Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
401/06.0TBAGN-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: PENHORA
COISA IMÓVEL
REGISTO
EMBARGOS DE TERCEIRO
Data do Acordão: 05/15/2012
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ARGANIL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 838º, 840º E 859º DO CPC
Sumário: I – A penhora de imóveis e o seu registo, tendo entre si uma relação que impede que a execução continue quanto a eles quando o registo caduque, são no entanto actos distintos que não se confundem e que não determinam que a caducidade do registo faça extinguir automaticamente a penhora.

II - A penhora de imóveis implica, nos termos do art. 840º do CPC, uma efectiva apreensão dos bens que se mantém enquanto a penhora não for levantada e julgada extinta e o seu registo, mesmo com o procedimento prescrito no art. 838º, nºs 1, 2 e 3 do CPC, continua a não ser elemento constitutivo da penhora mas apenas forma de publicidade quanto a terceiros.

III - Enquanto se mantiver a penhora dos imóveis na execução, mesmo que o seu registo tenha caducado, mantém-se o interesse do embargante na continuação dos embargos de terceiro porque a relação entre o interesse deste e os embargos se funda exclusivamente na circunstância de ter sido ordenada a diligência que ele enquadra como ofensiva do seu direito, ainda que antes de tal diligência ter sido realizada (art. 859º do CPC) ou mesmo depois de o registo da penhora ter caducado.

Decisão Texto Integral: No Tribunal da Relação de Coimbra

     

Face à simplicidade da questão e atento o que dispõe o art. 705° do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.

Relatório

No Tribunal Judicial de Arganil e por apenso à acção de execução que constitui o processo principal, F… e T… deduziram embargos de terceiro contra U…, Lda, e P…, Lda., pedindo, no essencial, que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre os quatro imóveis que menciona no ponto 1º do seu requerimento, que se ordene o levantamento das penhoras realizadas na execução sobre esses imóveis com a restituição definitiva dos mesmos ao seu dono e a restituição provisória da posse dos mesmos imóveis.

Para esse efeito alegou que adquiriu à embargada sociedade P…, Lda, os quatro imóveis que identifica, em 30 de Novembro de 2007, e que na execução que a embargada U…, Lda. instaurou contra a embargada P…, Lda., esses mesmos imóveis vieram a ser penhorados.

Na contestação, e pedindo a total improcedência dos embargos, a embargada U…, Lda. defende que o mandatário dos Embargantes é o mesmo da Sociedade Embargada, “P…, Limitada”, o sócio gerente da Embargada P… é agora Embargante e, ainda que se diga que a sociedade P…, executada e ora embargada, teria vendido aos embargantes os referidos prédios, na certidão extraída da escritura de compra e venda, os referidos prédios encontram-se registados a favor da sociedade P… e não em nome dos embargantes, encontrando-se registados em nome da executada, ora embargada quando foram nomeados à penhora.

A penhora foi registada definitivamente, produzindo imediata eficácia e prevalece sobre a alegada compra dos mesmos, não levada a registo.

Designada audiência preliminar (com as finalidades previstas no art. 508º, nº 1, al. a) a e) e nº 2 do CPC) veio a mesma a ter lugar e nela se decidiu, ao abrigo do art. 508º do CPC convidar os embargantes a colmatarem as deficiências detectadas na concretização da matéria de facto, tendo os embargantes apresentado nova petição na qual, repetindo que quando adquiriram os imóveis discutidos nos autos, antes dessa compra e venda pagaram aos beneficiários dos ónus inscritos sobre esses bens a quantia que a embargada P…, Limitada, lhes devia, referem ainda que há mais de 20 anos que por si e ante possuidores têm o domínio desses imóveis como donos.

Por decisão de fls. 198 e ss. o tribunal recorrido entendeu, agora, dispensar a audiência preliminar, elaborou despacho saneador seleccionando a matéria de facto assente e a base instrutória.

Em audiência de julgamento de 8 de Novembro de 2011 foi determinada a sua interrupção por se haver entendido que “[c]onstata-se igualmente que as penhoras contra as quais os presentes embargos são meio de reacção processual, foram registadas como provisórias por natureza, ao abrigo do disposto no artº 92º, nº 2, al. a) do C.R.P.

Consabidamente, face ao disposto no nº 5 do mesmo normativo legal, as ditas penhoras mantêm-se em vigor apenas pelo prazo de 1 ano, salvo excepções que não cumpre aqui relevar.

