Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1419/13.2TBMGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: LIVRANÇA
AVALISTA
LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
VALORAÇÃO DA PROVA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.10, 17, 43, 75, 77 LULL, 542, 662 CPC
Sumário: 1.- Em princípio, o avalista da subscritora de uma livrança posiciona-se fora das relações imediatas que se estabelecem entre o emitente desta e a subscritora, encontrando-se apenas numa relação de imediação com a subscritora avalizada.

2.- Mas já estará naquelas relações imediatas, podendo defender-se com os vícios da relação fundamental perante o credor-emitente-portador da livrança, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido por esse emitente no pacto de preenchimento, ou com ele participar numa relação extra-cartular que interfira nas condições para esse preenchimento.

3. - Em tais circunstâncias, o avalista pode sempre opor ao credor cambiário o pagamento total ou parcial do crédito causal da emissão da livrança, ainda que esse pagamento tenha sido efectuado pelo avalizado, mas sem que, todavia, se possa furtar à averiguação circunstancial de enquadramento daquele excepcionado pagamento, ou da sua viabilidade.

4.- A obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado – com a ressalva da projecção do vício de forma desta sobre aquela -, embora a ela equiparada.

5.- A responsabilidade do avalista é, em suma, dada pela medida objectiva da do avalizado, mas independente da deste, sendo ainda aquele, quando avalista do aceitante da letra ou do subscritor da livrança –-a par de quem se colocou e com quem se solidarizou perante os outros obrigados cambiários -, obrigado directo e não de regresso.

6.- Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela «estiver efectivamente configurada» - arts. 10º e 32º-2.

7.- Na ausência de violação do contrato de preenchimento, ou de outro pacto posterior, o preenchimento do título tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada na letra e a correspondente exigibilidade, nomeadamente em relação aos avalistas do aceitante que se apresentam como que «co-aceitantes» e, com ele, responsáveis solidários.

8.- Quando o avalista tenha tomado parte no pacto de preenchimento de livrança em branco, subscrevendo-o, devam ser qualificadas de imediatas as relações entre ele e o tomador ou beneficiário da livrança – pois que não há, nesse caso, entre o avalista e o beneficiário do título interposição de outras pessoas -, o que confere ao dador da garantia legitimidade para arguir a excepção, pessoal, da invalidade do pacto de preenchimento.

9.- Para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto excepção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado.

10.- A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

11.- A sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei não implica, por si só, em regra, a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

M (…), residente na Rua dos P (...) , Marinha Grande, veio deduzir embargos de executado contra Banco (…), S. A., com sede na Av. (...) , em Lisboa, alegando, em síntese, que deveria ter sido aposto na livrança dada à execução o montante de € 10.944,51 e que a exequente falta intencionalmente á verdade quando preenche a livrança pelo montante de € 128.206,71, pelo que deve ser condenada como litigante de má fé.

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A exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos do executado e dizendo que a pretensão do embargante deveria ser indeferida por não poder ser invocada por avalista e que a livrança dada à execução foi preenchida pelo montante em dívida, não existindo qualquer preenchimento abusivo.

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Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o valor da ação, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

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Foi realizada audiência final, tendo sido ouvidos em declarações de parte o embargante e o executado M (…) e inquiridas duas testemunhas.

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Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:

«Face ao exposto, ao abrigo das disposições legais citadas e com os fundamentos invocados, julgo os embargos do executado improcedentes e, em consequência, determino o prosseguimento da execução.

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Custas pelo embargante (artigo 527.º, nos 1 e 2, do Código de Processo Civil)».

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M (…), Executado/Oponente nos autos à margem identificados, tendo sido notificado da Sentença proferida nos presentes autos, veio, por dela discordar, interpor o presente RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que:

(…)

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Não foram proferidas quaisquer contra-alegações.

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II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

Dos elementos trazidos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:

1. Na execução a que a presente oposição corre por apenso foi apresentado como título executivo uma livrança com o n.º 508225140083349480, emitida em Lisboa, no dia 13 de agosto de 2013, no montante de € 128.206,71, com vencimento a 13 de agosto de 2013, subscrita por M (…), Lda e avalizada por M (…), MS (…) e MR (…) , , com a indicação que, no seu vencimento, a quantia deveria ser paga à B (…), SA ou à sua ordem.

2. A livrança referida em 1 é uma livrança-caução, destinada a garantir o cumprimento de todas as obrigações decorrentes do contrato de locação financeira n.º 1019164, celebrado entre o exequente e M (…) Unipessoal, Lda

3. O contrato referido em 2. teve por objeto um centro de maquinação vertical marca Microcut Mod. VMC-1300 e um Audi A4 S-Line TDI.

4. Na sequência da resolução do contrato referido em 2., a exequente vendeu os bens referidos em 3, pelo valor global de € 43.304,45.

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III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

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Não se provaram outros factos relevantes para a decisão, designadamente não se provou o seguinte:

a)O valor aposto na livrança não corresponde ao valor contratualmente acordado.

b)O exequente faltou intencionalmente à verdade.

c)Ao apor o valor na livrança o exequente não considerou a venda referida em 4.

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O Tribunal não se pronuncia quanto à demais factualidade alegada pelas partes por se tratar de juízos conclusivos, matéria de direito ou não serem relevantes para a boa decisão da causa.

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Nos termos do art. 635° NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

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Das conclusões, ressaltam as seguintes questões:

1.

G. A sentença proferida não contém na matéria de facto assente factos que alí deveriam constar e que resultam da prova testemunhal e documental produzida, designadamente deverão ser adicionados à matéria de facto assente os seguintes factos:

H. A) O Embargante/Executado teve intervenção direta no pacto de preenchimento da livrança em branco;

I. B) De acordo com o contrato de locação financeira identificado no ponto 2, o mesmo foi celebrado pelo prazo de 84 meses e rendas de periodicidade mensal, sendo que o valor das rendas da 1ª à 24ª ascendia ao montante de 991,74 €;

J. C) O valor das rendas da 25ª a 48ª ascendia ao quantitativo de 1.404,96 €;

K. D) O valor das restantes rendas ascendiam ao quantitativo de 2.357,84 €;

L. E) O valor residual ascendia ao quantitativo de 2.141,12 €.

M. F) A todos os montantes supra identificado acresce IVA à taxa em vigor.

N. G) Mensalmente o valor de cada uma das prestações acordadas seria debitado na conta da Executada M (...) com o NIB (...) , conta sediada no B (...) , S.A.

