Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
115/12.2TBPNC.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
PREFERÊNCIA
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 02/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – FUNDÃO – INST. LOCAL – SECÇÃO CÍVEL.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 613º E 615º DO NCPC E 668º, Nº 1 DO CPC; 416º DO C. CIVIL.
Sumário: I – As nulidades da sentença, taxativamente previstas no art.615º do nCPC (tal como o anterior art. 668º, nº1)reconduzem-se a erros de actividade ou de construção e não se confundem com o erro de julgamento (de facto e/ou de direito).

II - A comunicação para a preferência pode ser feita extrajudicialmente e o art.416º do C.Civ. não estatui qualquer forma especial, podendo sê-lo por qualquer meio.

III - A comunicação para preferência, prevista no art.416º do Cciv., não consubstancia uma declaração negocial, mas antes uma declaração de ciência, pelo que a forma não é requisito de validade da declaração.

IV - Comprovando-se que o obrigado à preferência enviou uma carta ao preferente, onde se identificou e explicitou as condições da venda, e que essa carta foi recebida, a circunstância de não estar assinada não invalida ou torna ineficaz a comunicação da preferência.

V - O art.613º do nCPC deve ser interpretado no sentido de que o poder jurisdicional que se esgota com a sentença é o poder jurisdicional relativo ao mérito da causa, sobre as questões aí concretamente decididas.

VI - Não viola o art.613º do CPC a decisão posterior à sentença que condenou o autor como litigante de má fé, após haver determinado na sentença a sua audição prévia.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.- O Autor – J... – instaurou (15/12/2012) na Comarca de Penamacor, acção declarativa, com forma de processo sumário, contra os Réus -  V... e A...

Alegou, em resumo:

É proprietário de um prédio rústico, sito em ..., que confina a poente com o prédio rústico pertencente ao 1º Réu, sendo que ambos têm uma área inferior à unidade de cultura.

Por escritura de 1/6/2012, o 1º Réu vendeu o prédio ao 2º Réu sem dar preferência ao Autor.

Pediu:

Que seja reconhecido ao Autor o direito de preferência e, consequentemente, o direito de haver para si o prédio rústico vendido pelo 1º Réu ao 2º Réu, sito no lugar denominado "...", e que seja ordenada a substituição do Réu comprador pelo Autor;

O cancelamento de todos os eventuais registos efectuados após a data de outorga da escritura de compra e venda.

Contestaram os Réus, defendendo-se, em síntese:

            Arguiram a caducidade da acção por já ter decorrido o prazo de seis meses desde o conhecimento da venda.

            Por carta de 10/5/2012, o Réu V... comunicou ao Autor as condições essenciais da venda, conferindo-lhe o prazo de oito dias para exercer a preferência, sendo que o Autor nada disse.

            Concluíram pela improcedência da acção e requereram a condenação do Autor como litigante de má fé em multa e indemnização no valor de € 3.000,00.

            Respondeu o Autor.

            1.2.- Realizada audiência de julgamento, foi proferida (28/8/2014) sentença que decidiu:

a) Julgar a acção improcedente e absolver os Réus dos pedidos;

            b) Determinar a audição do Autor com vista à condenação por litigância de má fé.

            1.3 - Inconformado, o Autor recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

1) A sentença deu por provado que “Em 10 de Maio de 2012, o réu V... enviou ao Autor, para ..., missiva registada com aviso de recepção, que transcreve:

“ Assunto: …….mencionadas”.

2)Donde, desde logo decorre que a missiva não se encontrava assinada.

3) O Tribunal “a quo” deveria pronunciar-se sobre quem recepcionou a aludida missiva, tanto mais que no ponto 2.1.3 Motivação é afirmado que “A divergência essencial respeita ao envio e recepção da carta…”.

4) O aviso de recepção foi assinado por um familiar do ora Recorrente.

5) As declarações negociais receptícias constantes de correspondência fechada, entregue na morada do destinatário mas na sua ausência ainda que a familiar, não podem considerar-se chegadas, só por isso, ao poder daquele.

6) O Recorrente não recepcionou a carta, nunca recebeu a mesma, não teve conhecimento do seu conteúdo.

7) Para prova pelo 1.º R. de que havia dado o direito de preferência a que o ora Recorrente tem direito, juntou em sede de contestação o doc. 6, documento esse viciado quanto à forma, ou seja, não se encontra assinado, é um documento apócrifo, razão pela qual foi impugnado.