Compulsados os autos constata-se que nem os mesmos nem os apensos se mostram instruídos com certidão do Registo Predial actualizada relativamente aos 4 imóveis neles em causa, pois que deles apenas consta uma informação obtida junto da C.R.P. da Praia da Vitória datada de 30 de Janeiro de 2009. A nosso ver, cumpre esclarecer, por uma questão de economia processual e boa decisão da causa, a actual situação registral dos ditos imóveis, sendo certo que a estar efectivamente caducada a penhora que teve lugar nos autos executivos apensos, ocorrerá a inutilidade da presente lide.”

Assim, posteriormente, por despacho de 12-1-2012, o Tribunal recorrido declarou extinta a instância dos embargos com fundamento na sua inutilidade superveniente afirmando expressamente nessa decisão que “ [N]os presentes autos de embargos de terceiro em que é F… e T… e embargados “U…, Limitada” e “P…, Lda”, atento o teor da certidão do Registo Predial actualizada relativa aos quatro imóveis em causa e que se encontra junta no processo de execução a que estes autos se encontram apensados, conforme fls. 58 a 101, constata-se que as penhoras que incidem sobre os ditos imóveis, registadas como provisórias por natureza, nos termos do artº 92º, nº 2, alínea a) do Código Registo Predial e contra as quais os presentes embargos são meio de reacção processual, encontram-se caducadas.

Com efeito:

- artigo 894 urbano, freguesia de …: registo provisório por natureza da penhora efectuado através da ap.4272 de 2009/01/26 (cfr. fls. 64 dos autos de execução) - caducidade oficiosa através da anotação – OF. de 2010/03/01 (cfr, fls. 67 dos autos de execução);

- artigo 898 rústico, freguesia de … : registo provisório por natureza da penhora efectuado através da ap.4272 de 2009/01/26 (cfr. fls. 75 dos autos de execução) – caducidade oficiosa através da anotação – OF. de 2010/03/01 (cfr, fls. 78 dos autos de execução);

- artigo 895 rústico, freguesia de …: registo provisório por natureza da penhora efectuado através da ap.4272 de 2009/01/26 (cfr. fls. 86 dos autos de execução); caducidade oficiosa através da anotação – OF. de 2010/03/01 (cfr. fls. 89 dos autos de execução);

- artigo 896 rústico, freguesia de …: registo provisório por natureza da penhora efectuado através da ap.4272 de 2009/01/26 (cfr. fls. 97 dos autos de execução); caducidade oficiosa através da anotação – OF. de 2010/03/01 (cfr, fls. 100 dos autos de execução).

Em face da caducidade das penhoras supra referidas e que foram efectuadas nos autos de execução principais, ao abrigo do disposto no artº 287º, nº 1, alínea e) do Código de Processo Civil, declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.”

Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso os embargantes concluindo que:

Não houve contra alegações.

Cumpre decidir.

Fundamentação

 Os factos que interessam à decisão são os que constam do relatório, nomeadamente os que certificam a existência da penhora dos imóveis na execução e o seu registo, razão pela qual não há necessidade de aqui os repetir, sem embargo de os mesmos virem a ser referidos por expresso na medida em que a exposição decisória o convocar.

Delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Neste sentido, nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684º, nº 2 do CPC) não podendo porém ampliá-lo se o tiver restringido no requerimento de interposição.[1]

Nestas condições, tendo em conta o conteúdo das alegações da recorrente e o da decisão impugnada, a única questão que importa resolver é saber se esta deve ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos embargos.

Como decorre do próprio relatório, a decisão apelada considerou que se os embargos de terceiro incidem sobre penhora de imóveis realizada numa execução e contra a qual os embargantes vêm reagir, protestando a propriedade sobre os mesmos, a circunstância de o registo da penhora ter caducado faz extinguir a instância dos embargos por inutilidade superveniente.

Contra este entendimento, no essencial, os recorrentes sustentam que o fundamento dos embargos de terceiros, no caso, reside na penhora e não no registo desta, sendo aquela penhora e não o registo o acto ofensivo do direito que invocam, pelo que, enquanto se mantiver essa penhora sobre esses bens imóveis, perdura a ofensa feita aos embargantes no seu património, ainda que a mesma não conste do registo predial, e perdura assim o interesse dos embargantes nos presentes embargos de terceiro.

Cremos, também nós, que tudo o que importa à decisão do presente recurso se resume em saber qual a relação que existe entre a penhora de um imóvel e o seu registo, maxime, se a penhora com registo que entretanto tenha caducado, continua a ter qualquer valor na execução.

A decisão do tribunal recorrido parte de um princípio de evidência segundo o qual será manifesto que uma penhora sem registo ou com registo caducado nada vale, não explicando porém o fundamento legal em que assenta essa evidência e limitando-se a constatar que o registo das penhoras está caducado e que, em consequência, existe inutilidade superveniente dos embargos.

Apreciando esta questão, observamos que o art. 351º, nº 1 do CPC estabelece que “se a penhora (…) ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-la valer deduzindo embargos de terceiro.”

Um primeiro elemento que devemos reter é o de que a letra da lei se refere à penhora como sendo esta que realiza a ofensa do direito do terceiro, sabendo-se que a penhora de imóveis se realiza (e realizou na execução que é o processo principal) através de comunicação electrónica à conservatória do registo predial competente, a qual vale como apresentação para efeito de inscrição no registo (art. 838º, nº 1 CPC). Porém, é importante sublinhar que, inscrita a penhora e enviado pela conservatória ao agente de execução o certificado do registo e a respectiva certidão de ónus e encargos, esse mesmo agente lavra o auto de penhora (art. 838º, nº 2 e 3).

Daqui decorre, segundo cremos, que a penhora de imóveis está condicionada à possibilidade de se realizar o seu registo inicial pois se o agente da execução faz a comunicação electrónica à conservatória e esta não envia o certificado de registo, não pode o agente lavrar o auto de penhora e, como assim, esta não se pode considerar realizada. Contudo, se esse registo inicial se encontra feito e o auto lavrado, dispõe a lei que “o registo meramente provisório da penhora não obsta a que a execução prossiga, não se fazendo, porém, a adjudicação dos bens penhorados, a consignação judicial dos seus rendimentos ou a respectiva venda sem que o registo se haja convertido em definitivo; pode porém, o juiz da execução ponderados os motivos da provisoriedade, decidir que a execução não prossiga, se perante ele a questão for suscitada” (art. 838º, nº 4).

Observa Fernando Amâncio Ferreira, a propósito do modo de realização da penhora de imóveis, que “atenta a actual redacção do art. 840º, nº 1, a penhora de imóveis (…) implica uma efectiva apreensão do bem que se tira da posse do executado (…)”[2] e este elemento de ordem funcional acaba por ser importante à nossa decisão porque nela nos interessa saber o que acontece à penhora realizada quando o registo venha a caducar.

Dissemos que a lei não vê no registo provisório da penhora um obstáculo ao prosseguimento da execução até à venda ou à adjudicação dos bens penhorados, porém, quando o registo da penhora caduca a interpretação mais correcta do preceito (art. 838º, nº 4) impõe que entendamos que a execução não possa prosseguir quanto a esses imóveis penhorados porquanto é diferente existir registo provisório ou não existir registo algum já válido. Mas, ao contrário do que ocorre com o registo inicial, o que antecede o auto de penhora e sem o qual este último não pode ser lavrado, não existindo enquanto isso penhora realizada, quando a penhora já foi efectivada, ainda que com registo provisório, se este vier a caducar, não se pode afirmar que a penhora fique automaticamente sem efeito ocorrendo antes uma impossibilidade de a execução prosseguir quanto a esses bens, ou seja, o legislador quis que os efeitos da penhora na execução estejam dependentes da existência do seu registo, ainda que provisório como se sublinha no citado art. 838º, nº 4.

Se em face do registo caducado o exequente viesse a desistir da penhora daqueles bens, nesse caso, a consequência teria de ser a de se declarar extinta a instância nos embargos de terceiro porque o acto ofensivo do direito invocado pelo embargante teria desaparecido e os embargos servem tão simplesmente para fazer valer esse direito mas no pressupondo a existência do acto ofensivo. Porém, o que nos importa é decidir o que fazer quando exequente não tenha desistido da penhora realizada na execução e o registo deste acto tenha caducado.

Uma abordagem possível é a de concluir, como os Apelantes fazem, que a penhora e o seu registo são realidades diferentes e que a circunstância de este ter caducado não perturbaria a existência da penhora e que esta se conservasse, digamos assim, sem registo[3]. Neste caso, lembrando que a lei processual não quer que haja actos de execução sem que o imóvel penhorado esteja coberto por um registo (ainda que provisório) poderíamos pensar que a melhor solução conduziria a que na execução a falta de registo determinasse que esses autos ficassem suspensos, a aguardar nos termos do art. 285º do CPC (caso fossem esses imóveis os únicos bens penhorados), e só quando a execução fosse declarada extinta por deserção (art. 287º, al. c) e 291º, nº 1 do CPC) é que poderiam ser julgados extintos os embargos de terceiro por inutilidade superveniente, por só então se poder afirmar que o acto ofensivo do direito invocado pelo embargante teria desaparecido. Dir-se-ia, então, que durante o período de tempo em que até à declaração da extinção da execução, por deserção, a penhora ainda existisse, se manteria fundado o interesse do embargante em prosseguir nos embargos e isto porque, a relação entre a penhora de imóveis e o seu registo caducado era no sentido de não impor o desaparecimento daquela.

Neste enquadramento, uma solução possível para salvaguarda da relação existente entre a penhora e o registo caducado seria, talvez, só declarar extinta a inutilidade superveniente dos embargos dos embargos depois de na execução ter sido declarada extinta a penhora dos imóveis referidos, em virtude de ter desaparecido a penhora como acto ofensivo do direito invocado pelo embargante e, por consequência, um dos pressuposto dos embargos de terceiro.

Contra este entendimento, que defende que a penhora de imóvel com registo caducado se mantém válida e eficaz, pode argumentar-se que a lei processual pretendeu que os actos de execução depois da penhora de imóvel realizada só tenham seguimento enquanto existir um registo, ainda que provisório da mesma, mas já não, à outrance, quando esse registo tenha caducado.

Isto decorre do citado art. 838º, nº 4 do CPC mas esta manifestação advém do princípio geral de registo segundo o qual “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo” (art. 5º, nº 1 do C. Registo Predial), ou seja, no caso que nos interessa da penhora de imóveis, o facto sujeito a registo só produz efeito enquanto estiver registado, e por isso é que sem registo, mesmo que provisório, a execução não possa prosseguir quanto a esses imóveis. A relação entre o acto com obrigação de registo/penhora de imóvel e o registo desta, ainda que momentos diferentes, acaba por ser de uma implicação segundo a qual, na própria economia da execução, a caducidade do registo determina a própria ineficácia do acto a este sujeito.

Em abono, segundo o art. 6º, nº 3 do C.Reg.Pred., o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha o provisório mas, por outro lado, isto mesmo impõe que tenha de concluir-se que o registo caducado não possa converter-se já em definitivo e se extinga (art. 10º C.Reg.P).

Se assim fosse, depois do registo extinto, a penhora de imóvel realizada não poderia ter já valor na execução porque se o exequente pretendesse, depois do registo caducado, a penhora desses mesmos imóveis teria de novamente os nomear (a nova penhora) e de realizar um novo registo que, obviamente não contaria com a data/prioridade do que deixou caducar.

Por outro lado, para esta posição de entendimento, poderia acrescentar-se que como a penhora de imóvel se realiza, actualmente, através de comunicação electrónica à conservatória do registo predial competente, a qual vale como apresentação para efeito de inscrição no registo, então esta comunicação, precedendo o auto de penhora que só depois se lavra, inviabilizaria que um auto anterior pudesse ser tido como válido ou eficaz. Isto é, a penhora de imóvel começando com comunicação ao registo, só se lavrando o auto (de penhora) depois da inscrição registral e de enviada pela conservatória ao agente de execução o certificado do registo e a respectiva certidão de ónus e encargos, só permitiria a interpretação que considerasse que um registo de penhora de imóvel caduco, acabaria por se reflectir no próprio acto de penhora retirando-lhe qualquer valor.

Embora não expressa, terá sido esta a fundamentação do despacho recorrido considerando que a penhora dos imóveis realizada nos autos de execução, como acto ofensivo do direito protestado pelos embargantes deixou de ter qualquer valor e validade e, em consequência, fez desaparecer o primeiro dos requisitos dos embargos que era a existência desse acto ofensivo, determinando a inutilidade superveniente da lide.

Ainda antes de tomar posição sobre este diferendo, sublinhe-se que uma questão importante ao declarar-se a inutilidade superveniente dos embargos era de saber se se poderia estar nos embargos de terceiro, e não na execução, a decidir que a penhora ali realizada (e não nos embargos) não tem já qualquer validade, ou se se deveria esperar que só depois de na execução ter sido considerada extinta a penhora e transitasse em julgado essa decisão, se viesse a decidir nos embargos a inutilidade superveniente dos mesmos. Porém, a resposta a essa questão parece-nos que deve ser no sentido de não existir impedimento a ter sido proferido o despacho recorrido uma vez consideramos que não se estaria obrigado (nos embargos) a esperar por essa decisão como condição para proferir esta, nem impedido de estabelecer um juízo decisório sobre os fundamentos processuais ou substanciais da procedência dos embargos no qual se inclui a existência e validade da penhora, estando esta decisão nos embargos coberta pela força do caso julgado (art.671º, nº 1 do CPC).

Apresentados os argumentos em disputa entendemos que, sendo indiscutível a relação entre a penhora de imóveis e o seu registo, de tal forma que a caducidade deste deve impor a sustação da execução quanto aos bens cujo registo tenha caducado, não esquecemos no entanto que nos embargos de terceiro o que importa é a relação entre a penhora e o direito invocado pelo embargante como tendo sido ofendido por aquele acto e nesta perspectiva a penhora mesmo depois do registo ter caducado mantém-se e não apenas como um nomen.

Como sublinhámos anteriormente, citando Fernando Amâncio Ferreira, a actual redacção do art. 840º nº 1, implica para a penhora de imóveis uma efectiva apreensão do bem que se tira da posse do executado. E sendo assim, obviamente que a caducidade do registo não levanta automaticamente a penhora, mantendo-se essa efectiva apreensão ainda que sem registo válido que a suporte, até que o tribunal determine a extinção e o levantamento da penhora, ou seja, levante a apreensão.

Por outro lado, a relação entre a penhora de imóveis e o registo, mesmo que o procedimento actual revele que existe uma prioridade da comunicação à conservatória sobre o lavrar-se o auto (de penhora) não é de tal forma que confunda estes dois actos e que permita concluir que com a comunicação electrónica do agente da execução à conservatória se encontra realizada a penhora, ou muito menos, que registo e penhora sejam assim a mesma e única coisa.

A isto se opõe por um lado, não só, o conteúdo da penhora traduzida na apreensão do bem que não desaparece com a caducidade do registo mas, também, a circunstância de a finalidade do registo não ser constitutivo do acto da penhora mas ter apenas um efeito de publicidade.

Aliás, sublinhando a relação apontada entre a penhora, como o acto ofensivo do direito que o embargante invoca, e este mesmo direito, como fundadora dos próprios embargos, diga-se que de tal importância é essa relação que até para cobrir este interesse defensivo a lei configurou a possibilidade dos embargos de terceiros poderem ter uma função preventiva (art. 359º CPC), isto é, poderem ser deduzidos depois de ordenada a diligência ofensiva do direito que o embargante pretenda fazer valer mas antes ainda de tal diligência ser realizada, o que assinala, quanto a nós, indesmentivelmente, a relação entre o acto ofensivo e o interesse do embargante, sem cuidar se existe registo ou não.

 

Nestes termos, julgamos que assiste razão aos embargantes quando protestam a continuação dos embargos, por se manter o seu interesse enquanto se mantiver a penhora e, como assim, deve proceder a Apelação.

Síntese conclusiva

- A penhora de imóveis e o seu registo, tendo entre si uma relação que impede que a execução continue quanto a eles quando o registo caduque, são no entanto actos distintos que não se confundem, e que não determinam que a caducidade do registo faça extinguir automaticamente a penhora;

- a penhora de imóveis implica, nos termos do art. 840º do CPC, uma efectiva apreensão dos bens que se mantém enquanto a penhora não for levantada e julgada extinta e o seu registo, mesmo com o procedimento prescrito no art.838º, nºs 1, 2 e 3 do CPC, continua a não ser elemento constitutivo da penhora mas apenas forma de publicidade quanto a terceiros.    

- Enquanto se mantiver a penhora dos imóveis na execução, mesmo que o seu registo tenha caducado, mantém-se o interesse do embargante na continuação dos embargos de terceiro porque a relação entre o interesse deste e os embargos se funda exclusivamente na circunstância de ter sido ordenada a diligência que ele enquadra como ofensiva do seu direito, ainda que antes de tal diligência ter sido realizada (art.859º do CPC) ou mesmo depois de o registo da penhora ter caducado.        

… …

Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a Apelação e, em consequência, revogando a decisão recorrida determina-se a continuação dos embargos de terceiro.

Custas pelo vencido a final.


Manuel Capelo (Relator)


[1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24.
[2] In Curso de Processo de Execução, 11ª ed. P. 243
[3] Isto mesmo entendeu o ac. do STA de 18-5-2011 no proc. 0973/09, in dgsi.pt, limitando-se no entanto a afirmar que o acto ofensivo do direito é a penhora e não o registo sem adiantar qualquer fundamentação para essa conclusão ou referir que validade e eficácia tem a penhora depois do registo ter caducado.