O. H) No âmbito do citado contrato ficou consignado que em caso de mora – Artº 21º sob a epigrafe Mora “1- A falta de pagamento pontual das rendas vencidas, e/ou outros montantes devidos pelo locatário, no âmbito do presente contrato, implica a obrigação de pagamento, ao Locador de juros de mora e de encargos, nos termos dos números seguintes. 2 – Os juros de mora serão calculados pela adição, à taxa de juro convencionada para o contrato, da sobretaxa máxima permitida por lei às sociedades de locação financeira. 3 – Os encargos devidos por cada débito vencido e não pago pontualmente, serão devidos quando não haja lugar à resolução do contrato nos termos do art.19º e calculados por aplicação de uma percentagem fixada no preçário em vigor à data da constituição em mora, sobre os valores em falta, até ao limite máximo de 10% do respectivo montante.”

P. I) Ainda no âmbito do aludido contrato o locatário - a Executada M (...) , Lda, autorizou o locador B (...) , a preencher livrança de caução subscrita como garantia ao citado contrato, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das obrigações assumidas pelo locatário nos termos do referido contrato e das suas eventuais alterações, atualizados à data do seu vencimento, acrescido dos respectivos encargos com a selagem dos títulos, bem como das despesas de cobrança extrajudicial que, se fixam em 10% do valor da causa, com o limite mínimo de 500,00 € e o limite máximo de 2.500,00 €.

Q. J) A Executada M (…), Lda pagou integral e pontualmente o valor das rendas acordadas até ao mês de Março do ano de 2012 (inclusive).

R. K) Em Dezembro do ano de 2012 o B (...) resolveu o citado contrato de locação financeira.

S. L) À data da resolução do referido contrato de locação financeira, o valor das rendas vencidas e não pagas ascendia ao montante de 8.677,38 €.

T. M) Por força da cláusula 20ª do citado contrato, em caso de resolução do contrato de locação financeira nos termos do art.19º, o locador tem direito a:

d. A fazer definitivamente suas as rendas vencidas e pagas pelo locatário;

e. A restituição imediata do equipamento.

f. Ao pagamento, a data da resolução, das rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos respectivos juros de mora, encargos e portes de acordo com o preçário em vigor, do montante do capital financeiro em dívida e de uma indemnização igual a 20% deste, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

U. N) Assim, por força da resolução do contrato de locação financeira em causa, a Executada M (…), obrigou-se ao pagamento das rendas vencidas e não pagas, no montante total de 8.677,38 €, acrescidas dos juros de mora e de uma indemnização correspondente a 20% do capital em dívida, ou seja, 20% de 8.677,38 €, o que perfaz uma indemnização de 1.735,48 €.

V. Os factos supra descritos em A) a N) deveriam constar da matéria de facto dada como provada, porquanto assentam na prova testemunhal e documental produzida.

W. Devendo tais factos ser adicionados á matéria de facto assente, o que se requer a V/ Exªs.

Apreciando, diga-se que, na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados (Abrantes Geraldes, Recursos, 3ª edição, 2010, Almedina, pág.320.)

Mas não deixa de ser pertinente, como assinala o acórdão de 3.12.2013, desta Relação, no processo 194/09.0TBPBL.C1, em www.dgsi.pt. "quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas - nomeadamente prova testemunhal -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela” (Cf. Ac. RC nº70/14.4T8PBL.C1, de 17.05.17, Relator: Fernando Monteiro, in www.dgsi.pt.).

No âmbito do n.º 1 deste artigo integram-se as eventuais violações das regras do direito probatório material, designadamente o desrespeito, pelo tribunal recorrido, da força plena de certo meio de prova "o que ocorre quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371.°, n.º 1, e 376.º, n.º 1 do CC), o considere não provado, relevando para o efeito prova testemunhal produzida. Ou, quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória, constante de documento, ou resultante do processo (art. 358.º do CC e arts. 484.º, n.º 1, e 463.º do CPC), ou acordo estabelecido entre as partes, nos articulados, quanto a determinado facto (art. 574.º, n.º 2, do CPC), optando por se atribuir prevalência à livre convicção formada a partir de outros elementos probatórios (v.g. documento particular sem valor confessório ou prova pericial). Ou, ainda, nos casos em que tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (v.g presunção judicial ou depoimento testemunhal, nos termos dos arts. 351.º e 393.º do CC), situação em que a modificação da decisão da matéria de facto passa pela aplicação ao caso da regra de direito probatório material (art. 364.º, n.º 1, do CC)" (ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, ps. 225 e s.). Com o princípio da livre apreciação de provas consignado no art. 655.°, n.º 1, do Cód. Proc. Civil (607º NCPC), a só ceder perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifiquem nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (arts. 350.°, n.1, 358.°, 371.° e 376.°, todos do Cód. Civil) (Ac. RE, 20-9-1990: BMJ, 399.°-603).

Na circunstância, reproduzida a prova na sua integral dimensão, designadamente, no renovo, de outiva, pelo Tribunal da Relação dos depoimentos prestados, pelos intervenientes processuais referenciados, não pode inferir-se - declaradamente -, mais do que o, assim, expresso, designadamente, no que faz ressumar, e autonomamente, também, se assume, que:

(…)

Elementos, agora, recuperados que, em conjugação, funcionam como esteio da apreciação em decisório, revelada, também, adequada, segundo a qual, nos próprios termos proferidos:

«não resultou provado nem foi alegado que o embargante tenha participado do pacto de preenchimento (e, note-se, o embargante, ouvido em declarações de parte, foi perentório ao afirmar “só fui avalista e nada mais”).

