Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1069/13.3TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ÓNUS DA PROVA
PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE
REDE NACIONAL DE CUIDADOS CONTINUADOS
SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE
OBRIGAÇÃO
ESTADO
MÉDICO
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
Data do Acordão: 05/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GUARDA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL E CRIMINAL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 342º, 343º, 344º E 483º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A prestação de cuidados de saúde por uma Unidade de Cuidados Continuados que está integrada na Rede Nacional de Cuidados Continuados e que, como tal, está incluída no Serviço Nacional de Saúde corresponde ao cumprimento de uma obrigação assumida pelo Estado no sentido de garantir o direito constitucionalmente garantido de protecção da saúde, pelo que o dever de prestar esses cuidados radica na lei e não em qualquer acordo ou contrato que a entidade prestadora aceite celebrar com o cidadão.

II – Assim, a responsabilidade eventualmente emergente da má ou errada prestação desses serviços não é uma responsabilidade contratual mas sim uma responsabilidade civil extracontratual.

III – Não obstante as dificuldades de prova que são reconhecidas a esse nível – e que podem e devem ser compensadas com recurso a prova indiciária e com recurso a presunções judiciais – cabe ao lesado o ónus de provar todos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual: o facto ilícito, o nexo de imputação do facto ao lesante (culpa), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

IV – Ainda que esteja em causa uma responsabilidade contratual e porque a lei apenas estabelece, nessa matéria, uma presunção legal de culpa do devedor, caberá sempre ao credor o ónus de provar o incumprimento da obrigação (ou o cumprimento defeituoso), a existência do dano ou prejuízo e o nexo de causalidade entre o incumprimento e o dano.

V – Sem prejuízo de alguns casos excepcionais (em que possa ser exigível a obtenção de determinado resultado) a obrigação do médico é, por regra, uma obrigação de meios, no sentido de que o conteúdo da sua obrigação não corresponde à concretização de um determinado resultado (a cura ou reabilitação do doente); o médico/enfermeiro está obrigado a utilizar, de forma diligente e prudente e em conformidade com a leges artis, todos os seus conhecimentos e todas as técnicas ao seu dispor no sentido obter o resultado pretendido (diagnóstico, tratamento, cura ou reabilitação), sem que possa, no entanto, assegurar a verificação desse resultado.

VI – Assim, independentemente do tipo de responsabilidade em causa (contratual ou extracontratual), o lesado/doente, além de ter o ónus de provar o nexo de causalidade entre a actuação dos médicos/enfermeiros e o dano que se veio a verificar, também terá que provar que essa actuação está em desconformidade com a leges artis, na medida em que é essa desconformidade que corresponde ao facto ilícito que é pressuposto da responsabilidade civil extracontratual e ao incumprimento (ou cumprimento defeituoso) da obrigação que está subjacente à responsabilidade contratual.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... , residente na Rua (...) , Guarda; B... , residente no Bairro (...) , Guarda e C... , residente na Rua (...) , Vila Real, intentaram a presente acção contra a D... , com sede na Rua (...) , Guarda, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de 75.000,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros a partir da citação.

Alegam, para o efeito e em síntese, que: são mulher e filhos de E... que, por força de um AVC e após internamento hospitalar, foi internado na Unidade de Cuidados Continuados da Ré em 01/06/2010; à data, o estado de saúde do referido E... era grave, encontrando-se o mesmo em situação de total dependência de terceiros para a realização das tarefas básicas do dia-a-dia; ainda durante o mês de Junho, E... foi encaminhado por duas vezes para o hospital; regressado à Unidade de Continuados da Ré, os seus familiares foram-se apercebendo que o seu estado de saúde se agravava e várias vezes chamaram a atenção da equipa de enfermagem para o seu estado de saúde, para as dores que sentia, para o seu estado febril e para o cheiro que se sentia no quarto, vindo a constatar – em 31/07/2010 – que o mesmo apresentava uma ferida enorme aberta, de cor negra, na zona do sacro (escara); na sequência desse facto e por exigência da 1ª Autora e de sua filha, E... foi conduzido às urgências do hospital de onde saiu no mesmo dia com o diagnóstico de “escaras de decúbito – tornozelo direito e região sagrada”; no entanto, o seu estado de saúde agravou-se e no dia 1 de Agosto foi novamente encaminhado para o hospital onde permaneceu até falecer no dia 07/09/2010; a equipa médica e de enfermagem da Ré não adoptaram os cuidados necessários para evitar o aparecimento de úlceras de pressão – tanto mais que estava em causa um doente de risco, por ser diabético, obeso e acamado –, permitindo que elas se instalassem e que evoluíssem até um ponto de não retorno em que a escara já estava infectada e a infecção já havia alastrado pelo corpo do doente, sendo que apenas em 31/07 e por insistência de familiares, o encaminharam para o hospital e, uma vez instalada a úlcera, não prestaram os cuidados que seriam adequados; em consequência desses factos, E... veio a falecer com uma infecção generalizada no organismo.

Concluem, dizendo que as dores e sofrimento sentidos por E... durante os três meses que antecederam a sua morte devem ser indemnizados com o valor de 5.000,00€, a que acresce a indemnização devida pelo dano morte que quantificam em 50.000,00€ e a indemnização pelos danos sofridos pelos próprios Autores em consequência do falecimento do marido e pai e que computam em 20.000,00€.

A Ré contestou, aceitando o internamento de E... na sua Unidade de Cuidados Continuados, alegando, no entanto, que sempre lhe prestou todos os cuidados e tratamentos que eram necessários e que sempre informou os respectivos familiares da sua situação clínica. Com efeito, alega, não obstante todos os cuidados prestados, o doente iniciou, por volta de 15/06/2010, um processo de maceração da pele relativamente ao qual foram adoptados todos os tratamentos e protecções recomendados, sendo que em 18/07, a úlcera em causa não apresentava sinais aparentes de infecção; todavia, alega, os diversos transportes que fez em ambulância e as horas de espera nos hospitais para onde teve que ser encaminhado por diversas vezes contribuíram para o seu agravamento de tal modo que, após o regresso dos Hospitais da Universidade de Coimbra – em 21/07/2010 – para onde havia sido encaminhado para consulta de Cirurgia Vascular, inicia febre; foram efectuados todos os tratamentos necessários e, em 31/07, foi enviado ao hospital para drenagem ou limpeza cirúrgica, sendo certo, porém, que lhe foi dada alta sem que tal drenagem ou limpeza tivessem sido efectuadas; no dia seguinte, porque o doente mantinha febre e se suspeitava do estado séptico em relação presumível com a escara infectada, foi enviado de novo para o Hospital onde veio a falecer.

Assim, conclui, não teve qualquer responsabilidade na morte de E... , pelo que a acção deverá improceder.

Foi dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido.

Inconformados com essa decisão, os Autores vieram interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1ª - No dia 6 de Maio de 2010, E... deu entrada na Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital (...) por causa de um AVC.

2ª - Aí permaneceu até ao dia 1 de Junho de 2010, data em que foi admitido na Unidade de Cuidados Continuados da Ré.

3ª - E... acabou por falecer na Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital de (...) , no dia 7 de Setembro de 2010, devido a uma septicémia.

4ª - Esta septicémia, que lhe causou a morte, é uma infecção generalizada, que teve origem numa úlcera de pressão que E... desenvolveu quando se encontrava internado na Unidade de Cuidados Continuados da Ré.

5ª - Os Autores pretendem ser ressarcidos pela Ré pelos danos que a sua atuação lhes causou, uma vez que foi a Ré a responsável pela morte do seu marido/pai, nas condições em que a mesma sucedeu.

6ª - O tribunal recorrido entendeu que os médicos e enfermeiros ao serviço da Ré cumpriram com as leges artis no tratamento de E... .

1- ANÁLISE CRÍTICA DA SENTENÇA – DE FACTO:

FACTOS QUE NÃO DEVERIAM TER SIDO DADOS COMO PROVADOS

7ª - Não deveriam ter sido dados como provados os factos vertidos nos pontos 53., 55., 63., 64., 66., 73., 76., 77., 80., 81., 82., 87., 88., 89., 90. e 93. da lista dos factos dados como provados, pelos motivos que infra se exporão:

a) Facto 53. da Lista dos Factos Dados Como Provados

8ª - Resulta dos depoimentos das testemunhas G... (minutos 00:03:47 a 00:04:57), H... (minutos 00:01:13 a 00:02:11), I... (minutos 00:02:59 a 00:05:22) e J... (minutos 00:05:10 a 00:07:01) que os familiares de E... só tiveram conhecimento da úlcera de pressão quando a própria J... a “descobriu”.

9ª - Assim, os familiares de E... não foram alertados para a verdadeira situação clínica do mesmo, pelo que deve ser considerado não provado o facto vertido no ponto 53. da lista dos factos dados como não provados.

b) Facto 55. da Lista dos Factos Dados Como Provados

10ª - Este facto encontra-se em contradição com o facto, igualmente dado como provado, e vertido no ponto 29. da lista dos factos dados como provados.

11ª - Extrai-se dos depoimentos das testemunhas N... (minutos 00:29:18 a 00:29:40) O... (minutos 00:19:35 a 00:19:45) e G... (minutos 00:03:47 a 00:03:58) que, não obstante os familiares questionarem os profissionais de saúde sobre o cheiro, estes nunca o informaram que o mesmo se devia à evolução da ferida, cuja existência desconheciam.

12ª - Assim sendo, deve ser considerado não provado o facto vertido no ponto 55. da lista dos factos dados como não provados.

c) Facto 81. da Lista dos Factos Dados Como Provados

13ª - Do depoimento da testemunha J... (minutos 00:05:10 a 00:07:01) resulta que, no dia 31 de Julho de 2010, E... foi encaminhado para o hospital porque a própria J... , escandalizada com a escara, gritou e chorou de preocupação face ao estado de saúde do seu pai. Só nesse momento é que foi chamado o médico de serviço para avaliar a situação.

14ª - Assim sendo, deve ser considerado não provado o facto vertido no ponto 81. da lista dos factos dados como não provados, inclusivamente porque se encontra em contradição com o facto vertido no ponto 30. Da lista dos factos dados como provados.

d) Facto 63., 64., 66., 87., 88., 89., 90. e 93. da Lista dos Factos Dados Como Provados

15ª - Os médicos e enfermeiros ao serviço da Unidade de Cuidados Continuados da Ré não prestaram a E... todos os cuidados exigidos e aconselhados face ao estado atual da ciência e de acordo com a sua condição.

16ª - Resulta do depoimento das testemunhas I... (minutos 00:04:08 a 00:09:41) e J... (minutos 00:08:00 a 00:08:40) que não existia um cuidado contínuo na mudança de posição de E... , por forma a aliviar as zonas de maior pressão

17ª - A presença contínua dos familiares de E... na Unidade da Ré foi confirmada pelas suas próprias testemunhas, nomeadamente N... (minutos 00:31:15 a 00:32:04) e F... (minutos 00:34:00 a 00:34:12).

18ª - Da mesma forma, como decorre da pág. 14 do Vol. II do Processo Clínico (Doc. 3 junto com a contestação), e apesar de a fisioterapia ser essencial na prevenção de aparecimento de úlceras de pressão, só foram feitos com E... exercícios de fisioterapia no dia 18 de Junho de 2010, apesar de este ter sido admitido no dia 1 de Junho de 2010 e de aí ter permanecido até 1 de Agosto de 2010.

19ª - Por seu lado, I... (minutos 00:08:16 a 00:08:42 e 00:14:46 a 00:16:14) e J... (minutos 00:07:32 a 00:08:00) viram que o seu pai estava colocado num colchão normal e não num colchão anti-escaras, como era aconselhável.

20ª - As testemunhas da Ré, ambas enfermeiras, N... (minutos 00:08:26 a 00:08:59) e O... (minutos 00:03:52 a 00:04:07) entraram em contradição quanto à colocação de colchão anti-escaras, pois enquanto a primeira deu a entender que o doente tinha sido colocado imediatamente num colchão desse tipo, a segunda afirmou que isso só sucedeu quando já existia uma maceração cutânea.

21ª - Portanto, fica claro que não foi colocado o referido colchão, sendo certo que a sua colocação após a existência de uma maceração é tarde demais para um doente diabético, como decorre do depoimento da testemunha F... (minutos 00:22:17 a 00:22:48).

22ª - No que concerne ao tratamento da escara, os funcionários da Ré não se aperceberam da infeção da mesma, tendo administrado antibióticos já numa fase muito avançada da ferida (apenas a 31 de Julho de 2010).

23ª - Era exigível que se apercebessem da infeção, uma vez que deram conta da evolução negativa da escara (pág. 74 do Vol. I e págs. 45, 46, 47 e 48 do Vol. II do Processo Clínico – Docs. 2 e 3 juntos com a contestação, respetivamente) e o doente vinha apresentando períodos de febre (principalmente, verso da pág. 17 do Vol. II do Processo Clínico – Doc. 3 junto com a contestação).

24ª - Da mesma forma, não tiveram os funcionários da Ré o cuidado que lhe era exigível na realização de pensos, pois no dia 28 de Junho de 2010 E... não apresentava qualquer penso na zona sagrada, embora já existisse maceração cutânea desde o dia 15 de Junho de 2010 (pág. 62 do Vol. I do Processo Clínico – Doc. 2 junto com a contestação).

25ª - Ainda em relação aos cuidados (não) prestados a E... , os funcionários da Ré, embora sabendo que aquele era diabético e que a maceração estava a evoluir negativa e rapidamente, não pediram a colaboração do hospital.

26ª - E... foi encaminhado para o hospital somente no dia 31 de Julho de 2010, por insistência dos seus familiares, e quando a úlcera de pressão já se encontrava num “ponto de não retorno” (depoimento da testemunha L... (minutos 00:08:57 a 00:10:48) e relatório de urgência de 1 de Agosto de 2010).

27ª - Em conformidade, deve ser dados como não provados os factos vertidos nos pontos 63., 64., 66., 87., 88., 89., 90. e 93. da lista dos factos provados.

e) Factos 73. e 76. da Lista dos Factos Dados Como Provados

28ª - O facto de os transportes em ambulância e os tempos de espera em hospitais eventualmente terem “contribuído” ou “agravado” a maceração não excluiu a responsabilidade da Ré.

29ª - Especialmente porque era a Ré que deveria ter providenciado pelo transporte de E... com cuidados especiais e adequados à sua condição.

30ª - Portanto, devem ser dados como não provados os factos previstos nos pontos 73. e 76. da lista dos factos provados.

f) Factos 77. e 80. da Lista dos Factos Dados Como Provados

31ª - Todos desconhecemos se os antibióticos administrados a E... eram os “medicamente aconselhados”, pois desconhecemos qual o seu princípio ativo, para que servem e porque foram administrados aqueles e não outros.

32ª - De qualquer forma, foram administrados tarde demais, face ao processo evolutivo negativo da escara de E... .

33ª - Assim sendo, devem ser considerados não provados os factos vertidos nos pontos 77. e 80. da lista dos factos provados.

g) Facto 82. da Lista dos Factos Dados Como Provados

34ª - Não logrou a Ré provar que no dia 31 de Julho de 2010 não foi efetuada qualquer limpeza cirúrgica à escara, face, inclusivamente, ao depoimento da testemunha L... (minutos 00:07:00 a 00:08:11),

35ª - Razão pela qual deve ser dado como não provado o facto previsto no ponto 82. da lista dos factos provados.

FACTOS QUE DEVERIAM TER SIDO DADOS COMO PROVADOS

36ª - Face à prova produzida, deveriam ter sido dados como provados os factos vertidos nas alíneas a), b), c), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v), w), x), y), z), aa) e bb) da lista dos factos não provados.

a) Factos h), i), j), k), m), n), o), p), q), r), s), t), u), w), x), y), z) e aa) da Lista dos Factos Não Provados

37ª - E... nunca foi encaminhado para o hospital, por causa da escara, pelas equipas médicas e/ou de enfermagem da Ré, mas apenas e só por insistência dos seus familiares (depoimento da testemunha J... - minutos 00:05:10 a 00:07:01).

38ª - Nesse dia, a escara já se encontrava num “ponto de não retorno” (depoimento da testemunha L... – minutos 00:08:57 a 00:10:48).

39ª - Em relação à prevenção/tratamento da escara, acrescentamos, nesta sede, que os funcionários da Ré não mantiveram E... hidratado e nutrido, como lhe era imposto e conforme consta dos relatórios de urgência dos dias 24 de Junho de 2010 (pág. 15 do Vol. I do Processo Clínico - Doc. 2. junto com a contestação), 10 de Junho de 2010 (Doc. 4 junto com a contestação) e 1 de Agosto de 2010 (Doc. 7 junto com a petição inicial).

40ª - Não ficou provado que mudassem frequentemente a fralda doente – aliás, as testemunhas da Ré disseram mesmo que o contacto da ferida com as fezes contribuía para o seu agravamento.

41ª - Desconhece-se se os medicamentos administrados a E... eram os adequados – e, de qualquer forma, foram administrados tarde demais, conforme explicitado supra.

42ª - Na verdade, devido principalmente à diabetes, e face à evolução negativa da escara, deveriam ter encaminhado o doente para o hospital para receber tratamentos mais incisivos e que não podiam ser prestados na Unidade da Ré, devido à “baliza de atuação”.

43ª - Foi devido à falta de tratamentos adequados à sua condição a escara desenvolvida por E... infetou e a infeção se generalizou e provocou a sua morte (sepsis).

44ª - Logo, devem ser dados como provados os factos previstos nas alíneas h), i), j), k), m), n), o), p), q), r), s), t), u), w), x), y), z) e aa) da lista dos factos não provados.

b) Factos a), v) e bb) da Lista dos Factos Não Provados

45ª - O sofrimento, mal-estar e inquietação de E... resulta claro não só do depoimento de testemunhas dos Autores (nomeadamente,M... (minutos 00:03:33 a 00:03:49), I... (minutos 00:02:59 a 00:03:50) e J... (minutos 00:03:19 a 00:03:44)) como também do depoimento de testemunhas da Ré (nomeadamente, O... (minutos 00:17:23 a 00:17:43) e P... (minutos 00:12:49 a 00:12:54)).

46ª - Desta forma, devem ser dados como provados os factos vertidos nas alíneas a), v) e bb) da lista dos factos não provados.

c) Factos b) e g) da Lista dos Factos Não Provados

47ª - Como decorre do depoimento das testemunhas I... (minutos 00:02:59 a 00:03:50), J... (minutos 00:03:19 a 00:04:35 e 00:05:10 a 00:07:01), O... (minutos 00:12:59 a 00:13:04), os familiares de E... queixavam-se e chamavam à atenção dos funcionários da Ré sobre o estado de saúde do seu marido/pai.

48ª - Apesar disso, e como fica explícito do depoimento das testemunhas G... (minutos 00:03:47 a 00:03:59 e 00:04:43 a 00:04:57), I... (minutos 00:04:55 a 00:05:22) e J... (minutos 00:05:10 a 00:07:01) nunca foram informados que o doente tinha desenvolvido qualquer úlcera de pressão, tendo sido a filha J... que a “descobriu” num dos muitos dias em que visitou o seu pai.

49ª - Portanto, devem ser considerados provados os factos previstos nas alíneas b) e g) da lista dos factos não provados.

d) Facto c) da Lista dos Factos Não Provados

50ª - Resulta dos relatórios de urgência dos dias 31 de Julho de 2010 e 1 de Agosto de 2010 que, nesses dias, E... estava com febre.

51ª - A testemunha P... (minutos 00:09:31 a 00:09:53) confirmou que nos dias em que o doente foi encaminhado para o hospital se encontrava com febre.

52ª - De acordo com J... , o penso que E... tinha a tapar a ferida descolou-se e caiu, porque aquele se mexia muito e devido ao suor motivado pela febre, não havendo qualquer meio de prova que contrarie esta versão dos factos.

53ª - Logo, deve ser dado como provado o facto previsto na alínea c) da lista dos factos provados.

e) Facto l) da Lista dos Factos Não Provados

54ª - Resulta do disposto na pág. 2 do Vol. I do Processo Clínico (Doc. 2 junto com a contestação) que E... esteve internado no Hospital de Guarda desde o dia 6 de Maio de 2010 até 1 de Junho de 2010, data em que foi admitido nos serviços da Ré.

55ª - Resulta ainda do relatório de admissão (pág. 46, verso, do Vol. I do Processo Clínico – Doc. 2 junto com a contestação) que, nesse momento, a sua pele estava íntegra.

56ª - Portanto, deve ser dado como provado o facto vertido na alínea l) da lista dos factos não provados.

2- ANÁLISE CRÍTICA DA SENTENÇA – DE DIREITO:

57ª - E... não foi encaminhado automaticamente do hospital para a Unidade de Cuidados Continuados da Ré, tendo ficado dependente da existência de uma vaga.

58ª - Conforme consta da pág. 97 do Vol. I do Processo Clínico (Doc. 2 junto com a contestação) foi prestado consentimento expresso pela representante do doente à sua admissão na Unidade da Ré.

59ª - Desse documento consta ainda que o doente ficou “ciente dos cuidados e tratamentos de saúde propostos, dos seus efeitos e de qual a sua finalidade e objectivos”.

60ª - Julgamos que este procedimento ainda pode ser enquadrado no âmbito da prestação de serviços entre o doente e a própria Ré que, por seu lado, se encontra vinculada à prestação desses serviços em virtude de Protocolo.

61ª - Portanto, deve ser aferido o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil contratual – art. 798º do Código Civil.

62ª - No caso, provado ficou que os médicos e enfermeiros ao serviço da Ré não cumpriram os cuidados e procedimentos impostos pela ciência atual no tratamento de doentes com as patologias de E... :

- não houve cuidado contínuo na alternância de posição;

- não promoveram a realização de exercícios de fisioterapia;

- não colocaram um colchão anti-escaras, pelo menos logo quando o doente foi admitido na Unidade da Ré;

- não se aperceberam da infeção, não a tratando atempadamente com antibióticos;

- não encaminharam o doente para o hospital face à evolução negativa da maceração cutânea e face à diabetes de que padecia E... , o que dificulta a cicatrização.

63ª - Incumpriram as leges artis, porque lhes era imposto que realizassem outros cuidados, logo, a sua conduta é ilícita.

64ª - Presume-se que a sua conduta é culposa – art. 799º do Código Civil.

65ª - De qualquer forma, provado ficou a sua culpa, uma vez que médicos medianamente sagazes teriam prestado outros cuidados a E... , pelo menos, tê-lo-iam encaminhado para o hospital mais cedo – podiam e deviam ter agido de outra forma.

66ª - Ou seja, mesmo que se entenda que se trata antes de responsabilidade civil extracontratual, sempre se encontrarão preenchidos os seus pressupostos – art. 483º do Código Civil.

67ª - Foi a atuação contra legem artis que permitiu o aparecimento de uma maceração cutânea e a sua evolução para uma úlcera de pressão infetada, cuja infeção veio a generalizar-se e a provocar a morte a E... – como admite a Ré no art. 84º da contestação: “a morte do Sr. E... terá sido devida a um quadro infeccioso generalizado desenvolvido a partir dos fins de Julho de 2010 e que progrediu até à sua morte…”

68ª - Para a apreciação do caso sub judice deve ser convocada a prova de primeira aparência ou prova prima facie, devido à dificuldade de prova do paciente por não ter o domínio dos conhecimentos técnicos adequados.

69ª - De acordo com esta teoria, seguida já por alguma doutrina e jurisprudência portuguesas, se o paciente sofreu uma lesão após estar sujeito a algum ato médico, será de presumir que aquela intervenção foi adequada à produção daquele dano e que, segundo a normalidade das coisas e a experiência comum, o dano provavelmente não teria ocorrido se tivessem sido observadas todas as regras técnicas, de acordo com o estádio atual dos conhecimentos médico-científicos aplicáveis ao caso – V.g., na jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20/04/2004, proc. nº 0982/03 e de 16/01/2014, proc. nº 0445/13, e, na doutrina, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Sobre o Ónus da Prova nas Ações de Responsabilidade Civil Médica”, in Direito da Saúde e Bioética, Lisboa, 1996; LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Prova por Presunção no Direito Civil, Coimbra: Almedina, 2013; G... RIO NUNES, Ónus da Prova nas Ações de Responsabilidade por Atos Médicos, Coimbra: Almedina, 2007; e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, “O Ónus da Prova na Responsabilidade Civil Médica. Questões Processuais Atinentes à Tramitação deste Tipo de Ações (Competência, Instrução do Processo, Prova Pericial)”.

70ª - Mal aplicou/interpretou o tribunal a quo os arts. 341º e ss., 483º e ss., 798º e 799º e ss. do Código Civil, e o art. 607º, nº 5 do Código de Processo Civil.

Conclui pedindo a alteração da matéria de facto no sentido das conclusões e a condenação da Ré no pedido.

A Ré apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. A causa de pedir destes autos, resume-se aos factos integradores da responsabilidade civil extracontratual; Pois,

2. Nenhum contrato foi celebrado entre E... ou os seus familiares e a ré, já que o seu internamento na Unidade de Cuidados Continuados, resultou de protocolo entre o Estado Português e a D... ;

3. Não tendo sido efetuada autopsia ao falecido E... , desconhece-se por não ter sido determinada cientificamente a causa da sua morte;

4. Sendo certo que o doente sofria de várias patologias como diabetes, insuficiência renal crónica, hipertensão, insuficiência cardíaca, ulceras, obesidade e demência em consequência de AVC;

5. Nos últimos 38 dias de vida, o doente esteve internado no Hospital Público (...) , da Guarda, não tendo quaisquer contatos com a Unidade de Cuidados Continuados da ré;

6. Durante os períodos em que esteve internado na Unidade de Cuidados Continuados, foi-lhe prestada toda a assistência médica e de enfermagem segundo a Legis Artis, não se provando qualquer negligência ou acção culposa, por parte dos serviços da ré;

7. Deste modo se exclui a responsabilidade extracontratual prevista no artº 483º do C. Civil sendo certo que o ónus da prova caberia aos autores, nos termos do artº 342º do mesmo Código;

8. A matéria de facto dada como provada na sentença, deve ser inteiramente mantida, como devem ser dados como não provados, os factos que a sentença não acolheu;

9. Pelas razões constantes do texto, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas, médicos e enfermeiros, e documentos juntos aos autos, resulta prova cabal, dos factos dados como provados;

10. E, quanto aos factos dados como não provados e alegados pelos autores, deve ter-se em conta que apenas a eles, se referem os filhos e parentes próximos do falecido, aqueles tendo interesse direto na procedência da ação e não tendo conhecimentos técnicos suficientes para poderem pronunciar-se sobre a qualidade dos serviços prestados no Estabelecimento da ré;

11. A sentença recorrida indicou corretamente o Direito aplicável, como aplicou corretamente o Direito aos factos dados como provados;

12. Deverá assim ser negado provimento ao recurso, confirmando-se inteiramente a sentença recorrida;


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II.

Questões a apreciar:     

Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, como tal, deve ser alterada – e em que termos – a decisão proferida sobre a matéria de facto no que toca aos pontos impugnados;

• Saber se a eventual responsabilidade da Ré é uma responsabilidade contratual ou uma responsabilidade extracontratual;

• Saber, em função da resposta dada à questão anterior, se estão reunidos os pressupostos de que depende a responsabilidade da Ré. 


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III.

Matéria de facto

Comecemos por analisar a impugnação deduzida pelos Apelantes relativamente à decisão proferida sobre diversos pontos da matéria de facto.

Considerou-se provado – sob o nº 53 – que os familiares de E... sempre foram alertados para a situação clínica do mesmo.

Sustentam, no entanto, os Apelantes que este facto não deve ser considerado provado, apelando, para o efeito, aos depoimentos prestados pelas testemunhas, G... , H... e J... , quando declaram – nos excertos identificados nas alegações – que os familiares de E... só tiveram conhecimento da úlcera de pressão quando a própria J... a descobriu.

É verdade que as aludidas testemunhas – filhos e nora de E... – depuseram no sentido referido pelos Apelantes, mas também é verdade que outras testemunhas depuseram no sentido de confirmar aquele facto. Veja-se, por exemplo, o depoimento da testemunha, F... – médico e coordenador clínico da UCC da Ré – quando declara que sempre falou com os familiares, explicando a situação; veja-se também o depoimento da testemunha R,,, – médica na UCC – quando declara que, sempre que foi solicitada, falou com os familiares e explicou a situação e veja-se o depoimento de S... – médico na UCC – quando declara ter sido, por diversas vezes, questionado pelos familiares acerca do estado de saúde do utente e que sempre lhes explicou a situação.

Veja-se que não encontramos razões aparentes para que os aludidos médicos tivessem omitido aos familiares uma informação exacta e correcta acerca do estado de saúde do doente e, portanto, não encontramos razões para duvidar dos seus depoimentos. Ao que tudo indica – e como resulta dos depoimentos citados pelos Apelantes – essas informações não terão incidido, com particular detalhe, sobre a referida úlcera de pressão, até porque a mesma terá surgido e evoluído num espaço temporal relativamente curto, sendo certo que, numa fase inicial, os médicos poderão não lhe ter dado ênfase particular por não ser particularmente grave e porque as demais patologias de que o doente padecia seriam bem mais graves. Isso não significa, porém, que os familiares não tenham sido alertados para a situação clínica do doente que, independentemente da úlcera, era grave e instável por força das diversas patologias de que o mesmo padecia, tanto mais que o facto de os familiares terem sido alertados para a situação clínica do doente (é apenas isso que se diz no ponto de facto em questão) não significa que os mesmos tivessem sido informados de todos os detalhes e do desenvolvimento pormenorizado de cada uma das patologias de que sofria. É certo que, a partir do momento em que infectou, a referida úlcera passou a constituir uma patologia relevante que, a par das demais, tinha um peso significativo na situação clínica do doente, mas, como referimos, essa infecção ter-se-á instalado e evoluído num curto espaço de tempo, o que, de algum modo, poderá ter justificado que os familiares dela não tivessem sido ainda informados com o necessário detalhe.  

Entendemos, por isso, não se justificar qualquer alteração ao ponto de facto em questão.

Os Apelantes também discordam da decisão proferida relativamente ao ponto 55 onde se considerou provado que os enfermeiros e os médicos ao serviço da ré, informaram devidamente os familiares de E... , das causas do mau cheiro.

Dizem os Apelantes que este facto não pode considerar-se provado na medida em que está em contradição com o facto vertido no ponto 29 e resulta dos depoimentos das testemunhas N... , O... e G... que os profissionais de saúde nunca informaram os familiares de que o mau cheiro se devia à evolução da ferida.

Depreende-se, de facto, dos depoimentos prestados pelas testemunhas dos Autores e pelas enfermeiras N... e O... que a explicação dada aos familiares relativamente ao mau cheiro se prendia essencialmente com os produtos utilizados, mas a verdade é que não seria apenas isso, porquanto o cheiro em causa decorria directamente da úlcera, como, aliás, ficou registado no registo de pensos – realizados em 29/06 (fls. 154), 09/07 (fls. 151), 10/07 e 12/7 (fls.249), 18/07 (fls. 250), 23/07 (fls. 252), 27/07 e 29/07 (fls. 251) e 31/07 (fls. 253) – e nos registos de enfermagem – cfr. registos de 11/07 (fls. 228) e de 31/07 (fls. 238).

Assim, porque a expressão “devidamente” que está utilizada no ponto 55 poderá dar a entender que as informações prestadas relativamente às causas eram correctas e completas e ainda que nos pareça que o facto em questão não terá influência para a decisão da causa, altera-se o ponto 55 que passará a ter a seguinte redacção:

Os enfermeiros ao serviço da Ré, quando questionados, informaram os familiares de E... que o mau cheiro se devia aos produtos e medicamentos utilizados.  

Insurgem-se também os Apelantes contra a decisão proferida relativamente ao ponto 81, sustentando, portanto, que não deve considerar-se provado o facto aí vertido, ou seja, que, no dia 31/07, verificando-se que não tinha febre e que a escara apresentava sinais que impunham necessidade de drenagem, ou seja limpeza cirúrgica, foi nesse dia enviado ao Serviço de Urgência do Hospital (...) .

Invocam, para o efeito, o depoimento da testemunha, J... , do qual resultou que E... foi encaminhado para o hospital porque a aludida testemunha gritou e chorou de preocupação devido à escara e referindo ainda que esse facto está em contradição com o referido no ponto 30.

Mas não lhes assiste, aqui, qualquer razão.

Encontra-se já vertido na matéria de facto provada que os Autores exigiram – naquele dia 31/07 e quando viram a escara – que o seu marido e pai fosse imediatamente levado para a Urgência, mas isso não interfere, a nosso ver, com o facto vertido no ponto 81, já que, ainda que a situação tenha sido despoletada pelos Autores, foi, naturalmente, o médico da UCC que determinou o envio do doente para o Serviço de Urgências, por entender que a escara apresentava sinais que impunham necessidade de limpeza cirúrgica, como decorre do diário clínico (fls. 211 v.) e dos registos de enfermagem (cfr. fls. 238) e como decorre dos depoimentos prestados.

Entendemos, portanto, não haver razões para alterar a decisão proferida sobre o aludido ponto de facto.

Os Apelantes também impugnam a decisão proferida relativamente aos pontos 63, 64, 66, 87, 88, 89, 90 e 93, sustentando, portanto, que devem ser considerados como não provados os seguintes factos:

63. Ao longo do período de internamento, foi assistido sempre pelos médicos da ré, por vezes mais do que uma vez por dia e assistido pelo pessoal de enfermagem, que lhe prestou todos os cuidados, inerentes à sua condição.

64. Apesar de todos os cuidados, iniciou por volta de 15 de Junho de 2010 um processo de maceração da pele na região lombo sagrada, não obstante todos os cuidados médicos e de enfermagem que com o doente foram tidos.

66. Nesse período foram-lhe efectuados os tratamentos e protecções recomendados, nomeadamente quanto a posicionamentos, alternância de decúbitos, massagem em áreas de pressão, e colocado em colchão anti-escaras.

87. Durante todo o período em que o doente esteve afecto à Unidade da ré, foram-lhe prestados todos os cuidados clínicos e de enfermagem, decorrentes da evolução da sua situação clínica.

88. Quer os cuidados médicos, de enfermagem e a medicação aplicada ao doente, eram os aconselhados em face do estado actual da ciência médica e das práticas da enfermagem, reconhecidas como idóneas, para com doentes como E... , se apresentou nos Serviços da ré.

89. A Unidade da ré prestou ao doente todos os cuidados exigidos a uma Unidade da sua natureza e, sempre tal se justificou, pediu a colaboração dos Hospitais competentes.

90. Decisão que passou sempre por critérios clínicos de avaliação em equipa e com comunicação aos familiares e sua anuência.

93. Apesar dos profissionais de saúde estarem alertados e atentos, não puderam evitar a progressão da infecção, que progrediu silenciosamente por debaixo da pele e sem se manifestar de imediato.

Argumentam, para o efeito, nos seguintes termos:

- Como resulta do depoimento das testemunhas I... e J... , não existia um cuidado contínuo na mudança de posição de E... , por forma a aliviar as zonas de maior pressão;

- Como decorre do processo clínico, e apesar de a fisioterapia ser essencial na prevenção de aparecimento de úlceras de pressão, só foram feitos com E... exercícios de fisioterapia no dia 18 de Junho de 2010;

- As testemunhas I... e J... declararam ter visto que o seu pai estava colocado num colchão normal e não num colchão anti-escaras, como era aconselhável, e as testemunhas da Ré, N... e O... entraram em contradição quanto à colocação de colchão anti-escaras, pois enquanto a primeira deu a entender que o doente tinha sido colocado imediatamente num colchão desse tipo, a segunda afirmou que isso só sucedeu quando já existia uma maceração cutânea, sendo certo que, como resulta do depoimento da testemunha, F... , a colocação do colchão após a existência de uma maceração é tarde demais para um doente diabético;

- Os funcionários da Ré não se aperceberam da infecção da mesma, apenas tendo administrado antibióticos já numa fase muito avançada da ferida (apenas a 31 de Julho de 2010) e era exigível que tivessem tido essa percepção, já que, como resulta do processo clínico, deram conta da sua evolução negativa e o doente apresentava períodos de febre;

- Os funcionários da Ré não tiveram o cuidado que lhe era exigível na realização de pensos, pois no dia 28 de Junho de 2010 E... não apresentava qualquer penso na zona sagrada, embora já existisse maceração cutânea desde o dia 15 de Junho de 2010 e, embora sabendo que aquele era diabético e que a maceração estava a evoluir negativa e rapidamente, não pediram a colaboração do hospital, sendo que apenas fizeram esse encaminhamento no dia 31 de Julho de 2010, por insistência dos seus familiares, e quando a úlcera de pressão já se encontrava num “ponto de não retorno” como declarou a testemunha L... .

Relativamente à alteração do posicionamento do doente, é verdade que as testemunhas referidas pelos Apelantes (filhas do doente) declararam que, enquanto lá estavam, ninguém o ia virar ou mudar de posição. A verdade é que, embora estivessem lá com regularidade, não estavam lá durante todo o dia, como decorre da generalidade dos depoimentos prestados. Quem lá se encontrava por períodos mais prolongados era a Autora A... (que não prestou declarações) e, ainda assim, não se encontrava lá à noite e também teria que sair nem que fosse para se alimentar. Não nos parece, portanto, que as aludidas testemunhas estejam em condições de garantir aquele facto.

A verdade é que as demais testemunhas – médicos e enfermeiros na UCC – declaram que esses posicionamentos eram efectuados com a periodicidade necessária de acordo com o protocolo e os registos de enfermagem dão conta, efectivamente, de diversos posicionamentos efectuados durante o dia além de levantes para o cadeirão. Não temos nenhuma razão para duvidar desses registos, nada apontando para a sua falsificação e, portanto, teremos que aceitar que esses posicionamentos foram efectuados. Mas terão sido os necessários? A situação clínica do doente exigiria posicionamentos mais frequentes do que aqueles que foram efectuados? É possível que sim, mas a verdade é que não temos bases para o afirmar.

Relativamente à fisioterapia e apesar de ser importante na prevenção de aparecimento de úlceras de pressão, na medida em que combate a imobilização, a verdade é que a sua realização também dependerá, seguramente, do estado e da situação clínica do doente e não dispomos de qualquer elemento ou depoimento que nos permita concluir que, em termos clínicos, tais tratamentos fossem adequados ou aconselháveis para o doente em questão.

Relativamente ao colchão anti-escaras, é verdade que as testemunhas I... e J... declaram  que o seu pai estava colocado num colchão normal e não num colchão anti-escaras. No entanto, pelo que se depreende dos seus depoimentos, não nos parece que as aludidas testemunhas estivessem, à data, sensibilizadas para essa questão e que estivessem familiarizadas com esse tipo de colchão (como resulta dos seus depoimentos, foi apenas em momento posterior que obtiveram mais informações e esclarecimentos sobre o assunto). Ora, nessas circunstâncias, não nos parece credível que tenham observado e constatado a inexistência desse tipo de colchão. Importa notar que o aspecto exterior de muitos desses colchões – designadamente quando cobertos com lençóis – não é muito diferente dos outros e, portanto, para que as testemunhas pudessem afirmar que não era um colchão desse tipo, seria necessário que afastassem os lençóis de forma a inspeccionar o colchão e não temos como provável que o tivessem feito, já que, segundo dizem, naquela data não sabiam sequer que o pai precisava de um colchão desses.

E, se as testemunhas em causa não podem garantir que o colchão não era anti-escaras, a verdade é que as demais testemunhas declaram que sim e consta, efectivamente, dos registos de enfermagem que, em 15/06/2010 (fls. 133), foi colocado colchão anti-escaras. Deveria ter sido colocado antes? Talvez. Mas, mais uma vez, não temos bases e conhecimentos específicos que nos permitam fazer essa afirmação. Importa notar que, até essa data, e de acordo com os registos de enfermagem, o doente não apresentava qualquer lesão na pele e fazia vários levantes diários para o cadeirão e, nessas circunstâncias, não permanecendo na cama de forma ininterrupta, poderia não haver ainda necessidade de utilização daquele tipo de colchão. Veja-se, a propósito, o depoimento de F... (médico e coordenador clínico da UCC) quando declara (cfr. 36:45 a 39:00 do registo do seu depoimento) que o início da maceração da pele foi referenciado em 15 Junho (poucos dias após uma deslocação ao hospital – à nefrologia dos HUC), mas ainda sem ruptura da integridade cutânea e que, a partir daí, foram seguidos todos os protocolos em relação ao colchão, aos posicionamentos e massagens da área da pressão que é o que normalmente se faz nesta fase, antes de aparecer a úlcera. Parece, portanto, que, de acordo com o protocolo médico (que não estamos habilitados a questionar), tais procedimentos – designadamente ao nível do colchão – serão iniciados quando surge alguma maceração e não antes desse momento.   

No que toca à realização de pensos, não nos parece ser de aceitar a argumentação dos Apelantes quando dizem que os funcionários da Ré não tiveram o cuidado que lhe era exigível na realização de pensos, pois no dia 28 de Junho de 2010 E... não apresentava qualquer penso na zona sagrada, embora já existisse maceração cutânea desde o dia 15 de Junho de 2010. Com efeito, se é certo que, como resulta dos registos de enfermagem (fls. 134), E... não apresentava penso nesse dia (por isso lhe foi feito outro), tal apenas significava que, por qualquer razão – designadamente pela movimentação do próprio doente – ele havia caído, porque a verdade é que, como resulta dos mesmos registos, o penso estava lá no dia anterior. Veja-se que, como decorre do registo de pensos (fls. 248 a 253) e dos registos de enfermagem, o penso foi realizado quase diariamente e, por vezes, várias vezes ao dia e, portanto, não nos parece que seja legítimo concluir pela falta de cuidado na realização dos pensos.   

No que toca ao tratamento da infecção, também não estamos em posição de discordar ou questionar as opções médicas que foram tomadas ao nível, designadamente, da utilização de antibióticos, do momento a partir do qual devem ser utilizados e da necessidade (ou não) de pedir a colaboração do hospital. Na realidade, o doente em causa foi enviado por diversas vezes ao hospital (ainda que por outras razões) o que significa que os médicos da UCC pediram a colaboração do hospital quando o entenderam justificado. É certo que, relativamente à úlcera aqui em causa, apenas pediram a intervenção do hospital em 31/07. Deveriam tê-lo feito antes? Não estamos em condições de o afirmar. Note-se que, nesse dia, o doente foi observado no hospital por um cirurgião (a testemunha L... ) que lhe deu alta cerca de 15m depois, o que parece significar que, na perspectiva daquele cirurgião, não havia necessidade de intervenção hospitalar, já que, como declarou no seu depoimento, não era no hospital que a ferida ia cicatrizar. Parece-nos, por outro lado, que não é correcta a interpretação feita pelos Apelantes quando concluem, pelo depoimento desta testemunha, que a úlcera havia chegado a um ponto de não retorno – porque, face ao adiantado da ferida, já não ia cicatrizar – e que, como tal, a UCC deveria ter enviado o doente ao hospital em momento anterior. De facto, não foi bem isso que disse a testemunha. A testemunha disse, efectivamente, que, muito provavelmente, aquela ferida nunca iria cicatrizar, mas nunca relacionou isso com o estado em que ela se encontrava. Aquela ferida não iria cicatrizar e não era curável – segundo a testemunha – porque o doente era diabético e, portanto, era irrelevante que tivesse ido ao hospital em momento anterior. Segundo depreendemos do aludido depoimento, uma vez aberta, aquela ferida teria muita dificuldade em cicatrizar num doente diabético e, portanto, poderia ser tratada – evitando, designadamente, a sua infecção – mas dificilmente poderia ser curada.

É indiscutível, tendo em conta os depoimentos prestados e os registos clínicos e de enfermagem que, ao longo do período de internamento, E... foi assistido pelos médicos da Ré e pelo pessoal de enfermagem, como se diz no ponto 63.

É também indiscutível – como resulta dos registos de enfermagem e dos depoimentos prestados (designadamente do depoimento de F... , como referimos supra) – que E... iniciou por volta de 15 de Junho de 2010 um processo de maceração da pele na região lombo sagrada, como se diz no ponto 64.

E é também indiscutível – em face dos depoimentos prestados e dos registos de enfermagem – que, durante esse período, foram efectuados tratamentos, foram alternados os posicionamentos, foram efectuadas massagem em áreas de pressão e foi colocado em colchão anti-escaras, como se diz no ponto 66.

No que toca aos demais factos constantes dos pontos supra enunciados e que se prendem com o facto de os cuidados prestados, os procedimentos adoptados e as decisões médicas tomadas serem os correctos e adequados à sua situação clínica e ao modo como ela evoluiu, diremos que os diversos médicos e enfermeiros da Ré que foram ouvidos como testemunhas declararam, de forma concordante, que foram adoptados todos os procedimentos médicos e de enfermagem que se impõem nestas situações; que foram prestados todos os cuidados que a situação exigia; que foram efectuados os tratamentos e aplicada a terapêutica que eram idóneos. É certo, no entanto, que todas estas testemunhas tiveram intervenção directa no acompanhamento do doente – não sendo, por isso, de admitir, com muita probabilidade, que viessem depor de modo diferente, reconhecendo a sua própria negligência ou o erro médico em que, eventualmente, tivessem ocorrido – e, nessa medida, embora não encontremos razões para duvidar dos procedimentos que adoptaram e das decisões médicas que tomaram – sendo certo que não dispomos de quaisquer conhecimentos na área da medicina e não foram inquiridas quaisquer testemunhas que, dotadas desses conhecimentos e com um maior afastamento e imparcialidade relativamente à situação, viessem pôr em dúvida tais declarações – também nos parece que não existirão elementos probatórios suficientes para fundar a nossa convicção de que foram adoptados todos os cuidados que seriam aconselhados e recomendados. Além do mais, a alusão feita nos citados pontos de facto a “todos os cuidados”, “tratamentos e protecções recomendados”, “cuidados aconselhados em face do estado actual da ciência médica e das práticas da enfermagem, reconhecidas como idóneas” é vaga e genérica – e, por isso, conclusiva – razão pela qual não deve constar da matéria de facto, sendo que a correcção e adequação dos cuidados prestados deverá ser avaliada em função dos cuidados e tratamentos concretos que já se encontram mencionados noutros pontos de facto.

Em face do exposto, os citados pontos de facto passarão a ter a seguinte redacção:

63. Ao longo do período de internamento, foi assistido sempre pelos médicos da ré, por vezes mais do que uma vez por dia e assistido pelo pessoal de enfermagem.

64. Por volta de 15 de Junho de 2010, E... iniciou um processo de maceração da pele na região lombo sagrada.

66. Nesse período foram-lhe efectuados tratamentos, posicionamentos, alternância de decúbitos, massagem em áreas de pressão, e colocado em colchão anti-escaras.

87. Durante todo o período em que o doente esteve afecto à Unidade da ré, foram-lhe prestados cuidados clínicos e de enfermagem, decorrentes da evolução da sua situação clínica.

88. …(eliminado).

89. A Unidade da ré prestou ao doente os cuidados exigidos a uma Unidade da sua natureza, pedindo, quando o entendeu justificado, a colaboração dos Hospitais competentes.

90. Decisão que passou sempre por critérios clínicos de avaliação em equipa e com comunicação aos familiares e sua anuência.

93. …(eliminado).

 

Os Apelantes manifestam ainda a sua discordância relativamente à decisão proferida sobre os factos constantes dos pontos 73 e 76, sustentando, portanto, que não devem ser considerados provados os seguintes factos:

 Os diversos transportes em ambulância e as horas de espera nos Serviços de Urgência, dos referidos Hospitais, contribuíram para que se agravasse a maceração da pele na região lombo sagrada.

A viagem de ida e volta da Guarda a Coimbra, em Ambulância, terá agravado a escara que se iniciara.

Argumentam os Apelantes que o facto de os transportes em ambulância e os tempos de espera em hospitais eventualmente terem “contribuído” ou “agravado” a maceração não excluiu a responsabilidade da Ré, na medida em que era a Ré que deveria ter providenciado pelo transporte de E... com cuidados especiais e adequados à sua condição.

Mas, salvo o devido respeito, essa argumentação não tem qualquer idoneidade para justificar a alteração aos citados pontos de facto.

Aquilo que se considerou provado foi apenas que os transportes em ambulância e as horas de espera nos Serviços de Urgência contribuiriam para o agravamento da maceração e, posteriormente, para o agravamento da escara e tais factos, além de terem resultado dos depoimentos concordantes das testemunhas, também resultam das regras de experiência e senso comum, já que não é preciso ter conhecimentos especiais de medicina para saber que esses tempos de espera (normalmente prolongados) em macas ou camas não apropriadas e sem alteração de posicionamentos, agravam as macerações e lesões da pele que já existam em doentes com reduzida mobilidade. Não se trata aqui de saber se a Ré devia ou não ter tomado quaisquer providências e se, como tal, esses factos não excluem a sua responsabilidade, porquanto não é esse o teor ou conteúdo dos factos enunciados nos aludidos pontos. Os factos em questão reportam-se apenas ao facto de aqueles transportes e as horas de espera terem contribuído para o agravamento das lesões e esse é, na nossa perspectiva, um facto indiscutível, já que, como é sabido, as horas de espera nos serviços de urgência de grandes hospitais são longas (é a espera no atendimento, é a espera na realização de exames e é a espera para a análise médica dos exames efectuados que, por vezes, dão lugar a novos exames e a novos períodos de espera) e os doentes permanecem, frequentemente, em macas sem as condições adequadas para a sua situação. 

Entendemos, por isso, não se justificar qualquer alteração aos citados pontos de facto.

Discordam também os Apelantes da decisão proferida sobre os pontos 77 e 80, pretendendo, portanto, que se considerem como não provados os seguintes factos:

 Após o regresso à Unidade da ré, em 26 de Julho de 2010 o doente inicia febre, no dia seguintes, inicia a tomada do antibiótico recomendado – Flucloxacilina, o qual é o aconselhado nestes casos, por ter alguma especificidade para infecções da pele, dado que a escara estava a apresentar alguns sinais de infecção.

Em 31 de Julho de 2010, iniciou a tomada de Ciprofloxacina 500, como era medicamente aconselhado.

Os Apelantes não põem em causa que, nas datas mencionadas, tenha sido iniciada a administração dos aludidos antibióticos e apenas contestam o facto de os mesmos serem os medicamente aconselhados para a situação.

Como é evidente, o Tribunal não tem conhecimentos de medicina e, portanto, não sabe se tais antibióticos eram ou não os aconselhados. E, porque não sabe, tem que se socorrer – como tantas vezes sucede – das informações ou esclarecimentos efectuados por quem detém esses conhecimentos. Ora, no caso em análise, foram ouvidos diversos médicos que confirmaram serem aqueles os antibióticos aconselhados: primeiro administraram um e, depois de realizada a zaragatoa (exame destinado a detectar o micro-organismo responsável pela infecção), administraram aquele que, na sua perspectiva, era o mais adequado tendo em conta o resultado desse exame. E a verdade é que não temos quaisquer razões para duvidar da credibilidade dos seus depoimentos, sendo certo que não foi produzida qualquer prova que indicie a possibilidade de aqueles antibióticos não serem os aconselhados para a situação.

Mantém-se, portanto, a decisão proferida sobre os aludidos pontos de facto.

Os Apelantes discordam também da decisão proferida relativamente ao facto constante do ponto 82, sustentando, portanto, que não deve ser considerado provado que, quando E... foi atendido na urgência, às 19,18 horas do dia 31 de Julho de 2010, não lhe foi feita qualquer drenagem ou limpeza cirúrgica à escara, invocando, para o efeito, o depoimento da testemunha, L... .

Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

A referida testemunha é o médico-cirurgião que, conforme resulta dos registos juntos autos, atendeu E... no serviço de urgência no dia 31/07. Refira-se, porém, que a aludida testemunha não se recorda desse atendimento (o que é natural) e, portanto, não está, evidentemente, em condições de relatar o que exactamente se passou. É certo que declara, a dado momento, que, provavelmente, foi feito penso com desbridamento (limpeza cirúrgica), mas, reafirma-se, a testemunha não se recorda do que se passou e, portanto, não estava em condições de garantir esse facto. E, se a testemunha não o garante, existem outros elementos que nos levam a concluir que tal limpeza cirúrgica não foi efectuada. Em primeiro lugar, porque nada foi registado no relatório do episódio de urgência (cfr. fls. 388), o que, na nossa perspectiva, apenas permite concluir que tal limpeza não foi efectuada e, em segundo lugar, porque a alta do doente (com encaminhamento para o médico de família/médico assistente) ocorreu cerca de 15 minutos depois da admissão na urgência, período temporal que nos parece muito reduzido para a observação do doente pelo aludido médico e para a realização da referida limpeza cirúrgica.

Mantém-se, portanto, a decisão proferida sobre o aludido ponto de facto.

Mais sustentam os Apelantes – continuando a discordar da decisão proferida sobre a matéria de facto – que deveriam ter sido considerados provados os factos enunciados como não provados sob as alíneas h), i), j), k), m), n), o), p), q), r), s), t), u), w), x), y), z) e aa).

Pretendem, portanto, os Apelantes que se considerem provados os seguintes factos:

h) E... nunca foi encaminhado para o hospital pelas equipas médicas e/ou de enfermagem ao serviço da R. devido à escara na zona do sacro;

i) Que deixaram que evoluísse até um ponto de não retorno.

j) Não tomaram as providências adequadas e medicamente indicadas para evitar o aparecimento de escaras, tais como a colocação do paciente em colchão próprio, a mudança de posicionamento amiudadas vezes durante o dia, a realização de massagens e fisioterapia, a manutenção do doente hidratado e nutrido.

k) Não tiveram ainda em especial atenção que se tratava de um paciente pertencente a um grupo de risco de aparecimento de escaras, por se encontrar acamado, ser diabético e obeso;

m) Uma vez instalada a úlcera de pressão, não foram prestados ao doente os cuidados médicos adequados ao seu desaparecimento.

n) Continuaram a posicionar o doente sobre a ferida, o que agravou a situação;

o) Não houve o cuidado de manter a zona afectada limpa e seca;

p) A fralda não foi mudada tantas vezes quanto seria necessário para evitar o agravamento da úlcera, ou seja, sempre que se encontrasse húmida;

q) Não foram utilizadas pomadas e/ou outras substâncias de aplicação directa na ferida para travar o processo, ou, pelo menos, não foram aplicadas tantas vezes quantas seria aconselhável em casos semelhantes;

r) Não foi o paciente adequadamente medicado para o desaparecimento da escara, nomeadamente através de medicamentos que potenciassem a regeneração cutânea e evitassem a sua infecção;

s) E não foi tratada a infecção já instalada numa fase mais avançada da escara, através de antibióticos e de antipiréticos para baixar a febre.

t) As equipas médicas e de enfermagem ao serviço da Unidade de Cuidados Continuados da ré, dando-se conta que não conseguiam fazer face ao desenvolvimento negativo da escara, deveriam ter encaminhado o doente para o hospital, evitando que aquela infectasse e evoluísse até um ponto de não retorno.

u) Trataram com desatenção o doente E... – nem sequer se deram conta da gravidade da situação.

w) Não ter recebido o tratamento adequado fez com que a situação se agravasse de tal forma que a escara infectou e tornou-se cada vez maior.

x) O mau cheiro que os autores sentiram no quarto, fétido a putrefacção, era devido ao não tratamento da escara infectada;

y) Se as boas práticas da medicina e da enfermagem tivessem sido respeitadas, E... não teria falecido com uma septicémia generalizada provocada por uma escara, nem teria passado por todo o sofrimento físico que esta lhe causou.

z) Os médicos e enfermeiros que trataram do falecido E... podiam e deviam ter agido de outra forma, prevenindo, num primeiro momento, e tratando, num segundo momento, a escara por si desenvolvida, por forma a evitar a septicémia no organismo do paciente.

aa) O mesmo veio a falecer na sequência do não tratamento atempado e adequado da escara por si desenvolvida.

Tendo em conta as considerações supra efectuadas a propósito de outros pontos de facto impugnados – que nos dispensamos de reproduzir e para onde remetemos – e tendo em conta os elementos probatórios aí mencionados, é evidente que estes factos não podem ser considerados provados. 

Improcede, portanto, nesta parte, a impugnação deduzida.

Pretendem também os Apelantes que se considerem provados os factos enunciados como não provados, sob as alíneas a), v) e bb), ou seja: que E... queixava-se insistentemente de dores insuportáveis para os A.A., chegando a pedir-lhes inúmeras vezes ajuda; que a omissão dos tratamentos devidos ao paciente E... causou-lhe dores insuportáveis e que E... contorcia-se com dores originadas pela escara que desenvolveu, não conseguindo manter uma posição de descanso.

Dizem, para o efeito, os Apelantes que o sofrimento, mal-estar e inquietação de E... resulta claro não só do depoimento de testemunhas dos Autores (nomeadamente, M... , I... e J... ) como também do depoimento de testemunhas da Ré (nomeadamente, O... e P... ).

Temos com indiscutível, perante os depoimentos prestados, que E... tinha dores, mas a verdade é que já se encontra provado que gemia constantemente, sofreu dores e mesmo sem o poder expressar verbalmente, mostrava grande sofrimento.

E, além disso, nada mais resultou da prova produzida.

De facto, nenhuma das testemunhas declarou que E... se queixasse (verbalmente) com dores, pedindo ajuda; as testemunhas – designadamente as testemunhas dos Autores – apenas referem que ele gemia constantemente (era assim que verbalizava as dores, eventualmente por não conseguir fazê-lo doutra forma) e isso já consta dos factos provados. Por outro lado, nada nos permite afirmar – e nenhuma testemunha o declarou – que a causa dessas dores fosse a omissão dos tratamentos devidos; tais dores seriam, naturalmente, provocadas pelas diversas patologias de que padecia – designadamente pela escara – mas nada resultou da prova produzida que permita concluir que as mesmas tenham sido provocadas ou agravadas pela omissão de tratamentos.

Mantém-se, portanto, a decisão proferida sobre os aludidos factos.

Pretendem também os Apelantes que se considerem provados os factos enunciados como não provados sob as alíneas b) e g), ou seja, que os autores chamaram várias vezes a atenção da equipa de enfermagem de que E... se encontrava febril e que nunca foram informados do aparecimento de tal úlcera de pressão, muito menos da existência de duas (uma no tornozelo direito e outra na zona do sacro).

Dizem, para o efeito, que, como decorre do depoimento das testemunhas I... , J... e O... , os familiares de E... queixavam-se e chamavam à atenção dos funcionários da Ré sobre o estado de saúde do seu marido/pai e que, como resulta do depoimento das testemunhas G... , I... e J... nunca foram informados que o doente tinha desenvolvido qualquer úlcera de pressão, tendo sido a filha J... que a “descobriu” num dos muitos dias em que visitou o seu pai.

Relativamente às chamadas de atenção dos Autores, já se encontra provado (cfr. ponto 20) que os Autores alertaram várias vezes as enfermeiras para o estado de saúde do seu marido/pai; não resulta, todavia, dos depoimentos citados pelos Apelantes que essas chamadas de atenção incidissem especificamente sobre o estado febril de E... e, portanto, não encontramos razões para considerar provado o facto enunciado como não provado sob a alínea b).

Relativamente ao facto a que alude a alínea g), resulta, efectivamente, dos depoimentos prestados pelas testemunhas dos Autores – designadamente as citadas pelos Apelantes – que os Autores não foram informados da existência da referida úlcera, circunstância que, aliás, também é, de algum modo, indiciada pelos factos enunciados como provados sob os nºs 28, 29 e 30. Por outro lado, as demais testemunhas, não obstante declararem que, quando questionados, sempre explicaram aos Autores a situação clínica do doente, não referem, de modo expresso, que também os tenham informado da existência da úlcera, pelo que, tendo em conta esses depoimentos e tal como referimos a propósito da impugnação deduzida ao ponto 53, admitimos como provável que as informações prestadas aos Autores incidiam sobre a situação clínica do doente em termos gerais (razão pela qual entendemos que deveria manter-se a decisão proferida sobre o ponto 55) mas não terão incidido, com particular detalhe, sobre a referida úlcera de pressão.

Consideramos, por isso, provado o seguinte facto (que ficará a constar da matéria de facto provada sob o nº 28-A):

Os Autores não foram informados do aparecimento de tal úlcera de pressão, muito menos da existência de duas (uma no tornozelo direito e outra na zona do sacro).

Mais dizem os Apelantes que deve considerar-se provado o facto a que alude a alínea c), ou seja, que, devido ao suor motivado pela febre o penso descolou-se e caiu.

 Argumentam, para o efeito, que resulta dos relatórios de urgência dos dias 31 de Julho de 2010 e 1 de Agosto de 2010 que, nesses dias, E... estava com febre, facto que foi confirmado pela testemunha, P... , declarando a testemunha, J... , que o penso que E... tinha a tapar a ferida descolou-se e caiu, porque aquele se mexia muito e devido ao suor motivado pela febre, não havendo qualquer meio de prova que contrarie esta versão dos factos.

Já está provado (cfr. ponto 26) que, nesse dia, E... apresentava-se com febre alta e está provado (cfr. ponto 27) que, porque se mexia continuamente, o penso descolou-se e caiu. Não nos parece que tenha qualquer relevância a questão de saber se o penso caiu devido ao suor motivado pela febre e tão pouco nos parece que este facto possa extrair-se do depoimento da testemunha, J... , sendo certo que esta apenas declara que o pai estava a gemer e estava muito transpirado e que, ao tentar levantá-lo um pouco, a fralda caiu e viu a ferida.

Mantém-se, portanto, a decisão proferida sobre o aludido ponto de facto.

Sustentam, por último, os Apelantes que deve considerar-se provado o facto enunciado como não provado sob a alínea l), ou seja, que E... esteve, antes de dar entrada na Unidade de Cuidados Continuados da R., cerca de um mês internado na Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital de (...) , e não desenvolveu qualquer patologia cutânea.

Dizem, para o efeito, que resulta do Processo Clínico que E... esteve internado no Hospital de Guarda desde o dia 6 de Maio de 2010 até 1 de Junho de 2010, data em que foi admitido nos serviços da Ré e resulta ainda do relatório de admissão que, nesse momento, a sua pele estava íntegra.

Resulta, efectivamente, dos registos clínicos juntos aos autos que à data em que foi admitido nos serviços Ré apresentava a pele íntegra e que antes disso havia estado internado no Hospital da Guarda durante cerca de um mês, impondo-se, por isso, concluir que, durante este período de internamento, não desenvolveu qualquer patologia visível.

Assim, altera-se a decisão proferida sobre o aludido ponto de facto, considerando-se provado que:

E... esteve, antes de dar entrada na Unidade de Cuidados Continuados da R., cerca de um mês internado na Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital de (...) , e não desenvolveu qualquer patologia cutânea visível (facto que ficará a constar da matéria de facto provada sob o nº 94-A).


**

A matéria de facto provada – com as alterações que lhe introduzimos – é a seguinte:

1. Os autores A... , B... e C... são, respectivamente, mulher e filhos do falecido E... ;

2. A D... é uma Instituição Particular de solidariedade Social;

3. A Unidade de Cuidados Continuados da D... é uma das muitas valências da Instituição, e integra-se na Rede Nacional de Cuidados Continuados;

4. Esta Rede surgiu para dar resposta ao aumento de pessoas idosas com dependência funcional e de doentes com patologias crónicas ou doenças incuráveis em estado avançado e mesmo em final de vida – presta cuidados de saúde e apoio social, visando essencialmente a autonomia e a melhoria das condições de vida e do bem-estar da pessoa em situação de dependência, através da sua reabilitação, readaptação e reinserção familiar e social;

5. E... era uma pessoa que sofria de várias patologias, algumas das quais crónicas: Diabetes Mellitus tipo 2, Insuficiência Renal Crónica, Hipertensão, Insuficiência Cardíaca, Úlceras pépticas, Obesidade e Demência em consequência de AVC;

6. No dia 6 de maio de 2010, E... foi internado na Unidade Local de Saúde da Guarda - Hospital de (...) em consequência de AVC.

7. Aí permaneceu internado até ao dia 1 de Junho de 2010, data em que foi transferido para a Unidade de Cuidados Continuados da ré.

8. Com esse internamento pretendia-se, a médio prazo, proporcionar a E... a recuperação de alguma da autonomia perdida por causa das sequelas provocadas pelo AVC.

9. Quando foi internado na referida Unidade de Cuidados Continuados o seu estado de saúde era grave.

10. Encontrava-se em situação de total dependência de terceiros para a realização das tarefas básicas do dia-a-dia, tais como comer, tomar banho, vestir-se e tomar os medicamentos.

11. Durante o seu internamento na Unidade de Cuidados Continuados da ré, E... recebeu diariamente visitas de familiares.

12. No dia 10 de Junho de 2010, pelas 18h39, E... foi encaminhado da Unidade de Cuidados Continuados da ré para a Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital de (...) , com queixas de Melenas (dejecção com sangue), onde foi medicamente observado, com o episódio de urgência nº 10028110.

13. Teve alta para a Unidade de Cuidados Continuados da ré no dia 11 de Junho de 2010, pelas 11h48, com o seguinte diagnóstico de saída: Diabetes Mellitus, Insuficiência Renal Crónica, Hipertensão Essencial e Insuficiência Cardíaca Não Especificada.

14. No dia 22 de Junho de 2010, E... foi novamente encaminhado da Unidade de Cuidados Continuados da ré para a Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital de (...) .

15. Dada a gravidade do seu estado de saúde, daí foi encaminhado para os Hospitais da Universidade de Coimbra.

16. De onde só regressou no dia 24 de Junho de 2010 porque nesse dia teve alta médica para a Unidade de Cuidados Continuados da ré, com o seguinte diagnóstico de saída: Insuficiência Renal Crónica, Diabetes Mellitus tipo 2, Úlceras Pépticas e Síndrome Demencial.

18. Durante as visitas que diariamente faziam a E... na Unidade de Cuidados Continuados da ré, os autores foram-se apercebendo que o seu estado de saúde se agravava.

19. E... gemia constantemente.

20. Os autores alertaram várias vezes as enfermeiras para o estado de saúde do seu marido/pai.

21. Os autores chamaram várias vezes a atenção da equipa de enfermagem de que E... se encontrava com a roupa encharcada de suor e que que sentiam um cheiro estranho no quarto.

22. As enfermeiras, perante as queixas dos familiares de E... , referiram sempre que o seu estado clínico era grave e que era normal que tivesse dores, mas que estava a ser adequadamente medicado.

23. Relativamente ao mau cheiro, referiram que se devia à utilização do material de enfermagem e que era normal.

24. Destas queixas foram também alertados os médicos de serviço.

25. No dia 31 de Julho de 2010, os autores foram visitar o E... , como já vinha sendo hábito.

26. Nesse dia, E... apresentava-se com febre alta, de tronco nu e tinha um penso ao fundo das costas.

27. Porque se mexia continuamente, o penso descolou-se e caiu.

28. Nesse momento A... e a filha J... aperceberam-se que E... tinha uma ferida enorme aberta, de cor negra, na zona do sacro (escara).

28-A. Os Autores não haviam sido informados do aparecimento de tal úlcera de pressão, muito menos da existência de duas (uma no tornozelo direito e outra na zona do sacro).

29. De imediato foi alertada a enfermeira de serviço, O... e esta referiu que se tratava de uma ferida que o paciente tinha desenvolvido e que o mau cheiro era devido a uma pomada roxa utilizada para o tratamento da referida ferida.

30. Os autores exigiram que o marido/pai fosse imediatamente levado para o Serviço de Urgências da Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital de (...) , o que aconteceu.

31. No dia 31 de Julho de 2010, pelas 19h14 (episódio de urgência nº 10036818), E... deu entrada na Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital de (...) , com queixas de febre, úlceras infectadas e insuficiência renal e com história da doença actual de escara trocantérica no tornozelo direito e região sagrada com indicação de desbridamento de penso.

32. No mesmo dia, pelas 19h31, teve alta médica, com o seguinte diagnóstico de saída: escaras de decúbito.

33. Como o seu estado de saúde se agravou, no dia 1 de agosto de 2010, pelas 17h42 (episódio de urgência nº 10036965), foi novamente encaminhado para a Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital de (...) com queixas de temperatura alta.

34. No relatório de episódio de urgência foi relatado, como história da doença actual, o seguinte: “doente veio por febre, desidratação, e prostração”, “apresenta escara bastante grande na região sagrada”, “desidratado”, “descorado”, “escara sacrococcígea infetada”, “febril”.

35. Nesse mesmo relatório, consta ainda, como notas de enfermagem:

“Realizados pensos. Descrição:

Zona sacro – apresenta úlcera de pressão com loca profunda com tecido necrosado – realizado penso com soluto de Dakin e feito almofadamento.

O tecido circundante apresenta-se bastante macerado, inclusivamente nos testículos, pelo que foi feita lavagem com SF e aplicado betadine dérmico.

Maléolo externo dto – apresenta úlcera de pressão extensa, com tecido necrótico e áreas de fibrina. Foi aplicado Aquacel Ag em meio húmido. Aplicado almofadamento”.

36. E como diagnóstico de saída: Diabetes tipo 2, Nefropatia diabética IRC, Desidratação, Doença Ulcerosa Péptica e Escaras Infetadas;

37. Ainda no dia 1 de agosto de 2010, pelas 20h53, E... teve alta médica do serviço de urgência para o serviço de Medicina A, onde permaneceu até falecer, no dia 7 de Setembro de 2010.

38. E... era um doente diabético, obeso e acamado – condição que era do conhecimento de médicos e enfermeiros da Unidade de Cuidados Continuados da ré.

39. Fazia parte de um grupo de risco para o aparecimento de úlceras de pressão.

40. Úlceras de pressão são lesões da pele causadas por uma deficiente irrigação de sangue e de oferta de nutrientes em determinada área do corpo, em virtude de pressão externa exercida por um objecto contra uma superfície óssea ou cartilaginosa.

41. Na prevenção do aparecimento de úlceras de pressão, é essencial manter o doente hidratado, com uma dieta rica em proteínas, estimular a circulação nas zonas de maior pressão, através de massagens e de fisioterapia, manter as zonas de maior pressão limpas e mudar o posicionamento do doente acamado várias vezes por dia, o que em grupos de risco deve ser pelo menos de 2 em 2 horas.

42. Assim, deve evitar-se que as zonas de maior pressão estejam húmidas ou sujas, pelo que o suor ou a não mudança frequente de fralda pode agravar/potenciar a situação.

43. Existem igualmente uns colchões próprios (anti-escara), indicados para este grupo de doentes de risco.

44. Uma vez instalada a úlcera de pressão, deve ser tratada com vista ao seu desaparecimento.

45. O tratamento indicado passa pela mudança frequente da posição do doente, evitando ao máximo que o mesmo fique posicionado exercendo pressão sobre a área afectada;

46. A mudança frequente de fralda, para evitar que a zona já afectada esteja suja e/ou húmida.

47. A realização frequente de pensos com aplicação de medicamentos/pomadas de tratamento.

48. A remoção de pele negra/sem vida.

49. O controlo da infecção e a administração de antibióticos em caso de infecção.

50. A manutenção do doente hidratado e nutrido e, eventualmente, intervenção cirúrgica.

51. E... sofreu dores e mesmo sem o poder expressar verbalmente, mostrava grande sofrimento;

52. É imenso o sofrimento e o desgosto que os autores sentem pelo falecimento do seu marido/pai.

53. Os familiares de E... sempre foram alertados para a situação clínica do mesmo.

54. Por vezes o doente fez febres e teve dificuldades em falar.

55. Os enfermeiros ao serviço da Ré, quando questionados, informaram os familiares de E... que o mau cheiro se devia aos produtos e medicamentos utilizados.

56. A ré encontra-se integrada na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, no âmbito do disposto no Dec. Lei 101/2006, tendo celebrado Protocolo ou Contrato - Programa com a Administração Regional de Saúde do Centro.

57. Presta esses cuidados na sua Unidade, sita na Rua (...) , nesta cidade da Guarda.

58. Em 1 de Junho de 2010, E... , foi admitido após avaliação clínica na Unidade de Convalescença da ré.

59. Tratava-se de um doente de grande instabilidade, apresentando doença activa do ponto de vista Cardeo e Cérebro Vascular , Insuficiência Renal Crónica, Diabetes Mellitus, hipertensão essencial, Insuficiência Cardíaca, além da referida úlcera.

60. Apresentava episódios de falência multiorgânica, com episódios de Hipotensão, de insuficiência renal aguda, desidratação, hipercatabolimo e desnutrição, assim como alterações cognitivas importantes e episódios de disritemia que motivaram longos períodos no leito.

61. Esteve afecto à Unidade de Convalescença até 9 de Julho de 2010 e nesse período teve de recorrer frequentemente ao serviço de Urgência dos Hospitais, nomeadamente em 10/06/2010, com regresso no dia seguinte.

62. Ingressou na Urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde esteve internado vários dias, a partir de 21 de Junho 2010.

63. Ao longo do período de internamento, foi assistido sempre pelos médicos da ré, por vezes mais do que uma vez por dia e assistido pelo pessoal de enfermagem.

64. Por volta de 15 de Junho de 2010, E... iniciou um processo de maceração da pele na região lombo sagrada.

65. Aliás, este processo iniciou-se apenas cerca de 4 dias depois do doente ter permanecido nos Serviços de Urgência do Hospital (...) .

66. Nesse período foram-lhe efectuados tratamentos, posicionamentos, alternância de decúbitos, massagem em áreas de pressão, e colocado em colchão anti-escaras.

67. Foi ainda algaliado com sonda de grande duração.

68. Sendo a utilização da dieta hiperproteica condicionada pela disfunção renal.

69. Em 21 de Junho de 2010, foi de novo reenviado à Urgência do Hospital (...) , por apresentar Insuficiência Renal Aguda com contexto febril.

70. Daí foi enviado para os cuidados de nefrologia, dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde esteve internado cerca de 8 dias.

71. A partir de 9 de Julho de 2010, até 1 de Agosto de 2010, esteve afecto à Unidade de Média Duração da ré.

72. Em 13 de Julho e 2010, foi remetido à consulta de Nefrologia nos Hospitais da Universidade de Coimbra.

73. Os diversos transportes em ambulância e as horas de espera nos Serviços de Urgência, dos referidos Hospitais, contribuíram para que se agravasse a maceração da pele na região lombo sagrada.

74. Em 18 de Julho de 2010, apresentava uma úlcera de grau II, sem sinais aparentes de infecção.

75. Em 21 de Julho de 2010, voltou de novo aos Hospitais da Universidade de Coimbra, à consulta de Cirurgia Vascular.

76. A viagem de ida e volta da Guarda a Coimbra, em Ambulância, terá agravado a escara que se iniciara.

77. Após o regresso à Unidade da ré, em 26 de Julho de 2010 o doente inicia febre, no dia seguintes, inicia a tomada do antibiótico recomendado – Flucloxacilina, o qual é o aconselhado nestes casos, por ter alguma especificidade para infecções da pele, dado que a escara estava a apresentar alguns sinais de infecção.

78. Nesse mesmo dia é colhida zaragatoa para exame bacteriológico da ferida e análises de sangue.

79. Encontrando-se febril no dia 29 de Julho de 2010 e com períodos de agitação, os Serviços Médicos da ré, escreveram no diário clínico, a existência de febre em relação a escaras, manutenção de tratamento aguardando o resultado da zaragatoa.

80. Em 31 de Julho de 2010, iniciou a tomada de Ciprofloxacina 500, como era medicamente aconselhado.

81. Mas verificando-se que não tinha febre e que a escara apresentava sinais que impunham necessidade de drenagem, ou seja limpeza cirúrgica, foi nesse dia enviado ao Serviço de Urgência do Hospital (...) .

82. Foi atendido às 19,18 horas do dia 31 de Julho de 2010 e não lhe foi feita qualquer drenagem ou limpeza cirúrgica à escara, que se encontra referida no diagnóstico de saída.

83. Teve alta às 19,31 horas desse dia, tendo o respectivo médico feito consignar “ alta com encaminhamento para médico de família”, sem que viesse acompanhado de quaisquer recomendações, o que levou a que os Serviços médicos da ré estabelecessem contacto telefónico com a Urgência daquele Hospital, para saberem orientações.

84. No dia 1 de Agosto de 2010 às 17 horas, porque o doente mantinha febre e se suspeitava de estado séptico em relação presumível com a escara infectada por anaeróbios, com base no aspecto e no cheiro, o doente foi remetido de novo para o Hospital (...) , onde deu entrada pelas 17.47 horas.

85. A partir das 17 horas do dia 1 de Agosto de 2010, o doente deixou de ter qualquer contacto com a Unidade de Cuidados Continuados da ré.

86. Manteve-se internado no Hospital (...) , desde essa data, até à sua morte, ocorrida em 7 de Setembro de 2010.

87. Durante todo o período em que o doente esteve afecto à Unidade da ré, foram-lhe prestados cuidados clínicos e de enfermagem, decorrentes da evolução da sua situação clínica.

88. …(eliminado).

89. A Unidade da ré prestou ao doente os cuidados exigidos a uma Unidade da sua natureza, pedindo, quando o entendeu justificado, a colaboração dos Hospitais competentes.

90. Decisão que passou sempre por critérios clínicos de avaliação em equipa e com comunicação aos familiares e sua anuência.

91. O doente nunca recuperou o estado nutricional e nunca manifestou colaboração nas actividades de reabilitação, o que terá levado a apresentar alterações na integridade cutânea.

92. Aliás da perda da integridade cutânea e do contacto com as fezes, resultou facilitada a progressão e crescimento bacteriano.

93. …(eliminado).

94. Sem se recorrer a acto cirúrgico, seria difícil debelar a situação.

94-A. E... esteve, antes de dar entrada na Unidade de Cuidados Continuados da R., cerca de um mês internado na Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital de (...) , e não desenvolveu qualquer patologia cutânea visível.

95. Os familiares do doente apresentaram uma reclamação na Unidade de Cuidados Continuados da ré.

96. Essa reclamação foi remetida à Entidade Reguladora de Saúde, que após a apreciação de todo o processo, decidiu o arquivamento da reclamação efectuada pelos familiares do doente.


*

E não se provaram os seguintes factos:

a) E... queixava-se insistentemente de dores insuportáveis para os A.A., chegando a pedir-lhes inúmeras vezes ajuda;

b) Os autores chamaram várias vezes a atenção da equipa de enfermagem de que E... se encontrava febril;

c) Devido ao suor motivado pela febre o penso descolou-se e caiu;

d) A determinada altura, E... deixou de falar;

e) Os filhos de E... ( J... e irmão G... ) falaram com a Dra. T... , médica que examinou o pai no dia 1 de agosto de 2010, tendo esta referido que estava escandalizada com a situação do Sr. E... , “como é que os ‘Continuados’ deixaram chegar o paciente àquele ponto” e que teria havido “negligência médica”.

f) Foi nesse momento que foram informados pela equipa de enfermagem que cuidou de E... na Unidade Local de Saúde da Guarda – Hospital de (...) como devem ser tratadas as escaras nos doentes;

g) …(eliminado).

h) E... nunca foi encaminhado para o hospital pelas equipas médicas e/ou de enfermagem ao serviço da R. devido à escara na zona do sacro;

i) Que deixaram que evoluísse até um ponto de não retorno.

j) Não tomaram as providências adequadas e medicamente indicadas para evitar o aparecimento de escaras, tais como a colocação do paciente em colchão próprio, a mudança de posicionamento amiudadas vezes durante o dia, a realização de massagens e fisioterapia, a manutenção do doente hidratado e nutrido.

k) Não tiveram ainda em especial atenção que se tratava de um paciente pertencente a um grupo de risco de aparecimento de escaras, por se encontrar acamado, ser diabético e obeso;

l) …(eliminado).

m) Uma vez instalada a úlcera de pressão, não foram prestados ao doente os cuidados médicos adequados ao seu desaparecimento.

n) Continuaram a posicionar o doente sobre a ferida, o que agravou a situação;

o) Não houve o cuidado de manter a zona afectada limpa e seca;

p) A fralda não foi mudada tantas vezes quanto seria necessário para evitar o agravamento da úlcera, ou seja, sempre que se encontrasse húmida;

q) Não foram utilizadas pomadas e/ou outras substâncias de aplicação directa na ferida para travar o processo, ou, pelo menos, não foram aplicadas tantas vezes quantas seria aconselhável em casos semelhantes;

r) Não foi o paciente adequadamente medicado para o desaparecimento da escara, nomeadamente através de medicamentos que potenciassem a regeneração cutânea e evitassem a sua infecção;

s) E não foi tratada a infecção já instalada numa fase mais avançada da escara, através de antibióticos e de antipiréticos para baixar a febre.

t) As equipas médicas e de enfermagem ao serviço da Unidade de Cuidados Continuados da ré, dando-se conta que não conseguiam fazer face ao desenvolvimento negativo da escara, deveriam ter encaminhado o doente para o hospital, evitando que aquela infectasse e evoluísse até um ponto de não retorno.

u) Trataram com desatenção o doente E... – nem sequer se deram conta da gravidade da situação.

v) A omissão dos tratamentos devidos ao paciente E... causou-lhe dores insuportáveis.

w) Não ter recebido o tratamento adequado fez com que a situação se agravasse de tal forma que a escara infectou e tornou-se cada vez maior.

x) O mau cheiro que os autores sentiram no quarto, fétido a putrefacção, era devido ao não tratamento da escara infectada;

y) Se as boas práticas da medicina e da enfermagem tivessem sido respeitadas, E... não teria falecido com uma septicémia generalizada provocada por uma escara, nem teria passado por todo o sofrimento físico que esta lhe causou.

z) Os médicos e enfermeiros que trataram do falecido E... podiam e deviam ter agido de outra forma, prevenindo, num primeiro momento, e tratando, num segundo momento, a escara por si desenvolvida, por forma a evitar a septicémia no organismo do paciente.

aa) O mesmo veio a falecer na sequência do não tratamento atempado e adequado da escara por si desenvolvida.

bb) E... contorcia-se com dores originadas pela escara que desenvolveu, não conseguindo manter uma posição de descanso.


/////

IV.

Direito

Ao nível da aplicação do Direito, a primeira questão que vem suscitada no recurso consiste em saber se a eventual responsabilidade da Ré pode ser encarada como responsabilidade contratual ou se, ao invés, apenas pode ser vista como responsabilidade extracontratual (questão que, em teoria, pode ser relevante, na medida em que o regime jurídico a que está submetida cada uma dessas responsabilidades não é inteiramente coincidente, como acontece, por exemplo e como veremos, ao nível das regras de repartição do ónus da prova).

Discordando da sentença recorrida – que entendeu estar em causa uma responsabilidade extracontratual – sustentam os Apelantes que a responsabilidade da Ré é contratual.

Não nos parece, no entanto, que lhes assista razão.

É actualmente indiscutível – seja na doutrina, seja na jurisprudência – que a responsabilidade civil médica pode ser configurada como responsabilidade contratual e, no âmbito da medicina privada, é o que acontece por regra, já que a prestação de cuidados de saúde por entidades privadas assenta normalmente na celebração de um contrato de prestação de serviços entre a entidade que se apresenta publicamente a oferecer a prestação desse tipo de serviços (médico, enfermeiro, clínica, hospital, etc.) – e que, por essa razão, se encontra numa situação de proponente contratual – e o doente que aí se dirige solicitando algum dos serviços oferecidos e, manifestando, portanto, a sua aceitação e adesão àquela proposta.

Mas, se é certo que a prestação de cuidados de saúde por entidades privadas assenta, por norma, num contrato celebrado com a pessoa que vai receber esses serviços, o mesmo não acontece com a prestação desses cuidados por entidades ou hospitais públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde.

Refere a este propósito Sinde Monteiro[1] que se discutiu em tempos se seria ou não aceitável uma responsabilidade contratual dos hospitais públicos em situações de internamento, por se dever entender estar em causa um contrato de adesão ou uma relação contratual de facto, acrescentando, no entanto, que, embora tenha entendido ser defensável essa ideia e embora entenda que seria desejável que assim fosse, o quadro legislativo e doutrinal não é favorável a essa ideia.

Com efeito, não será fácil concluir que, nessas situações, a prestação de serviços seja efectuada ao abrigo de um contrato celebrado entre o hospital público e o doente que nele dá entrada a fim de receber esses serviços. Como se refere no Acórdão do STJ de 09/12/2008[2], “É no campo da total liberdade de poder decidir entre querer ou não querer prestar um serviço e de o agente lesante se ter colocado na obrigação de o prestar, que se colocaria a hipótese de se entrar no campo da responsabilidade contratual, pelo que, no caso indemnização por recusa, falta ou deficiências de cuidados de serviços de saúde prestados pelo Estado, estamos no âmbito da responsabilidade extracontratual”. A prestação de cuidados de saúde, ao abrigo do serviço nacional de saúde, é uma obrigação assumida pelo Estado com vista a promover e garantir a protecção da saúde que constitui um direito dos indivíduos e da comunidade (Base I da Lei de Bases da Saúde – Lei nº 48/90, de 24/08), direito que tem consagração constitucional no art. 64º da Constituição da República, onde se determina, designadamente, que todos têm direito à protecção da saúde e que tal direito é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito. Esse direito constitucionalmente garantido a todos os cidadãos é concretizado e desenvolvido pela Lei de Bases da Saúde (supra citada) e não pressupõe, evidentemente, um qualquer acto prévio de manifestação de vontade da entidade prestadora de saúde no sentido de querer (ou não) obrigar-se a prestar esses cuidados; o dever de prestar esses cuidados decorre, portanto, da lei e da Constituição e não de um qualquer acordo ou contrato que a entidade prestadora aceite celebrar com o cidadão e no qual radique a sua obrigação de prestar os cuidados. Como refere Luís Filipe Pires de Sousa[3], citando Vaz Serra e um Acórdão da Relação de Coimbra, “…a vinculação do hospital público, perante utentes ou terceiros, assume a natureza de uma relação de serviço público, devendo o serviço hospitalar agir com zelo e diligência adequados à situação particular dos utentes a que se destina, assumindo tal obrigação carácter geral e dando azo, quando omitida culposamente, ao dever de indemnizar. Assim, a responsabilidade em que o hospital incorra assume, necessariamente, carácter extracontratual (…) a circunstância de qualquer pessoa poder utilizar os serviços públicos ou de interesse público (nas condições gerais e impessoais dos respectivos estatutos ou regulamentos) sem possibilidade da sua recusa ou de negociação de cláusulas particulares apenas de compagina com uma responsabilidade de natureza extracontratual em que a obrigação de indemnizar nasce da violação de uma disposição legal ou de um direito absoluto”.

É certo, portanto, que a obrigação ou dever de prestação de serviços de saúde por entidades ou hospitais públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde não encontra a sua fonte em qualquer contrato celebrado com o cidadão/doente e, como tal, a responsabilidade eventualmente emergente da má ou errada prestação desses serviços não é uma responsabilidade contratual mas sim uma responsabilidade civil extracontratual.

No caso sub judice, a Ré não é um hospital público; é uma instituição particular de solidariedade social. No entanto, os cuidados de saúde – que estão na base da presente acção e do pedido de indemnização aqui formulado – foram prestados numa Unidade de Cuidados Continuados que, embora pertencendo à Ré, está integrada na Rede Nacional de Cuidados Continuados e que, como tal, está incluída no Serviço Nacional de Saúde (cfr. art. 5º do Dec. Lei nº 101/2006, de 06/06), continuando, por isso, a corresponder ao cumprimento de uma obrigação assumida pelo Estado no sentido de garantir o direito constitucionalmente garantido de protecção da saúde. Veja-se que o acesso à Rede pressupõe que a pessoa se encontre numa das situações definidas no art. 31º do Dec. Lei nº 101/2006 e o ingresso é efectuado, nos termos definidos no art. 32º do mesmo diploma, mediante proposta das equipas aí referidas e de acordo com os critérios aí mencionados, circunstâncias que também não se compatibilizam com a existência de um contrato ou acordo de vontades previamente estabelecido entre o doente e a unidade de cuidados continuados, sendo certo que esta não tem qualquer liberdade para decidir, fora dos quadros legais, se aceita ou não prestar a determinado doente os cuidados de saúde de que este carece.

Assentamos, por isso, em face do exposto, que a eventual responsabilidade da Ré decorrente dos tratamentos e cuidados prestados ao doente durante o período de internamento na sua Unidade de Cuidados Continuados não se configura como uma responsabilidade contratual e apenas poderá decorrer do regime legalmente fixado para a responsabilidade civil extracontratual.

Mas, não obstante se entenda – como referimos – que a eventual responsabilidade da Ré apenas poderá ser uma responsabilidade extracontratual, a verdade é que essa questão não assume, aqui, particular relevo, na medida em que, em qualquer caso (e, portanto, ainda que estivesse em causa uma responsabilidade contratual), não estão reunidos os pressupostos legais para que a Ré possa ser responsabilizada pelo evento danoso que está na base na presente acção.

Vejamos porquê.

A responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos pressupõe, como é sabido e como resulta do disposto no art. 483º do CC, um facto ilícito, o nexo de imputação do facto ao lesante (culpa), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A responsabilidade contratual pressupõe o incumprimento (total ou parcial) de uma obrigação (aí se incluindo também o cumprimento defeituoso), a culpa do devedor, o dano e o nexo de causalidade entre o incumprimento e o dano.

De acordo com o disposto no art. 342º, nº 1, do CC, a regra geral em matéria de ónus de prova é a de que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, consignando o art. 343º algumas situações especiais e enunciando o art. 344º os casos em que há lugar à inversão das regras do ónus de prova estabelecidas nos artigos anteriores, o que acontece, designadamente, quando exista uma presunção legal.

Tendo em conta essas regras e porque, nessa matéria, a lei não estabelece qualquer presunção que inverta o ónus de prova, recai sobre o lesado o ónus de provar os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos enquanto factos constitutivos do direito que vem invocar e, portanto, tem o ónus de provar a verificação do facto ilícito, a culpa do lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Ao contrário do que acontece na responsabilidade civil extracontratual, no domínio da responsabilidade contratual, o legislador estabeleceu uma presunção de culpa do devedor, determinando, no art. 799º, nº1, do CC, que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. Significa isto, portanto, que, ao nível da responsabilidade contratual, o credor/lesado está dispensado de fazer a prova da culpa do devedor. Mas, é bom que se note, essa presunção apenas se reporta à culpa e, portanto, o credor tem o ónus de fazer a prova dos demais factos constitutivos do direito à indemnização que venha invocar e, portanto, tem o ónus de provar o incumprimento da obrigação (ou o cumprimento defeituoso), a existência do dano ou prejuízo e o nexo de causalidade entre o incumprimento e o dano.

Estas regras de distribuição do ónus de prova têm, no entanto, suscitado algumas dúvidas e reflexões doutrinais no que toca à responsabilidade civil por actos médicos, dadas as dificuldades de prova – por parte do lesado – do nexo de causalidade e da culpa, quando não exista presunção de culpa (o que acontece, como vimos, na responsabilidade extracontratual). De facto, reconhece-se, de forma consensual, que o lesado (pessoa que a quem foram prestados os cuidados de saúde) terá muitas dificuldades em fazer a prova da culpa do lesante e do nexo de causalidade entre o facto e o dano que se veio a verificar, não só porque, muitas vezes, nem sequer estava em condições de tomar conhecimento daquilo que realmente aconteceu (designadamente quando está inconsciente, como acontece, por exemplo, em intervenções cirúrgicas), mas também porque, em regra, não está dotado dos especiais conhecimentos técnicos que são necessários para aferir a culpa e o nexo de causalidade.

E é no âmbito desta matéria que se insere uma outra questão suscitada pelos Apelantes no presente recurso, quando dizem – apoiando-se em diversa doutrina – que, para a apreciação do caso sub judice deve ser convocada a prova de primeira aparência ou prova prima facie, dada a dificuldade de prova por parte do paciente.

Tal como dissemos, estas dificuldades de prova têm motivado diversas reflexões doutrinais que levam vários autores a defender, de iure constituendo, uma inversão do ónus da prova a favor do paciente[4], mas a verdade é que, no plano do Direito vigente (e é apenas a esse que poderemos atender, enquanto intérpretes e aplicadores da lei), não é possível sustentar uma qualquer inversão do ónus de prova, porquanto, não estabelecendo a lei qualquer presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova e nada determinando em sentido contrário, a inversão desse ónus apenas se restringe, em conformidade com o disposto no art. 344º, nº2, do CC, aos casos em que a parte contrária tenha culposamente tornado impossível a prova ao onerado.

Mas, não sendo possível a inversão do ónus da prova, tem sido admitido que a especial dificuldade da prova a cargo do lesado pode e deve ser compensada através da prova da primeira aparência[5].

Essa prova da primeira aparência mais não é – na nossa perspectiva – do que o recurso a presunções judiciais, admitidas pela lei como meio probatório e que, com base em regras de experiência, permitem ao julgador retirar ilações de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (cfr. arts. 349º e 351º do CC). Note-se que estas presunções são vulgarmente utilizadas pelo julgador, em maior ou menor grau, consoante a maior ou menor dificuldade de produção de prova directa sobre o facto em questão e é frequentemente utilizada em matérias onde a prova directa é muito difícil ou mesmo impossível, como será o caso, por exemplo, da prova da intenção ou dos estados subjectivos que, não podendo, por regra, ser percepcionados por terceiros, apenas podem ser demonstrados através de uma prova indirecta ou indiciária, mediante a conjugação de determinados factos que são conhecidos com as regras da experiência e da normalidade das coisas.

Mas, embora a dificuldade de prova de determinados factos justifique uma maior flexibilidade do julgador na admissão de uma prova indiciária e na utilização de presunções judiciais, será sempre necessária a demonstração de factos que, com alguma segurança, permitam ao julgador concluir pela verificação de outros que, em face das regras de experiência, se revelem como típicos ou normais.

