Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
309/11.8TBVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
EQUIDADE
ACTUALIZAÇÃO
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 494, 496, 562, 564, 566 CC
Sumário: 1 - Fundamentando-se as respostas a certos pontos da matéria de facto em vários meios probatórios, e insurgindo-se o recorrente contra elas apenas com base num de tais meios, a sua pretensão tem, liminar e necessariamente, de naufragar.

2 - Provando-se que autor deixou de poder amanhar horta na qual cultivava couves, cebolas, tomate, batata, frutas, etc, e verbalizando as testemunhas que tal implicou para ele o gasto de cerca de 350, 150, ou 100 euros mensais, é possível dar como provado este valor, através do juízo équo alcandorado em tal prova e nas regras da experiencia.

3 - O valor de 37.500 euros fixado a título de danos não patrimoniais, a lesado de 43 anos que, nuclearmente, sofreu fractura bimaleolar da tíbia, fractura-luxação do tornozelo esquerdo, fractura do cubóide esquerdo e do perónio, foi submetido a operações com colocação de placa e parafusos e fixação, fez exames e tratamentos durante mais de dois anos, teve um dano estético de grau 3/7, um prejuízo de afirmação pessoal de 4/7, e um quantum doloris de 5/7, mostra-se aceitável já que, considerando as circunstancias do caso e os valores fixados jurisprudencialmente, está ínsito em parâmetro admissível.

4 - Igualmente se mostra ainda inserta em margem de alea concedível – posto que seu limite máximo - o arbitramento da quantia de 65.000,00 euros a título de danos futuros para tal lesado, o qual auferia a quantia mensal de 712,30 euros e ficou com uma IPP de 20% ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psiquica, de 20 pontos.

5 - Não sendo pedida a correção monetária ela, se efetivada, é ilegal, por condenação ultra petitum.

6- A condenação em valor indemnizatório com base em juízo équo, deve ter-se por atualizada à data da sentença, pelo que apenas vence juros de mora a partir do dia seguinte à sua prolação – Ac. do STJ 4/2002.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

J (…), instaurou contra A (…)– COMPANHIA DE SEGUROS SA, ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário.

Pediu:

A condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €175.127,73, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. Impetrou €20.000,00 (“quantum doloris”), €10.000,00 (dano estético), €15.000,00 (prejuízo de afirmação pessoal), €1.200,00 (pelos dias de €10.000,00 (dano biológico) e, finalmente, em função de uma IPP de 25 pontos, em termos de perda de capacidade futura de rendimentos €68.820,36, que por via da sua incapacidade futura para o exercício de actividade na construção civil, acresce a importância de €22.940,12.

Por custos futuros com intervenções orçamentadas, €9.039,60 e ainda um conjunto de despesas com a impossibilidade de retirar da agricultura os ditos rendimentos, bem como com as roupas e calçado que utilizava e que ficaram inutilizadas e ainda despesas com taxas moderadoras, consultas médicas e relatório médico.

Alegou, em síntese:

 No dia 15 de Janeiro de 2008, pelas 16,50 h na Estrada Nacional 16, ao KM 78,450, nas proximidade de Lourosa da Comenda, São Miguel do Mato, Vouzela foi vítima de um acidente de viação, com um  veículo ligeiro de passageiros, sua propriedade, conduzido por terceiro e no qual o Autor circulava como passageiro.

O qual se traduziu num despiste do veículo, por razões relacionadas com distração do condutor ou problemas no piso, tendo saído da via, invadido a berma e imobilizando-se sobre ou de encontro a uma árvore.

Do acidente decorreram para a sua pessoa, lesões físicas e psíquicas, com problemas ao nível do tórax e fracturas do tornozelo esquerdo, do cubóide esquerdo e do perónio.

Teve de receber assistência hospitalar  na sequencia da qual perdeu alguns dentes, aquando da entubação, para ventilação, períodos de internamento, consultas externas, fisioterapia, exames radiográficos, intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, etc,

Era operário não especializado, auferindo 712,30 euros ilíquidos, além de que nos seus tempos livres dedicava-se a uma agricultura de subsistência, junto à sua residência, cultivando os denominados “mimos”, que significavam um rendimento anual que quantifica em €1.200,00.

A Ré assumiu a responsabilidade pela indemnização, pois que não contesta a razão do acidente, a propriedade do veículo e bem assim que o Autor nele circulava como passageiro.

Contestou a Ré.

Assumiu a sua obrigação de indemnizar, alegando que já pagou ao Autor, até então, a quantia de €37.688,00, mas não tendo à sua disposição elementos concretos acerca das lesões, termina pedindo que a acção seja julgada “de acordo com a prova que vier a ser produzida”.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«…julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provados os factos que a fundamentam e consequentemente DECIDO:

A Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia já líquida e actualizada total de €132.400,00 (cento e trinta e dois mil e quatrocentos euros.

A esta quantia acrescem os juros legais a incidirem sobre ela, desde 1 de Janeiro de 2015 até efectivo e integral pagamento.

B Condenar a mesma Ré a pagar ao Autor a quantia que se vier a apurar em futura liquidação pelos danos futuros que o Autor venha a sofrer em consequência do acidente.

C Absolver a Ré do restante do pedido.».

3.

Inconformada recorreu a  ré.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra alegou o autor pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 608º nº2 ex vi do 663º nº2,  635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª- Redução do quantum indemnizatório, por:

     I –  Diminuição da quantia dos danos não patrimoniais;

     II – Eliminação do prejuízo da atividade agrícola;

     III – Redução do valor dos salários não auferidos;

     IV – Redução da quantia por danos futuros;

     V – Ilegalidade da fixação de juros a partir da citação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade – a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de  9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

Efetivamente:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

Assim, estatui, adrede, o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

Perante o estatuído neste preceito tem-se entendido, por um lado, que:

«A exacta indicação das passagens da gravação…não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa…Daí que ao recorrente…seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.» - Ac. da RC de 17-12-2014, p.nº 6213/08.0TBLRA.C1 in dgsi pt.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genéricamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.

Tudo, aliás, para se poder cumprir a exigência de o recorrente transmitir à parte contrária os seus argumentos, concretos e devidamente delimitados, de sorte a que esta possa exercer cabalmente o contraditório – cfr. neste sentido, os Acs. da RC de  29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 16.06.2015, p. nº48/11.0TBTND.C2, ainda inédito; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

Finalmente:

«. No âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações.» - Acs. do STJ 15.09.2011, p. 455/07.2TBCCH.E1.S1 e de  de 09.02.2012, 1858/06.5TBMFR.L1.S1, aquele citando  Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pg. 157, nota 333.

5.1.3.

(…)

5.1.4

Decorrentemente, e no parcial deferimento desta questão, os factos a considerar são os seguintes:

1- Em 15.01.2008, pelas 16.50 horas, ocorreu um acidente de viação na Estrada Nacional 16, ao Km 78,450, nas proximidades de Lourosa da Comenda, freguesia de S. Miguel do Mato, no concelho de Vouzela, área desta comarca de Viseu;

2- Nesse dia e hora, C (…) conduzia o auto-ligeiro de passageiros com a matricula RJ (...) pela referida Estrada Nacional, no sentido Viseu/S. Pedro do Sul, nas proximidades da localidade de Lourosa da Comenda;

3- O RJ era, à altura do acidente, propriedade do aqui Autor, por o ter adquirido, em Março de 2007, a S (…);

4- Desde então, o Autor usava a referida viatura para se deslocar diariamente para todo o lado, inclusive trabalho, compras, visita de amigos, pagava o respectivo seguro, abastecia-o, verificava os óleos, o ar nos pneumáticos, etc, sendo que após a compra e, antes dela, pelos antepossuidores do veículo, até ao fabricante, o autor exerceu nela os poderes de facto correspondentes ao direito de propriedade, há mais de dois, cinco e dez anos- desde a construção do veículo –sem interrupção;

5- E utilizando o veículo para os seus fins próprios, de carga e transporte, como dono, convicto de actuar o direito de propriedade;

6- E fê-lo sempre à vista de todos e sem discussão nem oposição de ninguém;

7- No referido circunstancialismo de tempo e lugar o Autor seguia nele como passageiro, acompanhado por mais duas pessoas, além do condutor, ocupando o banco dianteiro do lado direito;

8- A estrada, no referido local- km 78.450 -configura-se em curva para a esquerda, no sentido em que transitava o RJ, sendo precedida de uma recta;

9- Ao desfazer a referida curva, o condutor do RJ, que imprimia à viatura uma velocidade não inferior a 60 Km/h, e por força dela, derrapou e perdeu o controlo da mesma, tendo entrado em despiste e, consequentemente, saído da faixa de rodagem até embater contra uma árvore que ali se encontrava junto à berma direita atento o seu sentido de trânsito;

10- O piso estava húmido, pois chovia, e havia alguma folhagem e seiva no asfalto proveniente das árvores que naquele local ladeiam a estrada;

11- No local do acidente, a rodovia era- e é -de piso asfaltado em boas condições de construção e aderência, com duas faixas de rodagem de sentidos opostos, com a largura de cerca de 3,25 mts cada faixa e de 6,50 mts a largura das duas faixas;

12- No local onde ocorreu o acidente a estrada tem ligeira inclinação descendente atento o sentido de marcha do citado veículo;

13- A via em causa, no seu trajecto desde Viseu até ao local do embate, é sinuosa, facto do perfeito conhecimento do condutor, como era do seu conhecimento o estado e as condições da via;

14- Aquando do despiste não circulava qualquer viatura em sentido contrário;

15- Após o embate, o autor teve de ser desencarcerado pelos Bombeiros o que levou cerca de 40 minutos;

16- O Autor foi ainda assistido no local pelo VMER e transportado para o hospital S. Teotónio de Viseu, onde deu entrada nas urgências, apresentando-se consciente com discurso confuso, hemodinâmicamente estável, muito queixoso com dor torácica e dos membros inferiores, particularmente do pé esquerdo;

