disposto no art. 64º, nº 1, al. a) e b) do Código Processo Penal, foi  assegurada a sua defesa através deste.

Quando à invocada irregularidade da omissão de decisão sobre a irregularidade invocada no requerimento de 04-05-2017, a mesma não existe, porquanto o mesmo foi objecto de apreciação por despacho de fls. 5517. Com efeito, verifica-se agora que, por lapso, tal despacho não foi cumprido pela secção no que concerne à notificação do arguido, tendo sido ordenada a sua notificação na data de hoje (vd. despacho supra).» (sic).

Cumpre decidir:

Concordando-se com o doutamente promovido pelo titular da acção penal supra transcrito, ao qual me arrimo por ilustrar com suficiência de argumentos o entendimento que partilhamos e aqui se dá por integralmente reproduzido, não por falta de ponderação própria da questão, mas por simples economia processual, (remissão admitida. pelo próprio Tribunal Constitucional - vide Ac. TC de 30/07/2003, proferido no P.º 485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004 e pela própria Relação de Lisboa, vide Ac. TRL de 13/10/2004, proferido no P.º 5558/04-3), indefere-se o requerido.

Consequentemente, com tais fundamentos, não se reconhecem as nulidades e irregularidades arguidas.

Notifique e ON.

Cumprido, voltam os autos ao DCIAP.

Apreciando as questões objecto de recurso:

Em primeiro lugar importa precisar os termos processuais com relevância para a apreciação da questão de competência.

No início do inquérito o Ministério Público entendeu que os factos eram susceptíveis de integrar crime de contrabando, p. e p. pelo artigo 92º, crime de introdução fraudulenta no consumo, p. e p. pelo artigo 96º, crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103º e crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 89º, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias e considerou a sua natureza económico-financeira, organizada e transnacional, com a atuação dos suspeitos dispersa por várias localidades, pertencentes a diferentes Tribunais da Relação, mormente, Lisboa, Évora e Coimbra e entendeu ser competente para o exercício das funções jurisdicionais o Tribunal Central de Instrução Criminal, ao abrigo do disposto nos artigos 116º e 120º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto;

- Por despacho judicial proferido no inquérito em 3 de julho de 2015 foi aceite esta competência pelo TCIC.

- No âmbito do inquérito, em 5 de abril de 2017, o Ministério Público promoveu o reexame da prisão preventiva do arguido, mantida por despacho judicial do mesmo dia;

- Em 5 de Maio de 2017, o Ministério Público do DCIAP deduziu acusação contra o arguido A... e mais dezoito arguidos;

- Neste despacho o Ministério Público imputou ao arguido recorrente a prática de:

- Um crime de introdução fraudulenta no consumo qualificada, previsto e punido pelo artigo 96º, nº 1, alínea a) e 97º, alínea c) do RGIT;

- Um crime de fraude fiscal qualificada (IVA), previsto e punido pelo artigo 103º, nº1, alínea b) e 104º, nº2, alínea b) do RGIT;

- Um crime de fraude fiscal qualificada (IRS), previsto e punido pelo artigo 103º, nº1, alínea b) e 104º, nº2, alínea b), do RGIT;

- Um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº1, alínea b) do Código Penal;

- Um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº1, alínea d) e artigo 255º, alínea a), ambos do Código Penal;

- Um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº1, alínea e) e artigo 255º, alínea a), ambos do Código Penal;

- Também neste mesmo despacho, o Ministério Público promoveu a manutenção da prisão preventiva do arguido;

- Ainda neste mesmo despacho, o Ministério Público determinou a remessa dos autos ao TCIC nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 213º, nº1, alínea b) do Código de Processo Penal, ou seja, a reapreciação dos pressupostos da prisão preventiva do arguido A... ;

- Por despacho judicial de 9 de Maio de 2017 foi mantida a medida de prisão preventiva;

- Em 8 de Junho de 2017, este arguido e outros, vieram requer a abertura de instrução;

- Por despacho judicial do TCIC datado de 26 de Junho de 2017 foi declarada a incompetência daquele Tribunal para a instrução, sendo os autos remetidos à Comarca de Castelo Branco, Instância Local Criminal do Fundão;

- Por despacho judicial proferido pela Juíza da Comarca de Castelo Branco, Instância Local Criminal do Fundão, em 10 de julho de 2017 foi declarada aberta a instrução.

 Atento o exposto o que se discute é se a competência definida no decurso do inquérito se mantém até à subsequente fase de instrução ou julgamento ou se cessa imediatamente com a dedução de acusação, passando a competir ao Tribunal que seja competente para essas fases, segundo o objecto processual definido na acusação.

A tese do recorrente é no sentido de que a dedução de acusação determina imediatamente a alteração do tribunal competente e convoca em seu favor a fixação de jurisprudência do STJ nº 2/2017 publicada no DR Iª série de 16.3.2017 do seguinte teor:

Competindo ao Tribunal Central de Instrução Criminal proceder a actos jurisdicionais no inquérito instaurado no Departamento Central de Investigação Criminal para investigação de crimes elencados no artigo 47.º, n.º 1, da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), por força do artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, essa competência não se mantem para proceder à fase de instrução no caso de, na acusação ali deduzida ou no requerimento de abertura de instrução, não serem imputados ao arguido qualquer um daqueles crimes ou não se verificar qualquer dispersão territorial da actividade criminosa.

Parece-nos ser claro que o STJ apenas se pronunciou no sentido de que no caso sobre que versa e que coincide com o dos autos a competência do Tribunal Central de Instrução Criminal não se mantém para a subsequente fase de instrução, já não resultando que não se mantenha enquanto não se inicia a fase de instrução.

Ora, no caso em apreço o despacho que suscita a alegação de incompetência foi proferido antes do início da instrução e antes mesmo de haver sido requerida.

Pela mesma ordem de ideias se não fosse requerida instrução a competência seria do tribunal competente para o julgamento (que nunca coincide com o competente no decurso do inquérito para a prática de actos jurisdicionais) o que tornaria impossível determinar qual seria o tribunal competente, depois de deduzida a acusação e enquanto não decorresse o prazo para requerimento de instrução, para a prática de actos jurisdicionais como a revisão do estatuto coactivo do arguido.

Cremos, pois, ser evidente que a competência definida no inquérito se mantém mesmo depois de deduzida acusação e até que o processo passa à fase processual subsequente e o contrário não resulta quer da referida fixação de jurisprudência, quer do disposto no artigo 38º da LOSJ e 39º, nº 2 da CRP e entendimento diverso conduziria ao impasse acima assinalado em contradição com o disposto no artigo 9º, nº 3 do Código Civil sobre interpretação da lei “na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas”.

Concluímos que o despacho de revisão do estatuto coactivo do arguido foi proferido no tribunal que à data era competente para o efeito, inexistindo violação de qualquer dos preceitos legais e princípios convocados pelo recorrente, não padecendo do vício que o recorrente lhe assaca.

Especificamente invoca o recorrente que o despacho recorrido se fundaria em interpretação inconstitucional de preceitos legais nos seguintes termos:

1. A norma dos artºs 80.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, 38.º, 39.º, 119.º e 120.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 10.º, 17.º e 283.º, do CPP, interpretada no sentido de que apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao Tribunal Central de Instrução Criminal a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de reexame da medida de coação após dedução da acusação, mesmo que não verificado um dos pressupostos, cumulativos, aliás, ali mencionados - isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da Lei Orgânica do Ministério Público, ou que não se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 4 e 9 e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrária aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e do juiz natural. De resto, trata-se de uma restrição que esvazia de sentido e retira conteúdo útil aos princípios do juiz natural, do processo equitativo e da legalidade e que não se mostra adequada ou necessária a assegurar qualquer direito ou interesse constitucionalmente protegido (cf. artº 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP). Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 1, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

2. Por outro lado, a norma contida no artº 80.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, nos artºs 38.º, 39.º, 119.º e 120.º, n.º 1, als j) e k), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 47.º, n.º 1, als. j) e l), da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, segundo a qual, em sede de determinação da competência material, o conceito “infrações económico-financeiras” não é equivalente ao constante do artº 1.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, é, em tal interpretação, violador dos artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 4 e 9 e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e do juiz natural. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 1, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

No que respeita à primeira questão de inconstitucionalidade já resulta do acima exposto que a manutenção da competência do tribunal para actos jurisdicionais até que o processo seja remetido para instrução ou julgamento é mais consentânea com o respeito do princípio do juiz natural porque evita, para além do mais, a indeterminabilidade do Tribunal que seja competente depois de deduzida acusação e enquanto decorre o prazo em que é possível requerer instrução.
Cremos ser manifesto que não ocorre interpretação inconstitucional dos preceitos citados e não alcançamos em que medida a interpretação que acolhemos belisque os princípios da dignidade da pessoa humana, da democracia, do processo equitativo e da legalidade, ou viole os instrumentos de direito internacional mencionados.

Relativamente à segunda questão de inconstitucionalidade pressupõe o recorrente existência de interpretação no sentido de que o artigo 80.º, n.º 1 da Lei nº 3/99 de 13 de Janeiro e os artigos 38º, 39º, 119º e 120º, nº 1, als j) e k), da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto, e 47º, nº 1, als. j) e l), da Lei nº 47/86 de 15 de Outubro, foram interpretadas no sentido de que em sede de determinação da competência material, o conceito “infrações económico-financeiras” não é equivalente ao constante do artigo 1º, nº 1, da Lei n.º 5/2002, o que na realidade não faz parte de qualquer entendimento expresso na decisão recorrida, não podendo por essa razão reconhecer-se a sua existência.

No que respeita à alegada nulidade por falta de representação do arguido pelos defensores por si constituídos em interrogatório complementar realizado foi a seguinte a tramitação processual.

Em 3.5.2017 o Ministério Público decidiu ser de dar a conhecer ao arguido os factos indiciados pela prova recolhida e face à urgência do processo com termo do prazo para dedução de acusação em 6.5.2017 tendo em consideração o estatuto coactivo de prisão preventiva, decidiu convocar o arguido e o seu Defensor para o dia seguinte (4.5.2017) determinando que os Ilustres Advogados constituídos pelo arguido fossem convocados de imediato via telefone e via fax.

O recorrente alega a irregularidade da notificação dos seus Defensores por violação dos artigos 112º, nº 3, alínea b), 113º, nº 2 e 11 do Código de Processo Penal e 4º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 2 do Código Civil e por via dessa irregularidade a nulidade do interrogatório realizado sem a presença de defensor por si constituído.

No que respeita aos artigos do Código Civil referem-se o primeiro ao valor da equidade e o segundo à integração de lacunas, por isso não alcançamos em que medida possam ter sido violados.

No que concerne às notificações de advogados o artigo 113º, nº 11 do Código de Processo Penal contém a regra geral de que são feitas nos termos das alíneas a) a c) do seu nº 1 (contacto pessoal, via postal registada e via postal simples) ou por telecópia.

Tal não invalida que em caso de urgência a notificação seja efectuada por via telefónica com confirmação telegráfica, por telex ou por telecópia nos termos prevenidos no nº 8 do mesmo artigo, não contestando o recorrente que a notificação haja sido efectuada nestes termos, apenas alegando que os advogados haviam referido estar impossibilitados de comparecer em virtude de compromissos profissionais prévios.

Por seu turno o artigo 112º, nº 1 do mesmo diploma prevê que a convocação para acto processual seja feita por qualquer meio destinado a dar-lhe conhecimento do facto, inclusivamente por via telefónica. Mais preceitua o nº 3 do mesmo artigo que a convocação, nomeadamente para interrogatório, reveste a forma de notificação que indique a finalidade da convocação ou comunicação por transcrição, cópia ou resumo do despacho ou mandado que a tiver ordenado, não suscitando os recorrentes que não lhe tenha sido dado esse conhecimento.

Nos termos do artigo 273º, nº 2 do Código de Processo Penal o mandado de comparência deve ser notificado ao interessado com pelo menos três dias de antecedência, salvo em caso de urgência devidamente fundamentado, em que pode ser deixado ao notificando apenas o tempo necessário à comparência.

É evidente que o preceito se não dirige na sua literalidade sob a epígrafe “mandado de comparência, notificação e detenção” aos advogados, mas se a lei permite que em caso de urgência sejam convocadas pessoas para comparência a actos processuais, nomeadamente arguidos para interrogatório com a antecedência indispensável à comparência, obviamente também supõe que o possam ser os advogados que, por força da lei, devam estar presentes nesses actos. De outro modo não faria sentido a previsão em causa que permitiria a prática de actos que posteriormente deveriam ser considerados irregulares ou nulos.

No caso, tendo a urgência do acto sido devidamente justificada em despacho e tendo os defensores do arguido sido notificados pela forma legalmente prescrita e em tempo que permitia a sua comparência, não se vislumbra irregularidade na sua notificação, nem violação dos preceitos legais invocados.

E sendo assim, a sua não comparência importava nos termos do artigo 67º, nº 1 do Código de Processo Penal, como importou, a nomeação de defensor ao arguido para o representar no interrogatório judicial a que foi sujeito, não se verificando a apontada nulidade prevista no artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal.

Em suma, não ocorre irregularidade da notificação e nulidade do acto praticado, nem violação de qualquer dos preceitos legais e princípios convocados pelo recorrente, nomeadamente os constitucionais.  

Entende ainda o recorrente que não ocorreu defesa efectiva do arguido através do Defensor que lhe foi nomeado porque este não teve tempo para estudar o processo de modo a poder prestar qualquer contributo útil para a defesa, para além de ter ocorrido recusa expressa do arguido em ser por ele representado.

Antes de mais importa referir que os direitos de defesa e de representação por defensor escolhido, consignados no artigo 32º, nº 1 e nº 3 da CRP não têm natureza absoluta e devem ser compatibilizados com o direito colectivo de prossecução da acção penal, também com consagração constitucional, desde logo como decorrência do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2º da CRP) apontando o artigo 18º da CRP o caminho a trilhar em caso de conflito de direitos e garantias.

Do exposto já resulta que a posição que o arguido tome perante o Defensor que lhe seja nomeado para acto em que tal seja obrigatório não pode comprometer a realização do acto processual, como de igual modo a impossibilidade de ser representado pelo Defensor por si escolhido em tempo útil.

No que respeita à questão da defesa efectiva, pressupõe o recorrente que o Defensor nomeado não a pode exercer. No entanto, se fosse essa a realidade tinha o Defensor nomeado a obrigação de fazer consignar que estava impossibilitado de exercer uma defesa efectiva. Contudo, não consta do auto de interrogatório qualquer menção nesse sentido ou protesto, pressupondo o recorrente uma realidade que o processo não documenta.

Também por esta via não podemos reconhecer a existência da nulidade alegada prevista no artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal.

Deve ainda referir-se que estava em causa interrogatório complementar não obrigatório. A eventual nulidade desse acto nunca se comunicaria a outros actos processuais, como a acusação porque esta não estava dependente da realização daquele, nem tinha a virtualidade de a afectar. É o que claramente resulta do disposto no artigo 122º, nº 1 do Código de Processo Penal.

