Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
319/21.7GBCNT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: INDEFERIMENTO DE MEIOS DE PROVA
SUBIDA DO RECURSO
(IN)CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 10/14/2022
Votação: U
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO ARTº 405º CPP
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 407.º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (DL N.º 78/87, DE 17 DE FEVEREIRO)
ARTIGOS 32.º, N.º 1 E 20.º, N.º 5 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
Sumário:
I – A subida a final do recurso que indefere meios de prova não o torna absolutamente inútil.

II – A norma do art.º 407.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, quando interpretada neste sentido não ofende o disposto nos artigos. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 5 da Constituição da República.

Decisão Texto Integral:

Reclamação – artigo 405.º do Código de Processo Penal
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Reclamante/ …………………AA (assistente).

Reclamado/……………………..Ministério Público e BB (arguido).

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Sumário:
Colocando-se a hipótese de ter faltado um pressuposto processual relativamente à prolação do despacho do juiz de instrução previsto no artigo 280.º do Código de Processo Penal (no caso, falta de concordância prévia do assistente), tal despacho é recorrível nos termos previstos no artigo 399.º do mesmo código.
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I. Relatório
a) A presente reclamação contra o não recebimento do recurso insere-se num

processo de inquérito e tem como causa mediata o despacho do juiz de instrução de 14 de fevereiro de 2022, onde se expressou anuência, nos termos previstos no artigo 280.º do Código de Processo Penal, à decisão do Ministério Público tomada no sentido de suspender provisoriamente o processo movido ao arguido BB.
O despacho reclamado tem este teor:

«…o douto recurso interposto reporta-se ao despacho proferido na ref. 34211713, respeitante a manifestação de concordância judicial com a decisão de suspensão provisória – cfr. art. 281, do CPPenal.
Conforme vem sendo afirmado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores (cfr.

Acs. da R.L. de 18/03/2019 no proc. n.º 2074/16.3T9LSB-A.L1-9”, da R.P. de 08/01/2016 no proc. n.º 8215/15.0T9PRT-A.P1, da R.C. de 22/01/2014 no proc. n.º 148/13.1GCVIS.C1 e de 16/06/2015 no proc. n.º 1/15.4GCSRT.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt), a declaração de concordância do juiz na suspensão provisória do processo é um ato processual de natureza judicial, não decisório, que constitui o pressuposto formal, e substancial, da determinação do M. P. de suspensão provisória do processo nos termos do no 1 do art. 281 do C.P.P.

Na verdade, a verdadeira decisão de suspensão compete ao M. P., sendo a concordância do JIC mera formalidade essencial, embora de conformação (de controlo da legalidade) daquela decisão (do Ministério Público), sendo esta última (a decisão do Ministério Público) que sinaliza o fim da relação jurídica processual penal que se estabelece entre o Estado e todos os diversos sujeitos processuais penais.

O despacho de declaração judicial de concordância com a decisão de suspensão provisória do processo é, pois, um despacho irrecorrível.

Assim sendo, e ao abrigo do disposto no art. 414, n.º 2, do CPPenal, não se admite o recurso interposto.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legalmente previsto.»

b) A assistente ataca esta decisão do juiz de instrução argumentando que não estavam reunidos os pressupostos para ele ter exarado nos autos essa concordância com o Ministério Público, porquanto a suspensão provisória do processo tem como pressuposto a anuência do assistente, como se exige na a), do n.º 1, do artigo 280.º do Código de Processo Penal, e, no caso, a assistente não tinha concordado com a suspensão.

É certo, diz a assistente, que na data em que foi proferido o despacho por parte do juiz de instrução, a concordar com a decisão do Ministério Público, despacho esse de 14 de fevereiro, a assistente ainda não tinha sido admitida a intervir no processo nessa qualidade, o que só ocorreu pelo despacho de 17 de março de 2022, mas também é certo que já tinha feito o pedido em 26 de janeiro de 2022, e quando o processo foi remetido pelo Ministério Publico ao juiz de instrução, para este dizer se concordava ou não com a dita suspensão, o Ministério Público declarou, como se vê pelo seu despacho de 11 de fevereiro de 2022, in fine, que nada tinha a por à constituição de assistente, pelo que o juiz de instrução devia ter apreciado tal pedido de constituição de assistente antes de ter declarado se concordava ou não concordava com a mencionada suspensão provisória do processo.

A não apreciação prévia do pedido de constituição de assistente implicou que se tivesse cometido uma nulidade por omissão de pronúncia – artigo 195.º do Código de processo Civil -, nulidade também enquadrável no disposto na al. d), do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo Penal.

Inexistindo o pressuposto referido na al. a) do n.º 1 do artigo 280.º do Código de Processo Penal, aquando da concordância do juiz de instrução relativamente à suspensão provisória do processo a não se admitir o recurso existirá violação do direito ao recurso para o tribunal da Relação.

II. Objeto da reclamação

A questão colocada na presente reclamação consiste em saber se é recorrível, com fundamento na falta de concordância do assistente, o despacho do juiz de instrução que aderiu à decisão do Ministério Público no sentido de suspender provisoriamente o processo, nos termos previstos no artigo 280.º do Código de Processo Penal, quando o assistente havia já pedido a sua admissão como tal e nada obstava à sua admissão como assistente em momento temporal anterior ao da mencionada decisão de anuência por parte do juiz de instrução.

Previamente ponderar-se-á se o recurso não devia ter sido interposto da decisão que concluiu pala inexistência de nulidade. 

III. Fundamentação

(a) Matéria de facto processual
A matéria a considerar é a que consta do relatório que antecede. b) Apreciação

1 – Vejamos se o recurso devia ter sido interposto da decisão que concluiu pela inexistência de nulidade arguida a propósito da omissão de conhecimento prévio do pedido de constituição de assistente.

A resposta é negativa.

É certo que o recorrente podia ter recorrido de tal decisão, mas da decisão firmada no processo, no sentido de não ter sido praticada a nulidade invocada, não se segue que fique invalidado o fundamento para recorrer agora invocado pela Reclamante.
2 – Passando à questão colocada.

A resposta deve ser dada no sentido da admissibilidade do recurso, pelas seguintes razões:

 (a) Muito embora se concorde com o teor dos acórdãos citados no despacho recorrido, cumpre observar que a situação dos autos é diversa daquelas apreciadas nesses recurso.

Num dos casos citados, como na decisão sumária do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de janeiro de 2014, proferida no processo n.º 148/13.1GCVIS.C1 (Vasques Osório), que aqui serve de exemplo em relação aos demais, ponderou-se que «1. O despacho judicial de concordância com o arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, é um ato não decisório do juiz de instrução que constitui uma mera formalidade essencial de controlo da legalidade da futura decisão de arquivamento do Ministério Público, a proferir nos termos do artº. 280º, nº 1 do C. Processo Penal;

2. - Não sendo um ato decisório do juiz, o despacho de concordância não é recorrível.» - Sumário.

Nesses recursos colocou-se em causa o mérito da decisão do juiz de instrução, a substância da situação, no sentido de se saber se materialmente era justificada a suspensão, tendo em consideração os respetivos valores jurídico-penais do instituto da suspensão provisória do processo.
No presente caso a situação não é essa.
No caso dos autos o fundamento do recurso é dirigido aos pressupostos prévios que devem estar reunidos para que tal despacho possa ser proferido, seja no sentido da concordância ou da discordância.

Por outras palavras, a reclamante argumenta que antes de ter sido proferido o despacho de concordância do juiz de instrução, este devia ter apreciado previamente o pedido de constituição de assistente, e do deferimento desse pedido resultava que ele, juiz de instrução, não podia exarar o despacho recorrido porque logo verificava que faltava um pressuposto para esse despacho, que era a audição do assistente que tinha acabado de admitir.

Se a reclamante tem razão ao não tem quanto ao mérito do recurso é questão que aqui não cumpre apreciar, mas colocando-se a hipótese de ter faltado um pressuposto processual relativamente à prolação do despacho do juiz de instrução, previsto no artigo 280.º do Código de Processo Penal (no caso, falta de concordância prévia do assistente), tal despacho é recorrível nos termos previstos no artigo 399.º do mesmo código («É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei»).
Procede a reclamação.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se a reclamação procedente e admite-se o recurso, o qual sobe imediatamente; em separado, com efeito devolutivo - 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2, alínea a), 408.º, a contrario.
Sem custas.

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Alberto Augusto Vicente Ruço 
(Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, por competência delegada - Despacho do Ex.mo Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de março de 2022)