Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2965/18.7T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: MÃE DE MENOR
NÃO CASADA
ALIMENTOS NA GRAVIDEZ
DANOS DECORRENTES DA GRAVIDEZ
INDEMNIZAÇÕES
ÓNUS DE PROVA
Data do Acordão: 09/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JL CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1884º, Nº 1, 2003º E 2004º, TODOS DO C. CIVIL.
Sumário: I – Em relação às indemnizações a que a mãe tem direito, nos termos da parte final do art. 1884º/1 do C. Civil, este conceito enquadra-se no instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos e permite à mãe reclamar danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da gravidez ou do parto (p. ex. danos pela interrupção ou suspensão da sua vida profissional ou da formação profissional).

II - Estas indemnizações terão sido pensadas para os casos em que as relações sexuais procriadoras resultaram de um crime contra a liberdade sexual ou autodeterminação sexual da mãe, ou de um ilícito civil, como o caso de uma promessa de casamento seguida de retratação nos termos do art. 1594º/1 CC

III - Mas também é equacionável, como facto gerador de responsabilidade criminal e civil, a vitimação da mulher grávida por violência doméstica (art. 152º CP) ou perseguição (art. 154º-A CP), suscetível de perturbar o desenvolvimento da gravidez, ou a falta de assistência e abandono da parte do progenitor, que tenham causados danos patrimoniais e não patrimoniais.

IV - Quanto ao direito a alimentos, o estatuído no nº 1 do art. 1884º do C.Civil, não pode deixar de ser entendido como uma remissão para o que se dispõe nos artºs 2004º e 2003º, nº 1, do CC.

Decisão Texto Integral:








Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:1 Relatório:
A) - 1) - 2«[…] L..., divorciada, residente na Rua ..., instaurou a presente ação declarativa comum contra A..., divorciado, residente  na Rua ..., pedindo que seja condenado a pagar-lhe a  quantia de 9.650,00€, sendo 2.250,00€ (9x250,00€) correspondentes ao período de gravidez, 2.400,00€ (12x200,00€) correspondes ao 1º ano de vida do filho e 5.000,00€ correspondentes a danos não patrimoniais.
Alega, em síntese, que Autora e Réu mantiveram uma relação extraconjugal durante um curto período, nunca partilharam casa, não tendo vivido sob o mesmo teto, nem feito qualquer tipo de vida em comum.
Tal relacionamento cessou abruptamente, por iniciativa do Réu, assim que este soube da gravidez da Autora, adotando a partir desse momento, uma atitude de total indiferença, nunca lhe   tendo prestado qualquer tipo de apoio, quer material quer emocional, bem sabendo das dificuldades sentidas no geral pelas gestantes durante esse período critico das suas vidas e, particularmente da Autora, cuja subsistência e saúde estavam ameaçadas, tendo consciência que com a sua atitude colocava em causa o bem-estar físico e psíquico da Autora e consequentemente do filho que estavam esperando.
Dessa gravidez resultou o nascimento do menor B..., recusando-se o Réu a assumir a paternidade, tendo sido  necessário a instauração de ação de investigação de paternidade, que correu termos como processo ...
Com esta atitude visava o Réu envergonhar e vexar a Autora, bem sabendo que num meio rural e pequeno, como o lugar de residência da A., o simples facto de se criar a dúvida acerca da paternidade tornava a Autora alvo de comentários negativos e apreciações jocosas por parte das pessoas da terra. Tendo sido isso que aconteceu com a Autora, levando-a a isolar-se e a evitar o contacto com vizinhos e pessoas amigas, sabendo que a questão da paternidade seria inevitavelmente tema de conversa. Esse isolamento levou ao surgimento de uma depressão, que até ao presente não foi totalmente debelada.
Nos termos do disposto no artigo 1884º do Cód. Civil, assiste à Autora o direito a reclamar do Réu alimentos e indemnização, estabelecendo esse artigo que o pai, não unido pelo matrimónio à mãe, está obrigado a prestar a esta alimentos durante o período de gravidez e o primeiro ano de vida do filho, além de indemnização.
Foi apenas com a inestimável ajuda de familiares e amigos que a Autora conseguiu ultrapassar o desgosto e os traumas sofridos  com a negação da paternidade por parte do Réu, já que não   tinha possibilidades económicas de pagar cuidados de saúde psiquiátricos privados e o recurso ao serviço nacional de saúde manifestou-se impossível, por falta de resposta atempada. Sendo unicamente a Autora, com os seus parcos rendimentos e a incondicional ajuda de seus pais, que teve que prover a todas as suas necessidades e do filho que carregava na barriga.
Atendendo às possibilidades do Réu, que aufere não menos de 1.400,00€ (mil e quatrocentos euros) mensais e às necessidades  da Autora, desempregada, sem quaisquer rendimentos, é justo e adequado que este contribua com alimentos para a Autora.
Assim, pelo período de gravidez, com as inerentes complicações derivadas de tal estado, nomeadamente, dificuldades de locomoção, enjoos, vómitos e enxaquecas, que no caso da Autora se manifestaram de forma violenta, assim como constantes dores de costas, deve ser-lhe atribuído um valor mensal de 250,00€, totalizando 2.250,00€ (dois mil duzentos e cinquenta euros).
No ano após o nascimento, com os esforços em readquirir a aparência e forma física e, a privação de sono originada com a alimentação do filho, deve ser-lhe atribuído o valor de 200,00€ por mês, o que totaliza o valor de 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros).
Deve ainda ser atribuída à Autora uma indemnização por danos não patrimoniais, originados com as dores sofridas e com o desgosto e sofrimento suportados, por ter sido desamparada pelo Réu, levando-a a passar por grandes dificuldades, assim como  pela a vergonha que sentiu, e ainda sente, por este negar a paternidade, ficando aos olhos de vizinhos, conhecidos, e em geral de toda a população, como pessoa promíscua e de má  índole, danos que pela sua gravidade e extensão merecem a tutela do direito, devendo a Autora ser deles indemnizada, em valor não inferior a 5.000,00€ (cinco mil euros).
Arrolou testemunhas e juntou documento.
*
O Réu foi citado, tendo apresentado contestação em que pugna  pela sua absolvição do pedido.
Alega, em síntese, que é verdade que se envolveram sexualmente durante um curto período das suas vidas, nunca tendo partilhado casa e que desse envolvimento resultou o nascimento do menor B...
Quanto ao mais alegado, impugnou por tais factos “não corresponderem à verdade”, como depois alega. Mais diz que o exercício das responsabilidades parentais do menor encontra-se regulado por acordo entre Atora e Réu homologado por sentença de 13/12/2017, proferida no âmbito do processo n.º ..., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Pombal – Juízo de Família e Menores, Juiz 1, no qual ficou estipulado que o Réu entregaria à Autora a quantia de 150,00€ mensais, a título de alimentos para o menor, que o Réu tem pago.
Já quando interpôs a ação de Regulação das Responsabilidades Parentais a Autora formulou o mesmo pedido contra o Réu, com a particularidade de agora ter descido o valor da indemnização para 5.000,00€, após ter desistido de tal pedido, aquando da regulação das responsabilidades parentais.
Arrolou testemunha e juntou documentos.
*
O Réu, notificado para o efeito, juntou certidão do referido processo de regulação das responsabilidades parentais, que consta a fls. 26 e segs.
Atento ao seu teor, notificado para juntar decisão relativa à desistência do pedido formulado em tal processo pela Autora ao abrigo do art. 1884º do Cód. Civil veio dizer que não houve desistência formal, que interpretou o comportamento da Autora como tal (da referida certidão resulta que na conferência de pais, nem no acordo alcançado por estes quanto ao exercício das responsabilidades parentais, nem na sentença homologatória, foi referido o que quer que seja quanto ao pedido de alimentos e indemnização ali formulados pela aqui Autora no requerimento inicial, ao abrigo do art. 1884º do Cód. Civil ) – cfr. fls. 41vº.
*
Foi proferido despacho a fixar o valor da causa, despacho  saneador e despacho a admitir a prova – cfr. fls. 43 e vº. […]».
2) – Realizada que foi a audiência final, veio a ser proferida sentença - em 26/2/2020 -, que, julgando improcedente a ação, absolveu o Réu dos pedidos.
B) - Desta decisão recorreu a Autora3, que, a finalizar a respectiva alegação de recurso - que veio a ser recebido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo -, apresentou as seguintes conclusões:

            ...
Terminou pugnando no sentido da revogação da sentença recorrida e da sua substituição por decisão que atenda todos os pedidos formulados contra o Réu.
O Apelado, na resposta à alegação de recurso, defendeu a improcedência deste.
C) - As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil4 (doravante, NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se passará a identificar como CPC), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo  do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são  apenas  as  que  se  reconduzem  aos  pedidos  deduzidos,  às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”5 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
Assim, as questões a solucionar resumem-se a saber - para além da “inconstitucionalidade” invocada pela Autora -, se foi acertada a decretada absolvição da Réu dos pedidos, e, em caso de resposta negativa a esta questão, a saber em que medida - em face da factualidade provada, pois que não objecto de impugnação - devem estes ser atendidos, o que passa, afinal, por saber qual a interpretação correcta do artº1884º, nº 1, do Código Civil (CC).
II - Fundamentação:
A) - Na sentença impugnada consignou-se o seguinte, em sede de matéria de facto:
...
B) Na sentença “sub judice”, para se fundamentar a decisão de absolver o Réu, escreveu-se, entre o mais:
«[…] Dispõe o art. 1884º, nº1 do Cód. Civil (diploma a que pertencem todos os demais normativos citados sem indicação de origem) que “O pai não unido pelo matrimónio à mãe do filho é obrigado,  desde  a  data  do  estabelecimento  da  paternidade, a prestar-lhe alimentos relativos ao período da gravidez e ao primeiro ano de vida do filho, sem prejuízo das indemnizações a que por lei ela tenha direito.”
Temos, pois, consagrado neste normativo um direito especial de alimentos a favor da mãe de filho cujo pai não se encontra casado com aquela – cfr. a este propósito Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Ed., pág. 348, nota 4 ao art. 1884º.
A par do direito a alimentos por parte de mãe consagra também indemnização por danos sofridos pela mesma, por força do regime geral da responsabilidade civil.
Diz o art. 2003º, nº 1, que “Por alimentos entende-se tudo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.”
O critério estabelecido na lei com vista ao cálculo da medida da prestação alimentar é aferido pelas possibilidades de quem os vai prestar e pelas necessidades de quem os vai receber – art. 2004º, nº1. Atender-se-á, ainda, na sua fixação concreta “à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.” (nº 2).
Verificando-se a necessidade de alimentos por parte da mãe do filho de pai não unido pelo matrimónio àquela, no período da gravidez e/ou no primeiro ano de vida do filho, a mãe tem direito a alimentos a prestar pelo pai do filho. Tal direito não nasce “ope legis”, impendendo sobre a mãe a prova dos factos necessários à sua verificação.
Citando o Ac. do STJ de 18/11/2004, proc. nº04B3524, in www.dgsi.pt, “São, pois, requisitos de verificação cumulativa para que se possa concluir pela existência de um direito a alimentos a favor de quem dele se arrogue: a) que o alimentando não disponha de meios suficientes de subsistência; b) que o alimentando esteja impossibilitado de os obter; c) que haja possibilidade de os  mesmos serem prestados por parte de quem estiver legalmente adstrito a essa obrigação.
Sendo certo que os ónus de alegação e de prova de tais requisitos impendem, porque factos constitutivos do seu direito (art. 342º, nº 1), sobre quem os peticiona. Ou seja, “aquele que pretende obter alimentos deve provar a necessidade e a incapacidade, isto é, deve provar que não pode trabalhar o bastante para o seu sustento e que não tem bens com que ocorra às suas necessidades.
Tal como se afirma no acima citado Acórdão deste STJ, de 01/02/2000, “em acção de alimentos, cabe ao autor a prova da extensão das suas necessidades, e, ao réu, a prova de  insuficiência ou impossibilidade económica da satisfação dessas necessidades”.
Ora, no caso dos autos está provado que o Réu é pai do filho da Autora, tendo a gravidez surgido no âmbito de uma relação, com envolvimento sexual, durante um curto período, nunca tenho partilhado casa, nem vivido sob o mesmo tecto, nem feito qualquer tipo de vida em comum. Assim, o Réu está obrigado a prestar alimentos à Autora, no período previsto no art. 1884º, nº 1, caso esta tenha necessitado dos mesmos, nos termos supra referidos. Todavia, não logrou o Autora provar, como lhe competia (art. 342º, nº1), tal necessidade de alimentos.
Igualmente não provou, como lhe competia (art. 342º,  nº 1) quaisquer factos que permitiam responsabilizar o Réu por força do regime geral da responsabilidade civil – cfr. arts. 483º, 487º e  496º, nº1.
Assim, devem improceder os pedidos formulados pela Autora nos presentes autos. […]».
Ora, o nosso entendimento, coincide, na sua essência, com o do Tribunal “a quo” que acabámos de expor.
Vejamos.
O que a Autora defende, é, essencialmente, que:
a) - Os alimentos previstos no artº 1884º, nº 1, do CC, dispensam qualquer indagação sobre a necessidade de quem os pede e, consequentemente, de qualquer prova, por parte da Autora, sobre tal necessidade;
b) - Os danos sofridos pela Autora em resultado da gravidez, designadamente, alterações anatómicas (aumento de peso e as alterações da estética corporal) e psíquicas, dificuldades de locomoção, enjoos, vómitos, enxaquecas, dores de costas, insónias, cansaço excessivo pelo peso e nervosismo com o parto – que são factos notórios e, como tal, não careciam de prova, ou, sequer, de alegação, nos termos do disposto no artigo 412º do CPC.
Não iremos entrar na temática daquilo que, para efeitos do disposto artº 412º do CPC, devem ser considerados factos notórios, porque, para além daquilo que a Autora alegou haver resultado da gravidez e que se especificou em b) “supra”, não integrar danos resultantes da responsabilidade civil que é suporte das indemnizações previstas na parte final do nº 1 do citado artº 1884º, isso foi matéria dada como não provada (cfr. pontos nºs 8, 9, e 10), sendo certo que a Apelante não impugnou a decisão proferida quanto à matéria de facto.
Em complemento do que se acaba de dizer, assinale-se que não faria sentido que, sendo ou não notórios, os efeitos que se consideram geralmente como sendo inerência “normal” a uma gravidez – que não se tenha como “imposta” à mulher – integrassem  os  danos  geradores  das  indemnizações a que se reporta a parte final do nº 1 do citado artº 1884º.
Atente-se no que, relativamente às indemnizações previstas na parte final da referida norma legal, se escreveu a págs. 871 do Código Civil Anotado - Livro IV - Direito da Família6, obra com a coordenação da Exma. Srª Conselheira Clara Sottomayor «[…] Em relação às indemnizações a que a mãe tem direito, nos termos da parte final do art. 1884º/1, este conceito enquadra-se no instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos (MARQUES, 2007: 360) e permite à mãe reclamar danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da gravidez ou do parto (p. ex. danos pela interrupção ou suspensão da sua vida profissional ou da formação profissional). Estas indemnizações terão sido pensadas para os casos em que as relações sexuais procriadoras resultaram de um crime contra a liberdade sexual ou autodeterminação sexual da mãe, ou de um ilícito civil, como o caso de uma promessa de casamento seguida de retratação nos termos do art. 1594º/1 CC (MARQUES, 2007: 360). Mas também é equacionável, como facto gerador de responsabilidade criminal e civil, a vitimação da mulher grávida por violência doméstica (art. 152º CP) ou perseguição (art. 154º-A CP), suscetível de perturbar o desenvolvimento da gravidez, ou a falta de assistência e abandono da parte do progenitor, que tenham causados danos patrimoniais e não patrimoniais à mulher grávida. […]».
Importa agora analisar a argumentação da alegação da Apelante sobre não estar ela onerada com a prova das suas necessidades para ver atendido o pedido de alimentos à sombra do referido art. 1884º, nº 1.
Na verdade, a Apelante, defende o seguinte:
«[…] Na douta sentença proferida nos autos consta como provado, além do mais, que:
a) A. e R. não eram casados.
b) Tiveram um relacionamento durante um certo período de tempo.
c) Desse relacionamento nasceu B...
2 – Estando assim preenchidos os pressupostos para a A. obter alimentos do R. nos termos do 1884º do código civil. […]».
Julgamos que, quanto ao direito a alimentos, o estatuído no nº 1 do art. 1884º não pode deixar de ser entendido como uma remissão para o que se dispõe nos artºs 2004º e 2003º, nº 1, do CC, subscrevendo-se, portanto, o que se diz na sentença quanto ao ónus da prova da Autora no que respeita às suas necessidades, ónus esse em que fracassou.
Nesse sentido concordamos com o seguinte, que se escreveu no “supra” citado Código Civil Anotado (págs. 870 e 871): «[…] Esta obrigação do pai não unido pelo matrimónio à mãe assume uma natureza alimentar, integrando o dever de assistência a que estão vinculados os pais relativamente à pessoa dos filhos: da díade mãe-filho, vivida durante a gestação, depende a saúde e até a vida da criança que vier a nascer e o pai, mesmo durante a gestação, tem poderes de representação do nascituro (art. 1878º/1). O  cálculo desta pensão obedece aos requisitos gerais da carência ou necessidade da mãe e das possibilidades do pretenso pai (art. 2004º CC), e abrange as despesas com sustento, habitação e vestuário art. 2003º/1 CC), bem como despesas com consultas de ginecologia, medicamentos, exames, alimentação  especial, encargos com o pagamento de serviços e com o parto, na medida em que seja dado ao vocábulo «sustento» um sentido amplo. Contudo, em relação a estes últimos encargos (despesas com a saúde da mãe e do feto, e com o parto), deve entender-se que a comparticipação pelo pai não exige demonstração da situação de carência ou de necessidade da mãe. Na verdade, se os pais  fossem casados entre si, estas despesas seriam suportadas por ambos ao abrigo do dever conjugal de assistência. Ora, do facto de os pais não estarem casados um com o outro não pode resultar qualquer prejuízo para os filhos, nem uma violação do princípio da igualdade entre os pais, que onerasse exclusivamente a mãe com as despesas de controlo da gravidez e de parto. Deve, portanto, aplicar-se aqui uma analogia com o dever conjugal de assistência e vincular o progenitor a comparticipar nas referidas despesas mesmo que mãe tenha disponibilidade financeira para as suportar. […]».
Ora, seguindo nós este entendimento e não se tendo alegado despesas concretas tidas por via da saúde da Autora e do feto, e com o parto, sendo que a alegação genérica, não quantificada, de que foi a Autora, “…com os seus parcos rendimentos, e a incondicional ajuda de seus pais, que teve que prover a todas as suas necessidades e do filho que carregava na barriga”, foi dada como não provada,a conclusão a tirar é a de que a ora Apelante não provou os pressupostos de que dependia, ao abrigo dos artºs 1884º, nº 1, 2004º e 342º, nº 1, do CC, a procedência dos pedidos que formulou contra o Réu, que, assim, foi  acertadamente absolvido.
Diz a Apelante:
«[…] não faria qualquer sentido o progenitor casado estar obrigado a contribuir para o sustento da sua mulher grávida e, ao não casado ser-lhe permitido eximir-se a esse dever.
Que é exactamente o que preconiza a tese explanada na sentença. A ter vencimento, semelhante entendimento seria manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º, nº 2, CRP.
Por obrigar a mãe não unida pelo casamento, em caso de recurso a Tribunal, para fazer valer os seus direitos, a efectuar prova que às casadas não é exigível. […]».
Ora, atente-se no que se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de Abril de 2003 (Acórdão n.º 195/2003/T. Const. - Processo n.º 312/2002)8, embora que versando a situação de pessoas casadas e pessoas em situação de união de facto, para efeitos de atribuição da pensão de sobrevivência:
«[…] A perspectiva da recorrente parece ser a de que a distinção entre pessoas casadas e pessoas em situação de união de facto, para efeitos de atribuição da pensão de sobrevivência, viola o princípio da igualdade por ser destituída de fundamento razoável, constitucionalmente relevante, considerando, designadamente, que "sempre será necessário fazer prova da já referida vivência há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges".
Cumpre, porém, reconhecer que este último argumento dá por pressuposto o reconhecimento de uma imposição constitucional, por força do princípio da igualdade, de um mesmo tratamento para cônjuges e pessoas que vivem em união de facto (ainda que há mais de dois anos). Ora, numa certa perspectiva pode, é certo, admitir-se que uma certa caracterização da situação de união de facto, pela sua duração e por outras circunstâncias (por exemplo, a existência de filhos comuns), a aproxima da situação típica dos cônjuges. No caso, porém, a exigência de uma convivência há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges serve apenas para caracterizar de forma mínima a situação de união de facto que poderá ser    juridicamente relevante, para lhe serem reconhecidos - embora, segundo o CC, em medida bastante  limitada e muito distinta da relação entre os cônjuges - alguns efeitos jurídicos. É que, diversamente do que acontece com a relação matrimonial, em que um acto revestido de uma forma jurídica solene marca a criação de uma nova relação jurídica, no caso da convivência entre pessoas não casadas, justamente por estar em causa uma situação de união de facto, o tempo mínimo de convivência é considerado relevante pelo legislador para o efeito de reconhecimento de efeitos jurídicos (assim, por exemplo, o artigo  1.º, n.º 1, das citadas Leis n.os 135/99 e 7/2001 condicionam ambos os efeitos jurídicos que reconhecem à circunstância de se tratar de pessoas "que vivem em união de facto há mais de dois anos".
O problema não pode, pois, ficar resolvido logo com a mera invocação da existência de uma convivência há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges. Antes está, precisamente, em saber se uma situação de união de facto, assim caracterizada, pode ser tratada de forma diversa do casamento, para o efeito em causa. […]».
Não havendo uma equiparação absoluta entre a união de facto e o casamento, admite-se, pois, que não fira o princípio da igualdade,  o tratamento diferente destas duas situações em circunstâncias aparentemente semelhantes.
No caso “sub judice”, nem sequer houve uma situação de união de facto durante o tempo em que A. e R. mantiveram um relacionamento, pelo que menos se acha adequada a equiparação que a Apelante pretende fazer com a situação da mulher casada, sendo que o dever de assistência que existiria se os ora litigantes fossem casados, apenas o admitimos, na situação prevista no  artº 1884º, nº 1, para efeito de contribuição das despesas com a saúde da mãe e do feto, e com o parto, não incluindo, pois, o direito a alimentos, tal como resulta da anotação ao Código Civil que acima se transcreveu.
Não se vê, assim, como, fazendo incidir sobre a Autora o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga e, em especial, o ónus de provar a necessidade de alimentos e a respectiva extensão, se viola o princípio da igualdade estabelecido no artº 13º da CRP, sendo certo que, conforme se diz no Acórdão do STJ de 18/11/2004 (Revista nº 04B3524): «[…] São, pois, requisitos de verificação cumulativa para que se possa concluir  pela existência de um direito a alimentos a favor de quem dele se arrogue: a) que o alimentando não disponha de meios suficientes  de subsistência; b) que o alimentando esteja impossibilitado de os obter; c) que haja possibilidade de os mesmos serem prestados por parte de quem estiver legalmente adstrito a essa obrigação.
Sendo certo que os ónus de alegação e de prova de tais requisitos impendem, porque factos constitutivos do seu direito (art. 342º, nº 1), sobre quem os peticiona. Ou seja, “aquele que pretende obter alimentos deve provar a necessidade e a incapacidade, isto é, deve provar que não pode trabalhar o bastante para o seu sustento e que não tem bens com que ocorra às suas necessidades […]».
Assim, por não ter tido êxito no ónus da prova, foi acertada e sem violação dos preceitos legais que a Autora disse infringidos pela decisão recorrida, julgar-se a acção improcedente e absolver-se o Réu dos pedidos.
A sentença recorrida é, assim, de confirmar, improcedendo a Apelação.
III - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra, em, na improcedência da Apelação, confirmar a sentença recorrida .
Custas pela Apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).


Coimbra, em 28/9/2020


(Luiz José Falcão de Magalhães) (António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)

1 No presente acórdão segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.

2 Transcrição de extracto do relatório da sentença ora sob recurso.

3 Que litiga com o benefício do apoio judiciário.

4 Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
5 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis - tal como os demais do  STJ, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.

6 Almedina, 2020.

7 Foi antes dado como não provado, lembre-se, que:
“4. Foi apenas com a inestimável ajuda de familiares e amigos que a Autora conseguiu ultrapassar o desgosto e os traumas sofridos com a negação da paternidade por parte do Réu, já que não tinha possibilidades económicas de pagar cuidados de saúde psiquiátricos privados e o recurso ao serviço nacional de saúde manifestou-se impossível, por falta de resposta atempada.
5. Foi a Autora, com os seus parcos rendimentos e a incondicional ajuda de seus pais, que  teve que prover a todas as suas necessidades e do filho que carregava na barriga.”.

8 Consultável em https://dre.pt/home/-/dre/3530766/details/maximized.