O que, tudo visto, se revela de compatibilidade, do mesmo modo, em função da causa de pedir e do pedido formulado, à suficiência da matéria de facto considerada provada e não provada, como suporte bastante para a expressão decisória patenteada na decisão.

Isto porque, também, neste campo, não tem o juiz que guiar-se por um critério meramente subjectivo, orientado pela qualificação jurídica, pelas normas e pela solução que tem em mente nesta fase processual, antes deve acautelar a prova de todos os factos que tenham alguma relevância para a correcta e, eventualmente, divergente, integração jurídica (CF. A. S. ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 2.' ed., 1999, pág. 151). Sempre tendo presente que o juiz “seleccionará e destacará” de entre os factos articulados, controvertidos e pertinentes à causa, os que forem indispensáveis para resolvê-la. Devem ser arredados os factos dos quais não possa depender, em face de qualquer das soluções plausíveis, que a questão de direito possa comportar, segundo a lei, a sorte do litígio (Cf. Ac. RE, de 21.11.1985: BMJ, 353.°-530).

(…)

O que responde negativamente às questões em 1.

*

2.

X. A serem integrados na matéria de facto assente os factos supra descritos em A) a N), impõe-se necessariamente a procedência dos embargos do Executado, o que se requer a V/ Exªs seja reconhecido.

A resposta anteriormente formulada não concede outro alcance de formulação àquela questão, recte, conclusão, de parte, que, aqui, vem “diferenciadamente” equacionada. Por tal forma assumida, se expressando.

*

3.

Y. Por outro lado, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo efetuou um incorreto enquadramento jurídico da matéria de facto, com clara violação do disposto no nº3 do Artº 607º do CPC.

Z. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo entendeu não estarem reunidos todos os pressupostos para a condenação de litigante de má fé do Banco Recorrido.

AA. Designadamente,

 considerou não estarem provados os pressupostos necessários, a saber: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

BB. Porquanto, e ao contrário do defendido pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo na douta sentença, o Recorrido com o Requerimento executivo deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, bem como a sua posição nos presentes autos é de total alteração da verdade dos factos, conforme adiante se explanará.

CC. De acordo com o contrato de locação financeira celebrado entre o Banco Recorrido e a Executada M (…), contrato a que coube o nº1019164, e mais especificamente na sua cláusula 20ª, o contrato prevê que em caso de resolução o locador tem direito a fazer definitivamente suas as rendas vencidas e pagas pelo locatário, a restituição imediata do equipamento e ao pagamento, a data da resolução, das rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos respectivos juros de mora, encargos e portes de acordo com o preçário em vigor, do montante do capital financeiro em dívida e de uma indemnização igual a 20% deste, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

DD. Ora a presente cláusula é uma cláusula clara e objetiva.

EE. A cláusula 20ª do aludido contrato prevê os direitos a que o locador terá em caso de resolução do contrato de locação financeira, onde não se incluem as rendas vincendas do aludido contrato.

FF. No entanto, o Banco Recorrido, sem que haja fundamentação legal para o efeito, preencheu a livrança emitida na sequência da celebração do contrato de locação financeira, com o valor correspondente às rendas vencidas, juros moratórios, indemnização, despesas e ainda rendas vincendas.

Neste particular, refira-se, em função do que se consigna no art. 607º NCPC (sentença), que a obrigação de fundamentação implica que o julgador indique quais os concretos meios probatórios considerados e quais as razões, objectivas e racionais, pelas quais tais meios obtiveram no seu espírito credibilidade ou não, de molde a compreender-se o "itinerário cognoscitivo" seguido para a consideração de determinado facto como provado ou não provado (Ac. RG, de 22.3.2007: Proc.173/07-l.dgsi.Net). O que foi empreendido, de forma suficiente e adequada através do que se consignou em decisório, designadamente, a fls. 95 ss.

Confronte-se, também como elemento de sufrágio (convocando, igualmente, o teor da resposta em 1), do que se consagrou em decisório e sobre o sentido e alcance do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 607º NCPC, a pertinência do delineamento noticiado pelo Trib. Constitucional no Ac. n.º 198/2004 (DR. II, de 2.6.2004, págs. 8545 e s.), embora formulada com referência ao processo penal, mas transponível para o processo civil, segundo o qual

 

«O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.

Tal operação não é pura e simplesmente lógica-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva ( ... ).

Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e oralidade), a da dúvida inultrapassável (regras do ónus da prova).

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz (melhor) perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.

(...).

É pela imediação, também chamada "princípio subjectivo", que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova.

A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção».

Acresce que a sentença preferida em processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos. A interpretação da sentença - enquadrável na esfera de competência do STJ – exige, pois, em qualquer circunstância, que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, factores básicos da sua estrutura (Ac. STJ, de 28.1.1997: CoI. Jur./STJ 1997, 5.º-83). Com efeito, a interpretação de uma sentença (ou acórdão), como acto jurídico que é, deve obedecer, por força do disposto no art. 295.° do CC, aos critérios de interpretação dos negócios jurídicos. Significa isto que a sentença deve ser interpretada, de acordo com o que dispõe o n.º 1 do art. 236.° do mesmo código, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto. A correcta interpretação da parte decisória duma sentença exige a análise dos seus antecedentes lógicos, que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência. Exige, assim, que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, factores básicos da sua estrutura (circunstancialmente, em perfeita adequação à prova produzida, por isso sem nenhuma profanação de sentido ou alcance). Embora o objecto da interpretação seja a própria sentença, nessa tarefa há que ter em conta outras circunstâncias, mesmo que posteriores, que funcionam como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar (Ac. STJ, de 5.12.2002, Rev. n.º 3349/02-2.ª. Sumários. 12/2002). No caso, pelas razões invocadas, por adequação, sem outra alternativa de correspondência.

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Em vertente diferenciada, mais se aprecie que o art. 542º NCPC (responsabilidade no caso de má fé - noção de má fé), além de sistematizar os diversos comportamentos indiciadores de litigância de má fé, deixou claro que só o dolo ou a negligência grave relevam para esse efeito; por outro lado, quer a omissão grave do dever de cooperação quer o uso do processo, ou dos meios processuais, seja para entorpecer a acção da justiça, seja para protelar sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão, sob a alçada da litigância dolosa.

Daqui deriva que a condenação por litigância de má fé, em qualquer das suas vertentes - material e instrumental - pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave (art. 456.°. n.º 2, do CPC) pelo que se torna necessário que a parte tenha procedido com intenção maliciosa ou com falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida (Ac. STJ, de 3.2.2011, Rev. 351/2000: Sumários, 2011, p. 77). Por outro lado, manifestamente, a sanção processual do art. 456.° do CPC, é cominada para ilícitos praticados no processo e não para ilícitos anteriores à sua instauração (Ac. STJ, de 17.5.2011: Proc. 3813/07.9TVLSB.L1.S1.dgsi.Net). O que permite, em decorrência, considerar que a litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão. A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 456.°. n.ºs 1 e 2, do CPC. O que, todavia, apenas acontecerá se não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteando-se, nesse caso, litigância de má fé (Ac. STJ, de 11.9.2012: Proc. 2326111.09TBLLE.E1.S1.dgsi.Net). Circunstância que, na narrativa decisória dos Autos, a pretexto - em particular -, do que se patenteia em probatório, foi, consistentemente, assumida.

Em suma, a sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei não implica, por si só, em regra, a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos (Ac. STJ, de 23.4.2008: Proc. 97S2894.dgsi.Net).

Convertido, agora, em núcleo noemático de decisão, verdadeiro punctum cruxis assumido como problema judiciário, respeitante às “rendas vincendas”, o seu tratamento pressupõe referencial prodrómico analítico de compatibilidade. Empreendendo, refira-se que o preenchimento da letra/livrança em branco, condição imprescindível para que possam verificar-se os efeitos normalmente resultantes das letras/livranças - também no referencial do art. 10º LULL (art.s 75º, 767 e 78º LULL) -, faz-se de harmonia com o chamado contrato de preenchimento, que pode ser expresso ou tácito (Ac. Rel. Porto, de 17-5-968), in Jur. Rel. 14-654). E - retenha-se - pode existir a letra em branco sem ter havido contrato de preenchimento. Porém, quando o haja (por tal entendendo o circunstancialismo decorrente do consignado em probatório, e penas esse), o preenchimento tem de fazer-se nos limites e termos ajustados. A fazer jus ao facto de o contrato de preenchimento ser o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como, a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc (Abel Pereira Delgado, LULL, Anotada, 1980, p. 63).

Por isso, e sempre na emergência do que, inultrapassavelmente, se consigna em probatório, na situação sub judice, não se pode contrariar, tal como em decisório se consigna, que:

«(…) a livrança em branco é um título de crédito, passado e assinado por um subscritor (cfr. art. 75º/7, da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças – LULL), a favor ou à ordem de outra pessoa (cfr. art. 75º/5, da LULL), por via da qual o primeiro assume, perante o segundo, a obrigação de pagar a quantia nela aposta na data do vencimento (cfr. arts. 78º e 28º, ambos da LULL).

Caso o pagamento não seja efectuado, o tomador ou portador da livrança (a pessoa a quem ou a favor de quem é emitida ou que a tiver em seu poder) pode accionar o subscritor (cfr. art. 43º, ex vi art. 77º, ambos da LULL). Enquanto título de crédito, a livrança goza da chamada característica da abstracção, em virtude da qual os vícios que afectam a relação material subjacente à emissão da mesma são inoponíveis ao portador mediato e de boa fé (cfr. arts. 17º, ex vi 77º, ambos da LULL). No plano das relações imediatas, esta característica da abstracção não tem expressão, podendo os sujeitos cambiários respectivos defenderem-se por via da relação material subjacente.

A livrança pode ser assinada pelo subscritor sem estarem preenchidos os campos referidos nos pontos 3., 4., 5. e 6. do art. 75º da LULL. Tratar-se-á, neste caso, de uma livrança em branco, que é válida, à luz do disposto no art. 10º, ex vi art. 77º, ambos da LULL, e que não viola o estatuído nos arts. 75º e 76º da LULL.

Efectivamente, pese embora estes normativos estipulem que a livrança não pode produzir efeitos se faltar alguns dos requisitos previstos no art. 75º, a verdade é que «nenhum destes textos determina o momento em que a [livrança] deve apresentar-se integrada por todos os seus elementos essenciais. Esta questão é resolvida pelo artigo 10º; por ele ficamos a saber que, para tal efeito, o momento decisivo não é o da emissão da letra, mas sim do vencimento».

Por sua vez, o preenchimento da letra/livrança em branco não constitui falsidade, visto que o aceitante, ao subscrever uma letra/livrança em branco, obriga-se cambiariamente, e a essa obrigação corresponde o direito transmissível de preenchimento concomitante. (Ac. da Rel. Lx. de 30-3-962, in Jur. Rel., 8º-298). Ou seja, a falsidade da letra/livrança em branco só existe quando se dê oposição entre o preenchimento e a autorização dada pelo subscritor (Ac. do S. T. J., de 16-2-955, in Bol., 47º-265).

Por isso, não pode arredar-se que, se o autor, a quem foi entregue uma letra/livrança em branco, designadamente quanto à data do saque e do vencimento, ao montante e ao local do pagamento, alegou que a preencheu conforme o convencionado, o réu, querendo impugnar tal alegação, não deve limitar-se a afirmar que o preenchimento foi abusivo e arbitrário; cumpre-lhe tomar posição definida e por isso especificar factos que revelem abuso (Ac. do S. T. J., de 17-11-953, in Rev. Leg. Jur., 86.9-232). O que o recorrente não logrou, para lá do que se consigna em probatório. Exactamente porque o ónus consiste - na referência do art. 342°,1, do Código Civil - na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um benefício antes adquirido (Antunes Varela, Obrigações, 35): traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como liquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte) (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184).

O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (Ac. RC, 17-11-1987: CJ 1987, 50-80).

Assim, pois que todos os elementos considerados deficitários, alegadamente inconsiderados, pela recorrente, foram levados em devida conta, na decisão proferida.

Valendo, aqui, por dizer, acrescendo, pois, que confissão e admissão de factos por acordo são dois meios distintos de prova, pois a confissão consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária; a admissão de facto por acordo, ocorre quando factos relevantes para a acção ou para a defesa não forem impugnados, havendo uma aceitação deles, independentemente da convicção da parte acerca da realidade dele (Ac, STJ, de 7.10.2010: Proc. 5298/06.8TBMTS.S l.dgsi.Net e CJ/STJ, 2010,1.°-14).

Por sua vez, sempre na emergência do art. 574º NCPC (ónus de impugnação), fixando que a posição dubitativa do impugnante só acarretará a admissão da veracidade dos factos, se o facto for pessoal, ou, se dele, a ter ocorrido, o impugnante não puder razoavelmente alegar ignorância (Rodrigues Bastos, Notas CPC, 3º, 52).

Ora, não pode, circunstancialmente, contornar-se que, estando assente, porque o próprio embargante o reconheceu, ter subscrito o contrato de crédito e a livrança a ele adjacente, é evidente que são tidos como factos pessoais e que deles devem ter conhecimento todos aqueles que descrevem as circunstâncias em que o contrato e a livrança ocorreram e suas vicissitudes, aqui se incluindo os pagamentos efectuados e os incumprimentos e a resolução contratual.

Em tais termos, pois que, directa ou indirecta, a impugnação repousa normalmente numa certeza: o réu afirma que o facto alegado pelo autor não se verificou ou que se verificou outro facto com ele incompatível. Afirmação e negação constituem declarações de ciência, que são informações sobre a realidade baseadas no conhecimento do declarante: trata-se de manifestações da esfera cognoscitiva sobre fragmentos da realidade que é objecto de conhecimento. Mas pode acontecer que o réu esteja em dúvida sobre a realidade de determinado facto e, neste caso, a expressão dessa dúvida é suficiente para constituir impugnação se não se tratar de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento, valendo como admissão no caso contrário (n.º 3). Constitui facto pessoal ou de que o réu deve ter conhecimento, não só o acto praticado por ele ou com sua intervenção, mas também o acto de terceiro perante ele praticado (incluindo a declaração escrita que lhe seja endereçada), ou o mero facto ocorrido na sua presença, e ainda o conhecimento de facto ocorrido na sua ausência (sem prejuízo de este, em si mesmo, não ser um facto pessoal: o réu apenas terá de tomar posição definida sobre o facto do conhecimento). Pretendendo-se com a expressão "de que o réu deva ter conhecimento" cobrir os casos em que, pela natureza do facto e pelas circunstâncias concretas em que ele se produziu, o juiz deve entender, segundo o seu prudente arbítrio, usado em conformidade com as regras da experiência, que a parte dele teve conhecimento, tal expressão mais não estabelece do que a presunção de que determinado facto, não consistente em acto praticado pela própria parte, lhe é pessoal, isto é, caiu no âmbito das suas percepções, pelo que, em lugar de exprimir o segundo membro duma dicotomia de conceitos, fundado num dever ético de conhecimento, vem apenas reforçar o conceito de facto pessoal (Cf. ALBERTO DOS REIS, CPC anotado cit., IV, p. 93, e VARELA-BEZERRA-NORA, Manual cit., p. 568. Interpretação um pouco diversa é a de RODRIGUES BASTOS, Notas cit., III, p. 39 ("se dele, a ter ocorrido, não puder razoavelmente alegar ignorância"), e claramente distinta a de TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos cit., ps. 290-291 ("que deva conhecer segundo as regras da experiência comum ou em cumprimento de um dever de informação”; na jurisprudência, os acs. do STJ de 6.6.78 (SANTOS VITOR), BMJ, 278, p. 110 (, do TRL de 22.2.74, BMJ, 234, p. 336, do TRP de 5.5.81 (MACHADO E COSTA), BMJ, 307, p. 305, do TRC de 12.5.81 (OLIVEIRA MATOS), CJ, 1981, III, p. 201, e do TRE de 4.3.04 (BERNARDO DOMINGOS), www.dgsi.pt. proc. 2726/03-3) (Cf. José Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª Edição, pp. 328-329).

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Assim, já que, no presente caso, está aqui, também, centralmente em jogo:

«a definição do posicionamento do avalista face ao credor cambiário de uma letra ou livrança, no tocante às excepções cuja oposição perante este lhe é ou não consentida.

Questão que se prende umbilicalmente com o escrutinar do que sejam as “relações imediatas” da obrigação cambiária em que se acha inserido o avalista de uma letra ou livrança, e cujo resultado tem que ver com a possibilidade ou impossibilidade de ele se defender do credor cambiário recorrendo aos mecanismos dos art.º 10 e 17º da LULL.

Trata-se, no fundo, de encontrar solução para o problema da oponibilidade pelo avalista das excepções do preenchimento abusivo do título e, em geral, das que se possam inscrever no âmbito das relações imediatas do credor cambiário.

Ora já no Acórdão desta Relação de Coimbra, proferido na Apelação nº 800/09.6TBCBR-A.C1 houve pronúncia sobre os temas da natureza do aval e da relação do avalista na cadeia cambiária, tendo então produzido a seguinte reflexão:

“Economicamente, não há dúvida quanto a ser a obrigação do avalista uma obrigação de garantia. No entanto, à face do regime resultante do art.º 32 da LULL (aplicável às livranças por força do art.º 77, in fine) tem entendido a doutrina que o aval não é uma fiança, desde logo porque a obrigação do avalista não é subsidiária da do avalizado ou seja, da obrigação do signatário em atenção ao qual foi prestado o aval, na medida que não se extingue com a nulidade da obrigação garantida, salvo se esta advier de vício de forma. Por isso há quem fale, impropriamente, de fiança objectiva, com o propósito de significar que a obrigação do avalista se caracteriza por ser independente e materialmente autónoma da obrigação do avalizado. Perante o credor cambiário, o avalista aparece com uma responsabilidade abstracta pelo pagamento do título (letra ou livrança), com o limite apontado (do vício de forma da obrigação garantida) [Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 2ª ed., 1957, 2º V., Fasc.V, As letras, 2ª parte]. No plano da responsabilidade pelo pagamento do título, inexistindo vício de forma da obrigação garantida, tudo se passa como se para o portador a obrigação do avalista fosse perfeitamente independente da do avalizado, acrescendo a esta, como que a replicando em favor do credor. Significativa desta independência ou autonomia perante o credor é a expressão “responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”, que é utilizada na 1ª parte do art.º 32 da LULL. (…)

 Verdadeiramente, pode asseverar-se que a acessoriedade do aval face à obrigação garantida, que alguns autores classificam de acessoriedade típica, só tem expressão quando a obrigação avalizada é nula por vício de forma e, bem assim, quando o avalista paga o título e adquire os direitos do portador contra o avalizado e obrigados para com este (art.º s 77 e 32, III, da LULL).

No mais, a obrigação derivada do aval é um valor patrimonial que se soma ao da obrigação avalizada, estando totalmente autonomizada diante do credor cambiário.

Por força desta nota de perfeita autonomia, o avalista não pode servir-se de qualquer dos meios de defesa que pertencem ao avalizado.

Assim sendo, os vícios da relação fundamental que tenham ocorrido entre os subscritores originários - no caso vertente, mutuários e o mutuante - não podem ser apropriados pelo avalista, ainda que situados no âmbito das relações imediatas que entre aqueles se firmaram, visto que atinentes a uma sequência imediata de sujeitos da relação cambiária”.

Também no acórdão prolatado na Apelação nº 619/10.1TBTMR-A.C1 veio esta Relação de Coimbra a tomar a seguinte posição sobre a distinção entre relações mediatas e imediatas numa letra:

 

“Diz-se que a letra está no domínio das relações imediatas “quando está no domínio das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador-sacado, sacador-tomador, tomador-primeiro endossado, etc.), isto é, nas relações nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente das convenções extracartulares” [Abel Delgado, Lei Uniforme da Letras e Livranças, Petrony, 5ª ed. , p.118].

Já se dirá que a letra estará no domínio das relações mediatas quando ela se achar na posse de uma pessoa estranha às convenções extracartulares.

Como é sabido, a norma em apreço destina-se a proteger a circulação dos títulos e boa fé de terceiros, ou seja, os adquirentes do título não intervenientes numa anterior convenção, pondo-os a coberto da invocação de excepções e meios de defesa dos obrigados cambiários com os quais não se relacionaram. Ela consagra os princípios da literalidade, abstracção e autonomia das letras e livranças, como títulos cambiários vocacionados para a múltipla e sucessiva negociação. Cessa, porém, a protecção dos terceiros quando se evidencia que eles não adquiriram o título de boa fé, tendo esta a extensão que precisamente lhe é atribuída pela última parte do artigo”.

Não se vê razão para abandonar aqui esta perspectiva do aval.

Ela decorre do princípio teórico – inteiramente válido no plano abstracto – que permite compreender a natureza da mera prestação do aval cambiário.

Se a relação subjacente ou imediata que justifica o aval é a que liga o avalista ao avalizado, é essa “bilateralidade” que, em princípio, o coloca fora do círculo das relações do sujeito cambiário imediato, nomeadamente das que respeitam ao portador e emitente ou criador do título [hipótese que é, de longe, a que mais frequentemente ocorre].

Todavia nada obsta a que o avalista seja intencionalmente envolvido na relação causal da obrigação do avalizado.

Como observa Carolina Cunha [Letras e Livranças, Paradigmas Actuais e Recompreensão de Um Regime, Colecção Teses, Almedina, pág. 286], “o avalista é um puro obrigado de garantia, cujo ingresso no círculo cambiário supõe, de forma estrutural e estruturante, uma ligação à posição jurídica de um obrigado de referência que recebe a designação corrente de avalizado. Mas a ´bilateralidade explicativa’ da vinculação cambiária do avalista não coincide de forma necessária com essa (aparência de) ligação ao avalizado. Depende, isso sim, do modo concreto como o avalista foi determinado a subscrever o título (…). Não é raro, contudo, que a relação subjacente se estenda ao sujeito que é credor do avalizado e que fica (pelo menos inicialmente) portador do título. O fenómeno é sobretudo visível nos casos de subscrição de títulos em branco em que o avalista outorga no acordo de preenchimento celebrado entre avalizado e credor. Mas mesmo fora do contexto da subscrição em branco, também é possível que interceda uma relação extra-cartular de carácter atípico e variável, entre avalista e credor. (…)”

Esta necessidade de olhar ao contexto do aval para a inclusão ou exclusão do avalista do círculo das relações imediatas do credor cambiário é depois sublinhada por aquela mesma autora com esta explicação [Autora, ob. e ed. citadas, páginas 290-291]:

“Nesta medida, se é exacto afirmar que ‘a relação subjacente no que respeita ao aval é constituída pela relação que fundamenta o aval, a invocar nas relações entre avalista e avalizado’, já nos parece injustificado sustentar que a relação entre o portador-credor e o avalista ‘não constitui uma relação imediata, revelando, isso sim e sempre, uma relação mediata’”.

Tudo depende, por conseguinte, da existência de um acordo ou convenção extra-cartular que vincule ou implique o próprio avalista, envolvendo-o na relação causal que diz directamente respeito ao avalizado e ao credor deste.

Ora, havendo um pacto de preenchimento a que o avalista adere, está construído o elo de ligação deste com a relação subjacente à obrigação cambiária do avalizado e ao direito do atinente credor.

Forma-se então aqui uma relação causal do tipo triangular: se o avalista não pode opor-se ao preenchimento do título pelo credor da obrigação subjacente nos termos do pacto, também lhe é lícito defender-se com a mesma relação fundamental que autorizou o preenchimento do título nesses mesmos termos. A participação no acordo para o preenchimento associa o avalista à relação causal da subscrição do título, que, por isso, a pode discutir livremente com o respectivo credor. Idêntico efeito advirá de o avalista ter intervindo na relação contratual causante da emissão do título (Cf. Ac. RC, de 26-11-2013, Proc. nº 4269/10.4TBLRA-A.C1, Relator: FREITAS NETO).

Revertendo agora aos autos, circunstancialmente, para aferição, configura-se como incontroverso e incontrovertível -, mais uma vez, o que o decisório bem assinalou - que:

«A livrança dada à execução está devidamente assinada pelos obrigados cambiários, concretamente pela subscritora M (…), Lda e pelos avalistas M (…)a e do título consta a palavra “livrança”.

(…)

(Na) situação dos autos, não resultou provado nem foi alegado que o embargante tenha participado do pacto de preenchimento (e, note-se, o embargante, ouvido em declarações de parte, foi perentório ao afirmar “só fui avalista e nada mais”).

Assim, o relacionamento entre o exequente/portador da livrança e o embargante/avalista apenas se estabelece no âmbito das relações mediatas, não sendo admissível ao avalistas, nesta circunstâncias, opor ao portador do título a exceção do preenchimento abusivo.

(…)

o embargante não alegou expressamente qualquer pagamento efetuado pelo avalizado. Porém, a entrega e venda dos bens locados situa-se nesse domínio, já que também ela contribui para a satisfação do crédito do portador do título.

Contudo, não resultou provado que, ao inscrever o valor na livrança dada à execução o exequente tenha desconsiderado o valor da venda dos bens locados (e, nessa medida tenha atuado com má fé).

Assim, terá de improceder a pretensão do embargante no sentido do desconforme preenchimento do valor da livrança».

Exactamente porque, enquadrada, desta forma, a materialidade em causa, haver de se referenciar, em termos de subsunção, que:

«o art. 10º da LULL, aplicável à livrança (art. 77º da mesma LU), prevê a admissibilidade da letra em branco, mas estabelece que se tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, a inobservância desses acordos pode ser motivo de oposição ao portador quando este tenha “adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a tenha cometido uma falta grave.

         Por sua vez, relativamente aos documentos assinados em branco, em geral, admite-se no art. 378º C. Civil a ilisão do respectivo valor probatório, “mostrando-se que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído”.  

Não se exige qualquer forma especial para o acordo ou pacto de preenchimento, vigorando o regime regra da consensualidade acolhido no art. 219º C. Civil.

Finalmente, a extensão e conteúdo da obrigação do avalista aferem-se pelos do avalizado, pois que aquele é responsável “da mesma maneira” que este - art. 32º LULL.

         Do conjunto normativo convocado resulta claramente que o subscritor do título cambiário, ao emiti-lo, atribui ao portador a quem o entrega o direito de o preencher de harmonia com o convencionado a tal respeito.

         Mais resulta que a violação do pacto de preenchimento, configurando uma falsidade material do título, retira-lhe, na medida do que for desrespeitado, a eficácia probatória, impendendo sobre quem a invoca – no caso o Oponente - a prova desse facto impeditivo (ilisão do valor probatório – art. 378º cit.) – art. 342º-2 C. Civil (cfr. LEBRE DE FREITAS, “A Falsidade no Direito Probatório”, 132/133; Ac. STJ, 01/10/98, BMJ 480º-482).

         E poderá mais extrair-se que a responsabilidade cartular do avalista não é diferente da do aceitante da letra ou do subscritor da livrança, sendo solidária a sua obrigação, donde que o avalista só possa socorrer-se da excepção do abuso de preenchimento se (em conjunto com o sacador e o obrigado avalizado) tiver sido parte no acordo cuja violação invoca, o que também é inerente ao concurso do pressuposto de oponibilidade só ser admissível no âmbito das relações imediatas entre os subscritores cambiários (art. 17º LULL).

(…)

Como se escreveu no acórdão de 4 de Março de 2008 (proc. 07A4251), “destruída a cláusula subjacente à obrigação cambiária (de aval) assumida pela oponente, não há relação causal que justifique poder o oponente prevalecer-se da excepção de preenchimento abusivo, por não se poder falar, então, em relações imediatas”.

(…)

 Nenhum obstáculo se coloca à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge apenas com o preenchimento, quer antes, no momento da emissão, a ele retroagindo a efectivação constante do título por ocasião do preenchimento. Necessário é que se mostre preenchida até ao momento do acto de pagamento voluntário (cfr. PINTO COELHO, “As Letras”, II, 2ª, 30 e ss; FERRER CORREIA, “Lições de D.to Comercial”, Reprint, 483; VAZ SERRA, BMJ, 61º-264; O. ASCENSÃO, “D.to Comercial”, III, 116).  

         Estamos, como também já referido, perante uma livrança-caução, no âmbito do aval cambiário, garantia pessoal reportada à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal, mas sujeitando-se, por via da assinatura do título como avalista, à sorte da obrigação avalizada.

         A obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado – com a ressalva da projecção do vício de forma desta sobre aquela -, embora a ela equiparada.

         A garantia prestada pelo avalista assume carácter objectivo e, por isso, como se escreveu no Assento do STJ n.º 5/95 (DR, I-A série, 20/5/95, 3129), «não assumindo o avalista a própria obrigação do avalizado para a cumprir na vez deste se este a não honrar, a equiparação expressa na estatuição «responde da mesma maneira» do art. 32º-1 significa que o avalista, relativamente à sua própria obrigação, ocupa posição igual à daquele por quem deu o aval. Responde como obrigado directo ou de regresso consoante a obrigação do avalizado, como se fosse sacado, aceitante, etc., consoante a posição como subscritor do respectivo avalizado. Equiparação não é, pois, identificação, porquanto são autónomas as obrigações do avalista e do avalizado» - art. 32º LULL.

         A responsabilidade do avalista é, em suma, dada pela medida objectiva da do avalizado, mas independente da deste, sendo ainda aquele, quando avalista do aceitante da letra ou do subscritor da livrança – a par de quem se colocou e com quem se solidarizou perante os outros obrigados cambiários -, obrigado directo e não de regresso (cfr. ABEL DELGADO, “LULL, Anotada”, 125 e 149; RLJ, 71º-234 e ss.; PAULO SENDIM e EVARISTO MENDES, “A Natureza do Aval ...”, 36 e ss.). 

         Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela «estiver efectivamente configurada» - arts. 10º e 32º-2 cit. (P. SENDIM, “Letra de Câmbio”, II, 149).

Tudo quanto se foi deixando referido vem, pois, a propósito e tende à conclusão de que – como referido – se perfila obrigação cambiária assumida pelo ora Recorrente - garantia pessoal “dada por terceiro”, como avalista em livrança em branco -, em que não se mostram violados os termos em que as Partes ajustaram a definição e configuração dessas obrigações cambiárias.

Na ausência de violação do contrato de preenchimento, ou de outro pacto posterior, o preenchimento do título tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada na letra e a correspondente exigibilidade, nomeadamente em relação aos avalistas do aceitante que se apresentam como que «co-aceitantes» e, com ele, responsáveis solidários (cfr. FERRER CORREIA, ob. cit., 526).

         Finalmente, dir-se-á que, como se colhe da norma do mencionado art. 10º, a obrigação cambiária do avalista da letra ou livrança em branco surge com a aposição das respectiva assinatura nessa qualidade e com a emissão do título, numa palavra, com a dação do aval.

(…)

         E, por isso, como decorre do anteriormente exposto quanto à excepção de preenchimento abusivo e relações imediatas/mediatas, o Oponente, ao colocar-se na posição de não poder opor à portadora da livrança uma eventual excepção do preenchimento abusivo, mantém-se obrigado nos precisos termos resultantes da obrigação cambiária inerente ao aval dado – arts. 32º e 77º da LULL» (Cf. Ac. STJ de 22-10-2013, Proc. nº 4720/10.3T2AGD-A.C1, Relator: ALVES VELHO).

Colhe, por isso, resposta negativa a questão em 3. consagrada.

**

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 NCPC) que:

1.

Em princípio, o avalista da subscritora de uma livrança posiciona-se fora das relações imediatas que se estabelecem entre o emitente desta e a subscritora, encontrando-se apenas numa relação de imediação com a subscritora avalizada.

2.

 Mas já estará naquelas relações imediatas, podendo defender-se com os vícios da relação fundamental perante o credor-emitente-portador da livrança, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido por esse emitente no pacto de preenchimento, ou com ele participar numa relação extra-cartular que interfira nas condições para esse preenchimento.

3.

Em tais circunstâncias, o avalista pode sempre opor ao credor cambiário o pagamento total ou parcial do crédito causal da emissão da livrança, ainda que esse pagamento tenha sido efectuado pelo avalizado, mas sem que, todavia, se possa furtar à averiguação circunstancial de enquadramento daquele excepcionado pagamento, ou da sua viabilidade.

--

4.

No caso sub judice, perfila-se uma livrança-caução, no âmbito do aval cambiário, garantia pessoal reportada à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal, mas sujeitando-se, por via da assinatura do título como avalista, à sorte da obrigação avalizada.

5.

A obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado – com a ressalva da projecção do vício de forma desta sobre aquela -, embora a ela equiparada.

6.

A garantia prestada pelo avalista assume carácter objectivo e, por isso, como se escreveu no Assento do STJ n.º 5/95 (DR, I-A série, 20/5/95, 3129), «não assumindo o avalista a própria obrigação do avalizado para a cumprir na vez deste se este a não honrar, a equiparação expressa na estatuição «responde da mesma maneira» do art. 32º-1 significa que o avalista, relativamente à sua própria obrigação, ocupa posição igual à daquele por quem deu o aval. Responde como obrigado directo ou de regresso consoante a obrigação do avalizado, como se fosse sacado, aceitante, etc., consoante a posição como subscritor do respectivo avalizado. Equiparação não é, pois, identificação, porquanto são autónomas as obrigações do avalista e do avalizado» - art. 32º LULL.

7.

 A responsabilidade do avalista é, em suma, dada pela medida objectiva da do avalizado, mas independente da deste, sendo ainda aquele, quando avalista do aceitante da letra ou do subscritor da livrança –-a par de quem se colocou e com quem se solidarizou perante os outros obrigados cambiários -, obrigado directo e não de regresso. 

8.

Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela «estiver efectivamente configurada» - arts. 10º e 32º-2.

9

Na ausência de violação do contrato de preenchimento, ou de outro pacto posterior, o preenchimento do título tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada na letra e a correspondente exigibilidade, nomeadamente em relação aos avalistas do aceitante que se apresentam como que «co-aceitantes» e, com ele, responsáveis solidários.

--

10.

Quando o avalista tenha tomado parte no pacto de preenchimento de livrança em branco, subscrevendo-o, devam ser qualificadas de imediatas as relações entre ele e o tomador ou beneficiário da livrança – pois que não há, nesse caso, entre o avalista e o beneficiário do título interposição de outras pessoas -, o que confere ao dador da garantia legitimidade para arguir a excepção, pessoal, da invalidade do pacto de preenchimento.

11.

Se o avalista opta por lançar mão da invalidade da cláusula que integra pacto de preenchimento em que interveio, com a respectiva exclusão do contrato, auto-exclui-se da intervenção no acordo de preenchimento e, consequentemente, do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com a beneficiária da livrança, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a excepção do preenchimento abusivo.

12.

Para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto excepção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado.

13.

Se, em substituição do pacto inválido e excluído nenhum outro se invoca, como obrigação desrespeitada no acto de preenchimento da livrança, então não há objecto sobre o qual possa ser alegado e discutido preenchimento abusivo, carecendo o avalista de fundamento para discutir uma eventual excepção, por isso que nenhuma violação de convenção consigo celebrada imputa aos demais signatários do título cambiário, por via da qual se mantivesse nas relações imediatas. Assim sendo, sobra a posição jurídica de avalista, assumindo o aval a sua plena autonomia, mantendo-se aquele obrigado nos precisos termos resultantes da obrigação cambiária inerente ao aval dado.

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14.

A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

15.

A sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei não implica, por si só, em regra, a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos.

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo