Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51011/14.7YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: INJUNÇÃO
ACÇÃO DECLARATIVA ESPECIAL
ARTICULADOS
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
Data do Acordão: 09/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - CALDAS DA RAINHA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.3, 574 CPC, DL Nº 269/98 DE 1/9, DL 62/2013 DE 10/5
Sumário: 1. A injunção de valor inferior à alçada do Tribunal da Relação, após a oposição deduzida, segue o procedimento previsto para as acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, comportando apenas dois articulados: a petição inicial e a contestação.

2. Não obstante não ser admissível articulado subsequente à oposição, deve admitir-se, caso nesta seja deduzida excepção peremptória, que a parte contrária se pronuncie quanto a essa matéria no início da audiência de julgamento, à luz do princípio do contraditório (art.ºs 3º, n.ºs 3 e 4, e 549º, n.º 1, do CPC).

3. A falta de pronúncia, na sede referida, quanto à dita matéria de excepção arguida na oposição, não implica a admissão dos factos respectivos, por acordo, cabendo ao Requerido fazer a sua prova.

4. Antolhando-se possível decidir do mérito da causa conforme a previsão do art.º 3º, n.º 1, in fine, do DL n.º 269/98, de 01.9, com a eventual procedência de uma excepção peremptória e relevando, para esse efeito, sobretudo, a subsequente posição da A., deverá o Tribunal, em obediência ao princípio da cooperação e actuando o dever de prevenção, esclarecer as partes dessa perspectiva/possibilidade e das consequências inerentes a uma insuficiente ou inexistente pronúncia (das partes).

Decisão Texto Integral:
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
           

            I. Em 15.4.2014, G (…), Lda., instaurou procedimento injuntivo[1] contra L (…), Lda., para pagamento da quantia de € 10 325 e respectivos juros moratórios.

Alegou que, no âmbito das respectivas actividades comerciais, a requerida encomendou-lhe a realização de trabalhos gráficos; porém, executados e entregues tais trabalhos, não pagou o preço devido.

            A requerida/Ré opôs-se. Invocou, além do mais, a ineptidão da petição inicial (por falta de causa de pedir) e o cumprimento defeituoso por parte da requerente/A..           Por despacho de 12.12.2014 não se admitiu o pedido reconvencional e ordenou-se a seguinte notificação:

            “(…) Na sua oposição deduziu o Requerido excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, reclamando a sua absolvição da instância, excepcionando ainda o não cumprimento do contrato[2] celebrado com a Requerente.

            Nos termos do Regime aprovado pelo Dec.- Lei n.º 269/98, de 1/9, esta acção declarativa especial apenas comporta dois articulados, neste caso o requerimento de injunção e a oposição.

            O princípio do contraditório, caso seja alegada alguma excepção, cumprir-se-á no início da audiência de julgamento.

            Porém, dispõe o art.º 3º do Regime aprovado pelo Dec.- Lei n.º 269/98 que, se acção tiver de prosseguir, o juiz poderá logo julgar procedente qualquer excepção dilatória ou peremptória ou conhecer do mérito da acção.

            Assim sendo, terá de se dar oportunidade à Requerente para se pronunciar quanto às excepções em causa, nos termos do art.º 3º do Código Processo Civil.

            Pelo exposto, notifique a Requerente para, no prazo de dez dias, se pronunciar quanto às excepções alegadas.”

            A A./requerente, considerando-se notificada para se pronunciar “sobre a alegada ineptidão da Petição Inicial invocada pela Requerida”, veio a concluir pela improcedência da dita excepção dilatória e pelo prosseguimento da acção (“prosseguindo a acção os seus termos ulteriores”).

            Tendo a A./requerente aventado a condenação da requerida/Ré por litigância de má fé e junto cópia da “factura” relativa aos mencionados “trabalhos gráficos”, a requerida pronunciou-se quanto a esta matéria. E invocando o disposto nos art.ºs 423º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC) e 3º, n.º 4, do DL n.º 269/98, de 01.9, a requerida pediu, então, «a apresentação em juízo [“para provar a deficiente produção e concepção”] (…) das Brochuras expedidas de Moçambique, no dia designado para audiência final, de forma a apreciar em Juízo o estado defeituoso das mesmas, seguindo a acção os seus ulteriores termos até final (…)».

            Foi depois proferido o seguinte despacho (de 19.01.2015/fls. 141):

            «Entende-se que os elementos constantes dos presentes autos permitem desde já conhecer do mérito da questão, sendo que a apreciação desta se revela de manifesta simplicidade.

            Assim, notifique as partes para, nos termos do art.º 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil e do art.º 3º do Decreto Lei n.º 269/98 se pronunciarem quanto à possibilidade de ser desde já proferida decisão de mérito.»

            Relativamente a esta última notificação, a A./requerente pronunciou-se assim:      «(…) não se opõe a que seja desde já proferida decisão de mérito neste processo, na medida em que, decidindo a excepção de ineptidão da petição inicial improcedente, conforme se deixou plasmado no nosso requerimento de 06.01.2015, não restará outra alternativa (…) que não seja a procedência do requerimento de injunção da Autora, uma vez que a Requerida admitiu na sua Oposição que o trabalho facturado pela Autora foi realizado e entregue nas datas acordadas, não tendo sido pago o preço correspondente a esse serviço

            A Ré/requerida, depois de reproduzir o que rezam os art.ºs 571º a 574º, do CPC, e aludir à matéria de excepção aduzida na oposição, rematou dizendo que «deve ser produzida prova testemunhal e conjugá-la com a prova documental junta aos Autos, no sentido de provar as excepções invocadas».

            Seguidamente, a Mm.ª Juíza a quo julgou improcedente a excepção dilatória de nulidade do processo, por ineptidão do requerimento de injunção, e, decidindo de mérito, julgou a acção improcedente, absolvendo a requerida do pedido.

Inconformada, a A. interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:

            1ª - A presente acção iniciou-se com a apresentação de um Requerimento de Injunção em 15.4.2014, em que a Recorrente demandava o pagamento de € 10 695,38 da Recorrida pela prestação de serviços de trabalhos gráficos à Recorrida em Novembro de 2013.

            2ª - A Requerida apresentou Oposição à Injunção em 15.5.2014 e a Injunção foi distribuída em 04.6.2014 como acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias.

            3ª - Nos termos do art.º 1º, n.º 4 do DL 269/98, de 01.9, ex vi 17º, n.º 1, do mesmo diploma “O duplicado da contestação será remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data de audiência de julgamento”.

            4ª - O Tribunal a quo nunca determinou à Recorrente a pronúncia sobre a Contestação da Recorrida, permitindo um terceiro articulado ou mesmo o aperfeiçoamento do seu articulado inicial, e não realizou audiência de discussão e julgamento.

            5ª - A questão fundamental era saber se assistia razão à Recorrida no incumprimento do contrato de prestação de serviços, na modalidade de não pagamento do preço do mesmo.

            6ª - Apesar de não ter existido momento legalmente admissível à produção de prova ou pronúncia à Contestação da Recorrida, o Tribunal a quo deu como provados factos sobre os quais não se produziu qualquer prova nos autos, fazendo ocorrer a consequência do ónus de impugnação especificada à Recorrente, sem esta ter tido oportunidade legalmente prevista de resposta à Contestação e de produção de prova.

            7ª - E decidiu que o contrato em causa era um contrato de empreitada, sem fundamentar por qualquer forma a sua decisão - a Recorrente forneceu, a pedido da Recorrida, diversos trabalhos de artes gráficas para que esta os pudesse entregar, facturar e receber o pagamento por esse trabalho a terceiros, pelo que, se o Tribunal a quo entendia tratar-se de um contrato de empreitada e ia alterar o tipo contratual em causa deveria ter fundamento[3] a sua decisão para que esta fosse sindicável.

            8ª - O Tribunal a quo deu como provado que “Nos presentes autos estão em causa trabalhos gráficos, brochuras, que se apresentavam com a lombada descolada, desfeita e com páginas descoladas, mostrando-se inutilizadas”, quando nunca viu, recebeu nos autos ou ouviu qualquer testemunha sobre este facto.

            9ª - Dos pouquíssimos elementos dos autos o que poderíamos concluir é que a Recorrida recebeu um serviço prestado pela Recorrente em Novembro de 2013 e que apesar de nunca ter devolvido a factura ou alegado quaisquer defeitos no serviço até Maio de 2014, vê justificada a sua atitude por um Tribunal que em momento algum realizou audiência de discussão e julgamento possibilitando a produção de prova.

            10ª - O Tribunal a quo não sabe se em algum momento anterior ao processo judicial a Recorrida alegou incumprimento do contrato ou cumprimento defeituoso do mesmo para se excepcionar ao pagamento do preço mas ficciona que sim e nessa medida considera justo a Recorrida exercer o seu direito à resolução do contrato, ficando assim a Recorrente sem os trabalhos prestados e sem o preço correspondente.

            11ª - Caso se tivesse realizado audiência de discussão e julgamento, a Recorrente poderia ter junto aos autos factura dos serviços em causa alegadas no requerimento inicial, poderia ter realizado prova testemunhal que demonstra inequivocamente que a Recorrida recebeu o trabalho e o forneceu a terceiro que pagou por este e o utilizou sendo este trabalho inclusivamente apresentado como um dos exemplos dos melhores trabalhos jamais feitos pela Recorrida e poderia ainda ter junto diversas comunicações entre as partes em que a Recorrida admite que a razão do não pagamento se prende com dificuldades de tesouraria e não quaisquer defeitos nos serviços, que nunca devolveu, para além de possibilitar a prova testemunhal.

            Remata dizendo que tendo sido violados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, da produção de prova nos autos, e ainda o de acesso aos tribunais e a um julgamento justo, o Tribunal recorrido conheceu de questões de mérito que não poderia ter conhecido por falta de alegação e produção de prova, pelo que a Sentença é nula e deverá ser revogada, determinando-se a realização da audiência de discussão e julgamento.

            A Ré respondeu à alegação de recurso concluindo pela inadmissibilidade do recurso (“porque deserto de conclusões”) ou pela sua rejeição (“por violação do ónus de formular conclusões dos artigos 639º e 640º do CPC”) e, por último, pela sua improcedência, “condenando e absolvendo as partes nos precisos termos proferidos em 1ª Instância”.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, principalmente, se estavam reunidos os pressupostos para decidir em 1ª instância (por falta de impugnação - “admissão por acordo” - dos factos articulados na oposição em fundamento da matéria de excepção peremptória) ou se, pelo contrário, importa realizar a audiência de julgamento (para produção de prova).

*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            a) A Requerente é uma sociedade que se dedica à produção, impressão e acabamento de trabalhos gráficos.

            b) No âmbito da sua actividade a Requerida encomendou trabalhos dessa área de actividade à Requerente que foram executados a 31.10.2013 e facturados a 07.11.2013.

            c) Decorrido o prazo de vencimento dessa factura a Requerida não pagou o respectivo trabalho.

            d) Como era do conhecimento da Requerente as brochuras objecto do contrato celebrado entre Requerente e Requerida destinavam-se a ser fornecidas pela Requerida a um seu cliente em Moçambique (HCB, Hidroeléctrica Cahora Bassa).

            e) As brochuras apresentam a lombada descolada, desfeita e com páginas descoladas.

            f) As brochuras não foram preparadas para o fim a que se destinam – serem manuseadas por qualquer pessoa e transportadas sem que as folhas se separem, apresentando resistência nas mãos do utilizador que consulta o produto impresso na brochura.

            g) A Requerida apenas detectou o supra descrito a 12.3.2014, aquando da chegada dos produtos a Moçambique, tendo de imediato contactado o sucedido com o único contacto que tinham com a Requerente – (…).

            h) A Requerida contratou a Requerente através de (…), que, quando contactado para assumir o serviço em causa referiu que não tinha, no momento, capacidade económica para o fazer, pois atravessava uma fase económica difícil, recomendando os serviços do filho – a G (…)Lda., ora A..

            i) O único contacto estabelecido pela Requerente com a Requerida foi para solicitar o pagamento dos bens fornecidos.

            j) A Requerida remeteu à Requerente, em 27.3.2013, e-mail nos seguintes termos:

            “Exmo Sr. estamos a aguardar as brochuras. Foram pedidas e vão ser enviadas. Não vou pressionar a HCB para além do razoável após ter sabido que uma das brochuras se desfez nas mãos de um administrador.

Quando me disse ser inaceitável ainda não ter recebido tive que o alertar para o facto de os problemas de imagem graves que a minha empresa e o meu contacto em Maputo – a Dra (…) – está a sofrer;

Eu indiquei ao telefone ao (…) que tinha que falar com ele no fecho do processo e ele sabia que haviam problemas (a HCB já não nos iria entregar a produção dos relatórios deste ano) e o Carlos sabe porque lhe disse de imediato (em Janeiro) que as caixas estavam com problemas.

Numa relação de mais de seis anos nunca falhei um pagamento ao (…) e estranho não colocarem sob hipótese do vosso trabalho estar de facto mal e de como se poderá resolver a situação. Receber é importante mas a nossa reputação é mais.

Percebo que se tenha de fazer prova, é disso que estamos a tratar, o processo leva tempo porque estamos a falar de outro continente e de um cliente (que V.Exª o entenda ou não) sobre o qual não vou criar mais ruído na relação para além do estritamente necessário.”

            k) Todas as brochuras ficaram inutilizadas.

            l) A Requerida perdeu o cliente o qual cancelou os serviços encomendados.

            2. Refere-se na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

            «Os factos assentes decorrem da sua não impugnação pelas partes.

            No que respeita aos factos A), B) e C) não foram os mesmos impugnados pela Requerida que reconheceu o contrato celebrado bem como o não pagamento da respectiva factura.

            Já quanto aos factos D) a K) [II. 1. d) a k), supra], constituindo (…) matéria de excepção (…), caberia à Requerente a sua impugnação, o que não sucedeu.

            É certo que estando os articulados, no âmbito da Acção Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias, limitados à petição inicial e à contestação, a resposta a alguma excepção deduzida na contestação deveria ocorrer no início da audiência de julgamento (cf. art.º 3º, n.º 4, do CPC), pelo que a falta de impugnação à matéria de excepção em articulado próprio não importaria, à partida, a confissão dos factos.

            Porém, não se pode ignorar que, nos presentes autos, e ao abrigo dos princípios da gestão processual e da adequação formação [formal], foi o Requerente notificado para se pronunciar quanto às excepções invocadas em sede de contestação, o que este fez apenas quanto à excepção de ineptidão da petição inicial.

            Ora, tendo-se introduzido um terceiro articulado na tramitação processual, do qual o Requerente fez uso pronunciando-se quanto à excepção de ineptidão da petição inicial, ignorar o facto de o Requerente não se ter pronunciado quanto à excepção de não cumprimento do contrato, devidamente alegada e concretizada em sede de contestação conferindo-lhe nova oportunidade para o fazer em sede de audiência de julgamento, constituiria uma tutela exacerbada da posição do Requerente.

            Assim, não se tendo o Requerente pronunciado quanto aos factos alegados pelo Requerido, nomeadamente impugnando-os, terão estes de se ter por admitidos

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Para a decisão do recurso releva o mencionado no precedente relatório (ponto I) e em II. 1. e 2., supra.

            Antolhando-se evidente que a A. formulou “conclusões” (art.º 639º, do CPC) e não estando propriamente em causa a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e respectivos “ónus” (art.º 640º, do CPC), antes, sim, e sobretudo, a actuação processual que levou à fixação da matéria de facto e consequente decisão de mérito, dúvidas não restam de que nada obsta à decisão do recurso.

            E a resposta a dar passa, necessariamente, pela análise do regime jurídico-processual aplicável e da concreta actuação do Tribunal recorrido e das partes.

            4. Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro - art.º 7º do Anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9, na redacção conferida pelo art.º 8º do DL n.º 32/2003, de 12.02[4].

            O art.º 1º do referido DL n.º 269/98 (diploma preambular), na redacção dada pelo art.º 6º do DL n.º 303/2007, de 24.8, prevê os procedimentos (especiais) destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 0000, cujo regime consta dos art.ºs 1º a 5º do Anexo ao citado DL n.º 269/98.

            5. O DL n.º 62/2013, de 10.5, aplicável à situação dos autos[5], transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.02.2011, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais [cf. II. 1., supra, e art.ºs 1º; 2º, n.º 1; 3º; 13º e 15º do DL n.º 62/2013].

            Estabelece o art.º 10º do referido DL: O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida (n.º 1); Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum (n.º 2); Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais (n.º 3); As acções para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação (n.º 4).[6]

            6. Atendendo, agora, ao regime dos procedimentos a que se refere o art.º 1º do dito DL n.º 269/98.

            Relativamente à acção declarativa (Cap. I/Anexo), importa destacar:

            - A petição e a contestação não carecem de forma articulada; o duplicado da contestação será remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento (art.º 1º, n.ºs 3 e 4, sob a epígrafe “petição e contestação”).

            - No que concerne aos termos posteriores aos articulados, prevê o art.º 3º que, se a acção tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa (n.º 1); a audiência de julgamento realiza-se dentro de 30 dias (n.º 2); quando a decisão final admita recurso ordinário, pode qualquer das partes requerer a gravação da audiência (n.º 3); as provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas, se o valor da acção não exceder a alçada do tribunal de 1ª instância, ou até cinco testemunhas, nos restantes casos (n.º 4).

            - E no tocante à audiência de julgamento existem ainda especificidades visando principalmente a celeridade e simplificação dos actos (art.º 4º).

            Quanto à injunção (Cap. II/Anexo) e no que aqui interessa, será de atentar no seguinte:

            - Depois da “noção” do art.º 7º - supra referida - preceitua o art.º 10º (a respeito da “forma e conteúdo do requerimento”) que, no requerimento, deve o requerente, nomeadamente, expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão; formular o pedido e indicar, quando for o caso, que se trata de transacção comercial abrangida pelo DL n.º 32/2003, de 17.02 [n.º 2, alíneas d), e) e g)].

            - À oposição é aplicável o disposto no n.º 3 do art.º 1º (art.º 15º); deduzida oposição ou frustrada a notificação do requerido, no caso em que o requerente tenha indicado que pretende que o processo seja apresentado à distribuição[7], (…), o secretário apresenta os autos à distribuição que imediatamente se seguir (art.º 16º, n.º 1)[8].

            - Por último, dispõe o art.º 17º (sob a epígrafe “termos posteriores à distribuição”) que, após a distribuição (…), segue-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do art.º 1º e nos art.ºs 3º e 4º (n.º 1); recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais (n.º 3); se os autos forem apresentados à distribuição em virtude de dedução de oposição cuja falta de fundamento o réu não devesse ignorar, é este condenado, na sentença (...), em multa (…) (n.º 4).

            7. Decorre do mencionado regime jurídico que a A. recorreu a meio processual adequado (injunção) destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de transacção comercial abrangida pelo DL 62/2013, de 10.5 (outrora DL n.º 32/2003 de 17.02) – cf. art.ºs 1º do DL n.º 269/98, de 01.9 e 10º do DL n.º 62/2013, de 10.5.

            Perante a oposição da Ré e tratando-se de transacção comercial [cf. requerimento de injunção de fls. 1, oposição de fls. 62 e II. 1., supra][9] de valor não superior a metade da alçada da Relação (cf. art.º 31º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 23.8/art.º 44º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.8), conclui-se que o processo foi devidamente apresentado à distribuição e tramitado como acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais prevista no art.º 10º do DL n.º 62/2013, de 10.5 (e no Anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9).

            8. O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei (art.º 546º, n.º 2, 1ª parte, do CPC) e regula-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum (art.º 549º, n.º 1, do CPC).

            9. Como vimos, a tramitação do aludido processo especial, aplicável à situação em análise, comporta apenas dois articulados: a petição inicial e a contestação.

            Coloca-se assim a questão de saber se, nos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior à alçada da Relação, em que na oposição o requerido se defenda por excepção, o requerente pode ou não responder a essa matéria em articulado próprio (resposta à contestação).

            Atento o regime adjectivo supra referido, afigura-se, salvo o devido respeito por opinião em contrário, que a resposta não pode deixar de ser negativa, pela simples razão de que o processo em apreço reduz-se a dois articulados, notificando-se a contestação ao autor apenas com a notificação da data para realização da audiência de julgamento.

            E não pode considerar-se que a ausência de menção neste procedimento especial à possibilidade de articulado de resposta à contestação configura uma lacuna a integrar por aplicação das disposições gerais e comuns, sendo antes uma clara intenção do legislador de simplificar o processado e encurtar os prazos.

            Contudo, em face dos princípios gerais de processo, consagrados em múltiplas disposições gerais, mormente no art.º 3º do CPC - disposição geral e comum naturalmente aplicável aos processos especiais (art.º 549º, n.º 1, do CPC), estabelecendo o n.º 4, do referido art.º, que às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final -, deve o princípio do contraditório ser observado e feito cumprir pelo juiz a quem não é lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a oportunidade de sobre elas se pronunciarem (n.º 3, do mesmo preceito legal).

         Assim, nos casos dos processos especiais em que a contestação é o último articulado admissível e tendo neste sido deduzidas excepções, o princípio do contraditório cumpre-se com a notificação desta peça ao Autor simultânea com a notificação para a realização da audiência de julgamento, conferindo-se-lhe por esta via a possibilidade de, no início da audiência, responder à respectiva matéria.

            Trata-se de uma faculdade/possibilidade de exercer o contraditório (a parte pode responder/art.º 3º, n.º 4, do CPC), e não, obviamente, de determinado ónus da parte que, em caso de incumprimento, leve a considerar a referida matéria como admitida por acordo (do seu eventual não exercício não decorre qualquer sanção).

            Daí que se deva concluir que o ónus de impugnação especificada previsto no art.º 574º, n.º 2, do CPC[10], não se aplica aos casos em que a excepção tenha sido deduzida no último articulado legalmente admissível ao qual o autor não respondeu, simplesmente porque não tinha que fazê-lo, uma vez que a previsão do art.º 587º, do CPC[11], apenas se aplica aos casos em que falte o articulado de resposta/réplica ou no mesmo falte a impugnação, não sendo consequentemente extensível aos casos em que não exista legalmente qualquer articulado para efectuar a impugnação.[12]

            10. Vistos os autos verifica-se que as partes se posicionaram para a realização da audiência de discussão e julgamento, conformando assim a sua actuação ao regime jurídico supra referido, assumindo a própria Ré o propósito de vir a demonstrar em audiência de julgamento a perspectiva feita valer em juízo, de harmonia com o preceituado no art.º 342º, n.º 2, do Código Civil[13], naturalmente, pela simples razão de que os factos correspondentes não podiam considerar-se admitidos por acordo em virtude de o processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias apenas comportar dois articulados, não lhe sendo aplicável o disposto no art.º 587º, do CPC, que supõe a falta ou ausência de impugnação em articulado posterior.

            Proferidos os despachos de 12.12.2014 e de 19.01.2015, a A. e a Ré referiram apenas, a primeira, que deveria improceder a invocada ineptidão do requerimento injuntivo e julgar-se a causa em conformidade com o peticionado, enquanto a segunda, além de continuar a sustentar a existência e a relevância da dita excepção dilatória, pugnou para que, improcedendo tal defesa, se realizasse a audiência de julgamento na qual demonstraria os factos tendentes à improcedência da acção (art.º 576º, n.º 3, do CPC).

            Poder-se-á pois concluir que as partes ignoravam por que razão (de facto e/ou de direito) o Tribunal a quo afirmava a possibilidade de ser desde já proferida decisão de mérito e, independentemente das especificidades do presente processo especial (comportando, em regra, a realização da audiência de julgamento para conhecer de posições não conciliáveis levadas ao requerimento injuntivo e à contestação), porque nenhuma advertência foi feita quanto à eventual omissão de pronúncia sobre as excepções (dilatória e peremptória) em causa, antolha-se naturalmente defensável e avisado que outro pudesse/devesse ser o caminho a seguir para a resolução do litígio, envolvendo, necessariamente, a realização da audiência de julgamento.

            Na verdade, perante o descrito regime processual e, também, na ausência de uma melhor explicitação do entendimento do tribunal sobre o eventual desfecho da lide atentas as posições já manifestadas nos autos e os subsequentes (e eventuais) esclarecimentos das partes, afigura-se que a mera alusão à pretensa actuação dos princípios da gestão processual e da adequação formal, mencionados na sentença em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, não deixa de contender com o não menos relevante princípio da cooperação intersubjectiva, na vertente do dever de prevenção destinado a transformar o processo civil numa comunidade de trabalho[14] (as partes e o tribunal devem cooperar entre si na resolução do conflito de interesses subjacente à acção – art.° 7º, n.ºs 1 e 2, do CPC)[15], sendo que o aludido dever de prevenção tem por finalidade evitar que o êxito de qualquer pretensão de qualquer das partes possa frustrar-se pelo uso inadequado do processo; a sua actuação concreta pode consistir na sugestão de certa actuação (cf., v. g., os art.°s 591º, n.° 1, alínea c) e 639º, n.° 3, do CPC) e que passaria, in casu, pelo menos - se admitida a possibilidade de não realização da audiência de julgamento -, por advertir/prevenir as partes para as consequências da omissão de pronúncia, apenas afirmadas/extraídas na sentença sob censura…

            Sabendo-se que todos os mencionados princípios têm por derradeiro objectivo alcançar a justa composição do litígio (cf. art.ºs 6º, n.º 1 e 7º, n.º 1, do CPC), no apontado circunstancialismo e por tudo quanto se deixa exposto, cremos que não se poderá concluir (como o Tribunal recorrido) que conferir à A. “nova oportunidade para o fazer (isto é, para se pronunciar sobre a dita excepção peremptória) em sede de audiência de julgamento, constituiria uma tutela exacerbada da posição do Requerente” e, menos ainda, que “não se tendo o Requerente pronunciado quanto aos factos alegados pelo Requerido, nomeadamente impugnando-os, terão estes de se ter por admitidos”.

            11. Concluindo.

            Em face do apontado enquadramento adjectivo, atentas as referidas actuações das partes e do Tribunal, afastada a excepção dilatória de nulidade do processo (por ineptidão do requerimento de injunção) e mostrando-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso, não resta alternativa à realização da audiência de julgamento, conhecendo-se, depois, as matérias ligadas ao pedido e à dita e correlativa excepção peremptória.

            Acolhem-se, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

*

            III. Face ao exposto, julga-se procedente a apelação e revoga-se a sentença recorrida, devendo retomar-se a tramitação como se indica em II. 11., supra.

            Custas pela Ré/apelada.

*

22.9.2015

Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Fernanda Ventura


[1] Depois transmutado em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.
[2] Rectifica-se lapso manifesto.
[3] Existirá lapso ostensivo.
[4] DL entretanto revogado, com excepção dos seus art.ºs 6º e 8º, pelo DL n.º 62/2013, de 10.5 – com entrada em vigor em 01.7.2013 – mantendo-se, no entanto, em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor deste último diploma.
   Cf. a “nota 6”, infra.
[5] Veja-se, nomeadamente, que a A. não deixou de observar o disposto no art.º 10º, n.º 2, alínea g), do mencionado Anexo (cf. o requerimento de fls. 1).
[6] A norma do art.º 7º do anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9, que define o que seja injunção, há-de entender-se como remetendo para este art.º 10º do DL n.º 62/2013, de 10.5, uma vez que não está já em vigor o art.º 7º do DL n.º 32/2003 [cf. a “nota 4”, supra].
[7] Situação verificada no caso em análise (cf. fls. 1 e a “nota 5”, supra).
[8] Procedimento que veio a ter lugar (fls. 56 e seguintes).

[9] Ou seja, “…uma transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração” - art.º 3º, alínea b), do DL 62/2013, de 10.5.

[10] Que reza assim: “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.”

[11] Com a seguinte redacção: A falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574º (n.º 1). Às excepções deduzidas na réplica aplica-se o disposto na alínea c) do artigo 572º (n.º 2).

    Normativo correspondente ao art.º 505º do CPC de 1961 e que preceituava: “A falta de algum dos articulados de que trata a presente secção ou a falta de impugnação, em qualquer deles, dos novos factos alegados pela parte contrária no articulado anterior tem o efeito previsto no artigo 490º”.

[12] Cf., neste sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I., 2ª edição, págs. 504 e seguinte e, entre outros, os acórdãos da RC de 02.02.2010-processo 444180/08.1YIPRT.C1 e 23.10.2012-processo 29063/11.1YIPRT.C1 e da RL de 13.02.2014-processo 93737/12.9YIPRT.L1-2 e 26.3.2015-processo 152847-12.2YIPRT.L1, publicados no “site” da dgsi.

   No sentido de que havendo lugar legalmente à apresentação da réplica, o autor tem o ónus de responder às excepções suscitadas na contestação, veja-se Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 207, nota 477.

   Considerando, também, que nos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior à alçada da Relação, em que na oposição o requerido se defenda por excepção, o requerente não pode responder a essa matéria em articulado próprio (a contestação é o último articulado admissível) e que o princípio do contraditório cumpre-se com a notificação da contestação ao autor simultânea com a notificação para a realização da audiência de julgamento, conferindo-se-lhe por esta via a possibilidade de, no início da audiência, responder à respectiva matéria, mas que, e em sentido contrário ao das já citadas doutrina e jurisprudência, se o não fizer, ficam admitidos por acordo os factos não impugnados [perspectiva que se julgou defensável à luz da última reforma da Lei Processual Civil/Lei n.º 41/2013, de 26.6], razão pela qual o estatuído no art.º 3º, n.º 4, do CPC, não pode ser visto apenas como uma faculdade que a parte pode usar ou não, sem que daí decorram quaisquer efeitos, antes tem de ser visto como sendo o momento processual que o legislador deferiu à parte para responder às excepções deduzidas com o último articulado, sob pena de se verificarem os efeitos decorrentes da falta do ónus de impugnação [e que entendimento adverso esvazia de conteúdo as normas dos art.ºs 572º, alínea c) e 587º, n.º 1, 2ª parte, do CPC de 2013], cf. o acórdão da RP de 23.02.2015-processo 95961/13.8YIPRT.P1, publicado no “site” da dgsi.
[13] Que preceitua: “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.”
[14] Vide M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa,
Lex, 1997, pág. 62.

[15] Vide M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lisboa, Lex,
2000, pág. 56.