17- Em consequência do descrito acidente o Autor sofreu as lesões que a seguir se descriminam, com a assistência médica que igualmente se identificam, ou seja:

a)- fractura bimaleolar da tíbia tipo C com luxação tibioastragaliana (fractura-luxação do tornozelo esquerdo) e fractura do cubóide esquerdo e do perónio, lesões que lhe causaram dores sensíveis;

b)- objecto de redução da luxação e imobilização comtala gessada e interna em ortopdeia A;

c)- nesse mesmo dia foi internado em ortopedia e operado de urgência ao pé esquerdo para redução e osteosintese do perónio com placa e parafusos e fixação do maléolo interno com parafusos com anilhas;

d)- fez RX do tórax, cervical, dorsal, lombar, bacia e à perna e tornozelo esquerdos;

18- Na operação, após complicações (no pós operatório desenvolveu dificuldades ventilatórias, com insuficiência respiratória global e acidose), motivo pelo qual foi transferido, pelas 20.00 hs do dia 16/01/2008, para a Unidade de Cuidados Intensivos (UCIP);

19- Foi então algaliado, medicado, entubado orotraquelmente e conectado a prótese ventilatória sob sedação com Propofol e vários bólus de relaxamento muscular, apresentando tórax assimétrico com hematoma na parede anterior esquerda, sem crepitação ou enfisema, sendo que no TAC torácico foi-lhe detectada colapso passivo dos lobos inferiores dos dois pulmões, pequeno hemopericárdio e pequena zona de enfisema no mediastino;

20- O Autor esteve entubado e manteve-se ventilado mecanicamente até 23/01/2008, com estado febril nos primeiros dias;

21- Em 26/01/2008 foi transferido para o Serviço de Ortopedia, tendo sido submetido a um TAC ao pé esquerdo, em 30/01/2008, que constatou uma fractura multi esquirolosa do cubóide, fractura das primeiras e segunda cunhas e do segundo metatársico, sem fractura do astrágalo, além da rotura do grande peitoral esquerdo e compressão do nervo cubital direito;

22- Com o acidente e ao ser entubado, o autor ficou sem dois dentes e com outros, em número não apurado, a abanar;

23- Com a redução e OST com 2 parafusos e redução e OST com placa 1/3 e pensos nos dias 28 e 31 de Janeiro, 4 e 11 de Fevereiro de 2008, teve dores;

24- Teve alta hospitalar em 19/02/2008, orientado para consulta externa de ortopedia, onde também fez curativos (pensos) até passar a ser tratado pelas clínicas da seguradora aqui Ré;

25- O Autor andou em tratamento ambulatório, primeiro no hospital de Viseu, depois em fisioterapia, deslocando-se com o auxílio de muletas, tendo frequentado pelo menos oito consultas externas (dias 22/02/2008, 26/02/2008, 29/02/2008, 04/03/2008, 07/03/2008, 11/03/2008, 13/03/2008 e 18/03/2008) no Hospital S. Teotónio de Viseu;

26- Ainda o Autor, entre 24/03/2008 e 01/10/2008, efectuou pelo menos 124 sessões de fisioterapia na Clínica Sr.ª da Beira, em Viseu;

27- E a partir de 4/11/2008, passou a ser seguido e observado pela Clinica da Ribeira, em Viseu, na qual, até 29/07/2009, fez, pelo menos, 30 sessões de fisioterapia;

28- Também o Autor foi, pelo menos, a 13 consultas de ortopedia e 19 (2 vezes por semana) mudanças de penso nessa referida Clínica da Ribeira;

29- E posteriormente foi seguido em consulta (pelo menos 6) pela seguradora ré na P (…) S.A., no Porto, desde Agosto de 2009, até à alta dada pelos serviços clínicos da Ré;

30- Em 19/06/2008 fez, na Dimag, RX ao Tórax, à perna e pé esquerdo e uma ecografia ao músculo peitoral esquerdo;

31- Em 30/09/2008 fez, ainda na DIMAG, ecografia e RX ao tornozelo esquerdo, que foi entregue à Clínica da Sra. da Beira, onde o Autor, na altura, estava a ser tratado sob as indicações da Ré;

32-  Em 4/11/2008 o Autor apresentava sinais de não consolidação do maléolo interno esquerdo, já com afastamento dos topos ósseos e desvio axial, como consta da informação da Clínica da Ribeira, onde o Autor fez sessões de fisioterapia a cargo e sob a indicação da Ré;

33– Em 10/03/2009, na Casa de Saúde de S. Mateus, em Viseu, o autor foi reoperado ao tornozelo esquerdo, com internamente desde esse dia até 11/03/2009, mas a cirurgia foi de difícil cicatrização, mantendo pseudartrose;

34- Durante o período de tempo em que andou em tratamento nas referidas clínicas em Viseu, o A deslocava-se de táxi de Vouzela a Viseu e vice-versa e careceu, durante a sua fase de recuperação, de ajuda de terceira pessoa nos afazeres domésticos, confecção de alimentos e sua limpeza e higiene pessoal;

35- Em 26/11/2009 fez RX à perna esquerda, tornozelos e pés, onde se observava sequelas de fractura do maléolo tibial e da região diafisária distal do perónio tendo sido fixada as fracturas com placas e parafusos;

36- Nesse RX o tornozelo direito mostra ligeiros sinais degenerativos e no pé notavam-se sinais de fractura, consolidada, destacando-se uma artrose médio-társica, mostrando o pé direito uma ossificação incompleta da cabeça do 5.º metatarsiano, há ainda lesões degenerativas das metatarso-falangicas com ligeira subluxação lateral;

37- Em 31/03/2010 foi a consulta de pneumologia ao Porto por força de uma queixa de persistência de dor torácica, tendo tido alta pneumológica em 14/04/2010;

38- Em 20/05/2010 fez uma ecografia, na Santa Casa da Misericórdia de Vouzela, das partes moles da região peitoral esquerda;

39- Em 20/07/2010 fez TAC torácica, nos serviços médico-sociais da Santa Casa da Misericórdia de Sever do Vouga, que relata “significativa alteração da textura do bordo esquerdo do esterno associado a exuberante calcificação marginal com dispermia e calcificação das cartilagens condroesternais, alterações que são compatíveis com um processo sequelar, traumático que envolve praticamente todo o rebordo esquerdo do esterno até ao nível do manúbrio”;

40- E em 15/03/2011 fez, nos serviços médico-sociais da Santa Casa da Misericórdia de Sever do Vouga, uma mamografia do seio esquerdo e ecografia bilateral por causa dos quistos que ali detém derivados do traumatismo ocorrido com o acidente, que poderá obrigar a uma intervenção cirúrgica para a sua remoção;

41- O Autor foi a consultas no Porto, aos médicos da Companhia de Seguros, nos dias 14/04/2010 (Pneumologia), 20/04/2010, 21/04/2010 e 28/04/2010;

42- Anteriormente ao acidente o Autor era obeso, diabético sendo medicado habitualmente para tais patologias, tinha insuficiência vascular crónica, nos membros inferiores, bronquite e ainda “tabagismo crónico até ao acidente”;

43- À data do acidente o Autor era uma pessoa alegre e trabalhadora, com grande alegria de viver e constante boa disposição, para com toda a gente, em especial amigos e família;

44- Na actualidade e nas actividades lúdicas e sociais o Autor, ao contrário do que antes fazia, não pode estar muito tempo de pé, percorrer longas distâncias, fazer caminhadas ou andar de bicicleta, além de que se alterou substancialmente a frequência com que confraternizava com os seus familiares, sobrinhos, primos e amigos, quer em festas quer em aniversários, em deslocações a jogos de futebol ou ainda a festas populares ou ainda no auxílio, na agricultura, a parentes e amigos;

45- O Autor sente-se actualmente diminuído, física e psicologicamente, não podendo fazer força e esforços, sentindo normalmente dores nos pés e no peito, principalmente quando levanta algo pesado, não conseguindo levantar totalmente o braço esquerdo;

46- No momento do acidente o Autor sofreu fortes dores e susto, com receio de um mal maior, como a morte;

47- Durante os tratamentos a que esteve sujeito sofreu fortes dores;

48- Ainda hoje o Autor não pode permanecer muito tempo de pé, por causa das dores, que o impedem também de caminhar longas distâncias, dores essas que se manifestam especialmente em dias húmidos e frios, e que se agudizam com o esforço e com a marcha, obrigando-o, por vezes, a ficar na cama;

49- As lesões ao nível dos membros inferiores e braço esquerdo, limitam-no consideravelmente, impedindo-o de correr, saltar ou fazer algum esforço, nomeadamente levantar objectos pesados;

50- E apresenta claudicação acentuada na marcha, sobe e desce escadas com grande dificuldade, a maior parte das vezes com o apoio de muletas;

51- À data do seu exame objectivo, no âmbito da perícia médio-legal, o Autor apresentavas as seguintes lesões e/ou sequelas do acidente:

TRONCO:

- na face ântero-superior esquerda do tórax pouco visível à observação mas bem notada à palpação tem uma depressão na zona do músculo grande peitoral;

- a mobilidade do ombro esquerdo está limitada a 90° na abdução e antepulsão, na rotação externa consegue 500 e na rotação interna a palma da mão fica na nádega;

- no ombro tem menos  força tanto na abdução como na rotação externa;

- não consegue levar a mão esquerda à nuca, ao ombro contralateral e à região lombar;                               .

TORNOZELO ESQUERDO

- globalmente bastante edemaciada;

- na face externa sobre a parte distal do peróneo tem uma cicatriz vertical, linear, com 11 cm de  comprimento não aderente aos planos profundos;

- sobre o maléolo interno tem uma área cicatricial com 6 por 5 cm, nacarada, aderente aos planos profundos;

- na pesquisa da mobilidade verifica-se que esta articulação tem menor amplitude que a contralateral; consegue apenas 10ª tanto na dorsiflexão como na flexão plantar, conseguindo-se 25° nestes movimentos no tornozelo direito;

TORNOZELO DIREITO  - sem edema importante; - mobilidade normal;

PÉS

DTO: - edema discreto no bordo externo com dor à palpação do 5° metatársico, mais intensa na sua  base;

ESQ: - visível edema da médiotársica do lado externo, com rigidez dolorosa da médio társica e da sub astragalina e com dores à palpação a este nível;

52- E como lesões e/ou sequelas sem relação com o evento, o Autor apresentavas edema e alterações tróficas, nas duas pernas, compatíveis com sequelas de insuficiência vascular crónica;

53- Na actualidade todo o descrito quadro de lesões e limitações ao quotidiano do Autor causam-lhe elevado sofrimento moral, passando a ser pessoa triste, apática, com angústia permanente e que também em permanência tem queixas de dores;

54- Ele também sofreu dor moral durante o tempo de internamento por não poder estar com os seus amigos e/ou família, desenvolver a sua actividade profissional normal, tão pouco aquelas a que gostava de se dedicar (nomeadamente a agricultura e passeios pedestres), e ainda com a impossibilidade de dispor do seu tempo de lazer;

55- Com as descritas sequelas, com reflexo negativo na vivência presente e futura do Autor, limitando-lhe as perspectivas profissionais e extra-profissionais, este tem sofrido constrangimento, desgosto e tristeza;

56- O Autor esteve na situação de doença entre a data do acidente- 15 DE JANEIRO DE 2008 –e a da consolidação médico-legal das lesões, fixada em 3 DE JANEIRO DE 2011;

57 No âmbito dos danos temporários o Autor teve a seguinte sequência:

a)- Défice Funcional Temporário Total: 66 dias, entre 15/01/2008 e 19/02/2008 e 10/03/2009 e 11/03/2009);

b)- Défice Funcional Temporário Parcial: 1.047 dias, entre 20/02/2008 e 9/03/2009 e 12/03/2009 e 3/01/2011;

58- Ainda o Autor teve uma repercussão temporária na actividade profissional total de 1.085 dias (entre 15/01/2008 e 3/01/2011) e nenhuma em termos de actividade profissional parcial;

59- O quantum doloris foi pericialmente fixado no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente, “tendo em conta as lesões sofridas e sua evolução”;

60- Na sequência das lesões e sequelas sofridas e que apresenta o Autor ficou portador de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psiquica de 20 pontos sendo que as sequelas não afectam o Autor em termos de autonomia e independência mas “são causa de sofrimento físico, limitando-o em termos funcionais”;

61- Ainda do dito relatório pericial consta que “na situação em apreço é de perspectivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico), o que pode obrigar a uma futura revisão do caso”;

62- De tal documento e na apreciação da Repercussão Permanente na Actividade Profissional, que identifica como “parâmetro de dano anteriormente designado por Rebate profissional”, lê-se que “neste caso, as sequelas descritas que deram origem à incapacidade permanente geral proposta são compatíveis com o exercício da actividade habitual (operário fabril indiferenciado) excepto subir e descer escadas de modo frequente, mas implicam esforços suplementares importantes”;

63- Relativamente ao Dano Estético Permanente, ele foi fixado no “grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as várias cicatrizes e deformações descritas”;

64- Em sede de Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer o relatório fixa-o “no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as várias actividades que deixou de fazer que embora não sejam consideradas desportivas e de lazer o examinando tinha necessidade de fazer”, sendo que no que tange à Repercussão Permanente na Actividade Sexualnão foram encontradas sequelas que permitam valorizar este parâmetro”;

65- Também do mesmo relatório, no item “Ajudas técnicas permanentes” consta “ajudas medicamentosas regulares e tratamentos de fisioterapia ocasionais”;

66- Na data do acidente o Autor era operário não especializado, prestando a sua força de trabalho à empresa Faurecia, em Vouzela, em regime nocturno, por força de um contrato de cedência de trabalhador efectuado pela empresa “Vedior – Psicologia, Empresa de Trabalho Temporário, Lda”, com sede na Avª João Crisóstomo, 52, 1069-079 Lisboa, onde auferia um vencimento mensal de €712,30 ilíquidos (numa média diária de €23,74, sendo €403,00 de salário, €3,40 diários de subs. de refeição, €201,50/mês de subsídio de trabalho nocturno e €33,00 de prémio de assiduidade), acrescido de subsídio de férias e subsídio de Natal de igual valor cada, com média mensal líquida de €620,00;

67- O Autor nasceu em 05 de Julho de 1964.

68- …

69-…

70- Ainda e sempre o Autor dedicava-se habitualmente à agricultura, cultivando no seu quintal os denominados “mimos” (couves, batatas, cebolas, feijão, vinho) que consumia em casa e que agora não pode, por si, cultivar;

71- Com tal impossibilidade o Autor deixou de poder ter uma poupança mensal média de €100,00;

72- No acidente em questão ficou destruído o vestuário e calçado que o Autor então utilizava, no caso uma tee-shirt no valor de cerca de €20,00, um fato de treino da marca Adidas no valor de cerca de €80,00 e um par de ténis da marca Adidas no valor de cerca de €80,00;

73- O Autor gastou ainda as importâncias que a seguir se discriminam;

- €150,00 com um relatório médico relativo ou diagnosticando as lesões do Autor e as eventuais sequelas e grau de incapacidades;

- €65,00 de uma consulta de ortopedia no Centro (…) Ldª;

- €40,60 de taxas moderadoras e exames relativos ao episódio de urgência nº 28006455;

74- A pagou de despesas e indemnização ao Autor a quantia de €37 688,00, tendo o mesmo sido tratado em clínicas por conta da própria Ré, sendo €15 210,86 referente a remunerações perdidas (ITA),entre 15/01/2008 e 3/01/201,l €8 443,30 para pagamentos a terceira pessoa e o restante até perfazer a quantia total acima exarada, de despesas diversas, como sejam farmácia, transportes, refeições, etc, sendo que no período de incapacidade o Autor deixou de auferir, a título de remunerações e subsidio de férias e natal, a quantia de €14.419,34;

75- …

76- À data do acidente a responsabilidade civil resultante do acidente dos autos, por via de danos resultantes da circulação do veículo com a matrícula RJ (...) estava garantida pela Ré, por via da transferência efectuada pelo seu proprietário- o ora Autor -através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 0045.10.433182.

5.2.

Segunda questão.

Como é bom de ver, improcedendo a pretensão da recorrente em ver alterados os factos atinentes ao prejuízo da atividade agrícola e à retificação do valor dos salários não auferidos, a redução do quantum  indemnizatório não pode proceder com base nestes fundamentos.

Restam, assim os demais, quais sejam, os valores arbitrados por danos não patrimoniais,  por danos futuros, e pela fixação de juros.

 5.2.1.

Danos não patrimoniais.

5.2.1.1.

Para justificar os valores fixados – 20.000,00  pelo quantum doloris, 10.000,00 euros pelo dano estético  e 7.500,00 euros pelo prejuízo de afirmação pessoal – o   julgador aduziu, em termos dogmáticos e em tese, o seguinte discurso argumentativo:

«No que tange aos critérios de indemnização por danos morais importa consignar que relativamente a um critério orientador, em termos jurisprudenciais, deve anotar-se que "em matéria de danos não patrimoniais, a compensação por tais danos …deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico"- acórdão do STJ de 25/1/02, in CJ/STJ, 2002, 1-62 –ou, noutra redacção, “em sede de responsabilidade extracontratual as indemnizações não podem ser miserabilistas ou simbólicas"- acórdão da Relação do Porto, de 15/572001, in CJ, 2001, 3º, 187 -ou ainda “o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser proporcionado à gravidade dos danos, apreciados objectivamente, sem consideração de critérios meramente subjectivos, não sendo de acolher pretensões manifestamente excessivas, mas também excluindo tendências banalizadoras dos valores e interesses morais, como a saúde, a integridade física, o bem estar, etc., que se pretende defender”- Acórdão da Relação do Porto de 17/09/2009 in www.dgsi.pt.

E segundo este mesmo aresto “na fixação da compensação por danos não patrimoniais impera o critério da equidade (artigo 496º/3 do CC), condicionada pelos parâmetros previstos no artigo 494º desse diploma. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso, segundo critérios de equidade, atendendo nomeadamente ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, e deve ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. Embora o julgador não esteja limitado por critérios normativos fixados na lei e sobrelevem razões de conveniência e justiça, a decisão do julgador não pode reconduzir-se ao arbítrio, não obstante a relevância que a componente subjectiva tem no julgamento segundo a equidade. Com o apelo à equidade pretende-se encontrar a solução mais justa para o caso concreto E, neste domínio, qualquer solução deve participar de bom senso, equilíbrio e da noção da justa medida das coisas.

A compensação não tem apenas uma natureza exclusivamente ressarcitiva, assumindo também uma função sancionatória, estabelecida no interesse da vítima, como forma de desagravá-la do comportamento do lesante, pelo que deve ser proporcionada à gravidade do dano e que o montante da reparação deve, de algum modo, compensar esse dano pelas possibilidades que pode proporcionar ao lesado em termos de realização de interesses seus, materiais ou ideais»

…apenas dão direito a ressarcimento aqueles que “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artº 496º) -ou seja nesta sede o princípio da reparação integral é legalmente limitado pela gravidade do dano.

Eles compreendem, tradicionalmente, o denominado quantum doloris (1), o dano estético (2) e o prejuízo de afirmação pessoal (3).

O primeiro (1) traduz um parâmetro do dano relativo à incapacidade temporária, com cuja ponderação se valoriza uma dupla dimensão ou perspectiva do ser humano, no que tange ao sofrimento: por um lado a dor física resultante quer dos ferimentos sofridos como dos tratamentos e, num segundo elemento, a dor psicológica, relativa à angústia e ansiedade composta por um conjunto de elementos tais como circunstâncias directas do acidente, hospitalização, consciência do risco de vida, afastamento do meio familiar ou das ocupações profissionais, preocupações com o dia de amanhã, etc.

Sem embargo importa não olvidar, nesta sede, a angústia e ansiedade respeitantes a intervenções cirúrgicas, seja da anestesia geral como do “acordar”, a perspectiva do sucesso ou insucesso da intervenção, o lapso temporal de recuperação, as concretas condições da sua efectivação, etc.

No que tange ao dano estético (2) como a própria designação indicia, está em causa o aspecto ou o estatuto estético do sinistrado, a vítima, cuja ponderação terá de valorar e indemnizar quando e sempre que a situação envolva significativas sequelas, incindivelmente ligada à componente estética.

A respeito da natureza deste dano deve dizer-se que, excepcionalmente, ele pode assumir-se como dano patrimonial, quando a vítima tenha uma actividade para a qual a questão ou aspecto estético seja decisivo: para sua exemplificação não custa imaginar um modelo feminino, que é a imagem de uma marca, seja de fatos de banho ou roupa interior, que na sequência de um acidente fica com sequelas, leia-se cicatriz, em parte sensível do corpo, que não mais lhe permite desfiles ou sessões fotográficas com esse tipo de roupa.

Mas esta não é a regra pelo que a sua operação deve ser realizada, normalmente, na parte relativa aos danos não patrimoniais.

Finalmente e no que concerne ao prejuízo de afirmação pessoal (3) ele traduz ou assume-se como o reflexo das sequelas de que o indivíduo ficou portador na capacidade do sinistrado se envolver em actividades ou actos que vão além do mero exercício de uma actividade profissional ou da vida familiar.

Ela traduz-se na limitação que as sequelas introduzem na prática de actividades lúdicas e/ou de lazer, como sejam actividades desportivas, musicais ou de âmbito social ou meros exercícios descomprometidos de actividade física, como sejam o andar de bicicleta ou o caminhar, hoje em dia tão em voga- e, verdade se diga, também muito incentivada pelos poderes públicos, na óptica de uma vida mais saudável.

A par do exercício de uma actividade profissional mas numa outra dimensão estas actividades representam um importante espaço de realização da pessoa humana, que complementa as dinâmicas profissionais e familiares e que, uma vez comprometidas por lesões e sequelas, introduzem uma componente negativa na vida quotidiana daquela concreta pessoa, alterando substancialmente uma alegria de viver, reduzindo-a.

Sem embargo diremos ainda que este parâmetro de dano tem um óbvio e evidente pressuposto: ele só pode ponderar actividades que, antes do acidente, representavam um importante espaço de realização pessoal, nunca sendo susceptível de enquadramento nesta parte potenciais danos ou prejuízos ou, dito de modo diverso, neste dano é englobada a actividade que se tinha antes e não aquela que se pensava vir a ter de futuro.»

Já para justificar, em concreto, os valores parcelares aludidos expendeu:

I - No atinente ao quantum doloris.

«…exista um amplo campo de subjectividade na determinação de um quantum uma vez que, estando nós confrontados com uma dimensão da natureza humana não mensurável, ainda ninguém encontrou uma tabela, seja de que modo for, que transporte para a fixação desta vertente da indemnização, uma componente exclusivamente objectiva.

Ainda assim há elementos mínimamente objectivos que nos auxiliam nesta tarefa e que, por exemplo, contendem com a natureza e dimensão da lesão versus dor, ou da sua localização.

Assim, de um ponto de vista objectivo, a natureza e a gravidade de uma lesão pode ser inequivocamente dolorosa, como se exemplifica com uma queimadura de 3º grau, produzida num homem comum o qual, por muito resistente que a pessoa em causa seja à dor, nunca poderá deixará de ser validada como dolorosa- e gradativamente consoante a queimadura seja do 1º ou 2º grau, tal como influenciará a parte do corpo no qual ela foi inflingida.

Mutatis mutandis no que diz respeito a tratamentos que sejam levados a cabo para debelar a lesão: ninguém questionará que uma fractura da coluna vertebral que demande, para cura, por exemplo, a utilização, por três ou quatro meses, de colete gessado, com imobilização na mesma posição, é uma situação dolorosa para qualquer ser humano comum.

E o mesmo se diga de situações como aquela na qual se configura a necessidade de duas ou três intervenções cirúrgicas, com anestesia local ou geral, ou um recobro normal ou com infecções, etc.

Que elementos de facto temos nesta sede?

Adiante-se desde já que um vasto e largo conjunto de elementos factuais, que procuraremos sintetizar, mesmo se alguns deles também serão inevitávelmente enunciados, quando não ponderados noutra sede.

Assim:

- 40 minutos de encarceramento;

- assistência no local pelo VMER e transporte para o hospital S. Teotónio de Viseu;

- entrada nas urgências, consciente com discurso confuso, hemodinâmicamente estável e muito queixoso com dor torácica e dos membros inferiores, particularmente do pé esquerdo;

- lesões sofridas: fractura bimaleolar da tíbia tipo C com luxação tibioastragaliana (fractura-luxação do tornozelo esquerdo) e fractura do cubóide esquerdo e do perónio, lesões que lhe causaram dores sensíveis, objecto de redução da luxação e imobilização com tala gessada e interna em ortopedia A, internado em ortopedia e operado de urgência ao pé esquerdo para redução e osteosintese do perónio com placa e parafusos e fixação do maléolo interno com parafusos com anilhas, realização de RX do tórax, cervical, dorsal, lombar, bacia e à perna e tornozelo esquerdos;

- após operação complicações/dificuldades ventilatórias, com insuficiência respiratória global e acidose, motivam transferência para a Unidade de Cuidados Intensivos (UCIP), no dia 16/01/2008, ficando algaliado, medicado, entubado orotraquelmente e conectado a prótese ventilatória sob sedação com Propofol e vários bólus de relaxamento muscular, apresentando tórax assimétrico com hematoma na parede anterior esquerda, sem crepitação ou enfisema, sendo que no TAC torácico foi-lhe detectada colapso passivo dos lobos inferiores dos dois pulmões, pequeno hemopericárdio e pequena zona de enfisema no mediastino;

- permanência naquele serviço, entubado, mantendo-se ventilado mecanicamente até 23/01/2008, com estado febril nos primeiros dias;

- transferência para o Serviço de Ortopedia em 26/01/2008, submetido a um TAC ao pé esquerdo, em 30/01/2008, que constatou uma fractura multi esquirolosa do cubóide, fractura das primeiras e segunda cunhas e do segundo metatársico, sem fractura do astrágalo, além da rotura do grande peitoral esquerdo e compressão do nervo cubital direito;

- perda de dois dentes e outros a abanar ao ser entubado;

- redução de OST com 2 parafusos e redução e OST com placa 1/3, pensos nos dias 28 e 31 de Janeiro, 4 e 11 de Fevereiro de 2008 e dores;

- alta hospitalar em 19/02/2008, orientado para consulta externa de ortopedia, onde também fez curativos (pensos) até passar a ser tratado pelas clínicas da seguradora aqui Ré;

- tratamento ambulatório, primeiro no hospital de Viseu, depois em fisioterapia, deslocando-se com o auxílio de muletas, tendo frequentado pelo menos oito consultas externas (dias 22/02/2008, 26/02/2008, 29/02/2008, 04/03/2008, 07/03/2008, 11/03/2008, 13/03/2008 e 18/03/2008) no Hospital S. Teotónio de Viseu;

- entre 24/03/2008 e 01/10/2008, efectuou pelo menos 124 sessões de fisioterapia na Clínica Sr.ª da Beira, em Viseu;

- a partir de 4/11/2008, passou a ser seguido e observado pela Clinica da Ribeira, em Viseu, na qual, até 29/07/2009, fez, pelo menos, 30 sessões de fisioterapia;

- deslocação a pelo menos 13 consultas de ortopedia e 19 (2 vezes por semana) mudanças de penso nessa referida Clínica da Ribeira;

- pelo menos 6 consultas pela seguradora Ré na Planicare– Gestão de Redes e Cuidados de Saúde, S.A., no Porto, desde Agosto de 2009, até à alta dada pelos serviços clínicos da Ré;

- 19/06/2008: realização de RX ao Tórax, à perna e pé esquerdo e uma ecografia ao músculo peitoral esquerdo;

- 30/09/2008: fez ecografia e RX ao tornozelo esquerdo;

- 4/11/2008: sinais de não consolidação do maléolo interno esquerdo, já com afastamento dos topos ósseos e desvio axial;

- 10/03/2009: reoperação ao tornozelo esquerdo, com internamente desde esse dia até 11/03/2009, com cirurgia de difícil cicatrização, mantendo pseudartrose;

- 26/11/2009: RX à perna esquerda, tornozelos e pés, onde se observaram sequelas de fractura do maléolo tibial e da região diafisária distal do perónio tendo sido fixada as fracturas com placas e parafusos;

- nesse RX o tornozelo direito mostra ligeiros sinais degenerativos e no pé notavam-se sinais de fractura, consolidada, destacando-se uma artrose médio-társica, mostrando o pé direito uma ossificação incompleta da cabeça do 5.º metatarsiano, há ainda lesões degenerativas das metatarso-falangicas com ligeira subluxação lateral;

- 31/03/2010: consulta de pneumologia ao Porto por força de uma queixa de persistência de dor torácica, tendo tido alta pneumológica em 14/04/2010;

- 25/10/2010: ecografia das partes moles da região peitoral esquerda;

- 20/07/2010: TAC torácica, que relata “significativa alteração da textura do bordo esquerdo do esterno associado a exuberante calcificação marginal com dispermia e calcificação das cartilagens condroesternais, alterações que são compatíveis com um processo sequelar, traumático que envolve praticamente todo o rebordo esquerdo do esterno até ao nível do manúbrio”;

- 15/03/2011: mamografia do seio esquerdo e ecografia bilateral por causa dos quistos que ali detém derivados do traumatismo ocorrido com o acidente, que poderá obrigar a uma intervenção cirúrgica para a sua remoção;

- deslocação a consultas no Porto, aos médicos da Companhia de Seguros, nos dias 14/04/2010 (Pneumologia), 20/04/2010, 21/04/2010 e 28/04/2010;

- à data do acidente o Autor era uma pessoa alegre e trabalhadora, com grande alegria de viver e constante boa disposição, para com toda a gente, em especial amigos e família, e actualmente sente-se diminuído, física e psicologicamente, não podendo fazer força e esforços, sentindo normalmente dores nos pés e no peito, principalmente quando levanta algo pesado, não conseguindo levantar totalmente o braço esquerdo;

- fortes dores e susto, com receio de um mal maior, como a morte, aquando do acidente;

- fortes dores durante os tratamentos;

- impossibilitado de permanecer muito tempo de pé, por causa das dores, que o impedem também de caminhar longas distâncias, dores essas que se manifestam especialmente em dias húmidos e frios, e que se agudizam com o esforço e com a marcha, obrigando-o, por vezes, a ficar na cama;

- quadro de lesões e limitações ao quotidiano do Autor causam-lhe elevado sofrimento moral, passando a ser pessoa triste, apática, com angústia permanente e que também em permanência tem queixas de dores;

- dor moral durante o tempo de internamento por não poder estar com os seus amigos e/ou família, desenvolver a sua actividade profissional normal, tão pouco aquelas a que gostava de se dedicar (nomeadamente a agricultura e passeios pedestres), e ainda com a impossibilidade de dispor do seu tempo de lazer;

- situação de doença entre a data do acidente- 15 DE JANEIRO DE 2008 –e a da consolidação médico-legal das lesões, fixada em 3 DE JANEIRO DE 2011, com défice funcional temporário total de 66 dias (entre 15/01/2008 e 19/02/2008 e 10/03/2009 e 11/03/2009), défice funcional temporário parcial de 1.047 dias (entre 20/02/2008 e 9/03/2009 e 12/03/2009 e 3/01/2011), repercussão temporária na actividade profissional total de 1.085 dias (entre 15/01/2008 e 3/01/2011) e nenhuma em termos de actividade profissional parcial;

- quantum doloris pericialmente fixado no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente, “tendo em conta as lesões sofridas e sua evolução”.»

II -  No respeitante ao dano estético.

«A ponderação deste particular aspecto é realizada no domínio dos danos não patrimoniais, uma vez que se não verifica o pressuposto que acima identificamos, no sentido de lhe ser atribuída natureza patrimonial.

Na verdade o Autor é operário fabril indiferenciado, ainda que com actividade anterior e regular na construção civil.

E ainda fácticamente veja-se que o Autor apresenta claudicação acentuada na marcha, sobe e desce escadas com grande dificuldade, a maior parte das vezes com o apoio de muletas e que na data do seu exame objectivo, no âmbito da perícia médico-legal, apresentavas as seguintes lesões e/ou sequelas do acidente:

TRONCO: - na face ântero-superior esquerda do tórax pouco visível à observação mas bem notada à palpação tem uma depressão na zona do músculo grande peitoral; - a mobilidade do ombro esquerdo está limitada a 90° na abdução e antepulsão, na rotação externa consegue 50º e na rotação interna a palma da mão fica na nádega; - no ombro tem menos força tanto na abdução como na rotação externa; - não consegue levar a mão esquerda à nuca, ao ombro contralateral e à região lombar;   

   TORNOZELO ESQUERDO  - globalmente bastante edemaciada; - na face externa sobre a parte distal do peróneo tem uma cicatriz vertical, linear, com 11 cm de  comprimento não aderente aos planos profundos; - sobre o maléolo interno tem uma área cicatricial com 6 por 5 cm, nacarada, aderente aos planos profundos; - na pesquisa da mobilidade verifica-se que esta articulação tem menor amplitude que a contralateral; consegue apenas 10º tanto na dorsiflexão como na flexão plantar, conseguindo-se 25° nestes movimentos no tornozelo direito;

TORNOZELO DIREITO  - sem edema importante; - mobilidade normal;

PÉS

DTO: - edema discreto no bordo externo com dor à palpação do 5° metatársico, mais intensa na sua  base;

ESQ: - visível edema da médiotársica do lado externo, com rigidez dolorosa da médio társica e da sub astragalina e com dores à palpação a este nível.

No que tange a este dano estético permanente, ele foi fixado no “grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as várias cicatrizes e deformações descritas”.

Perante estes elementos, repetindo-nos, temos tais lesões, ou melhor, tais sequelas como de suficiente gravidade para merecerem tutela indemnizatória, pois que de facto temos de valorar a acentuada claudicação na marcha, a dificuldades na movimentação, como sejam subir descer escadas, necessidade das muletas, a “depressão” no tórax, a significativa/importante limitação na mobilidade do ombro esquerdo, a pouca força no mesmo, o edemaciamento do tornozelo esquerdo, a cicatriz vertical linear com 11 cm de comprimento na face externa, sobre a parte distal do peróneo, a área cicatricial de 6 por 5 sobre o maléolo interno do mesmo tornozelo, com cor rosada, e ainda a significativa limitação na amplitude de movimentos deste tornozelo e, ao nível dos pés, o edema no 5° metatársico do pé direito e ainda, no pé esquerdo, o edema da médiotársica do lado externo e respectiva rigidez dolorosa.»

III – No que tange ao prejuízo de afirmação pessoal.

«está em causa um montante de €15.000,00.

…(d)os factos dados como provados vê-se que na actualidade e nas actividades lúdicas e sociais o Autor não pode correr, jogar à bola, saltar, dançar, estar muito tempo de pé, percorrer longas distâncias, fazer caminhadas, andar de bicicleta, etc, além de que se alterou substancialmente a frequência com que confraternizava com os seus familiares, sobrinhos, primos e amigos, quer em festas quer em aniversários, em deslocações a jogos de futebol ou ainda a festas populares ou ainda no auxílio, na agricultura, a parentes e amigos.

Ademais as lesões ao nível dos membros inferiores e braço esquerdo, limitam-no consideravelmente, impedindo-o precisamente da corrida, do salto e fazer algum esforço, nomeadamente levantar objectos pesados.

No exame pericial e nesta sede- “Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer” –consta a sua fixação no grau 4, numa escala de sete “tendo em conta as várias actividades que deixou de fazer que embora não sejam consideradas desportivas e de lazer o examinando tinha necessidade de fazer”.

Todavia neste particular domínio importa não olvidarmos aspectos relativos à situação física do Autor, anteriormente ao acidente.

Na verdade consta dos factos apurados que anteriormente ao acidente o Autor era obeso, diabético, “não insulino dependente, medicado com comprimidos”, tinha “insuficiência vascular crónica, nos membros inferiores”, “bronquite” e ainda “tabagismo crónico até ao acidente”.

Assim sendo porque naturalmente se entende que estes elementos eram muito limitativos para correr, saltar, jogar “à bola” ou dançar, aplicando a doutrina acima exposta, em sede deste dano- a ressarcibilidade depende de se ter deixado de fazer o que já se fazia –ponderando mais uma vez a equidade e ponderado todo o dito acervo fáctico e a sua articulação com os explanados critérios legais reputa-se adequado um valor indemnizatório que se quantifica em €7.500,00…»

5.2.1.2.

Concorda-se, desde logo, com esta análise dogmática, a qual se alcança como abrangente e curial.

Em seu abono, e quiçá ad abundantiam, dir-se-á o seguinte:

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC.

 Efetivamente: «...os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos» - R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995 p.555/556. (sublinhado nosso).

O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas; o “dano estético”, que simboliza, nos casos de ofensa à integridade física, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.

Há, também, que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade e a integridade física- cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã (lato sensu) convivência social - são, quiçá, os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender.

Acresce que a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.

 Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.

Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

Resta sempre difícil apurar, com rigor, a adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afetações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto.

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular.

Devendo ainda considerar-se e reiterar-se, no seguimento do exposto na sentença, que a recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas.

 Sendo que, hodiernamente se vislumbra sedimentada uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios.

Efetivamente: «“É inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras…

Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais tais como a vida valham menos de € 60.000.”» -   Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 755, apud, Ac. do STJ de  07.05.2014, p. 436/11.1TBRGR.L1.S.

Certo é que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso  - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C.

Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, características que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer atividade  humana que não se estribe em premissas de cariz científico-natural ou matemático.  

Importando, todavia, perspetivar as diversas decisões prolatadas em casos similares para se tentar operar a fixação de valores idênticos, pois que tal contribui não só para a certeza e segurança do direito como, também, para a consecução da justiça material, quer na sua vertente absoluta, quer na vertente relativa ou comparativa.

Na verdade: «Na fixação dos montantes relativos às compensações por danos não patrimoniais emergentes de acidentes com veículos abrangidos pelo seguro obrigatório, há que atender fundamentalmente à gravidade das lesões e respetivas sequelas, em conjugação com os valores que vêm sendo fixados pelos tribunais.» - Ac. do STJ de  07.05.2014  sup. cit.

Dito  de outro modo:

«O recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios…» -  Ac. do STJ  de 24.09.2009, p. 09B0037 in dgsi.pt.

Assim e neste particular atente-se em algumas deliberações dos tribunais superiores.

- Neste Ac.do STJ de 24.09.2009, foi arbitrado o montante de 40.000 euros  num caso em que o autor, que tinha 33 anos à data do acidente e ficou afetado de uma incapacidade parcial permanente de 18,28% , a qual se traduziu, no caso, numa incapacidade total para o trabalho.

- No Ac. do STJ de 30.09.10 para um jovem de 18 anos de idade, da equipa nacional de cadetes de basquetebol, vítima de atropelamento, que ficou com síndrome pós traumático, cefaleias frequentes, crises de ansiedade, irritabilidade, deficit de memória, cicatrizes e manchas melânicas em várias zonas do corpo, limitação da flexão do joelho direito, dano estético de grau 3 numa escala de 7, quantum doloris de 4 numa escala de 7, prejuízo de afirmação pessoal de grau 2, numa escala de 5, IPP de 20%, desgosto e frustração por ter deixado de praticar basquetebol,  arbitrou-se € 25.000,00

- O Ac. do STJ de  17.05.2011, p. 7449/05.0TBVFR.P1, em que o autor  padeceu de IPG de 15%, acrescida de 5%, auferia o salário mensal líquido de cerca de € 510,00 e em que ficou encarcerado dentro do seu veículo, ali permanecendo por largos minutos e sofreu várias fracturas nos membros inferiores, designadamente fractura exposta dos ossos da perna esquerda,  fractura do côndilo femural interno à direita, o que implicou várias intervenções cirúrgicas e vários internamentos hospitalares, fixou 20.000,00€.

- O Ac. do STJ de 29.06.2011, p. 345/06.6PTPDL.L1.S1, no qual, para uma IPG de 11,73 pontos, para um jovem de 19 anos, que teve um período de 30 dias de incapacidade temporária geral e profissional total, seguido de um período de 177 dias de incapacidade temporária geral e profissional parcial e em que foi fixado quantum doloris no grau 5, numa escala de 7; o dano estético, constituído pela cicatriz de 14 cm, fixado no grau 3, numa escala até 7, arbitrou o montante de  € 25 000.

-O  Ac. da RC de 24.01.2012,  p. nº 241/08.2TBCNT.C1 para um lesado, de 16 anos que sofreu entorse do tornozelo direito, grau III, tendo sido submetido a uma intervenção cirúrgica onde lhe efectuaram reconstrução de ligamentos extensa; sofreu um quantum doloris fixável no  grau três da tabela que vai até ao grau 7; sofreu um prejuízo de afirmação pessoal fixável  no grau três pela nova tabela, numa escala de um a cinco; sofreu um dano estético fixável no grau um pela nova tabela, em escala de sete; ficou com  uma IPG fixável em 3% (3 pontos); que as sequelas provocam ainda dores e exigem alguns esforços acrescidos nas actividades pessoais, desportivas e escolares exercidas pelo examinado, considerou-se equilibrado, razoável e justo, atribuir-lhe a quantia de 25.000 euros.

 - O Ac. do S.T.J. de 26-1-2012, p. 220/2001-7.S1 para um lesado 28 anos, auferindo antes do acidente €6.181,70 anuais, tendo ficado com 40% de IPP, cujo internamento hospitalar se prolongou por quase 3 meses, com várias intervenções cirúrgicas, que, depois, teve necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, tendo tido dores de grau 5 numa escala até 7 e cuja incapacidade absoluta para o trabalho (relevando aqui na sua vertente não patrimonial) se prolongou por cerca de ano e meio, tendo ficado, com a estabilização clínica, com dores e dismetria dos membros inferiores., fixou 40.000,00 euros.

-O Ac. do S.T.J. de 9-2-2012, p.1002/07.1TBSTS.P1.S1 para um lesado de 37 anos de idade, com uma incapacidade geral para o trabalho de 35%, evoluindo para 40%, com um “quantum doloris” de 6 em 7, com esforços suplementares que terá de realizar vida fora, na sua profissão de gerente comercial ou industrial dano e estético de grau 4 em 7, fixou a quantia de € 50 000.

- O Ac. do STJ de 20.03.2014, p. 7782/10.0TDPRT.P1.S1, para uma lesada de 57 anos, que sofreu traumatismo craniano com perda de consciência, fractura do tornozelo e da clavícula, esteve 9 dias em coma,  correu risco de vida, realizou diversas intervenções cirúrgicas, perdeu a memória e sofreu alterações cognitivas, teve um "Quantum Doloris de grau 5/7, ficou incontinente e passou a necessitar de ajuda parcial de 3ª pessoa, fixou-se o valor de 70.000 euros.

-O Ac. do STJ de 19.02.2015, p. 99/12.7TCGMR.G1.S1 para um lesado de 43 anos de idade que sofreu fractura do colo do úmero, fratura do troquiter, traumatismo do punho direito, foi submetido a exames radiológicos e a uma intervenção cirúrgica, ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho, uma IPP de 12 pontos, e um  quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7 foi arbitrado € 20 000.

-O Ac. do STJ de 04.06.2015, p. 1166/10.7TBVCD.P1.S1 para lesada de 17 anos com cicatrizes várias e queimaduras no braço esquerdo e no tornozelo esquerdo, com uma IPP para o trabalho de 16,9 pontos., com um quantum doloris de grau 6 em 7, com dores que  irão acompanhá-la durante toda a vida, arbitrou 40.000 euros.

5.2.1.3.

No caso vertente relevam os factos provados nos pontos 17 a 64.

Tais factos são elucidativos quanto à gravidade das lesões e às consequências e sequelas das mesmas.

 De entre eles relevam o quantum doloris de grau 5 em sete, o dano estético de 3 pontos numa escala de sete e a afetação  permanente nas actividades desportivas e de lazer” fixado no grau 4, numa escala de sete.

O largo período de tratamento – anos e as vicissitudes dos mesmos certamente que perturbaram e prejudicaram a vida do autor causando-lhe graves transtornos psíquico-emocionais.

E ainda que não se tenha provado que o demandante necessita, obrigatoriamente, de se submeter a mais intervencões cirúrgicas, certo é que as sequelas e afetações futuras continuarão a afetar, no mínimo, a sua qualidade de vida que já nunca será a mesma.

Opor outro lado urge considerar que, tendo nascido em 1964, o autor encontrava-se ainda numa idade de plena atividade laboral e num estrato etário que lhe permitia ter e fruir – ainda que com algumas limitações decorrentes da sua especificidade física e alguns constrangimentos de saúde - dos benefícios de uma razoável vivencia a nível social e hedonístico, a qual, e por virtude das lesões do acidente, naturalmente que  sofreu afetação, o que, certamente, outrossim lhe causa transtornos e danos psíquico-emocionais.

 O autor em nada contribuiu para a ocorrência do sinistro.

O autor aparenta ser, a nível económico financeiro, uma pessoa dita “remediada”, enquanto que a ré se presume, em tal aspeto, uma companhia com uma situação escorreita ou até desafogada.

Consequentemente e considerando, finalmente, os valores arbitrados nos arestos supra aludidos para situações menos e mais gravosas do que a presente, e, até, para casos algo similares, conclui-se que o montante que para este é admissível se situa no patamar que medeia entre os 30 e os 40 mil euros.

Nesta conformidade, tudo visto e ponderado não pode concluir-se que o valor fixado – 37.500 euros -  se situe fora de parâmetros admissíveis, quer considerando os contornos factuais do caso apurados, quer os de casos similares. Certo é que se situa próximo do limite aceitável. Mas está ainda nele ínsito.

Na verdade os valores algo superiores fixados nos arestos supra citados reportam-se a casos cujas consequências nocivas foram cientificamente comprovadas e que se vislumbram mais gravosas, vg. no que à IPP concerne. E, inversamente, os valores inferiores foram fixados para casos menos gravosos.

Por conseguinte, tudo visto e devida e razoavelmente ponderado, conclui-se que o quantum arbitrado é aceitável, quer na vertente da justiça do caso, quer na ótica da justiça comparativa - aqui mutatis mutandis e nas devidas proporções atentas as circunstancias concretas de cada caso -, pelo que não há que censura-lo nem, consequentemente, a decisão que o determinou.

5.2.2.

Danos futuros.

5.2.2.1.

O julgador atingiu a quantia fixada, invocando o seguinte, essencial, discurso argumentativo:

«… a indemnização de danos futuros, v. g. perda de rendimentos do trabalho, têm sido objecto de vários critérios, seguidos na jurisprudência, como seja o primeiro, no caso a soma dos salários ou partes de salários que deixarão de ser recebidos pela vítima até ao termo da sua vida activa provável- cfr Acórdão do STJ de 15/5/86, in BMJ, 357,412.

Todavia não podemos deixar aqui de aludir a um outro critério qual seja a de que a indemnização a pagar, quanto aos danos futuros, por frustração de ganhos, deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período da vida activa da vitima- aquele em que o Autor se manterá profissionalmente activo -e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho.

Simplesmente este critério também não é seguro porque o rendimento do dinheiro (normalmente juros dos depósitos bancários) varia ao longo do tempo, não estando o Tribunal, em condições, de obviar às taxas de juros adoptadas hoje em dia pelas instituições bancárias, muito inferiores aquelas praticadas em outros tempos.

…o lesado a quem é entregue o capital produtor do rendimento indemnizatório pode não conseguir fazê-lo produzir o rendimento estimado ou, pelo contrário, ser profundo conhecedor do sistema financeiro e conseguir aplicações, especulativas ou não, cujo rendimento efectivo ultrapassará largamente o rendimento estimado- note-se a tal respeito e comprovando o escrito que as taxas de inflação em Portugal variaram substancialmente pois que em 2011 foi de 3,6%, em 2012 2,7%, em 2013 0,20% e em 2014 foi mesmo negativa (-0,28%)…

Sem embargo tais cálculos têm sido sintetizados em fórmulas matemáticas as quais, partindo dos dados fixos da taxa de juro e do período da ocorrência dos danos, obtêm um factor a multiplicar pelo dano anual, assim se obtendo o montante destinado à indemnização- ver nesse sentido Dr Oliveira Matos, in “Código da Estrada anotado”, 6ª edição, pg 464 e Acórdão do STJ de 4/2/93.

Esta fórmula é a seguinte: C=P x (1:i-1 + i: (1+ i) x N x i) + p (1+i) - N, em que C é o capital total a depositar; P são os danos anuais do lesado; I a taxa de juro e N o número de anos em que se manterão os danos…

E ainda na questão de tabelas atentemos na realidade da vida…à nascença para aquele período 2011/2013 - foram de 80 anos para ambos os sexos, de 76,91 anos para os homens e de 82,79 anos para as mulheres, sendo que no triénio anterior- de 2008 a 2010 –ela era de 79,20 anos para ambos os sexos, com 76,14 anos para os homens e 82,05 anos para as mulheres…

Todavia para efeitos laborais ou profissionais o limite é dos 70 anos.

Retornando aos critérios dir-se-á, como já escrevemos, que nenhum deles é infalível e rigoroso na avaliação dos danos indemnizáveis, porquanto não pode considerar todas as variáveis existentes e futuras, nomeadamente o comportamento futuro da taxa de juro, da taxa de inflação e da rentabilidade da actividade económica do lesado.

…o Tribunal deve lançar mão de critérios de equidade para elemento temperador de realidades voláteis.

Ora no caso concreto, indiscutido que ocorre o nexo causal, pondera-se:

- a idade do Autor à data do evento e que era de 43 anos;

- a esperança média de vida profissional em Portugal, fixada em cerca de 70 anos;

- o seu rendimento líquidor, antes do acidente (média de €620,00 em 14 meses), tendo em conta o seu grau de incapacidade- 20 pontos com sofrimento físico e limitações em termos funcionais;

- rendimentos obtidos na agricultura;

-  a provável verificação de dano futuro, nos termos provados em 61;

- a sua actividade profissional desenvolvida pelo Autor, cujas sequelas são compatíveis com o “exercício da actividade habitual (operário fabril indiferenciado) excepto subir e descer escadas de modo frequente, mas implicam esforços suplementares importantes”;

- as dificuldades actuais no mercado do emprego e que se perspectivam, infelizmente, por muito  e longos anos, não alimentando a expectativa de aumento do rendimento;

- a taxa média de inflação no nosso país;

- o dispêndio ou a cativação de parte dos eu rendimento para as necessidades próprias do Autor;

- as suas condições de saúde ao tempo do acidente, que acusavam a diabetes, obesidade, a vulgas varizes e a bronquite crónica;

- o tempo entretanto decorrido entre a data do acidente e a presente data.

Tudo ponderado, sem excepcional preocupação com o cálculo aritmético, sempre balizados por um critério de EQUIDADE, e portanto também num juízo de equidade, nos sobreditos termos, por um lado, e os factores de orientação legal, postulados nos artigos 562º, 563º, 564º e 566º, reputa-se adequado um valor indemnizatório que se quantifica em €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros).»

Perscrutemos.

5.2.2.2.

Mais uma vez a análise teórico/dogmática, alcança-se legal e consensual.

Outrossim quiçá algo redundantemente, expressa-se o seguinte:

O princípio geral no que se refere à reparação do dano é o prescrito no artigo  562º CC, nos termos do qual «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

  O cálculo desta indemnização em dinheiro deve ser feito nos termos artigo  566º nº 2,  a qual: «tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».

E estatui ainda o artº 564º nº 2 do CC: «na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem  determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».

Para que seja  possível a condenação em indemnização por danos futuros não é imposta uma certeza absoluta quanto à sua ocorrência, mas também  não basta a prova da sua vaga, genérica ou hipotética eventualidade, antes sendo necessário, mas outrossim suficiente, que haja uma segura e adequada previsibilidade  da verificação dos mesmos.

Os danos futuros a que este segmento normativo se reporta, tanto podem ser danos emergentes como lucros cessantes.

Sendo que um dos casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado, em consequência do facto lesivo, perde ou vê diminuída a sua capacidade laboral – cfr. por todos, Pires de Lima e Antunes Varela,, CC Anotado, 1º, 2ª ed. p.504.

O cálculo de danos futuros é operação difícil, sendo extremamente delicado fixar com justeza a correspondente indemnização.

Na verdade:  «o cálculo do valor deste tipo de danos se reveste sempre de alguma incerteza, deverá o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por apurados, em conformidade com o disposto no nº 3 do art. 566º C.Civil.

A equidade, como justiça do caso concreto, implica uma ponderação criteriosa das realidades da vida, no quadro de juízos de verosimilhança e probabilidade, tendo em conta a justa medida das coisas e as circunstâncias do caso.» -  Ac. STJ de 16/9/2008, dgsi.pt, proc. 08B939.

Isto porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não fosse a lesão, o que implica uma previsão pouco segura sobre danos verificáveis no futuro.

Mas a ideia geral que importa reter é que, se por um lado, o montante indemnizatório relativo a danos futuros deve ser fixado por forma a que não seja de tal modo escasso que torne a reparação meramente simbólica,  por outro lado, ele não  deve ser tão elevado que possa encarar-se como um autêntico enriquecimento sem causa do lesado.

Para efetivar este desiderato constituem doutrina e jurisprudência pacíficas que devem ter-se em consideração não apenas instrumentos regidos por critérios matemático-formais, tal como fórmulas e tabelas financeiras  - vg. as usadas no foro laboral, ou disponibilizadas pela Portaria 377/2008, de 26-05 – mas antes, acima de tudo e determinantemente, importando apelar para critérios de equidade –cfr. Acs. do STJ de   16.12.2010, p. 270/06.0TBLSD.P1.S e de 04.06.2015, p. 1166/10.7TBVCD.P1.S1 .

 Pois que estes critérios são a única forma de encarar e ultrapassar as dificuldades decorrentes da inelutável imprevisibilidade, incerteza, ou carácter aleatório de alguns fatores a advirem no futuro, e, sobretudo, para atender às especificidades do caso.

Efetivamente «as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro e do custo de vida… Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta.

Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade.

A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso» - Ac. do STJ de 15.05.08,  dgsi.pt,p.08B1343; cfr. ainda Ac. do STJ de 03.02.2011, p. 605/05.3TBVVD.G1.S1.

Encerrando, assim, as tabelas financeiras mero valor auxiliar e devendo os resultados assim obtidos ser equitativamente corrigidos se o julgador os considerar desajustados ao caso concreto.

E o mesmo se diga no atinente aos valores referidos na Portaria nº 377/2008 de 26.05, alterada pela Portaria nº 679/2009  de 25.06,  os quais apenas se impõem para efeito de apresentação por parte das empresas de seguros de proposta razoável para indemnização aos lesados por acidente de viação, pois que se expende no seu preambulo: «(…) importa frisar que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas (…) o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis…

E sendo certo que no seu artº 1º nº 2 se estatui: «As disposições da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos».

Destarte: «Com este mecanismo legal visou-se moralizar a relação dos lesados por acidente de viação com as companhias de seguros responsáveis pelos danos que sofreram, de modo a evitar que estas, valendo-se da sua suposta posição dominante, se aproveitassem da normal maior fragilidade daqueles, apresentando-lhes propostas de acordo com valores muito inferiores aos da indemnização justa…

Por isso, aqueles valores, fora do referido âmbito, constituirão apenas uma referência, nada impedindo que os tribunais, usando os critérios previstos no Código Civil, fixem valores superiores, o que até constituirá a situação normal, tendo em vista que a aceitação da proposta de acordo da empresa seguradora por parte do lesado desonera este das desvantagens e incómodos que a via judicial comporta» - Ac. do STJ de 01.06.2011, p. 198/00.8GBCLD.L1.S1.

Assim e concretizando, entende-se comummente que na determinação do quantum indemnizatório que ele deve ascender ao capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinga no termo do período provável da sua vida –  cfr. entre outros, o Ac. do STJ de 06.10.2011, p. 733/06.8TBFAF.G1.S1,  dgsi.pt,

Para se atingir tal concretização «deve tomar-se como base o rendimento anual perdido, a percentagem da incapacidade para o trabalho, a idade ao tempo do acidente, a idade normal da reforma, o tempo provável de vida posterior e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez.» - AC. do STJ de  24.09.2009, p. 09B0037; cfr., ainda, vg. o Ac. do STJ de 24.11.2009, p. 1877/05.9TVLSB.S1.

Ou, dito de outro modo: «Mantendo-se o dano fisiológico para alem da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida que, nos homens, hoje, ronda os 78 anos» - Ac. do STJ de  19.04.2012, p. 3046/09.0TBFIG.S1.

Após determinação do capital, há que proceder a um “desconto”, “dedução” ou “acerto”.

Quer porque quem trabalha também consome, havendo despesas, como as de alimentação, que mesmo sem trabalho sempre seriam feitas.

 Quer devido  ao facto de o lesado perceber a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, pois que se impõe, como se viu, que no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado.

 Sendo que na quantificação deste desconto a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% - Acs. do STJ de 07.07.2009 e de 04.02.2010, ps. 1145/05.6TAMAI.C1 e  307/05.0TAGMR.G1.S1.

Finalmente, importa que o valor obtido - dimanante da formulação de  tal juízo de equidade, ínsito numa margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso, mas que, em primeira linha tem na sua génese elementos factuais objetivos -  «se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade» - Ac. do STJ de  05.11.2009, p. 381-2002.S1.

 Efetivamente, importa, tanto quanto possível, tentar respeitar e consecutir, a  desejada justiça comparativa ou relativa, para obviar a que situações idênticas não sejam decididas similarmente e que situações distintas o sejam  e não mereçam a necessária diferenciação equilibrada e proporcional aos seus específicos contornos.

Nesta ótica e apenas a título exemplificativo há a ponderar:

No Ac. do STJ de 24.09.2009, p. 09B0037 a lesado de 34 anos, que auferia 780,00 euros mensais e que ficou com um Incapacidade de 100% para o trabalho, foi arbitrada a quantia de 240.000,00 euros.

No AC. do STJ de 05.11.2009,  arbitrou-se a um lesado com 26 anos de idade, afectado por uma IPP de 60%, envolvendo total incapacidade para o exercício das funções que desempenhava, auferindo rendimento mensal de €1.058, o valor indemnizatório de 300.000 euros.

No Ac. do STJ de  30.09.2010, p. 935/06.7TBPTL.G1.S1 – no qual se identificam outros arestos concernentes a esta problemática - a lesada de 17 anos que ficou com uma IPG de 20%, compatível com o exercício da atividade habitual mas implicando esforços suplementares arbitrou-se 80.000 euros.

No Ac. do STJ de 26.01.2012, p. 220/2001-7.S1, a lesado  de 28 anos, auferindo antes do acidente €6.181,70 anuais, tendo ficado com 40% de IPP , fixou-se, pela perda da capacidade de ganho, € 80.000.

No Ac. do S.T.J. de 15-3-2012, p. 2258/04.7TBVLG.P1.S1,  para um lesado de 54 anos com uma IPP de 15%,  auferindo  450€/mês,  fixou-se  50.000€.

No Ac. do STJ de  02.05.2012, p. 1011/2002.L1.S1. para um lesado de 28 anos, com base no SMN,  afetado em 40% da sua capacidade. atribui-se a quantia  de € 120 000,00.

No Ac. do S.T.J. de 11-9-2012 .p. 30/05.6TBPNC.C1.S1- 1.ª Secção, a um lesado de 39 anos,  que auferia 49,88€/dia e com uma IPP de  22%,  arbitrou-se 150.000€.

No Ac. do STJ de 20.03.2014, p. 7782/10.0TDPRT.P1.S1 para uma lesada de 57 anos,  que ficou com com «afectação da capacidade de trabalho geral e profissional e, que afectam de forma grave a capacidade de trabalho geral de profissional» -arbitrou-se € 70 000.

5.2.2.3.

No caso vertente.

Considerando os seus específicos contornos factuais, provados e referidos na fundamentação da decisão, bem como os casos jurisprudenciais citados, cujas quantias arbitradas,  quer na sua dissemelhança, quer na sua semelhança, se revelam diretamente proporcionais à nestes autos fixada, conclui-se que  esta não merece reparo.

Na verdade, tudo visto e ponderado, temos para nós que o valor admissível in casu, poderia ser fixado no intervalo que medeia entre os 60 e os 65 mil euros.

O valor fixado foi-o no seu limite máximo.

Mas respeita ainda a margem de alea admissível.

Tanto basta para que ele seja mantido.

Neste sentido e mutatis mutandis:  «Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade não compete ao STJ a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão-somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo…» - S. 20.11.2014, p. 5572/05.0TVLSB.L1.S1.

Ademais, o óbice colocado pela recorrente não colhe.

Diz ela que «a quantia de  65 000,00 , depositada, permite um rendimento superior ao teoricamente perdido que é de € 620,00/mês x 14x20% …€ 1 736,00…. Ora, o capital posto à disposição do lesado deve também ele esgotar-se no fim da vida activa, sob pena de, se assim não for, haver um enriquecimento injustificado por parte do lesado…».

Mas não é assim.

Já se viu que o valor a considerar não é o de 620,euros, mas o de 712,30.

Logo: 712,30x14x20%= 1994,44 euros.

Acresce que presentemente nenhum deposito a prazo, e, mesmo, aplicação financeira segura – vg. certificados de aforro ou do tesouro - remunera o dinheiro com taxa de juro líquida de 3%. Quando muito, e muito dificilmente, obtém-se 2%.

Destarte: 65.000,00x2%= 1300,00 euros.

Temos assim que entre o prejuízo oriundo para o autor e o rendimento que a quantia arbitrada lhe concede,  existe um diferencial  negativo de quase 700,00 euros.

Certo é que esta diferença não exaure completamente a indemnização no fim da vida do autor.

Mas tal é apenas um aspeto da equação e que, só por si, e sem mais nada que inequívoca e claramente impeça tal facto,  não acarreta a sua proibição.

Na verdade, estamos perante um futuro incerto quanto a uma plêiade de fatores, como a evolução das taxas de juro, que tanto podem afetar os lesados positivamente como negativamente.

E, presentemente há que convir que os tempos apontam mais para esta perspetiva negativa, pois que estas taxas aproximam-se do zero, e, até - pasme-se- já atingiram valores negativos nos prazos mais curtos.

Por outro lado urge ter presente que:

« Os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física, pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar.» - Ac. do STJ de 04.06.2015, p. 1166/10.7TBVCD.P1.S1.

5.2.3.

Dos juros de mora.

O senhor juiz decidiu nos seguintes termos:

«…o artigo 566º nº 2 determina o cálculo da indemnização tendo em conta a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos.

Desse princípio decorre a exigência de actualização da indemnização –com a restrição resultante do valor global do pedido, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/96, in DR 1ª-A série de 26 de Novembro –, sem embargo da inadmissibilidade de cumulação dessa actualização com a fixação da obrigação de juros no mesmo período (conforme o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002, in DR 1ª-A série de 27 de Junho, segundo o qual “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”).

A actualização da indemnização será operada tendo em conta os índices de preços no consumidor publicados pelo Instituto Nacional de Estatística e, no caso, respeitantes aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014 que se cifraram, respectivamente em 2,59%, -0,98%, 1.38%, 3,73%, 2,80%, 0,25% e -0,40% excluindo-se o ano corrente por se tratar de mera previsão as quais, diz-nos a experiência comum dos últimos 4 anos, estão muito longe de serem dados fiáveis, para que possam ser processualmente adquiridos como a realidade da vida.

Nessa medida a actualização abrangerá o período decorrido desde Janeiro de 2008 a Dezembro de 2014.

Efectuada a competente actualização, a Ré deverá pagar às Autoras a importância global de €132.400,00 (cento e trinta e dois mil e quatrocentos euros).

*

Relativamente aos juros e ao escrito, são devidos juros moratórios sobre a importância acima fixada, à taxa de 4%, a partir de 1 de Janeiro de 2015, nos termos das disposições legais conjugadas dos artºs 805º e Portaria 291/03 de 8/04.».

Aqui não se pode acompanhar a decisão, na sua essencialidade relevante.

Bem vistas as coisas o Sr. Juiz efetivou duas operações:

 Uma, de correção monetária, repondo o valor e o poder aquisitivo do dinheiro, desvalorizado pela inflação, através da aplicação dos índices de preços ao consumidor dos vários anos desde o acidente.

Outra,  punindo o devedor pela mora e, até certo ponto, fixando o preço do dinheiro, através da aplicação da taxa legal do respetivo juro de mora.

Ora aquele pedido não foi formulado pelo autor, o qual apenas impetrou juros de mora desde a citação.

Só por isto, a decisão, neste particular conspeto, seria ilegal, porque ultra petitum.

Quanto ao mais, e como dimana do Ac. do STJ nº 4/2002 citado, para as quantias que tenham sido objeto de cálculo atualizado à data da sentença, os juros de mora apenas se vencem desde a data da decisão atualizadora.

Naturalmente que as quantias fixadas, apenas ou essencialmente, ao abrigo de um juízo équo, estão, por  definição, atualizadas por reporte à  data da sentença.

Assim, os juros moratórios apenas se vencem a partir desta data – cfr., neste sentido, os Acs. do STJ de STJ de  11.02.2015., p. 6301/13.0TBMTS.S1 e de  04.06.2015, p. 1166/10.7TBVCD.P1.S1.

Efetivamente e como decidido naquele primeiro aresto:

«Se o Tribunal atualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado, efectivamente, sofreu, os juros moratórios já não são concedidos, desde a citação para a acção, por tal representar uma duplicação de parte do ressarcimento, e este poder exceder o prejuízo, de facto, ocorrido, nem após o trânsito em julgado da decisão actualizadora, em que existiria um lapso temporal, maior ou menor, ficando esse valor actualizado sujeito ao fenómeno da erosão monetária, com a consequente e injustificável lesão dos interesses do credor, o que significa que esse momento tem como referência a data do encerramento da discussão da matéria de facto, em 1ª instância, o mais próximo possível da prolação da sentença, a partir da qual tem início o cômputo dos juros moratórios devidos.»

Nesta conformidade, no caso vertente verifica-se que tendo as indemnizações atinentes aos danos não patrimoniais – 37.500,00 euros -, e  aos danos futuros – 65.000,000 euros  - sido arbitradas essencialmente através da equidade, elas estão atualizadas, e apenas podem vencer juros de mora após a data da sentença, ou seja, a partir de 12.05.2015.

Já os restantes valores - €3.550,00, €180,00, €105,60, €14.419,34  - são prejuízos materiais  concreta e objetivamente fixados e são anteriores à propositura da ação.

Sobre estes, sim, devem incidir juros de mora,  mas desde a data da citação, em conformidade com o peticionado pelo autor, pela aplicação  da legal taxa de  4%.

Em suma: a ré deve ser condenada no pagamento da quantia de 102.500,00 euros acrescida de juros de mora à  taxa de  4%, desde 12.05.2015, até integral pagamento; e, bem assim, no pagamento da quantia de 18.254,94 euros, acrescida dos juros de mora, desde a citação, à mesma taxa.

No mais - condenação em liquidação - (com a especificidade de não se ter dado como provado a intervenção cirúrgica aos pés) se mantendo a sentença.

(im)procede, parcialmente, o recurso.

6.

Sumariando.

I - Fundamentando-se as respostas a certos pontos da matéria de facto em vários meios probatórios, e insurgindo-se o recorrente contra elas apenas com base num de tais meios, a sua pretensão tem, liminar e necessariamente, de naufragar.

II - Provando-se que autor deixou de poder amanhar horta na qual cultivava couves, cebolas, tomate, batata, frutas, etc, e verbalizando as testemunhas que tal implicou para ele o gasto de cerca de 350, 150, ou 100 euros mensais, é possível dar como provado este valor, através do juízo équo alcandorado em tal prova e nas regras da experiencia.

III - O valor de 37.500 fixado a título de danos não patrimoniais, a lesado de 43 anos que, nuclearmente,  sofreu  fractura bimaleolar da tíbia, fractura-luxação do tornozelo esquerdo,  fractura do cubóide esquerdo e do perónio, foi submetido a operações com colocação de placa e parafusos e fixação, fez exames e tratamentos durante mais de dois anos, teve um dano estético de grau 3/7, um prejuízo de afirmação pessoal de  4/7,  e um  quantum doloris  de 5/7, mostra-se aceitável já que, considerando as circunstancias do caso e os valores fixados jurisprudencialmente, está ínsito em parâmetro admissível.

 IV - Igualmente se mostra ainda inserta em margem de alea concedível – posto que seu limite máximo  - o arbitramento da quantia de 65.000,00 euros a título de danos futuros para tal lesado, o qual auferia a quantia mensal de 712,30 euros e ficou com uma IPP de 20% ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psiquica, de 20 pontos.

V - Não sendo pedida a correção monetária ela, se efetivada, é ilegal, por condenação ultra petitum.

VI - A condenação em  valor indemnizatório com base em juízo équo, deve ter-se por  atualizada à data da sentença, pelo que apenas vence juros de mora a partir do dia seguinte à sua prolação – Ac. do STJ 4/2002.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso parcialmente procedente e, agora, condenar-se, a ré a pagar ao autor a quantia de 102.500,00 euros acrescida de juros de mora, à  taxa de  4%, desde 12.05.2015, até integral pagamento; e, bem assim, condená-la no pagamento da quantia de 18.254,94 euros, acrescida dos juros de mora, à mesma taxa, desde a citação.

Custas na proporção da presente sucumbência.

Coimbra, 2016.01.26.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos