Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1124/11.4TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: PENSÃO POR MORTE
ASCENDENTE
SINISTRADO
Data do Acordão: 11/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 49º, Nº 1, AL. D) E 57º, Nº 1, AL. D) DA LAT (LEI Nº 98/2009, DE 4/09).
Sumário: I – De harmonia com o disposto nos artºs 49º, nº 1, al. d) e 57º, nº 1, al. d) da LAT (Lei nº 98/2009, de 4/09), só tem direito a pensão por morte do sinistrado o ascendente que aufira rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com o seu cônjuge ou pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro desse valor.

II – Ao fazer-se corresponder o “valor mensal” dos rendimentos auferidos pelo ascendente ou ascendentes ao valor da pensão social, a única interpretação possível do disposto na al. d) do nº 1 do artº 49º da LAT (Lei 98/2009) é que o valor dessa pensão social corresponde ao montante mensal legalmente fixado para tal pensão e já não ao duodécimo do montante global auferido anualmente, incluindo o 13º e o 14º meses.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


A...e B... apresentaram, no Tribunal do Trabalho de Leiria, petição inicial para impulsionar a fase contenciosa da presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra a Companhia de Seguros C..., S.A., pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhes:
- a pensão a que legalmente tiverem direito, pelo salário anual equiparado de € 17.510,20;
- a quantia de € 35,00 referente a despesas de deslocações obrigatórias ao Tribunal;
- os juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal até integral pagamento.
Alegaram, para tanto, e em síntese:
São os pais do sinistrado D..., que faleceu em 10/12/2011, vítima de acidente de trabalho.
No ano de 2011 auferiam o rendimento de € 5.293,65.
E da declaração modelo 3 do IRS de 2011, que apresentaram e onde declaram ter auferido o rendimento anual de € 9.741,47, € 4.445,83 são referentes a remunerações do sinistrado/falecido, pelo que não podem ser contabilizados como rendimento dos beneficiários.
A Ré contestou, aceitando a existência de contrato de seguro em que assumia a responsabilidade por acidentes de trabalho, no que ao falecido diz respeito, e aceitando a caracterização do acidente como de trabalho. Porém, não aceitou a qualidade dos Autores como beneficiários legais do sinistrado, uma vez que a declaração de rendimentos dos pais do sinistrado apresenta rendimentos no valor de € 9.741,47, bastante superior ao valor mensal da pensão social que para o ano de 2011 era de € 189,52. Assim, os Autores não preenchem os requisitos necessários para serem considerados beneficiários legais do falecido.
Por se considerar que os autos já possuíam todos os elementos para uma decisão conscienciosa, foi proferido saneador - sentença, decidindo da seguinte forma:
“Pelo exposto julgo a ação apenas parcialmente procedente, pelo que condeno a ré a pagar aos autores a quantia de € 35,00 a título de deslocações ao Tribunal e no mais absolvo a ré seguradora do pedido.
Custas pelos AA na proporção dos decaimentos”.
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Inconformados, vieram os Autores interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
[…]
Apresentaram um documento.
A Ré contra-alegou, propugnando pela improcedência do recurso e pela inadmissibilidade do documento junto com o recurso.
Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº Procurador Geral Adjunto emitido parecer.
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Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como única questão em discussão, a de saber se os Autores podem ser considerados beneficiários legais para efeitos de lhe serem atribuídas as prestações legais por morte de seu filho.
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A 1ª instância deu como provados os seguintes factos, não objecto de impugnação, e que este Tribunal de recurso aqui acolhe:
[…]
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- o direito:
- questão prévia:
Juntamente com as suas alegações, vieram os Autores- apelantes juntar o documento de fls 141.
Ora, resulta do disposto no nº 1 do artº 693º-B do C.P.C. ( na redacção em vigor no momento da interposição do recurso, ou seja, anterior à Lei nº 41/2013, de 26/6) que as partes só podem juntar documentos às alegações nos casos excepcionais a que se refere o artigo 524º, no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas als. a) a g) e i) a n) do nº 2 do artº artº 691º.
Preceitua, por seu lado, o nº1 do artº 524º do mesmo CPC que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso do recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Já o nº 2 de tal preceito legal diz-nos que os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
Da articulação das disposições legais referenciadas, resulta que é admissível a junção de documentos com as alegações de recurso em duas situações distintas:
- a primeira, no caso de não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão da 1ª instância;
-a segunda, quando a junção apenas se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Na primeira das hipóteses, compreendem-se os casos de a parte não ter conhecimento da existência do documento, ou conhecendo-a, não lhe ter sido possível fazer uso dele, bem como quando o documento se formou ulteriormente, sendo necessário, para que a junção se considere lícita, que a parte que apresenta o documento demonstre que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da discussão na 1ª instância.
Já na segunda hipótese, não se pretende contemplar as situações em que a parte ficou surpreendida com o desfecho da causa, maxime, não ter obtido o respectivo ganho, quando acreditava que tal fosse ocorrer, pois nesse caso já podia, e deveria, ter apresentado o documento em 1ª instância. Visa-se, pelo contrário, abranger as situações que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração, antes da decisão ter sido proferida.
Ora, o documento em causa, que os Autores pretendem juntar, não visa efectuar a prova de quaisquer factos posteriores ao encerramento da discussão em 1ª instância, nem se evidencia como necessário em virtude do julgamento ali realizado, porque não se reporta a factos cuja relevância os Apelantes não podiam, razoavelmente, ter em conta, pois destina-se a demonstrar uma determinada versão de uma realidade já introduzida nos autos, sendo que, quanto à impossibilidade de a parte apresentar o documento, a mesma não se mostra verificada.
Assim como os Apelantes nada dizem acerca da referida necessidade, sendo que também não demonstraram que lhes não foi possível apresentar os documentos até ao encerramento da discussão –nº 1º do citado artº 524º.
Assim, ordenar-se-á o respectivo desentranhamento.
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Considerou a sentença recorrida:
“Ora, sendo assim, e concluindo pela análise do documento oficial das Finanças que os ascendentes da vítima auferiram em 2011 o valor global de € 9.741,47 (sendo esse o valor a atender para este efeito) verifica-se que o valor mensal que se obtém pela divisão desse valor global pelos 12 meses do ano é muito superior ao dobro do valor da pensão social para o ano de 2011 – € 189,52 x 2 = 379,04 -, isto é, 811,79 (€ 9.741,47 : 12), não têm os AA os requisitos necessários para serem considerados beneficiários legais do falecido, pelo que vai a seguradora absolvida do pedido à exceção do pagamento da quantia de 35,00 € a título de deslocações a Tribunal que em sede de tentativa de conciliação aceitou pagar”.
Contrapõem os apelantes que desses € 9.741,47 a parcela de € 4.45,834 corresponde a rendimentos provenientes de trabalho subordinado da vítima. Por outro lado, o montante remanescente é inferior ao dobro do valor anual da pensão social para o ano de 2011.
Têm razão na primeira dessas afirmações, o mesmo já não ocorrendo com a segunda.
Vejamos:
Dispõe o artº 57º, nº 1, al. d), da LAT (Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, a aqui aplicável):
1 - Em caso de morte, a pensão é devida aos seguintes familiares e equiparados do sinistrado:
(…)
d) Ascendentes que, à data da morte do sinistrado, se encontrem nas condições previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 49.º;
E o artº 49º, º 1, al. d):
1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, considera-se pessoa a cargo do sinistrado:
(…)
d) Ascendente com rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com os do seu cônjuge ou de pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro deste valor.
Analisando a declaração de IRS – mod. 3 apresentada pelos Autora com referência ao ano de 2011 –fls. 75 e ss, verificamos que foi declarado como rendimento da categoria B, mais concretamente de “Atividades Profissionais, Comerciais e Industriais” e de rendimento de capitais, do sujeito passivo A- o Autor - A..., o montante de € 5.295,64, e como rendimento da categoria A (trabalho dependente), a quantia de € 4.445,83, do dependente D1.
Assim sendo, dúvidas não há que, perante o fisco, os Autores autonomizaram o rendimento por trabalho subordinado auferido pela vítima, sua dependente para efeitos fiscais - artº 13º, nº 3, al. a), do Cod. do IRS.
Como tal, não corresponde à realidade a afirmado pela sentença de que os Autores tiverem, em 2011, rendimentos exclusivamente do seu trabalho de € 9.741,47.
O que não significa que sejam considerados beneficiários legais nos termos dos citados artºs da LAT.
De harmonia com tais disposições legais, só tem direito a pensão por morte do sinistrado o ascendente que aufira rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com o seu cônjuge ou pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro desse valor. Só entrarão no conceito de pessoa a cargo aqueles que tiverem rendimentos – qualquer que seja a sua origem – em função do valor da pensão social.
Ora, ao fazer corresponder o “valor mensal” dos rendimentos auferidos pelo ascendente ou ascendentes ao valor da pensão social, parece-nos que a única interpretação possível do disposto na al. d) do nº 1 do artº 49º da LAT é que o valor dessa pensão social corresponde ao montante mensal legalmente fixado para tal pensão, e já não, como pretendem os recorrentes, ao duodécimo do montante global auferido anualmente, incluindo o 13º e 14º mês.
Se o legislador quisesse efectuar a correspondência com tal duodécimo, teria certamente dado outra redacção à referida disposição legal, omitindo a referida equivalência “mensal” ou prevendo expressamente a divisão por 12 do montante anual, acrescido dos denominados subsidios de férias e de Natal, da pensão social. E não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso - nº 2 do artº 9º do Cod. Civil.
O regime jurídico da pensão social consta do DL nº 464/80, de 13 de Outubro, com as alterações do DL nº 141/91, de 10/4, do DL nº 18/2002, de 29/1, e da Lei nº 3-B/2010, de 28/4.
Para ao ano de 2011, o montante mensal da pensão social estava fixado em € 189,52 - artº 14º da Portaria nº1458/2009, de 31 de Dezembro.
Tomando em conta o referido rendimento dos Autores de € 5. 295,64, verifica-se que o seu valor mensal é de € 441,30 (€ 5295,64 : 12), sendo, assim, superior ao dobro do montante mensal da pensão social (€ 189,52 x 2= € 379,04).
Dai que seja de manter, embora por fundamentos algo diversos, o decidido na sentença, no sentido de não terem os Autores os requisitos necessários para serem considerados beneficiários legais do falecido.
Com a consequente improcedência do recurso.
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Decisão:
Nesta conformidade, acorda-se em:
- ordenar o desentranhamento e entrega, aos Autores - apelantes, do documento de fls. 141, indo os mesmos condenados nas custas do incidente;
- julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Coimbra, 28/11/2013

(Ramalho Pinto - Relator)
(Azevedo Mendes)
(Joaquim José Felizardo Paiva)