Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
360/18.7T8PBL-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: AVAL
PREENCHIMENTO LIVRANÇA
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 03/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 334.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: Contraria manifestamente o princípio da boa fé a actuação de entidade bancária que, sabendo que os avalistas de uma livrança lhe haviam comunicado por escrito a sua desvinculação dos avales por terem deixado de ser sócios da sociedade subscritora, numa altura em que nada era devido por esta,, permitiu a reutilização do crédito sem prestar aos requerentes/avalistas quaisquer esclarecimentos sobre as vicissitudes do subsistente contrato de abertura de crédito em conta corrente e, volvidos mais de cinco anos, sem nada dizer, responder ou esclarecer sobre a comunicação de desvinculação, preencheu e accionou a livrança (que não circulou).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:        

           

            I. AA, BB, por si (Apenso A) e na qualidade de herdeiro de CC, DD, EE, FF na qualidade de herdeiro do embargante GG, falecido na pendência da causa, e HH e II na qualidade de herdeiras de CC, deduziram oposição (por embargos) à execução para pagamento de quantia certa[1] que lhes é movida por C..., S. A. (C...)[2], aduzindo, em síntese: a executada CC faleceu em 25.01.2008 e por isso, o preenchimento da livrança caducou; a sociedade subscritora da livrança exequenda  (F..., Lda.) celebrou com o então B... um contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização múltipla em 1996, alterado em 2004 e objeto de um aditamento em 2006; para garantia ficou na posse da exequente uma livrança avalizada pelos sócios da sociedade subscritora e respetivos cônjuges; AA, BB e mulher DD procederam à amortização e cessão das quotas sociais de que eram titulares em 23.6.2011; EE transmitiu a sua quota em 02.10.2013; AA, BB e mulher DD e EE e o ex-cônjuge GG deixaram de ter qualquer participação social ou ligação à sociedade subscritora e, nesse momento, não existia qualquer montante em dívida ao exequente; após perderem a qualidade de sócios transmitiram verbalmente e por escrito à exequente e comunicaram a sua desvinculação das garantias; nessa medida, consideram o preenchimento da livrança abusivo; consideram ainda que o contrato é nulo por o objeto ser indeterminável; o requerimento executivo é inepto por não se lograr apurar o valor em dívida, logo a obrigação é incerta, ilíquida e inexigível.
            Concluíram pela sua absolvição do pedido.

A exequente/embargada contestou, dizendo, nomeadamente, que a vontade de desvinculação dos garantes avalistas não é suscetível de, unilateralmente, produzir efeitos; os executados/embargantes assinaram a livrança e respetivo pacto de preenchimento, aceitando que fosse preenchida em caso de incumprimento das obrigações assumidas; nunca aceitou, a qualquer título, a desvinculação dos embargantes como avalistas da livrança dada à execução e que foi preenchida de acordo com o convencionado; improcede a demais matéria de exceção. Concluiu pela improcedência dos embargos.

Na sequência do acórdão desta Relação de 11.02.2020 (que revogou o saneador-sentença de 16.9.2019), foi proferido despacho saneador que firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 08.7.2021, julgou parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os embargos de executado e, em consequência: julgou extinta a execução quanto a BB, DD e AA; determinou o prosseguimento da execução contra EE, FF como herdeiro de GG, responsabilidade limitada aos bens que tenha recebido de GG (art.º 744º do Código de Processo Civil/CPC), BB, EE, HH e II, como herdeiros de CC responsabilidade limitada aos bens que tenham recebido de CC (art.º 744º do CPC).

Inconformada, a exequente/embargada apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - A Recorrente instaurou em 26.01.2018 ação executiva tendo por base uma livrança subscrita pela sociedade F..., Lda. e avalizada por CC, JJ, KK, BB, DD, EE, LL e AA, no valor de € 81 409,65.

2ª - Os avalistas e respetivos habilitados apresentaram embargos alegando, essencialmente, que se desvincularam de sócios da sociedade e, por esse motivo, deixaram de ter responsabilidade pelo aval outrora prestado.

3ª - Alegam os embargantes que, com a comunicação infra se desvincularam do aval prestado,

4ª - O Tribunal a quo, com a comunicação supra entendeu que “é de interpretar a comunicação da cessão de quotas e desvinculação das garantias como declaração de oposição à renovação da garantia aquando da renovação do próprio contrato de crédito.”

5ª - Não ficou provado, por não ter acontecido, a existência de oposição à renovação do contrato de crédito.

6ª - Mais, quanto à garantia prestada não ficou definido que a garantia poderia ser alterada ou extinguida sem consentimento de ambas as partes.

7ª - O pacto de preenchimento não é sujeito a denúncia ou resolução - limita-se a acordar condições para o preenchimento de uma livrança.

8ª - Não entende assim a Recorrente como é que o Tribunal a quo entende o aval como um contrato de garantia com condições iguais ao contrato primitivo.

9ª - Sucede que os Recorridos enquanto sócios poderiam ter decidido denunciar o contrato antes de cederem as suas quotas ou deveriam ter acautelado a sua posição de garante com os novos sócios, não correndo o risco inerente à prestação do aval.

10ª - Isto é, porque deveria a lei proteger um indivíduo que vendeu e lucrou com a transferência das quotas da sociedade e se olvidou de assegurar que estaria completamente liberto de qualquer responsabilidade em prol do sujeito que cumpriu o acordado?

11ª - Não está em causa uma negação da Recorrente em alterar a situação do contratado com a sociedade, nomeadamente com substituição de garantias.

12ª - Foi apenas comunicado que os avais deveriam ser cancelados.

13ª - Pela documentação junta aos autos, pelos testemunhos prestados e por toda a situação em si, temos que concordar com a posição do AUJ 4/2013: “Tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada”.

14ª - No presente caso existiu a celebração de um contrato de abertura de crédito.

15ª - Os sócios da empresa prestaram aval ao referido contrato.

16ª - O aval consiste numa garantia pessoal das obrigações cartulares cuja finalidade é garantir o pagamento da obrigação cambiária, representando, portanto, um reforço suplementar de segurança atribuído ao credor, neste caso à Recorrente.

17ª - A obrigação do avalista é materialmente autónoma, subsistindo mesmo no caso da obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, conforme art.º 32º, n.º 2 da LULL.

18ª - Não faz assim naturalmente sentido que se oponha à renovação da garantia aquando da renovação do próprio contrato de crédito.

19ª - Muito menos fará sentido terem os avalistas, que não são parte da relação principal (contrato de crédito), o poder de alterar, unilateralmente e sem qualquer consentimento do credor, o pacto de preenchimento ou adicionar condições ao mesmo, nomeadamente às garantias e funcionamento das mesmas.

20ª - Seguindo a posição do AUJ, o aval não se caracteriza por ser um contrato, mas antes um ato jurídico unilateral, não reptício, autónomo, abstrato, não sendo passível de ser denunciado.

21ª - E temos que concordar com o AUJ, pois a garantia prestada foi o aval, existindo muitas outras que poderiam ter tomado o seu lugar, como a fiança.

22ª - Mas se foi o aval a figura escolhida, pelas suas características, não poderá à posteriori ser a figura desvirtuada em prol da vontade única e exclusiva de uma das partes.

23ª - Apesar de ser claro que a perda de qualidade de sócio exclui a possibilidade de acompanhar e gerir a vida da sociedade, esse risco não pode ser suficiente para desfigurar o aval e a garantia que um qualquer credor tem.

24ª - É um risco que o próprio sócio tem que ponderar quando dá o seu aval, é um risco que o sócio tem que ponderar e acautelar quando decide ceder as suas quotas e afastar-se da sociedade.

25ª - Não está vedado ao sócio, que no próprio contrato de cessão de quotas possa transferir, no plano interno, a respetiva responsabilidade para o cessionário ou renegociar a substituição da garantia diretamente com o credor.

26ª - E é o facto de nenhum dos Recorridos, ex-sócios, ter acautelado a sua situação que joga contra eles.

27ª - Pois deveriam ter acautelado a alteração de garantia ou término da mesma enquanto tinham ainda influência na sociedade ou no momento em que negociaram a cessão das suas quotas.

28ª - Não o tendo feito não podem agora tentar desvirtuar o acordado e infligir mais danos na Recorrida, que perderia a sua garantia e que não poderia reclamar os valores aos cessionários das quotas.

29ª - E temos ainda em conta que a missiva que cada um dos Recorridos remeteu.

30ª - Pedem os Recorridos que sejam cancelados todos os avais ou qualquer outra responsabilidade bancária assinada pelos mesmos.

31ª - Não se entende como poderá ser aposto contra a Recorrente uma simples declaração onde nem se especifica que contrato ou garantia se refere ou sequer apresentam uma fundamentação para o “cancelamento”.

32ª - E não entende a Recorrente como é que o Tribunal a quo conseguiu interpretar as três linhas de texto, que requerem cancelamento de avais e de todas e quaisquer responsabilidades bancárias, a uma oposição, válida, de renovação de um contrato específico.

33ª - Contrato esse que o Tribunal a quo identifica como “contrato de garantia”.

34ª - Não sendo um contrato, mas sim um negócio jurídico unilateral, não é suscetível de denúncia.

35ª - Mas, ainda que o se pudesse considerar que o documento junto aos autos pelos embargantes pudesse ter os efeitos por estes pretendidos, nunca poderia o tribunal, sem mais, considerar que aquela declaração permitiria que os embargantes ficassem desvinculados de toda e qualquer responsabilidade bancária!

36ª - Ainda assim o Tribunal a quo responsabiliza a Recorrente quando dita que “se não obstante as comunicações de cedência de quotas e desvinculação das garantias e mais, da diminuição das reservas legais e património da sociedade decorrente da cedência e amortizações de quotas, o Exequente entendeu manter, nos seus exatos termos, o contrato de crédito (garantido), sendo esta matéria da sua disponibilidade, terá de suportar o risco decorrente de ter sucessivamente renovado um contrato de crédito com garantias potencialmente inadequadas ou insuficientes.”

37ª - Isto leva-nos a concluir que o Tribunal a quo é da posição de que não só a Recorrente deveria ter interpretado a missiva que requer “que, a partir desta data sejam cancelados todos os avais, ou qualquer outra responsabilidade” como uma declaração de denúncia ou oposição à renovação de um contrato específico, como ainda deveria a Recorrente ter denunciado o contrato por existir uma alteração societária da qual nem tem qualquer tipo de influência.

38ª - Tal facto implicaria que uma declaração de sujeitos, não sócios, significasse o fim de um contrato firmado com a sociedade… quando a sociedade, legitimada para o efeito nunca o fez, nem tão pouco alterou as garantias na renovação do contrato.

39ª - Segundo a posição do Tribunal a quo, deveria a Recorrente investigar os novos sócios para saber se pode manter um contrato, sendo uma responsabilidade da Recorrente garantir que os seus clientes, depois de contratarem, não alteraram as garantias prestadas.

40ª - Salvo devido respeito, o pedido por parte da Recorrente de uma livrança e do aval, é garantir que nos piores dos cenários, consegue recuperar o valor que emprestou.

41ª - É garantir que se a empresa não tiver sucesso ou não conseguir cumprir as suas obrigações, terá uma boia de salvação.

42ª - Não é expectável que a credora que concede um crédito de 700 000 € possa ver as suas garantias reduzidas a 0 por livre e única decisão dos garantes, que nem são parte da relação primária.

43ª - Pois se todos os sócios que avalizaram a livrança cedessem as suas quotas e tivessem o poder de terminar a sua responsabilidade de garante perante a Recorrente, esta veria a sua garantia reduzida a nada sem que nada pudesse fazer… - esta posição adotada pelo tribunal a quo significaria tão só o colapso da banca portuguesa!

44ª - Na situação de ser possível a libertação do aval dos sócios, sem qualquer consentimento da Recorrente, teríamos a situação em que a Recorrente veria a sua garantia reduzida quase a 0 sem conseguir fazer nada contra.

45ª - É por isso indefensável que uma mera carta que não identifica os contratos ou garantias a que se refere, dizendo apenas toda e qualquer responsabilidade, possa ferir a garantia do credor.

46ª - Acrescenta-se os testemunhos prestados em sede de Audiência de Julgamento, que demonstram que não poderia a Recorrente interpretar corretamente o conteúdo das cartas em que requerem o cancelamento.

47ª - Podemos dizer com certeza que a embargante pretendia terminar com o contrato, não tendo sequer verificado o modo de o fazer ou se o poderia fazer por simples declaração à Recorrente.

48ª - Dos depoimentos pode entender-se que os embargantes nem sabem bem o que pretendiam ou tão pouco o que pediram ao banco…veja-se que a carta fala no aval e todas e quaisquer responsabilidades assumidas e nos depoimentos referem que o que pretendiam era que o contrato acabasse de todo.

49ª - Ora, mal andou o tribunal a quo quando decidiu da forma como o fez, porquanto bem sabia que os embargantes, à data do envio da carta já não eram sócios da F..., Lda.., mais, não fazendo parte da relação principal não poderiam nunca colocar termo aquele contrato.

50ª - Mas o tribunal a quo resolveu interpretar, de forma errada e extensiva, as intenções dos embargantes e nem pelo confronto com as contradições dos depoimentos e cartas juntas aos autos lhes permitiu concluir de forma diversa.

51ª - Não sendo o aval passível de denúncia, tendo ficado provado que os Recorridos não acautelaram na cessão de quotas as posições de garantia outrora prestadas e tendo ficado provado que o único ato praticado foi a entrega de uma carta sem qualquer tentativa de conversação ou negociação com a Recorrente, não se pode concordar com a interpretação e aplicação do Direito realizada pelo Tribunal a quo.

Remata dizendo que deve ser revogada a decisão recorrida na parte em que extingue a execução.

            Por seu lado, os embargantes/executados EE, MM e herdeiros de CC apelaram apresentando as seguintes conclusões:

            1ª - Parte da matéria de facto foi dada como não provada, quando deveria ter-se por assente, razão que fundamenta o presente recurso.

            2ª - Foi dado como não provado que “EE, GG e os herdeiros de CC comunicaram ao Exequente verbalmente e por escrito, que cederam as respetivas quotas sociais e que se desvinculam das garantias prestadas à sociedade.”

            3ª - Pela prova produzida, não poderia o Tribunal recorrido ter decidido no sentido em que o fez.

            4ª - Quanto aos embargantes EE e GG, entendeu o Tribunal “a quo” que “…a prova produzida quanto à comunicação da cedência de quota e desvinculação das garantias promovida por EE é ténue e frágil. De facto, essa prova reduziu-se às declarações de DD que referiu que EE entregou uma declaração idêntica às referidas no banco … mas que não encontram cópia. Como pode DD afiançar o que EE comunicou, escreveu, assinou ou entregou ao Exequente? O aparente conhecimento de DD resulta, quando muito, do que ouviu dizer de EE que, aqui chegada, terá todo o interesse em afiançar o referido. Assim, a prova produzida não é idónea para provar qualquer comunicação verbal ou escrita de EE ao Exequente.”

            5ª - É precisamente pelas declarações de parte prestadas por DD que tem que ficar provado exatamente o contrário. Refere, nas declarações que se transcrevem na íntegra, além do mais, que foi a própria que, a pedido da cunhada EE, fez a carta e a entregou no banco. Ou seja, o conhecimento que a declarante DD tem do facto, não é de “ouvir dizer”, mas sim de ela própria ter vivenciado e tido intervenção direta.

            6ª - É precisamente pelas declarações prestadas em sede de audiência de julgamento por DD, a qual, além de ser casada com ex-sócio e gerente da F..., Lda., também foi, durante muitos anos, trabalhadora/funcionária da mesma, existindo assim razões de ciência que se impõe concluir que o facto não provado neste ponto, devia tê-lo sido!

            7ª - Pese embora estas declarações de parte prestadas que revelam de forma credível, consistente e fiável que tais cartas foram redigidas e entregues no banco exequente, o facto é que tais cartas foram, muito recentemente e após o óbito do GG, encontradas, requerendo-se nesta sede e para todos os efeitos legais a sua junção aos autos e o deferimento da sua aceitação nesta fase de recurso.

            8ª - Em tais documentos os embargantes informam o exequente que cederam quotas e, nessa medida, pedem que sejam cancelados todos os seus avais e responsabilidades bancárias.

            9ª - Ora, como sempre foi alegado e pela prova produzida, provado está, que os documentos/cartas em causa foram elaboradas e entregues no banco exequente. Só que, tendo em conta o tempo decorrido e pese embora todas as diligências efetuadas para tal, tais documentos estavam em sítio incerto, desconhecendo-se onde se encontravam, ou até se estavam definitivamente extraviados. Foram recentemente encontrados já após a prolação da Sentença de que se recorre.

            10ª - Pelas razões expostas e nos termos do art.º 651º, n.º 1 do CPC conjugado com o art.º 425º do CPC, pugna-se e requer-se pela admissibilidade da junção dos documentos/cartas os quais são admissíveis.

            11ª - O efeito probatório de tais documentos terá que ser igual ao efeito probatório que o Tribunal a quo deu às comunicações entregues à embargada em julho de 2011, ou seja, resultou provado que os embargantes AA, BB e mulher DD, em de julho de 2011, comunicaram ao exequente a cedência de quotas e requereram que, a partir dessa data, sejam cancelados todos os avais e responsabilidades bancárias.

            12ª - Com a cedência das suas quotas sociais e desvinculação das garantias oportunamente prestadas, opuseram-se, validamente os embargantes, à renovação do contrato de garantia, isto é, ao pacto que autorizava o preenchimento da livrança.

            13ª - Em consequência foi julgada extinta a execução quanto a estes.

            14ª - Assim, terá que resultar provado que os embargantes EE e o seu ex-cônjuge GG, já falecido, aqui e agora representado pelo embargante MM, comunicaram ao exequente a cessão de quotas e a sua desvinculação e cancelamento de todos os avais e responsabilidades bancárias. Deve a execução ser julgada extinta quanto a estes.

            15ª - No que se refere aos embargantes BB e EE, como herdeiros de CC, tendo os mesmos entregue ao exequente (o 1º em julho de 2011 e a 2ª em novembro de 2013) documentos a solicitar a sua desvinculação das garantias prestadas e tendo em conta que em anexo a esse documento e fazendo parte integrante do mesmo, juntaram as respetivas escrituras de partilha e cessão de quotas, o fizeram com abrangência total em relação à sua pessoa, em nome próprio e como herdeiro. Não faria qualquer sentido que assim não fosse.

            16ª - Pelo que a execução tem que ser também extinta contra os embargantes BB e EE, no respeitante à sua qualidade de herdeiros.

            17ª - Por outro lado, verifica-se, em relação aos herdeiros de CC, caducidade do preenchimento da letra, quanto mais não seja até pelos ditames da boa-fé (art.º 239 do Código Civil/CC). O preenchimento da livrança pela exequente ocorreu em 2017, isto é, 9 anos após o falecimento da CC o qual ocorreu em 2008.

            18ª - Refere a Sentença da qual se recorre, que “…as partes não convencionaram a extinção da garantia por morte. Ora, com segurança não pode o tribunal nem as partes afirmar que no contrato inicial celebrado com a exequente no ano de 1996, não consta qualquer cláusula relativa aos efeitos da morte do avalista. A exequente nunca juntou aos autos tal contrato; juntou apenas a sua alteração (2004) e o seu aditamento (2006). Foi requerido que a exequente viesse juntar aos autos tal contrato datado de 27/3/1996. A exequente não entregou tal contrato, tendo mesmo vindo a confessar que dada a antiguidade do mesmo “não tem sido possível localizá-lo”.

            19ª - Por último e caso assim se não viesse a entender, sempre estaria limitada a responsabilidade dos herdeiros nos termos do art.º 744 do CPC.

            20ª - A falecida CC à data da morte, apenas era titular, em comum e sem determinação de parte ou direito, juntamente com JJ, BB, EE, HH e II, de uma quota no valor de € 63 597 na sociedade F..., Lda.

            21ª - Tal quota, como consta na certidão comercial, foi consequência da dissolução da comunhão conjugal e sucessão por óbito de NN casado que foi em comunhão geral de bens com CC.

            22ª - Esta quota de € 63 597 titulada pelo falecido NN, só foi objecto de partilha entre os herdeiros, após a morte da sua viúva CC, conforme se comprova pela escritura de partilha junta aos autos.

            23ª - Assim, a responsabilidade dos executados habilitados de CC, está limitada ao que receberam da herança da mesma, ou seja, 5/8 (cinco/oitavos) da quota social no valor de € 63 597, correspondente à meação (metade ½) e ao quinhão hereditário (um quarto ¼), no valor total de € 39 748,13.

            24ª - Ou seja, a responsabilidade dos executados habilitados BB e EE não poderá ir além de € 9 937,03 cada, e a responsabilidade das executadas habilitadas II e de HH não poderá ir além de € 4 968,52 para cada uma.

            25ª - Foram violados, além de outros, os art.ºs 239º do CC e n.º 4 do art.º 607 do CPC.

            Afirmam, ainda, que deve ser revogada a sentença, e em consequência ser alterada a matéria de facto nos termos alegados e declarada extinta a execução contra os embargantes/apelantes.

            Respondendo, a exequente e os recorridos (BB, DD e AA) concluíram pela manutenção do decidido em 1ª instância na parte que lhes é favorável.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa conhecer e/ou reapreciar, principalmente: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito, em particular, quanto à problemática do preenchimento abusivo da livrança dada à execução e/ou do abuso de direito por parte da exequente.      


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            i. Em 06.5.1988 o capital social da sociedade F..., Lda., encontrava-se dividido em quatro quotas sendo:

                        1. Uma quota no valor de 63 597 euros

                        a. que foi titulada por NN falecido a 20.01.1999 e, por força da dissolução conjugal e herança, passou a ser titulada por

                                    i. Cônjuge CC,

                                    ii. Filhos JJ (casado com KK), BB (casado com DD), EE (casada com GG) e

                                    iii. Netas HH e II;

                                                1. Sendo que CC faleceu em 25.01.2008 e por herança passou a ser titulada por  

                                                a. Filhos JJ, BB, EE (casada com GG)

                                                b. Netos HH e II;

                        2. Uma quota no valor de 63 597 euros

                                    a. titulada por JJ;

                        3. Uma quota no valor de 63 597 euros

                                    a. titulada por BB;

                        4. Uma quota no valor de 13 717 euros

                                    a. titulada por OO que faleceu em 20.3.1990 e por força da dissolução conjugal e herança passou a ser titulada por                                                        i. Cônjuge AA;

                                                ii. HH e II.

            ii. Nessa data eram gerentes JJ e BB.

            iii. Em 23.6.2011 foi registada a renúncia ao cargo de gerente por parte de BB.

            iv. Em 23.6.2011 foi registada a amortização das quotas de 15 899,25 euros e 63 597 euros tituladas por BB, aquela enquanto herdeiro de CC;

             v. Em 23.6.2011 foi registada a amortização das quotas de 7 949,62 euros e de 2 286,17 euros tituladas por II, aquela enquanto herdeira de CC, esta enquanto herdeira de OO;

            vi. Em 23.6.2011 foi registada a amortização das quotas de 7 949,62 euros e de 2 286,17 euros tituladas por HH aquela enquanto herdeira de CC, esta enquanto herdeira de OO;

            vii. Em 23.6.2011 foi registada a amortização da quota de 9 144,67 euros titulada por AA, correspondente à meação e herança por óbito do cônjuge OO;

            viii. Em contrapartida das amortizações de quotas:

                        1. BB e mulher DD receberam da sociedade:

                                    a. Prédio urbano composto por parcela de terreno destinada a construção sito em ..., lote ...9, Urbanização ..., freguesia ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º ...07;

                                    b. Prédio urbano composto por parcela de terreno destinada a construção sito em ..., lote ..., na Urbanização ... II freguesia ..., ..., descrita na CRP sob o n.º ...79;

                                    c. Fração autónoma designada pela letra  ... do prédio sito na Rua ..., em BB, ..., ..., descrito na 2ª CRP sob o n.º ...97.

                        2. AA recebeu da sociedade:

                                    a. Fração autónoma designada pela letra  ... do prédio sito na Rua ..., em BB, ..., ..., descrito na 2ª CRP sob o n.º ...97.

                        3. II e HH receberam da sociedade:

                                    a. Fração autónoma designada pela letra  ... do prédio sito na Rua ..., em BB, ..., ..., descrito na 2ª CRP sob o n.º ...97.

                        4. Consignando que

                                    a. a sociedade ainda pagaria a AA, II e HH 96 742,61 euros e a BB 46 485,02 euros, ambos em prestações;

                                     b. a situação líquida da sociedade, depois de satisfeita a contrapartida das amortizações, nos termos referidos, fica a exceder o novo capital em mais de 20 % e não fica inferior à soma deste e da reserva legal.

            ix. Em 23.6.2011 foi registada a transmissão de quota no valor de 15 899,25 euros de JJ para PP.

            x. Em consequência das amortizações referidas o capital social passou a ser de 95 395,50 euros correspondente a três quotas, duas no valor de 15 899,25 euros pertencentes, cada uma, às sócias PP e EE e uma no valor de 63 597 euros do sócio JJ.

            xi. Em 23.6.2011 foi registada a designação de PP como gerente. xii. Em 02.10.2013 foi registada a cessão de quotas de EE para PP.

            xiii. Em consequência da referida cessão o capital social passou a ser de 95 395,50 euros correspondente a três quotas, duas no valor de 15 899,25 euros pertencentes a PP e uma no valor de 63 597 euros do sócio JJ.

            xiv. Em 19.4.2016 foi registada a cessação de funções de PP como gerente.

            xv. Em 31.10.2016 foi registada a declaração de insolvência da sociedade F..., Lda.

            xvi. JJ e KK foram declarados insolventes na pendência da execução.

            xvii. No dia 02.6.2004 entre F..., Lda. (1º contraente), os avalistas CC, JJ e cônjuge KK, BB e cônjuge DD, EE e cônjuge GG, AA (2º contraentes) e a C... S. A. (3º contraente), foi celebrada “alteração ao contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização múltipla”, que consta de fls. 165 a 167 v.º dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

            xviii. O referido contrato visou alterar o contrato de empréstimo em conta corrente celebrado em 21.3.1996 entre o 1º contraente e o B..., entretanto incorporado por fusão no 3º contraente.

            xix. O crédito destinou-se a apoiar o 1º contraente para ocorrer a necessidades temporárias de tesouraria, bem como solver dívidas da empresa para com a C..., decorrentes da emissão de garantias bancárias (ponto 3) do contrato).

            xx. O contrato vigoraria até 13.7.2004; o prazo referido será automaticamente renovado por períodos iguais e sucessivos de seis meses, a menos que a C... ou o 1º outorgante denuncie o contrato por escrito com, pelo menos, 30 dias de antecedência em relação ao termo do prazo que estiver em curso; porém, o 1º contraente não goza do direito de denúncia enquanto se mantiver qualquer importância em dívida ou existir qualquer valor cativo na conta corrente (ponto 6) do contrato).

            xxi. Para titular as responsabilidades decorrentes da conta-corrente, o 1º contraente e os Avalistas identificados entregam à C... uma livrança em branco subscrita pelo primeiro e avalizada pelos segundos e autorizam, desde já a C... a preencher a sobredita livrança quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C..., tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) a data de vencimento será fixada pela C... em caso de incumprimento pelo devedor das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito; b) a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente abertura de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança (ponto 23) do contrato).

            xxii. O contrato foi assinado nos seguintes termos:[3]

            xxiii. No dia 07.4.2006 entre F..., Lda. (1º contraente ou Cliente ou Devedor), os avalistas CC, JJ e cônjuge KK, BB e cônjuge DD, EE e cônjuge GG, AA (2º contraentes) e a C... S. A. (3º contraente/C...), foi celebrado “aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização múltipla”, que consta de fls. 49 a 55 v.º dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

            xxiv. O referido contrato constituiu aditamento ao contrato celebrado em 21.3.1996, alterado em 16.6.2004 e visou elevar o montante do empréstimo em regime de conta corrente de 500 000 euros para 700 000 euros, nos termos aí melhor definidos.

            xxv. O contrato foi celebrado pelo prazo de 6 meses, com início na data da sua renovação e automaticamente prorrogado, por períodos iguais e sucessivos, a menos que a C... ou o Cliente denunciem o contrato por escrito e com pelo menos 30 dias de antecedência em relação ao termo do prazo que estiver em curso; o cliente não goza do direito de denúncia enquanto se mantiver qualquer importância em dívida ou existir qualquer valor tornado indisponível na conta corrente (cláusula 6) do contrato).

            xxvi. Nos termos da cláusula 24.1.a) do contrato a C... poderá considerar antecipadamente vencida qualquer dívida emergente do contrato e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento pelo Cliente ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente do contrato.

            xxvii. Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do contrato, o Cliente e os Avalistas identificados entregam à C... uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos e autorizam desde já a C... a preencher a sobredita livrança quando tal de mostre necessário, a juízo da própria C..., tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) a data de vencimento será fixada pela C... quando, em caso de incumprimento pelos Devedores das obrigações assumidas, a C... decida preencher a livrança; b) a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo da própria livrança (cláusula 29).

            xxviii. CC, BB e cônjuge DD, EE e cônjuge GG, AA prestaram garantia de aval nos contratos identificados por estarem diretamente ligados ou relacionados com a sociedade F..., Lda.

            xxix. O contrato foi assinado nos seguintes termos:[4]

            xxx. No dia 11.7.2011 AA deu entrada na agência da exequente da ... de um documento com os seguintes dizeres [indicado na decisão recorrida mediante uma cópia/colagem, não transpondo por palavras para a decisão o seu conteúdo].[5]

            xxxi. No dia 11.7.2011 BB e DD deram entrada na agência da exequente da ... de um documento com os seguintes dizeres [indicado na decisão recorrida mediante uma cópia/colagem, não transpondo por palavras para a decisão o seu conteúdo].[6]

            xxxii. Em junho de 2011 a sociedade F..., Lda. não tinha qualquer importância em dívida à exequente.

            xxxiii. Em de outubro de 2013 a sociedade F..., Lda. não tinha qualquer importância em dívida à exequente.

            xxxiv. Em 22.6.2016[7] a exequente comunicou à sociedade F..., Lda. a denúncia do contrato de abertura de crédito em conta corrente, ao abrigo da cláusula 24, n.º 1, al. a) e informou encontrar-se em dívida o montante de € 98 610,72 de capital, juros e encargos vencidos, nessa data.

            xxxv. Nessa mesma data[8] a exequente informou JJ, BB, AA, EE, GG, CC qualidade de avalistas, do teor da carta enviada à sociedade F..., Lda.

            xxxvi. Em resposta à mencionada carta, BB, DD, AA, EE e GG referiram à exequente que lhes comunicaram a sua desvinculação da sociedade, por escrito e que foi comunicada a resolução do pacto de preenchimento da garantia cambiária e que o silêncio da exequente que se prolongou desde o envio dessa comunicação que data de julho de 2011 até ao presente consubstancia aceitação tácita da desvinculação.[9]            xxxvii. A exequente procedeu ao preenchimento da livrança - cf. documento que se mostra junto aos autos de execução a fls. 16.[10]

            2. E deu como não provado:

            i. EE, GG e os herdeiros de CC comunicaram à exequente verbalmente e por escrito, que cederam as respetivas quotas sociais e que se desvinculam das garantias prestadas à sociedade.

            ii. A exequente respondeu às comunicações referidas em xxx) e xxxi) referindo que não aceitava a desvinculação.

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            A Mm.ª Juíza a quo não elaborou a sentença segundo o disposto, nomeadamente, no art.º 607º, n.ºs 3, 1ª parte [“Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados (...)”] e 4 [“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (...)”] do CPC.

            Na verdade, os citados normativos sobre a elaboração da sentença não foram devidamente observados quanto à factualidade a que se alude, principalmente, em II. 1. xxx e xxxi, supra, sabendo-se que “os documentos não são factos, mas simples meios de prova dos factos alegados”, razão pela qual, na fixação da matéria de facto, sempre importará indicar, expressamente, os factos provados pelos documentos, não bastando “dar como reproduzidos” os documentos ou realizar uma simples “cópia e colagem” do seu teor.

            Ademais, se, eventualmente, a alegação dos factos tiver sido feita com remissão para os documentos, deverá o juiz selecionar os factos incluídos ou decorrentes de tais documentos que importem à decisão da causa, e, se assim não suceder, nada obstará a que, em sede de recurso, essa tarefa seja assumida pela Relação que também conhece da matéria de facto[11], explicitando ou concretizando o teor de tais documentos que releve para a dilucidação da lide e a decisão do recurso.[12]

            4. a) Os embargantes/recorrentes insurgem-se, principalmente, contra a decisão sobre a matéria de facto, cuidando que a sua eventual modificação poderá levar a um diferente desfecho dos autos.

            Com esse desiderato, pugnam para que o ponto de facto II. 2. ii), supra, seja dado como provado, baseando-se, para o efeito, sobretudo, nas declarações de parte de DD conjugadas com a prova documental junta no recurso.

            Daí, importa averiguar se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto àquela factualidade.

            b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental.

            c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efetivação do princípio da imediação[13], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se os depoimentos e as declarações foram apreciados de forma razoável e adequada.

            Na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[14], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

            d) Consignou-se na motivação da decisão sobre a matéria de facto [obviamente, na parte que releva para a presente impugnação]:

«(...) A Embargante DD prestou declarações de parte e referiu que casou com o Embargante BB em 1992 e no ano de 1993 foi trabalhar para a empresa, onde permaneceu até ao dia 17 de junho de 2017[15], data em que cederam as quotas.

Pelo facto de ser cônjuge do sócio da sociedade F..., Lda. passou a avalizar as livranças.

O Embargante BB foi gerente entre 1997 e 2011, data em que renunciou à gerência e cederam as quotas. Nessa data entraram novos sócios e deixou de ter acesso às instalações da sociedade F..., Lda.

Quando cederam a quota não havia qualquer valor em dívida ao Exequente. Elaboraram uma carta onde informaram o Banco da cessão de créditos e ficou tranquila.

A Embargante EE cedeu a sua quota em 2013.

Por tal facto, elaborou um documento idêntico àquele que entregou no Banco e a Embargante EE entregou-o no Banco. Porém, não localizaram a respetiva cópia.[16]

(...)

Foi inquirida QQ, funcionária do Exequente, na área do contencioso.

Referiu em síntese que houve um pedido de aumento de plafond, por parte do cliente, o que determinou um aditamento ao contrato de conta corrente e, nessa sequência, foi pedida uma livrança.

Tem conhecimento das cartas enviadas pelos avalistas BB, DD e AA em 2011; não tem conhecimento que lhes tenha sido dada uma resposta escrita, mas sabe que, na sequência de um despacho, houve uma resposta oral; não tem conhecimento de qualquer comunicação de 2013.

Em 2011, com as cessões de quotas, houve uma redução do património da empresa.

Referiu que na sequência do incumprimento, subsequente insolvência da F..., Lda., os avalistas foram interpelados para o pagamento; os Embargantes enviaram ao Exequente uma carta onde negam a sua responsabilidade e o Exequente respondeu referindo que não aceitava a sua desoneração.

Não houve qualquer pagamento, nem mesmo no processo de insolvência.

Concatenando crítica e conjugadamente a prova produzida.

Conjugando as comunicações de fls. 155 e fls. 171 v.º, com o depoimento da testemunha QQ decorre que o Exequente recebeu e compreendeu a posição dos Embargantes/declarantes: que cederam quotas e, nessa medida, ´querem` que sejam cancelados todos os avais e responsabilidades bancárias.

A testemunha QQ referiu ainda que o Exequente respondeu às referidas comunicações, referindo não aceitar a desvinculação.

Questionada onde estriba esse conhecimento, a testemunha QQ referiu existir um despacho onde está exarada a posição do Exequente.

Os Embargantes solicitaram a junção aos autos desse documento e o Exequente refugiou-se no dever de segredo ou sigilo e não juntou o documento.

Diga-se que, diante da posição assumida pelo Exequente ao longo de todo o processo, duvidamos seriamente da existência de tal ´despacho`. Mais: acreditamos que a testemunha QQ só tomou conhecimento das comunicações de fls. 155 e fls. 171 v.º depois dos mesmos terem sido juntos aos autos pelos Embargantes, sendo o seu um depoimento de favor para coincidir com a posição assumida pelo Exequente.

Não existe prova nem quanto à aceitação, nem quanto à não aceitação.

Por sua vez, a prova produzida quanto à comunicação da cedência de quota e desvinculação das garantias promovida por EE é ténue e frágil.

De facto, essa prova reduziu-se às declarações de DD que referiu que EE entregou uma declaração idêntica às referidas no banco … mas que não encontram cópia.

(...)

Assim, a prova produzida não é idónea para prova qualquer comunicação verbal ou escrita de EE ao Exequente.

Quanto à quota social de CC, titulada por BB, EE, HH e II, não resultou provada qualquer comunicação escrita ou oral, nos termos e para os efeitos sobreditos, nomeadamente de desvinculação. (...)»

e) Perante a descrita análise crítica da prova, que (na parte transcrita) se afigura correta, vejamos alguns excertos elucidativos das declarações de parte de DD e do referido depoimento:

            - Declarações de DD (fls. 168 verso; durante 14 anos, desenvolveu a sua atividade na “parte de contabilidade, faturação, gestão financeira”):

            “(...) 17.6.2011 foi o meu último dia de trabalho [na “F..., Lda.”], (...) foi quando foi feita a escritura da venda da quota. Da cessão de quotas. Neste caso do meu marido, (...) quem cessou foi o BB, a AA e as filhas, a II e a HH. (...) assinei porque o Banco não dispensava a assinatura dos cônjuges. (...) esse contrato [aludido, v. g., em II. 1. xvii e xxiii, supra] era para efeitos de conta corrente no valor de € 100 000 e o restante para fazer garante das obras públicas que a empresa sempre que concorria a uma obra pública e lhe era adjudicada tinha que fazer uma garantia bancária de 0,5 % do valor da obra que lhe era adjudicada, ou tinha que fazer um depósito no valor dessa adjudicação; (...) no início de julho [de 2011] (...) elaborei uma carta que entreguei na C... a informar, acompanhada da escritura de venda, da cessão a dizer que a partir daquela data da escritura não tínhamos mais responsabilidades com a empresa F.... Tínhamo-nos desvinculado, portanto informámos o banco. Banco neste caso, e posso dizer que era na C..., B..., e E... (...), ...três contas correntes, (...) contratos da mesma natureza, com o mesmo objetivo, nas 3 entidades bancárias que referi (...), na .... E foram feitas as cartas para as 3 instituições bancárias. (...) Os outros bancos felizmente correu bem. Não tivemos qualquer problema mais. (...) Estava completamente saldada essa conta. (...) Estava totalmente amortizada a conta corrente. (...) A minha função era mesmo essa, administrativa, bancos, todo esse trabalho era feito por mim, (...) sempre, tanto entreguei a minha como a da D.ª AA. Entreguei as duas cartas [referidas em II. 1. xxx e xxxi, supra, e respetivas “notas”], as duas cartas à mesma pessoa, no mesmo dia (...). Portanto, ela recebeu, carimbou, Ok. Está a ser tratado, pronto e eu fiquei tranquila. (...) E nunca mais me foi dito a situação está pendente. Eu continuei a frequentar a C... até a agência fechar, supostamente em 2017 (...). EE (...) cedeu em 2013; (...) fiz a mesma carta também para a EE, para a minha cunhada, quando ela cedeu e entreguei no balcão a mesma carta. Pediu-me ajuda para fazer também esse documento e eu fiz-lhe, tenho o ficheiro que utilizei há imenso tempo noutras situações e preenchi e entreguei-lhe [comparadas as reproduções de fls. 171 anverso e verso - em tudo idênticas - com as que foram juntas em sede de recurso, a fls. 241 e 242, existem várias diferenças que apontam, claramente, para que estes “novos” documentos tenham sido elaborados noutras circunstâncias, desde logo, sem ser a partir de “ficheiro” já existente...]. (...) Eu depois devo ter lhe dado o documento, mas ela diz que não o tem com ela, e eu de facto também não o tenho comigo. Entreguei-lho provavelmente a ela (...) Ele foi entregue. Isso eu posso garantir que ele foi entregue. Posso garantir ao Tribunal. (...) foi entregue por mim, sim; (...) eu dei-lho, pronto, ela ou o deve ter perdido porque eu dei-lhe o documento, eu não fiquei com ele. Isso, sou muito certinha com papéis (...). Como não tenho o documento também não me lembro não, já passou algum tempo não me lembro o dia certo. Pronto, após a escritura conversámos e ela pediu-me ajuda para fazer isso, perguntou-me como é que tínhamos feito e eu transmiti-lhe e fiz-lhe a mesma situação para ela, entreguei. Não tenho dúvidas disso. O documento da AA entreguei e entreguei-lhe a ela, guardei o meu, pronto o dela fiz a mesma coisa não guardei, dei-lhe o documento.” A EE “(...) nunca esteve ligada à atividade da empresa, não é, mas a partir da morte dos pais entra na empresa por herança (...).”

            “(...) Eu sei que tenho uma responsabilidade perante a C..., em 2016, quando recebo uma carta em 2016 é que eu soube que afinal. (...) se houve cedência de quotas, se foi entregue uma carta a solicitar, pronto a comunicar, é assim, de certeza que os novos sócios também tiveram que entregar para conseguirem fazer, para conseguirem movimentar contas tiveram que entregar a escritura da cessão para poderem movimentar as contas, não é? A gerência mudou; (...) acho que a C... tinha que fazer o trabalho dela que era a alteração das contas bancárias, da gerência, para poderem movimentar as contas e também de todos os contratos inerentes, mas depois disso nós ainda a 11 de julho entregámos ou 7 de julho, (...) por aí, entregamos uma carta a dizer, atenção, que nós saímos e as nossas responsabilidades terminam nesta data, percebe? Portanto não tive mais informação; (...) o silêncio deles era a garantia para nós de que estava tudo resolvido. (...) ficámos tranquilos até ao dia em que recebemos uma notificação da C... a dizer que tínhamos responsabilidade da F... cinco anos depois. (...) se efetivamente o que nós fizemos não era, não seria suficiente naquele, naquele ´timing` eles nos têm dito “olhe isto não é suficiente”, obviamente que nós não íamos ficar quietos, tínhamos que resolver até que as nossas responsabilidades fossem totalmente desvinculadas. (...) com os novos sócios nós teríamos que ter arranjado ali forma de resolver as questões (...); se alguém falhou penso que não fomos nós, porque a nós nunca nos foi ditoatenção que isto não está concluído, atenção é preciso mais qualquer coisa. (...) para mim o contrato ia morrer! (...)”

            - Testemunha QQ (fls. 169 verso; gestora de contencioso na C...):

Referiu, nomeadamente: não contactou com qualquer dos executados/embargantes; tem conhecimento das “cartas de desvinculação” que “foram entregues na Agência” da C..., mas, “em 2011”, não tem conhecimento “que tenha sido dado uma resposta por escrito”; em determinada altura foi informada de que terá sido dada uma “resposta oralmente” (“mas não posso comprovar isso”); “em 2016 foi dada uma resposta por escrito aos clientes”, “(...) a ausência de resposta da C... não significava a desoneração dos avalistas”; “só em 2011; em 2013 não encontrei informação sobre isso”; só foram recebidas pela C... cartas datadas e entregues no ano de 2011; desconhece que tenha havido qualquer contacto (da sociedade ou dos avalistas) visando a renegociação dos termos do contrato; “não houve pagamentos”.

            “Vi qualquer coisa...”, as cópias das cartas “com o carimbo de que foram rececionadas na C...”; entra a emissão e o preenchimento da livrança distam 11 anos.[17]

            Relativamente às cartas de 2011, afirmou ter havido dois despachos (em 2011 e em 2016) de recusa (“redondamente não”), mas “não foi localizado nenhum documento da resposta enviada”. Os avalistas/“clientes venderam as quotas e transferiram as responsabilidades para outros, deveriam ter salvaguardado essas situações, ou seja, em que moldes o banco está disposto a abdicar dos seus avais...”. “Verifiquei que havia um despacho disto (do ano de 2011), vi o conteúdo desse despacho, (...) vi em papel”; Não sabe quem exarou tal despacho (se a nível central ou a nível local/agência).

            f) Visando “complementar” aquelas declarações de parte e invocando o disposto nos art.ºs 425º e 651º, n.º 1 do CPC,  os embargantes/recorrentes juntaram aos autos os documentos de fls. 241 e 242.[18]

            Afigurando-se que a demonstração da realidade dita em II. 2. i), supra, sempre deveria estar situada no tempo - à semelhança do conteúdo dos documentos atendidos em 1ª instância juntos a fls. 171 anverso e verso (onde se fez constar “Recebi em 2011-07-11”) -, verifica-se, contudo, que aqueles documentos / “papéis” de fls. 241 e 242 não contêm qualquer menção relativa à data da sua pretensa entrega e receção numa determinada agência da C..., o que sempre relevaria no eventual atendimento de tal “meio de prova”.

            Não se podendo deixar de estranhar as (pretensas e/ou reais) circunstâncias em que os referidos documentos/«cartas» foram juntos aos autos[19], importa dizer que do simples confronto do documento de fls. 171 anverso[20] com os documentos / “papéis” de fls. 241 e 242, chegamos à conclusão de que a rubrica (e o carimbo) dos segundos reproduz a que foi aposta no documento de fls. 171 anverso, ou seja, existe uma forte probabilidade [pois, no presente enquadramento, não será de afirmar a “absoluta certeza”…[21]] de numa folha com texto previamente/posteriormente elaborado[22] ter sido justaposta/aposta/colocada, por montagem, uma cópia da assinatura (e carimbo) do documento reproduzido a fls. 171 anverso; a diferença entre este documento e os de fls. 241 e 242 decorre, tão somente, duma ligeira ampliação, sendo que a rubrica (e carimbo) evidencia igualdade/identidade na forma/desenho do traçado, mas também diversos pormenores, particularidades ou características comuns, os quais, não obstante a reduzida extensão da rubrica em questão, não deixam de apresentar igual configuração e adequada (e total) concordância!

            E se, segundo o curso ordinário das coisas, é praticamente impossível efetuar duas ou três rubricas iguais, também não se vê como seja possível associar a tais rubricas uma igual marca (na grafia e na colocação na folha) de determinado carimbo, como sucede nos documentos de fls. 241 e 242.

            Daí, utilizando algumas expressões dos recorrentes/embargantes, tudo nos diz que tais “cartas/requerimentos/documentosnãoforam elaboradas e entregues no banco Exequente”.

            Concluindo ou rematando - de forma concisa, já que, lembrando o pensamento de Ludwig Wittgenstein, depois de “ver o que se passa (…), deixaremos de dizer muitas coisas[23] -, e porque “os factos não podem mentir[24], sem mais considerandos, dir-se-á que a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento não possibilita, em relação aos embargantes/recorrentes, dar como provada factualidade idêntica à descrita em II. 1. xxx e xxxi, supra, ou, sequer, o que ficou plasmado no primeiro facto dado como não provado, pela simples razão de que não existe prova de tal matéria, antes, sim, fortes indícios de que, por caminhos ínvios, se pretendeu demonstrar o que nunca aconteceu!

            Existem, pois, fortes indícios da prática de crime(s) contra a realização da justiça [cf., sobretudo, II. 4. a), d) e e), supra, bem como a presente alínea; alegações de fls. 216 e seguintes e art.ºs 359º e seguintes do Código Penal; cf., ainda, ata de fls. 175].

            5. Ademais, a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, elaborada pela Mm.ª Juíza a quo, afigura-se, em geral, correta.

            Na verdade, face à mencionada prova pessoal e documental, apenas podemos dizer que a factualidade dada como provada (e não provada) respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova pessoal[25], a Mm.ª Juíza não terá desconsiderado regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[26]

            A Mm.ª Juíza analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).

            Improcede, pois, a pretensão dos apelantes/embargantes de ver modificada a decisão de facto.

            6. Ao tribunal incumbe administrar a justiça em nome do povo (art.º 202º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), pelo que, em toda e qualquer situação, deverá decidir respeitando a verdade, a justiça e os demais princípios/fundamentos axiológico-normativos da ordem jurídica e do Estado de Direito.

            7. Sem quebra do devido respeito, é absurdo e incompreensível o que a exequente/C... decidiu afirmar no requerimento de 10.5.2021 e que subjaz aos despachos da Mm.ª Juíza a quo de 10.5.2021 e de 12.5.2021[27], sabendo-se que se tratava de elementos importantes para a boa decisão da causa (cf., ainda, o despacho da M.ª Juíza de 16.4.2021/fls. 169 verso).

            Não obstante, afigura-se que os elementos disponíveis permitem a re(apreciação) da decisão de mérito, tendo presente, também, o explanado no acórdão de 11.02.2020[28].

            8. O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.° 4/2013 de 11.12.2012 (Revista 5903/09.4TVLSB.L1.L1.S1)[29], fixou a jurisprudência no sentido de que “tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada”.

            9.  Na situação em análise existiu um contrato de abertura de crédito que teve uma alteração no ano de 2004 e um aditamento em 2006, participando os sócios e avalistas na qualidade de “segundos contratantes” (cf., sobretudo, II. 1. xvii e xxiii, supra).

            O aval traduz-se numa garantia pessoal das obrigações cartulares, mais precisamente das resultantes de letras e livranças (art.ºs 30° a 32º da LULL, para as letras; art.º77º, para as livranças), cuja finalidade é garantir o pagamento da obrigação cambiária, representando, portanto, um reforço de segurança atribuído ao credor. Caracteriza-se por tornar responsável, perante o credor, outra ou outras pessoas diferentes do primitivo devedor, implicando consequentemente a vinculação do património destas à satisfação do direito de crédito.

            10. Sabemos que parte significativa da doutrina e alguma jurisprudência vem alertando para a diferença entre o aval em título completo e o aposto sobre título em branco (no segundo caso, o risco é mais elevado), considerando, ainda, o tipo operação bancária garantida.[30]

            Considera-se, ainda, que nos casos em que é defensável a desvinculação unilateral do aval, o ex-sócio apenas deixará de responder pelas dívidas ulteriores à respetiva desvinculação, sendo que a data relevante para o efeito corresponderá à data de receção por parte do credor da declaração a solicitar a referida desvinculação (art.º 224° do CC), continuando, deste modo, a garantir a restituição das quantias correspondentes a financiamentos já recebidos pela sociedade naquela data.[31]

            No referido contexto, tratando-se de um avalista em branco que cede a sua participação social e se desliga da vida societária, a mesma doutrina e alguma jurisprudência considera razoável admitir em certas circunstâncias a possibilidade de desvinculação unilateral do ex-sócio ao acordo de preenchimento (uma vez que não faz sentido que fique eternamente vinculado a um aval que prestou num determinado momento da vida profissional), por denúncia, sendo que esta é uma faculdade ´ad libitum`, podendo ocorrer por razões de oportunidade ou de provado (e justificado) interesse do contraente que a declara.[32]

            Quando um sócio apõe a sua declaração de aval na livrança em branco subscrita pela sua sociedade, fá-lo porque o financiamento é necessário para a prossecução da atividade societária, o que lhe interessa atenta a sua qualidade de sócio -  é esta indissociável ligação entre a qualidade de sócio e a prestação da garantia que legitima a interrogação sobre o modo como a perda dessa qualidade poderá influenciar a (manutenção da) responsabilidade do garante.

            Nessa medida, é o facto de deixar de ser sócio que legitima a desvinculação (faculdade reconhecida ao sócio cedente por integração do acordo de preenchimento segundo a vontade hipotética das partes e os ditames da boa fé impostos pelo art.º 239º do CC), uma vez que o avalista deixa de poder influenciar a gestão societária e consequentemente assegurar-se que a sociedade está a ser gerida de modo a honrar os compromissos financeiros assumidos, e sabendo-se que o banco deu crédito à sociedade tendo em conta a “garantia” resultante do compromisso do sócio e que esse é, normalmente, um pressuposto do negócio.[33]

            11. Defendendo-se apenas a possibilidade de liberação do ex-sócio no que se refere a dívidas ulteriores à sua desvinculação da sociedade, o credor tem diversos meios à sua disposição para fazer face à alteração das circunstâncias e defender o seu interesse no ressarcimento do crédito, entre os quais, a reconfiguração da relação jurídica de modo a refletir a diminuição das garantias, nomeadamente renegociando a taxa de juro ou interpelando a sociedade para a apresentação de novas garantias como requisito para novas concessões. O credor poderá, ainda, prever expressamente no formulário do pacto de preenchimento as consequências que a desvinculação em virtude de cessão de quotas terá sobre o contrato subjacente.

            É certo que para o credor seria preferível continuar a manter o património pessoal dos ex-sócios como garantia do ressarcimento dos seus créditos, não obstante, não parece razoável que, vários anos após se terem desligado da vida societária, os ex-sócios continuem indefinidamente a garantir a devolução de financiamentos, que desconhecem e não têm qualquer possibilidade de controlar (sem qualquer perspetiva futura de desvinculação).[34]

12. Ficou provado:

- Em 23.6.2011 foram registadas a renúncia ao cargo de gerente por parte do executado/embargante BB e as amortizações das quotas de 15 899,25 euros e 63 597 euros tituladas por BB, aquela enquanto herdeiro de CC e da quota de 9 144,67 euros titulada por AA, correspondente à meação e herança por óbito do cônjuge OO (cf. II. 1. iii., iv. e vii.).

            -  Foi então consignado que a situação líquida da sociedade, depois de satisfeita a contrapartida das amortizações, ficava a exceder o novo capital em mais de 20 % e não era inferior à soma deste e da reserva legal (cf. II. 1. viii., 4. b.).

            - Na alteração ao contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização múltipla, de 02.6.2004, em que intervieram F..., Lda., os avalistas e a C..., o crédito destinou-se a apoiar a referida sociedade para ocorrer a necessidades temporárias de tesouraria, bem como solver dívidas da empresa para com a C..., decorrentes da emissão de garantias bancárias (cf. II. 1. xvii e xix.).

            - O aditamento ao mesmo contrato, de 07.4.2006, visou elevar o montante do empréstimo em regime de conta corrente de 500 000 euros para 700 000 euros e teve por contraentes os mesmos intervenientes (cf. II. 1. xxiii. e xxiv).

            - Os embargantes/recorridos BB e cônjuge DD e AA prestaram garantia de aval nos contratos identificados por estarem diretamente ligados ou relacionados com a sociedade F..., Lda. (cf. II. 1. xxviii.).

            - No dia 11.7.2011 AA deu entrada na Agência da C... da ... de um “Pedido de Cancelamento de Responsabilidades Bancárias”, com o seguinte teor. «Serve a presente para comunicar a V.Exa (s) que no passado dia 17 de junho de 2011 deixei de exercer as funções de Sócio na empresa F..., Lda., conforme consta da Escritura que anexo. / Assim, venho por este meio solicitar a VExa (s) que, a partir desta data sejam cancelados todos os Avais, ou qualquer outra responsabilidade bancária assinada por mim (...).» (cf. II. 1. xxx.).

            - Na mesma data, BB e DD deram entrada na Agência da C... da ... de idêntico pedido/requerimento, com o seguinte teor. «Serve a presente para comunicar a V.Exa (s) que no passado dia 17 de junho de 2011 deixei de exercer as funções de Sócio-Gerente na empresa F..., Lda., conforme consta da Escritura que anexo. / Assim, venho por este meio solicitar a VExa (s) que, a partir desta data sejam cancelados todos os Avais, ou qualquer outra responsabilidade bancária assinada por mim e minha esposa (...).» (cf. II. 1. xxxi.).

            - Designadamente, em junho de 2011 e em outubro de 2013 a sociedade F..., Lda. não tinha qualquer importância em dívida à exequente (cf. II. 1. xxxii. e xxxiii.).

            - Em 22.9.2016 a exequente comunicou à sociedade F..., Lda. a denúncia do contrato de abertura de crédito em conta corrente e informou encontrar-se em dívida o montante de € 98 610,72, informando BB e AA, na qualidade de avalistas, do teor da referida carta. (cf. II. 1. xxxiv e xxxv).

            - Em resposta à mencionada carta, BB, DD e AA referiram que lhe comunicaram a sua desvinculação da sociedade, por escrito e que foi comunicada a resolução do pacto de preenchimento da garantia cambiária e que o silêncio da exequente que se prolongou desde o envio dessa comunicação que data de julho de 2011 até ao presente [e não se demonstrou que a exequente tenha respondido às comunicações/requerimentos/pedidos dos avalistas/contraentes referidos em II . 1. xxx. e xxxi., supra, e que o fez “referindo que não aceitava a desvinculação” - cf. II. 2. ii., supra -, e, menos ainda, que os embargantes/recorridos tenham sido informados do que veio a ser disponibilizado em conta corrente] consubstancia aceitação tácita da desvinculação (cf. II. 1. xxxvi.)

            - Em 31.10.2016 foi registada a declaração de insolvência da dita sociedade (cf. II. 1. xv.).

            - A exequente procedeu ao preenchimento da livrança apresentada como título executivo apondo as datas de emissão e de vencimento de 07.4.2006 e 16.11.2017, respetivamente (cf. II. 1. xxxvii.).

            13. Ante a descrita factualidade, podemos agora dizer que existem elementos suficientes sobre o circunstancialismo atinente ao vencimento em 16.11.2017 de uma livrança emitida em 07.4.2006 e que teve subjacente um contrato de abertura de crédito em conta corrente de 21.3.1996 (objecto de alteração no ano de 2004 e de aditamento no ano de 2006), bem como sobre a subscrição do título cambiário em causa, contrato de abertura de crédito (mormente no que concerne ao se e ao quando do financiamento concedido) e demais relacionamento das partes, nada justificando o silêncio e a recusa (inclusive, perante o tribunal! – cf. fls. 173 a 175) que a exequente decidiu adotar.

            Os recorridos/embargantes - BB, DD e AA - procederam de forma transparente e de boa fé (com lealdade e correção)[35], pretendendo a sua desvinculação como avalistas numa altura em que nada era devido pela sociedade (garantida) e sendo que, a partir de então, deixavam de poder acompanhar e influenciar a atividade da sociedade; mas ignora-se se e como lhes foi transmitido, pela exequente/C..., com igual clareza e transparência, por que não abria mão, em relação a eles, de uma garantia consubstanciada num aval inscrito numa livrança em branco que permanecia no domínio das relações imediatas e cujo preenchimento dependia, necessariamente, de dívida pretérita ou atual.

             Inexistindo, então, quaisquer responsabilidades decorrentes da abertura de crédito/qualquer importância em dívida ou qualquer valor tornado indisponível na conta corrente, ou qualquer incumprimento pelo cliente ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente do contrato (cf. II. 1. xxi, xxv. e xxvi., supra), qual a razão para o silêncio e a permanente recusa em esclarecer os avalistas?

            Num tempo em que nas mais variadas situações do mundo do tráfico negocial, mormente nos contratos de prestação de serviços e de bens essenciais ou de concessão de crédito, tudo ou quase tudo se exige e, por vezes, pouco ou muito pouco se dá em troca, não vemos como acolher a posição de quem,  volvidos mais de cinco anos e nada tendo dito, respondido ou esclarecido, pretende fazer valer uma garantia num título de crédito em branco (que não circulou, mantendo-se nas mãos do credor originário)[36], quando o garante/avalista, também contraente [cf., v. g., II. 1. xvii., xxiii., xxvi. e xxvii., supra], foi contínua e estranhamente ignorado e deixara de poder influenciar a atividade da sociedade avalizada e de ter a qualidade pressuposta no pacto de preenchimento, porquanto despido dos poderes de gestão sobre a atividade da sociedade/empresa e os montantes que nesse lapso de tempo foram concedidos/reutilizados.

            E é por demais evidente que a C...  não ficou “à mercê das vicissitudes e variações das posições sociais que em cada momento vigoram numa sociedade e dos interesses particulares que os sócios decidam em cada momento para o destino societário[37], antes viu a sua posição devidamente acautelada à data da questionada desvinculação e sempre poderia reequacionar toda a correspondente relação contratual, e não o fez.[38]

            14. Podemos, pois, afirmar que a conduta da exequente se afastou das mais elementares exigências de lealdade e transparência e da boa fé[39], tendo abusado da posição de aparente prevalência do seu interesse e do seu direito face aos demais envolvidos (estabelecendo o art.º 334º do CC que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»), atuação e circunstâncias do relacionamento contratual das partes que ultrapassaram, em muito, a mera e singela “cedência da sua participação social na sociedade avalizada” e suas eventuais e diretas consequências, já que, designadamente, aquando da comunicada e pretendida desvinculação, a sociedade avalizada não tinha qualquer importância em dívida à exequente, e, no tempo subsequente, a exequente conhecia a nova realidade societária e permitiu novas utilizações/financiamentos (reutilizações do crédito em que o executado/avalista não interveio nem podia participar) sem prestar aos requerentes/avalistas quaisquer esclarecimentos sobre as vicissitudes do subsistente  contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização múltipla, quedando-se, ao contrário, num enigmático silêncio, quebrado, apenas, volvidos mais de cinco anos, omissão e ação assaz contrárias aos mais elementares deveres de conduta e à observância dos ditames da boa fé próprios de toda e qualquer relação contratual com verdadeiro suporte axiológico-normativo.

            15. Ante a descrita perspetiva factual e jurídica, a inércia ou silêncio da exequente não poderia obstaculizar a produção de efeitos da mencionada declaração dos embargantes/recorridos AA, BB e DD, como se assinalou em 1ª instância, tratando-se, quanto a estes, de um verdadeiro “contrato de garantia (que autorizava o preenchimento da livrança)”.

            Porque a livrança veio a ser preenchida por montantes em dívida depois de out./2011, a quantia nela inscrita não era exigível, impondo-se a extinção da execução como se decidiu na sentença recorrida.[40]

            16. No que se refere aos embargantes/recorrentes (e atenta a alegação do “apenso B”) apenas se poderá corroborar que a posição contratual da falecida CC (na relação subjacente), com todos os inerentes direitos e obrigações, transmitiu-se aos seus herdeiros, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 2024º e 2025º do CC e 744º, n.º 1 do CPC, como se explicitou e decidiu na 1ª instância.

            17. Por conseguinte e indeferida a impugnação de facto, a decisão de mérito será mantida quanto a todos os embargantes/executados.

            18. Soçobram, desta forma, as “conclusões” das alegações de recurso.


*

III. Face ao exposto, julgam-se improcedentes as apelações, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas a cargo dos recorrentes.


*

            Vão os autos com vista ao Exmo. Magistrado do M.º Público para eventual instauração de procedimento criminal - cf. II. 4., in fine, supra.

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08.3.2022


               

               

                Voto de vencido (Apel. 360/18.7T8PBL-A.C2).

         Sem pôr em causa, neste âmbito, a especificidade de uma garantia de aval prestada perante título em branco, e sendo ponderáveis as posições de alguns setores da doutrina e de alguma jurisprudência, como nos dá conta a fundamentação do douto acórdão (que me merece o maior respeito), não sendo de admitir que a garantia assuma, na prática, um cariz de perpetuidade – o que não parece ocorrer in casu, atento o tempo decorrido desde a desvinculação perante a sociedade –, reitero (como no anterior voto de vencido) que tenho vindo a seguir a posição do discutido AUJ, mesmo em caso de livrança subscrita em branco, atentos os princípios, interesses e tutela preponderantes no âmbito comercial e cambiário [com especial enfoque para a posição do(s) credor(es) cambiário(s), podendo falar-se, nesta perspetiva, de algum modo, num favor creditoris, pela via do interesse da circulabilidade do título de crédito, a tal inevitavelmente vocacionado ([41]), diversamente do que ocorre no direito civil, mais virado para a proteção do devedor], só admitindo a desvinculação do avalista sócio/administrador que saiu entretanto da sociedade se estiver demonstrado que houve pacto nesse sentido ([42]), não bastando, em regra, a cedência da sua participação social na sociedade avalizada (e uma unilateral declaração de desvinculação).

            Assim, mantendo a posição que venho adotando, seguiria, no caso dos autos, a jurisprudência uniformizada do dito AUJ n.° 4/2013, no sentido de que, tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível, por regra, a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada.

            Com as legais consequências para a solução do caso dos autos.

                                                                                                          Vítor Amaral



             


[1] Instaurada em 23.01.2018 - cf. requerimento executivo reproduzido a fls. 119 e seguintes.
[2] Considerada a apensação (do processo 360/18.7T8PBL-B, instaurado em 11.3.2019) aludida no despacho de 24.7.2020 (a oposição do apenso A foi deduzida em 06.7.2018) e as habilitações de herdeiros nos autos principais (03.12.2018 e 07.12.2020), mencionadas na decisão sob censura.
[3] Reproduziu-se a parte final do documento (assinaturas e menções apostas através de carimbos) relativo ao contrato dito em II. 1. xvii, supra, de fls. 165 e 166.
[4] Idem, sendo que se reproduziu a parte final do documento de fls. 49 e seguintes – assinaturas, carimbos e documentos referentes a conferência de assinaturas (fls. 52 verso, 53 anverso e 55).
[5] Idem - foi reproduzido o documento de fls. 155 anverso / 171 anverso.
  Tratou-se de um “Pedido de Cancelamento de Responsabilidades Bancárias” (epígrafe/indicado como “Assunto”), assinado pela avalista/interessada e com o seguinte teor. «Serve a presente para comunicar a V.Exa (s) que no passado dia 17 de junho de 2011 deixei de exercer as funções de Sócio na empresa F..., Lda., conforme consta da Escritura que anexo [escritura de “Partilhas e Doação de quotas, Amortização com redução de capital e Permutas”, de 17.6.2011, reproduzida a fls. 26 a 33]. / Assim, venho por este meio solicitar a VExa (s) que, a partir desta data sejam cancelados todos os Avais, ou qualquer outra responsabilidade bancária assinada por mim. / Sem outro assunto de momento, subscrevo-me (...)»
[6] Idem, sendo que se reproduziu o documento de fls. 171 verso.
  Tratou-se de um “Pedido de Cancelamento de Responsabilidades Bancárias” (epígrafe/indicado como “Assunto”), assinado pelos avalistas/interessados e com o seguinte teor. «Serve a presente para comunicar a V.Exa (s) que no passado dia 17 de junho de 2011 deixei de exercer as funções de Sócio-Gerente na empresa F..., Lda., conforme consta da Escritura que anexo [escritura de “Partilhas e Doação de quotas, Amortização com redução de capital e Permutas”, de 17.6.2011, reproduzida a fls. 26 a 33]. / Assim, venho por este meio solicitar a VExa (s) que, a partir desta data sejam cancelados todos os Avais, ou qualquer outra responsabilidade bancária assinada por mim e minha esposa, BB e DD , respetivamente. / Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos (...)»
[7] Existe lapso manifesto, porquanto a missiva em causa tem a data de 22.9.2016 (cf. fls. 56).
[8] Idem (cf. documentos de fls. 56 verso a 58).
[9] Assim, nas missivas reproduzidas a fls. 34 verso e seguintes, datadas de 26.8.2016 e 06.12.2017.

[10] Também reproduzido a fls. 121 verso e que a exequente apresentou como título executivo - livrança subscrita pela sociedade F..., Lda., no valor de € 81 409,65 e com as datas de emissão e de vencimento de 07.4.2006 e 16.11.2017, respetivamente.
[11] Vide, entre outros, A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Volume II, 4ª edição, Almedina, 2004, pág. 149 e “nota 242” e os acórdãos da RC de 21.9.1993, in CJ, XVIII, 4, 37 e do STJ de 01.02.1995 e 22.4.1997, in CJ-STJ, III, 1, 264 e V, 2, 60, respetivamente.
   Cf., ainda, o acórdão do STJ de 07.11.2019-processo 6414/16.7T8VIS.C1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[12] Como consta das “notas 5 e 6”, supra.
[13] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, cit., págs. 266 e seguinte.
[14] Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjetiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a atividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[15] Existe lapso manifesto, sendo o ano de 2011.
[16] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[17] Cf. “nota 10”, supra.
[18] Como se explicitará, de seguida, a especificidade da situação dos autos dispensa ou não convoca a mera verificação dos requisitos previstos na lei processual civil sobre a admissibilidade da junção de documentos em determinadas situações particulares e excecionais.

[19] Inteira razão teve a exequente, ao afirmar, sob o ponto 17 da resposta à alegação de recurso: «e muito se desconfia que de 2017 até hoje, apenas agora as tenham encontrado».
[20] Cujo original se encontrará no arquivo da CGD, mas que, aqui, se considera desnecessário.
[21] Vide, a propósito, Vaz Serra, Direito Probatório Material, in BMJ, n.º 110, pág. 82.
[22] Veja-se, no entanto, sobre esta matéria, e na comparação com os documentos de fls. 171, o que se deixou consignado em II. 4. e), supra.
[23] Vide Tratado Lógico-Filosófico e Investigações Filosóficas, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1987, pág. 239.
[24] Axioma da Jurisprudência Inglesa, citado por Vaz Serra, no referido estudo, pág. 191, nota (243).
[25] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 277.
[26] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[27] A ata de fls. 175 foi incorretamente datada.
[28] Publicado no “site” da dgsi (apelação 360/18.7T8PBL-A.C1).
[29] Publicado no DR, 1ª Série, de 21.01.2013 e no “site” da dgsi.

[30] Vide, entre outros, Carolina Cunha, Cessão de Quotas e Aval; Equívocos de uma Uniformização de Jurisprudência, in Direito das Sociedades em Revista, Ano 5º, Vol. 9 (2013), págs. 91 e seguintes.

[31] Vide, designadamente, Carolina Cunha, Letras e Livranças. Paradigmas Actuais e Recompreensão de um Regime, Coimbra, Almedina, 2012, págs. 605 a 607 e 613; Manuel Januário Gomes, O (in) sustentável peso do aval em livrança em branco prestado por sócio de sociedade para garantia de crédito bancário revolving, Cadernos de Direito Privado, n.° 43, Julho-Setembro 2013, págs. 34 e seguintes e 40 e Maria Cristina CoutoA Desvinculação do Aval por parte de um Ex-Sócio, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Privatísticas, FDUP, Novembro de 2016/«sigarra.up.pt›fdup›».

[32] Cf., por exemplo, os acórdãos da RP de 27.02.2014-processo n.º 3871/12.4TBVFR-A.P1 e da RL de 20.12.2017-processo 1732/14.1TBTVD-A.L1-7, publicados no “site” da dgsi.

[33] Vide, nomeadamente, Carolina Cunha, Cessão de Quotas e Aval…, págs. 91 e seguintes e Letras e Livranças…, pág. 613; Manuel Januário Gomes, Comentário citado, págs. 41 e seguinte e Filipe Cassiano dos Santos, Aval, Livrança em branco e denúncia ou resolução de vinculação - Anotação ao AUJ do STJ de 11.12.2012, RLJ, 142º, pág. 312 e seguintes.

   Ainda quanto a esta matéria e em idêntico sentido, Ricardo Costa (in Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Justiça n.º 4/2013 - Uniformização de Jurisprudência - Livrança em Branco- Denúncia do Aval, Fórum Jurídico IAB/Almedina, Março de 2013) defende que em casos em que a permanência como garante se tornar excessiva e irrazoável face aos riscos abrangidos “deverá ser considerada lícita a faculdade de resolução desse acordo por parte do avalista com base na invocação de uma causa de inexigibilidade superveniente, desde que atendível e não exercida abusivamente: parece ser o caso de uma cessão das participações sociais para o sócio que deixa de o ser na sociedade garantida (…)”.

   Manifestando posição contrária, vide Alexandre de Soveral Martins, Cessão de Quotas. Alguns Problemas, Coimbra, Almedina, 2016, págs. 137 e seguinte.

[34] Vide, sobretudo, Maria Cristina Couto, A Desvinculação do Aval por parte de um Ex-Sócio, cit., “ponto 8”.

   No mesmo sentido, Manuel Januário Gomes, Comentário citado, pág. 47: “Enquanto não houver nova intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, parece-nos que a jurisprudência fixada no acórdão de uniformização de jurisprudência deverá ser lida considerando a sua parte decisória, no sentido (…) de que o sócio de uma sociedade que presta aval em livrança (completa) para garantia de financiamento a favor da sociedade não pode denunciar o aval cambiário pela circunstância de, entretanto, ter cedido a sua participação social na sociedade avalizada, tal como o não pode fazer por outra qualquer circunstância (…) Se, ao invés, o acórdão de uniformização de jurisprudência for interpretado como sendo aplicável (também) ao aval aposto em livrança em branco e antes mesmo do preenchimento do título, teremos, então, um aval em branco insustentável, se não mesmo insuportável”.
[35] Vide, nomeadamente, I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, 1986, pág. 13.

[36] Na situação em análise, de aval em título incompleto, o título cambiário não entrou em circulação e os elementos disponíveis não sustentam ou, pelo menos, esbatem consideravelmente o princípio da prevalência dos interesses do tráfico mercantil, máxime, o interesse da circulabilidade do título.
[37] Lembrando o explanado no AUJ n.° 4/2013 de 11.12.2012.

[38] E como bem se diz na resposta (à alegação) apresentada pelos embargantes/recorridos, sendo patente no AUJ a preocupação em que sejam devidamente ponderados os interesses do banco credor, cujas garantias ficarão prejudicadas com o reconhecimento da faculdade de desvinculação por parte de um ex-sócio, avalista em branco, também é certo que o banco credor tem diversos meios à sua disposição para fazer face à alteração das circunstâncias e defender o seu interesse no ressarcimento do crédito como, por exemplo: a) não prescindir da garantia pessoal do ex-sócio, optando pela resolução/denúncia do contrato, o que lhe permitirá liquidar a situação presente e preencher a livrança em branco de que dispõe, acionando também o ex-sócio, dado a dívida ser anterior à sua desvinculação e o mesmo continuar responsável pelas quantias solicitadas no passado;  b) reconfigurar a relação jurídica de modo a refletir a diminuição das garantias, nomeadamente renegociando a taxa de juro ou interpelando a sociedade para a apresentação de novas garantias como requisito para novas concessões.

[39] Sintetizando o entendimento da doutrina, Luís Menezes Leitão (in Direito das Obrigações, Vol. I, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 58) diz-nos que a boa fé se estrutura em dois postulados essenciais: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.

   Quanto ao 1º, «a sua proteção através do princípio da boa fé significa exigir-se no quadro de um sistema móvel um conjunto de pressupostos para que a confiança tenha tutela jurídica. Seriam assim exigíveis: – Uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjetiva; – Uma justificação para essa confiança, consistente no facto de a confiança ser fundada em elementos razoáveis; – Um investimento de confiança, consistente no facto de a destruição da situação de confiança gerar prejuízos graves para o confiante, em virtude de ele ter desenvolvido atividades jurídicas em virtude dessa situação; – A imputação da situação de confiança criada a outrem, levando a que este possa ser considerado responsável pela situação.»

   O 2º «consiste em avaliar as condutas não apenas pela conformidade com os comandos jurídicos, mas também de acordo com as suas consequências materiais para efeitos de adequada tutela dos valores em jogo. Este princípio realiza-se de acordo com os seguintes vetores: – a conformidade material das condutas; – a idoneidade valorativa; – o equilíbrio no exercício das posições

[40] A temática do abuso de direito no preenchimento de livrança dada à execução, com aval prestado por responsabilidades decorrentes do contrato de abertura de crédito, em data posterior à desvinculação do avalista que exerceu cargos societários, foi abordada pelo STJ, entre outros, nos acórdãos de 12.11.2013-processo 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1 [assim sumariado: «I - A proibição do comportamento contraditório configura actualmente um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra na proibição do abuso do direito (art.º 334º do CC), nessa medida sendo de conhecimento oficioso; no entanto, não existe no direito civil um princípio geral de proibição do comportamento contraditório. II - São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – ´venire contra factum proprium` – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no ´factum proprium`; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou. III - O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art.º 334º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte. IV - Actua com abuso do direito, na modalidade de ´venire contra factum proprium`, o banco que acciona uma livrança, que os executados avalizaram em branco, oito anos depois de estes se terem afastado da sociedade subscritora, na qual tinham interesse, tendo o exequente conhecimento que estes só avalizaram a livrança por serem pessoas com interesse na sociedade subscritora, sendo que, na altura do afastamento (meados de 2003), a conta caucionada de que a sociedade era titular encontrava-se regularizada e, posteriormente (já depois de 2004), o exequente, sabendo que os executados se sentiam desobrigados e que era bastante a garantia dos restantes avalistas, continuou a conceder crédito à sociedade através da renovação do contrato de abertura de crédito que tivera início em 03.7.2002. V - Perante estes dados de facto, verifica-se que os executados podiam fundadamente confiar que, tanto tempo depois de se terem apartado da sociedade subscritora, o banco não accionaria o aval que prestaram: é inadmissível e contrária à boa fé a conduta assumida pelo exequente, na exacta medida em que trai a confiança gerada nos executados pelo seu comportamento anterior, confiança essa objectivamente reforçada pelo decurso de um tão dilatado lapso de tempo.»] e 05.6.2018-processo 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1 [concluindo-se: «I - O abuso do direito – art.º 334º do CC –, na modalidade da ´supressio`, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido. II - O Banco exequente, ao deduzir processo executivo contra o avalista duma livrança em branco, treze anos depois desse mesmo avalista ter abandonado a sociedade subscritora da livrança (entretanto declarada insolvente), e reportando-se as responsabilidades reclamadas (só conhecidas do embargante quando foi citado para a execução), a dívidas contraídas por essa sociedade já após o seu abandono como sócio, age com manifesto abuso do direito, na modalidade da ´supressio`.»], publicados no “site” da dgsi.
([41]) A partir do momento em que é subscrita/entregue/emitida uma livrança, ainda que parcialmente em branco, temos um título cambiário, que, de acordo com a sua vocação, entra em circulação, prevalecendo, então, os interesses do tráfico mercantil, no caso o interesse da circulabilidade do título, vista aquela vocação para a circulação mercantil.
([42]) Nada impediria que, de boa-fé, se fizesse constar no pacto de preenchimento, de forma transparente, por indicação de quem nisso tivesse interesse, que o aval só era prestado para vigorar enquanto o avalista sócio da sociedade devedora nela se mantivesse como sócio, caso em que, logicamente, o credor poderia sentir a sua posição fragilizada e exigiria, então, querendo, um reforço garantístico ao devedor, que seria livre de o prestar ou não, com as inerentes consequências na negociação/contratação.