8) É o próprio Tribunal “a quo” a afirmar que aquele documento “… consiste em mera cópia da missiva redigida…”,  que não da missiva redigida e assinada, como  devia. A “mera cópia” de um documento não pode deixar de ser uma reprodução fiel e “ipsis verbis” do original;

9) O doc. 6. só pode ser qualificado como documento particular. Nos termos do n.º 1  do art.º 373.º  do CC “Os documentos particulares devem  ser assinados pelo seu autor….”, daí derivando a sua validade.

10) Um documento apócrifo não tem qualquer validade jurídica, podendo aceitar-se apenas a discussão sobre se tal documento é Nulo ou Inexistente.

11) O documento 6., apresentado em sede de contestação, não contém as virtualidades capazes de produzir o efeito de um legal direito de preferência, já que o mesmo é nulo ou inexistente, não podendo, por isso, satisfazer o fim a que se propunha.

12) A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” enferma dos vícios previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, quando fundamenta a sua decisão num hipotético documento assinado quando, o que consta dos autos, é um documento apócrifo, não tendo o 1.º R. feito prova da existência de qualquer outro.

            1.4.- Por despacho de 11/2/2015 decidiu-se:

Julgar o incidente de litigância de má fé procedente e, consequentemente:

a) Condenar o autor J... no pagamento de multa no montante de 7 UC’s (sete unidades de conta);

b) Condenar o autor J... no pagamento aos Réus V... e A.. de uma indemnização cujo montante será fixado oportunamente, nos termos do artigo 457.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil;

c) Convidar os Réus a, no prazo de 10 dias, liquidarem discriminadamente as suas despesas (incluindo honorários do mandatário) e prejuízos, resultantes da actuação da parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé, nos termos expostos.

            1.5.- O Autor recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

1) A sentença deu por provado que “Em 10 de Maio de 2012, o réu V... enviou ao Autor, para ..., missiva registada com aviso de recepção, que transcreve:

“ Assunto: …………….mencionadas”.

2)Donde, desde logo decorre que a missiva não se encontrava assinada.

3) O Tribunal “a quo” deveria pronunciar-se sobre quem recepcionou a aludida missiva, tanto mais que, no ponto 2.1.3 Motivação, é afirmado que “A divergência essencial respeita ao envio e recepção da carta…”.

4) O aviso de recepção foi assinado por um familiar do ora Recorrente.

5) As declarações negociais receptícias constantes de correspondência fechada, entregue na morada do destinatário, mas na sua ausência ainda que a familiar, não podem considerar-se chegadas, só por isso, ao poder daquele.

6) O Recorrente não recepcionou a carta, nunca recebeu  a  mesma,  não   teve conhecimento do seu conteúdo.

7) Para prova pelo 1.º R. de que havia dado o direito de preferência a que o ora Recorrente tem direito, juntou em sede de contestação o doc. 6, documento esse viciado quanto à forma, ou seja, não se encontra assinado, é um documento apócrifo, razão pela qual foi impugnado.

8) É o próprio Tribunal “a quo” a afirmar que aquele documento “… consiste em mera cópia da missiva redigida…”,  que não da missiva redigida e assinada, como  devia. A “mera cópia” de um documento não pode deixar de ser uma reprodução fiel e “ipsis verbis” do original;

9) O doc. 6. só pode ser qualificado como documento particular. Nos termos do n.º 1  do art.º 373.º  do CC “Os documentos particulares devem  ser assinados pelo seu autor….”, daí derivando a sua validade.

10) Um documento apócrifo não tem qualquer validade jurídica, podendo aceitar-se apenas a discussão sobre se tal documento é Nulo ou Inexistente.

11) O documento 6., apresentado em sede de contestação, não contém  as virtualidades capazes de produzir o efeito de um legal direito de preferência, já que o mesmo é nulo ou inexistente, não podendo, por isso, satisfazer o fim a que se propunha.

12) A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” enferma dos vícios previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, quando fundamenta a sua decisão num hipotético documento assinado quando, o  que  consta  dos autos, é um  documento  apócrifo, não tendo o 1.º R. feito prova da existência de qualquer outro.

13) A decisão de litigância de má-fé foi proferida à luz do anterior CPC e não conforme as regras do NCPC, sendo violado os artigos 607º e 608º do NCPC.

14) Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa e proferida que foi posteriormente à sentença a decisão sobre litigância de má fé foi violado o artigo 613º nº 1 do CPC.

15) A decisão sobre litigância de má-fé foi proferida para além do prazo aludido no artigo 607º nº 1.


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1.- O objecto do recurso

            As questões submetidas a recurso, delimitado pelas conclusões (arts. 635 nº2, 639 nº1 CPC), são as seguintes:

            A nulidade da sentença;

            A comunicação da preferência e o valor e relevância do documento de fls.47;

            A litigância de má fé e o princípio do esgotamento do poder jurisdicional.

            2.2.- Os factos provados ( descritos na sentença )

1. O prédio rústico, sito na ..., com a área total de 1,5520 m2, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de P... sob o n...

2. V... acordou com A... nos termos da escritura publica datada de 01 de Junho de 2012, epigrafada de «Compra e Venda» na qual aquele surgem como primeiro outorgante e este como segundo outorgante, onde nomeadamente se lê que:

«(. . .) Pelo primeiro outorgante foi dito:

Que pela presente escritura e pelo preço de dezasseis mil e quinhentos euros já recebido, vende ao segundo outorgante o prédio rústico, composto actualmente por cultura arvense, uma construção rural, sobreiros e vinha, com área de oito mil novecentos e sessenta metros quadrados, sito no lugar denominado "...", freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo J 0, secção G, com o valor patrimonial tributário de € J 25,21.

(. . .) - Pelo segundo outorgante foi dito:

- Que aceito o presente contrato, nos termos exarados.

- Mais declaram os outorgantes, que o presente negócio foi objecto de intervenção do mediador imobiliário, "..." ( .. .).- Assim o outorgaram. (….)

3. O prédio rústico, sito em ..., com a área total de 8960 m2, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de P... sob o n... da freguesia de ...

4. O prédio referido em 3. tem as seguintes confrontações actuais: ...

5.O acesso ao prédio do Autor é feito através do prédio do Réu.

6.O prédio do Autor tem menos de dois hectares.

7. O prédio do Réu tem menos de um hectare.

8. Sendo qualquer deles constituído por cultura arvense e sobreiros.

9. O 2.° Réu - comprador - não tem nenhum prédio confinante com o ora vendido.

10.Em 10 de Maio de 2012 o réu V... enviou ao Autor, para ..., missiva registada com aviso de recepção, com o seguinte conteúdo:

«          ( .. .) Assunto: Imóvel silo em ...:

Comunicação para exercício de Direito de Preferência

V..., divorciado, titular do número de identificação fiscal ..., residente na Rua ..., vem, na qualidade de dono e legítimo proprietário do Prédio Rústico, sito no ... comunicar a minha intenção de proceder à venda do referido Prédio Rústico ao Sr. A..., cujo projecto negocial abaixo se discrimina.

As condições de venda serão as seguintes:

1. O preço de venda do Prédio Rústico, atrás identificado é de 16.500,00
(dezasseis mil quinhentos euros);

2. O pagamento do respectivo montante será efectuado da seguinte forma:

O montante de 15.000,00 Euros (quinze mil euros), a título de sinal eprincípio de pagamento, na data da celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda, respeitante ao imóvel atrás identificado, a celebrar imediatamente após o decurso do prazo legal que assiste a V. Ex. para se pronunciar.

O valor remanescente em dívida no montante de 1.500,00 Euros (mil e quinhentos euros), será pago no dia da celebração da Escritura Pública de Compra e Venda, a qual deverá ter lugar no prazo de 3 dias a contra da data de celebração do contrato promessa de compra e venda.

Após recepção desta carta, e conforme dispões o artigo 416, n. o 2 do Código Civil, V Ex" terá um prazo de oito dias, para se pronunciar se estáou não interessado na compra do imóvel, nas exactas condições atrás mencionadas.»

11.A carta referida no artigo anterior foi entregue em 11 de Maio de 2012 na residência do Autor e esposa, ...

            2.3.- A nulidade da sentença

            O Apelante fustiga a sentença com as nulidades cominadas no art.615 nº 1 b) e c) CPC, alegando, em síntese, que se fundamentou num documento “apócrifo” para justificar a absolvição.

As nulidades da sentença, taxativamente previstas no art.615 nCPC (tal como o anterior art.668 nº1)reconduzem-se a erros de actividade ou de construção e não se confundem com o erro de julgamento (de facto e/ou de direito).

            Ora, o Apelante não concretiza sequer cada uma das nulidades, que manifestamente não existem, e para as justificar convoca eventual erro de julgamento (qualificação e validade de documento), o que tanto basta para a inanidade da pretensão.

            2.4.- A comunicação do direito de preferência e a relevância do documento de fls. 47:

            A sentença recorrida julgou caduco o direito de preferência exercitado pelo Autor na acção porque tendo-lhe sido comunicada a preferência não respondeu no prazo legal (art. 416 nº 2 do CC).

            Para tanto, considerou validamente efectuada a comunicação constante da carta de 10/5/2012, enviada pelo Réu V... (vendedor).

            O Apelante objecta dizendo que o documento junto (fls. 47 e 48) não está assinado, logo não tem qualquer valor jurídico, sendo “apócrifo”.

            Conforme resulta da fundamentação de facto, o tribunal justificou os factos provados em 10) e 11) com base na prova documenta e testemunhal.

            O Apelante não impugnou os factos provados, limitando-se a alegar que a falta de assinatura impede a qualificação como documento particular.

            Estamos perante acção para o exercício do direito de preferência baseado na confinância (art.1380 CC).

            O obrigado à preferência tem o dever de comunicar ao preferente o as condições essenciais do contrato, a qual tem sido qualificada como uma proposta que o obrigado dirige ao preferente relativa à celebração do contrato projectado (cf. Agostinho Guedes, O Exercício do Direito de Preferência, pág. 427 e segs).

            Compete ao réu o ónus da prova da comunicação exigida pelo art.416 do CC (cf., por ex.,  Vaz Serra, Obrigação de Preferência BMJ 76, pág. 131 e RLJ ano 106 pág. 315; Lacerda Barata Obrigação de Preferência, pág. 158).

            A comunicação para a preferência pode ser feita extrajudicialmente e o art.416 CC não estatui qualquer forma especial, podendo sê-lo por qualquer meio, mesmo verbalmente.

            A comunicação para preferência não consubstancia uma declaração negocial, mas antes uma declaração de ciência, pelo que como diz Agostinho Guedes, “o problema da forma enquanto pressuposto de validade da declaração acaba por ser uma falsa questão (…). Se a conduta do declarante não envolve uma pretensão normativa de validade não faz muito sentido mencionar o problema da forma como um requisito de validade da declaração” (loc. cit, pág. 453 e 454 ).

Portanto, sendo uma declaração de ciência, a forma não é requisito de validade da declaração (cf. arts. 295 e 219 CC).

            Como escreve Agostinho Guedes – “ A denuntiatio representa o cumprimento de um dever instrumental – ela visa apenas e tão só, levar ao conhecimento do preferente a constituição do seu direito. A denuntiatio não é um facto constitutivo deste direito, representa apenas o cumprimento de uma obrigação nascida no contexto de uma relação prelatícia já constituída, da qual nem sequer é a obrigação principal, não existindo razões, por isso, para a lei colocar especiais exigências de forma” ( pág. loc. cit.457 ).

            Subjacente à pretensão recursiva está um problema de direito probatório material na medida em que o Apelante parece sustentar que não estando assinada a carta onde se comunica a preferência, esta comunicação deixaria de ser válida e sem qualquer eficácia probatória.

            A lei não exige para a prova da comunicação qualquer formalidade especial, podendo fazer-se por qualquer meio, significando não se estar perante a chamada “prova necessária”.

Sendo assim, o documento não é imposto para a celebração do acto de comunicação de preferência, como requisito de forma e por consequência como condição de validade.

É certo que a lei exige a assinatura nos documentos particulares (art.373 CC), mas os documentos escritos a que falta algum dos requisitos legais, como por exemplo a assinatura, não são destituídos de todo o valor probatório, pois o tribunal aprecia livremente a força probatória, conforme impõe o art.366 CC (cf. P.Lima/A.Varela, Código Civil Anotado, I, pág. 323).

            Comprovando-se que a carta, ainda que não assinada, foi enviada pelo Réu Vítor através de registo com aviso de recepção e entregue na residência do Autor, é suficiente para se concluir pela validade da comunicação da preferência, nos termos do art. 416 nº1 CC., tendo, por isso, operado a caducidade.

            2.5.- A litigância de má fé e o princípio do esgotamento do poder jurisdicional

            A sentença recorrida, após afirmar que a conduta do Autor integra a litigância de má-fé, na acepção do art.542 nº 2 a) e b) CPC, determinou a audição do mesmo, para preparar a sua defesa.

            O Autor respondeu preconizando a ausência de má fé, por a carta junta não possuir qualquer valor jurídico, em virtude de não estar assinada.

            Por despacho de 11/2/2015 decidiu-se condenar o Autor como litigante de má fé.

            O Autor/Apelante impugna a condenação dizendo que não poderia o tribunal emitir pronúncia da má-fé posterior à sentença, por estar esgotado o poder jurisdicional, violando o art.613 CPC.

            A questão de saber se emitida sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional sobre a litigância de má fé já foi objecto de tratamento jurisprudencial.

            Adere-se à corrente jurisprudencial no sentido de que não há violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, com base nos seguintes tópicos:

            Há autonomia da matéria da litigância de má fé, de conhecimento oficioso, e o mérito da causa, de tal forma que uma não implica necessariamente a outra;

            A decisão sobre a litigância de má fé não tem de ser simultânea ou contemporânea com a sentença que conhece do mérito da causa, como, de resto, se prevê em determinadas situações (cf., por ex., arts.123, 970 nº3 CPC), e no caso de condenação na indemnização a fixar posteriormente (art.543 nº3 CPC);

            Também nas situações em que se impõe a garantia do contraditório ( art. 3º CPC), a decisão sobre a litigância de má fé só pode determinar-se após tal procedimento;

O art.613 do CPC deve ser interpretado no sentido de que o poder jurisdicional que se esgota com a sentença é o poder jurisdicional relativo ao mérito da causa, sobre as questões aí concretamente decididas, como já se vinha entendendo, mas não abrange nem inibe o juiz de resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exercem influência na sentença (cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol.V, pág.126 ).

Sendo assim, com a sentença o juiz esgotou o poder jurisdicional em relação ao mérito da causa, ou seja, ao exercício do direito de preferência, mas não quanto à litigância de má fé, em que se limitou a determinar a audição do Autor.

Neste contexto, verifica-se que a decisão que após audição das partes e posteriormente à sentença condenou o Autor como litigante de má fé não viola o art. 613 do CPC, nem se revela extemporânea (cf., por ex., Ac RP de 22/2/2007, proc. nº 0730581), Ac RL de 12/7/2012, proc. nº 205/06), Ac RE de 18/10/2012, proc. nº 765/08, disponíveis em www dgsi.pt ).

2.6.- Síntese conclusiva

a) As nulidades da sentença, taxativamente previstas no art.615 nCPC (tal como o anterior art.668 nº1)reconduzem-se a erros de actividade ou de construção e não se confundem com o erro de julgamento (de facto e/ou de direito).

b) A comunicação para a preferência pode ser feita extrajudicialmente e o art.416 CC não estatui qualquer forma especial, podendo sê-lo por qualquer meio.

c) A comunicação para preferência, prevista no art.416 do CC, não consubstancia uma declaração negocial, mas antes uma declaração de ciência, pelo que a forma não é requisito de validade da declaração.

d) Comprovando-se que o obrigado à preferência enviou uma carta ao preferente, onde se identificou e explicitou as condições da venda, e que essa carta foi recebida, a circunstância de não estar assinada não invalida ou torna ineficaz a comunicação da preferência.

e) O art.613 do nCPC deve ser interpretado no sentido de que o poder jurisdicional que se esgota com a sentença é o poder jurisdicional relativo ao mérito da causa, sobre as questões aí concretamente decididas.

f) Não viola o art. 613 do nCPC a decisão posterior à sentença que condenou o autor como litigante de má fé, após haver determinado na sentença a sua audição prévia.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem.

1)

            Julgar improcedentes as apelações e confirmar as decisões recorridas.

2)

            Condenar o Apelante nas custas.

            Coimbra, 2 de Fevereiro de 2016.


 Jorge Arcanjo

 Manuel Capelo

Falcão de Magalhães