A propósito das questões relativas à defesa do arguido em interrogatório, alega o recorrente as seguintes inconstitucionalidades:

1. Mais se assinala e invoca, que a norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), do CPP, artºs 112.º, 113.º, n.º 11 e 273.º, do CPP e do artº 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual os Defensores – Oficiosos ou Constituídos - podem, nessa qualidade, ser convocados por mandado para comparência em interrogatório de Arguido preso, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 3, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

2. Assinala-se ainda, que a norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), do CPP, artºs 112.º, 113.º, n.º 11 e 273.º, do CPP e do artº 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual os Defensores – Oficiosos ou Constituídos - podem, nessa qualidade, ser convocados por via telefónica para comparência em interrogatório de Arguido preso, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 3, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

3. Por seu turno, a norma contida no artºs 61.º, n.º 1, al. e) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), 67.º, 112.º, 113.º e 144.º, do CPP, e do artº 67.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual nos atos em que é obrigatória a assistência de defensor, há fundamento para substituição do mandatário constituído, quando este último não tenha sido notificado, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 1 a 3, 5 e 6, 165.º, n.º 1, al. c), 208.º e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo e da dignidade do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 3, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

4. Finalmente, a norma contida no artºs 60.º, 61.º, n.º 1, al. e), f) e g) e 62.º, 64.º, n.º 1, al. a), e 144.º, n.º 3, do CPP, segundo a qual a garantia de assistência por Defensor a Arguido preso em interrogatório se mostra assegurada com a designação e a comparência de Defensor oficioso nomeado para o ato, independentemente de este ter estudado o processo, viola os artºs 1.º, 2.º e 3.º, 20.º, n.º 4 e artº 32.º, n.º 1 a 3, 5 e 6, e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, sendo contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da democracia e do processo equitativo, do direito a ser assistido por defensor e às garantias da defesa. Pelos motivos invocados, a interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.ºs 1 e 3, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artº 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

No que respeita à primeira inconstitucionalidade alegada, pressupõe o recorrente interpretação normativa no sentido de que os Defensores podem ser convocados por mandado que manifestamente não consta da decisão recorrida, não se entendendo qual o alcance da sua alegação.

Manifesto é que não se verifica a interpretação em causa, não podendo ter sido violados os normativos constitucionais e outros invocados.

No que respeita à interpretação normativa no sentido de que os Defensores podem ser convocados por telefone nas situações que a lei comtempla e nomeadamente na situação em causa nos autos, entendemos que ela se encontra constitucionalmente justificada nos termos do artigo 18º, nº 2 da CRP  pela necessidade de compatibilizar os vários interesses em jogo, não sendo idónea a comprometer o direito de defesa do arguido, nem os restantes princípios invocados e especificamente a dignidade do patrocínio forense.

No que respeita à terceira inconstitucionalidade alegada, pressupõe o recorrente a falta de notificação do mandatário constituído que não corresponde à realidade processual, uma vez que se considerou que foi notificado por forma legalmente prescrita. Não pode ter-se com verificada interpretação inconstitucional nesse domínio e violação dos preceitos de direito constitucional e de direito internacional invocados.

No que respeita à quarta inconstitucionalidade, pressupõe o recorrente como fundamento de interpretação violadora da constituição que o Defensor nomeado não estudou o processo e que tal era necessário para assegurar a efectiva defesa do arguido, realidade que se não encontra demonstrada nos autos. Por consequência não ocorreu qualquer interpretação violadora da constituição e dos instrumentos legais internacionais que cita com os pressupostos de facto que alega.  


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            IV. Decisão

Nestes termos acordam:

- Declarar nulo por omissão de pronúncia e insuficiência de fundamentação o acórdão desta Relação proferido em 27 de Setembro de 2017 e proferir novo acórdão expurgado desses vícios;

- Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, manter o despacho recorrido.

Pelo seu decaimento em recurso condena-se o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça devida em quatro unidades de conta, em conformidade com o disposto nos artigos 513º, nº 1 do Código de Processo Penal e 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais.


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Coimbra, 19 de Dezembro de 2017
(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)

Maria Pilar de Oliveira (relatora)

José Eduardo Martins (adjunto)