Veja-se que essa prova indiciária – mediante o recurso a presunções judiciais – não se confunde com uma inversão do ónus da prova; a prova terá que ser feita pela parte que está onerada com o respectivo ónus e, portanto, a parte terá que provar, pelo menos, os factos necessários para que, com base neles e com recurso a presunções judiciais, o julgador possa concluir pela verificação do facto relativamente ao qual a prova directa é difícil ou impossível e, se o julgador não se considerar habilitado – como os elementos de que dispõe e com recurso a presunções judiciais – a formar a convicção acerca da verificação do facto, será sempre a parte onerada com o ónus da prova a sofrer as consequências emergentes da circunstância de o facto não ter resultado provado.

Apliquemos, então, estas considerações ao caso sub judice.

O dano que é invocado pelos Autores e pelo qual pretendem ser indemnizados reconduz-se à morte de E... (marido da 1ª Autora e pai dos demais Autores) e ao sofrimento por este sentido nos três meses que antecederam a sua morte.

No que toca à morte de E... , os Autores/Apelantes estavam onerados, desde logo, com o ónus de provar a existência de nexo de causalidade entre a morte e os actos ou omissões que imputam à Ré ou, mais especificamente, aos médicos e enfermeiros que para ela prestam serviço na Unidade de Cuidados Continuados onde aquele esteve internado. E, importa notar, o ónus de prova desse nexo de causalidade estava a cargo dos Autores, quer estivesse em causa uma responsabilidade contratual, quer estivesse em causa uma responsabilidade extracontratual, já que, nessa matéria, a lei não estabelece qualquer presunção que seja susceptível de inverter as regras gerais do ónus da prova.

Sabemos, que, enquanto esteve internado na Unidade de Cuidados Continuados da Ré, o familiar dos Autores desenvolveu uma úlcera de pressão que acabou por infectar.

Todavia, ainda que se admitisse – como sustentam os Autores – que o aparecimento e a posterior infecção dessa úlcera resultou da omissão dos cuidados e tratamentos que eram adequados, a verdade é que não está provado que a morte de E... tenha sido causada pela infecção da referida úlcera. E, ainda que se reconheça a natural dificuldade de fazer prova desse facto, a verdade é que, por muita flexibilidade que se tenha na apreciação da prova, não existem elementos bastantes para concluir, ainda que com recurso a regras de experiência, pela verificação desse nexo de causalidade.

 De facto, percorrendo a matéria de facto provada, nela não encontramos a causa da morte de E... e, se é certo que algumas testemunhas aludem ao facto de essa morte ter ocorrido por força de uma septicémia que teria tido origem na úlcera de pressão, a verdade é que não existe nenhum documento que ateste a causa da morte.

Refira-se que, estando em causa um doente sem outras patologias relevantes que tivesse falecido durante o período de internamento na Ré, poder-se-ia considerar – com base numa prova indiciária ou de primeira aparência a que supra se aludiu – que a morte teria ocorrido, com muita probabilidade, por força de uma infecção generalizada com origem naquela úlcera. Com efeito, se não existiam outras patologias relevantes e se a morte havia ocorrido na sequência da infecção de uma úlcera de pressão, poder-se-ia admitir, na ausência de outra explicação, que teria sido essa a causa da morte.

Mas não era essa a situação dos autos.

Na verdade, E... apresentava muitas outras patologias relevantes (Diabetes Mellitus tipo 2, Insuficiência Renal Crónica, Hipertensão, Insuficiência Cardíaca, Úlceras pépticas, Obesidade e Demência em consequência de AVC) que poderão ter ditado a sua morte. Importa notar, por outro lado, que E... não faleceu na Unidade de Cuidados Continuados da Ré, mas sim no Hospital da Guarda, onde deu entrada por força da infecção daquela úlcera e onde permaneceu ainda durante cerca de um mês. Ora, nestas circunstâncias, é difícil estabelecer um nexo de causalidade entre a morte de E... e a actuação dos médicos e enfermeiros ao serviço da Ré. Em primeiro lugar, porque não existem elementos para afirmar que a morte tenha ocorrido por causa daquela infecção e, em segundo lugar, porque, ainda que assim tivesse sido, não seria possível afirmar que a morte não tivesse ocorrido por falta do tratamento devido no aludido hospital. Registe-se que, segundo se depreende dos registos clínicos do Hospital da Guarda, o doente ficou a aguardar observação da úlcera (escara) pela cirurgia desde 02/08 e tal observação só terá sido feita em 30/08 (data em que se diz que a cirurgia irá observar a escara, embora não resulte que tenha ido efectivamente); note-se, por outro lado, que, de acordo com aqueles registos, em 01/09 apresentava melhoria da escara e que, nos últimos dias iniciou um quadro de dispneia, expectoração purulenta, sudorese profusa, vindo a falecer, sem que se refira, naqueles registos ou em qualquer outro documento, a causa da morte. Perante este quadro e tendo em conta as diversas patologias de que padecia, não poderemos deixar de admitir como possível que a morte de E... tenha sido originada por qualquer uma das demais doenças de que sofria ou por qualquer outra infecção que se tenha iniciado e desenvolvido durante o período de internamento de cerca de um mês no Hospital da Guarda e também não poderemos deixar de admitir como possível que a morte tenha sido originado por falta de tratamento adequado da infecção no aludido Hospital, onde esteve, aparentemente, durante cerca um mês a aguardar uma observação da escara pela cirurgia (observação que a médica responsável terá entendido ser necessária, por isso a pediu e insistiu pela sua realização). Não dispomos é de quaisquer elementos concretos que nos permitam concluir – ainda que com recurso a prova indiciária e a presunções judiciais – que a morte ocorreu por omissão dos cuidados e tratamentos devidos na Unidade de Cuidados Continuados da Ré onde havia estado internado um mês antes.  

Mas, se é certo que os Autores não lograram fazer prova do nexo de causalidade entre o dano da morte e a actuação dos médicos e enfermeiros ao serviço da Ré, é igualmente certo que nem sequer lograram provar que essa actuação não tenha sido a adequada à situação clínica do doente e, portanto, não lograram fazer prova do facto ilícito que constituía o pressuposto necessário da responsabilidade civil da Ré.

Refira-se que, para ter como demonstrada a ilicitude da actuação dos médicos e enfermeiros, não basta a constatação de que o doente faleceu ou a constatação de que desenvolveu, durante o período de internamento, uma úlcera de pressão que veio a infectar. E não basta porque, como é evidente, a Ré, por intermédio dos médicos e enfermeiros ao seu serviço, não estava vinculada ou obrigada a curar o doente e a garantir que ele sairia com vida e devidamente recuperado e reabilitado após o internamento. Com efeito, e sem prejuízo de alguns casos excepcionais (em que possa ser exigível a obtenção de determinado resultado) a obrigação do médico é, por regra, uma obrigação de meios, no sentido de que o conteúdo da sua obrigação não corresponde à concretização de um determinado resultado (a cura ou reabilitação do doente) mas sim ao esforço e diligência necessários e adequados à obtenção desse resultado cuja verificação não se pode assegurar. O médico (tal como o enfermeiro) está obrigado a utilizar, de forma diligente e prudente, todos os seus conhecimentos e todas as técnicas ao seu dispor no sentido de diagnosticar e tratar o doente, visando, naturalmente preservar a sua vida e a sua saúde, mas não pode garantir – nem está obrigado a tal – a efectiva cura ou reabilitação do doente que, como é evidente, depende de muitos outros factores.

É esse, aliás, o conteúdo da obrigação do médico que está definido no Código Deontológico da Ordem dos Médicos.

Veja-se, por exemplo, o art. 9º, onde se dispõe que “O médico deve cuidar da permanente actualização da sua cultura científica e da sua preparação técnica, sendo dever ético fundamental o exercício profissional diligente e tecnicamente adequado às regras da arte médica (leges artis); veja-se o art. 31.º onde se dispõe que “O médico que aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente obriga-se à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo sempre com correcção e delicadeza, no exclusivo intuito de promover ou restituir a saúde, conservar a vida e a sua qualidade, suavizar os sofrimentos, nomeadamente nos doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, no pleno respeito pela dignidade do ser humano”; e veja-se também o art. 35.º onde se determina que “1 - O médico deve abster-se de quaisquer actos que não estejam de acordo com as leges artis. 2 - Exceptuam-se os actos não reconhecidos pelas leges artis, mas sobre os quais se disponha de dados promissores, em situações em que não haja alternativa, desde que com consentimento do doente ou do seu representante legal, no caso daquele o não poder fazer, e ainda os actos que se integram em protocolos de investigação, cumpridas as regras que condicionam a experimentação em e com pessoas humanas”.

E os deveres dos enfermeiros – estabelecidos no Dec. Lei nº 104/98, de 21/04, que cria a Ordem dos Enfermeiros e aprova o respectivo Estatuto – têm, no âmbito das suas funções, objectivos semelhantes no sentido de que o cumprimento da sua obrigação para com o doente não exige nem supõe a verificação de um concreto resultado.

E, portanto, será à luz dessas considerações que deverá ser aferida a eventual ilicitude da actuação (por acção ou omissão) dos médicos e enfermeiros ao serviço da Ré; tal ilicitude corresponde, portanto – como dizem os Apelante –, à desconformidade objectiva entre os actos praticados e as leges artis.

Conforme resulta da matéria de facto, E... deu entrada na Unidade de Cuidados Continuados, na sequência de um internamento hospitalar motivado por um AVC que havia sofrido, pretendendo-se com esse internamento, a médio prazo, a recuperação de alguma da autonomia perdida por causa das sequelas decorrentes do AVC; quando aí deu entrada, o seu estado era grave e encontrava-se em situação de total dependência de terceiros para a realização das tarefas básicas do dia-a-dia, tais como comer, tomar banho, vestir-se e tomar os medicamentos, sendo certo ainda que sofria de várias patologias, algumas das quais crónicas (Diabetes Mellitus tipo 2, Insuficiência Renal Crónica, Hipertensão, Insuficiência Cardíaca, Úlceras pépticas, Obesidade e Demência em consequência de AVC).

Ainda que tal internamento visasse, como se disse, um determinado resultado (a recuperação de alguma autonomia perdida), a efectiva concretização desse resultado não se incluía nas obrigações a que a Ré estava vinculada; a Ré – como decorre, aliás, do Dec. Lei 101/2006 (supra citado) – estava obrigada, por intermédio do pessoal ao seu serviço, a prestar ao doente o tratamento adequado à sua situação clínica, incluindo supervisão clínica continuada e intensiva, cuidados de enfermagem, cuidados de higiene e conforto, etc.

 Estando em causa um doente de risco para o aparecimento de úlceras de pressão (designadamente porque era diabético e tinha reduzida mobilidade), a Ré – através do pessoal ao seu serviço – estava, naturalmente, obrigada a adoptar os procedimentos necessários e adequados para evitar que tais úlceras viessem a surgir.

A verdade é que a úlcera surgiu (até surgiram duas, mas concentramo-nos na do sacro porque será, sem dúvida, a mais relevante). Mas, na sequência do que dissemos supra, a mera circunstância de a úlcera se ter instalado não tem qualquer idoneidade para concluir pela existência do facto ilícito, já que a Ré apenas estava obrigada a adoptar os cuidados adequados para evitar o seu aparecimento, sem, contudo, garantir ou assegurar que tal não viesse a acontecer; o facto ilícito não se reconduz, portanto, ao aparecimento da úlcera mas sim à eventual omissão dos cuidados e procedimentos adequados para evitar essa situação.

Não está provado, no entanto, que a Ré – por intermédio do pessoal ao seu serviço – tivesse omitido esses cuidados; está provado que lhe foram efectuados tratamentos e efectuados outros procedimentos, tais como posicionamentos, alternância de decúbitos, massagem em áreas de pressão, tendo sido colocado em colchão anti-escaras e algaliado com sonda de grande duração e não está provado que esses cuidados tenham sido insuficientes ou não fossem os recomendados.

Importa notar que o doente apresentava diversas patologias que poderão, naturalmente, ter criado condições favoráveis ao aparecimento da úlcera, sendo certo ainda que, como resulta da matéria de facto, a utilização da dieta hiperproteica – que é importante para a nutrição do doente e evitar a formação de escaras – estava aqui condicionada pela disfunção renal de que o doente também padecia.

Não se provou, portanto, que o pessoal médico e de enfermagem da Ré tenham omitido qualquer cuidado ou procedimento que fosse necessário e adequado para evitar a formação de úlceras de pressão.

Uma vez formada a úlcera, competia, naturalmente, à Ré – por intermédio dos médicos e enfermeiros ao seu serviço – proceder ao respectivo tratamento, utilizando todos os seus conhecimentos e todas as técnicas disponíveis, de acordo com a leges artis, tendo em vista, designadamente, evitar o seu agravamento e eventual infecção e, uma vez instalada a infecção, competia-lhe proceder ao tratamento adequado, administrando os fármacos que lhe eram disponibilizados e remetendo, naturalmente, para o hospital quando a resolução do problema exigisse intervenção hospitalar.

A verdade é que a úlcera (escara) acabou por infectar.

Mas, tal como dissemos supra, a mera circunstância de a úlcera ter infectado não tem idoneidade para concluir pela existência do facto ilícito, já que, como dissemos, a Ré não podia garantir – nem estava obrigada a tal – que a úlcera não progredisse de forma desfavorável e viesse a infectar; também aqui, o eventual facto ilícito da Ré não se reconduz à progressão desfavorável e posterior infecção da úlcera mas sim à eventual omissão dos cuidados, procedimentos e tratamentos adequados para evitar essa situação.

  Mas, também aqui, não se provou que a actuação dos médicos e enfermeiros não tenha sido a correcta e adequada para inverter aquela situação.

Refira-se que, em 18 de Julho de 2010, a úlcera ainda não evidenciava sinais de infecção; em 21/07 o doente foi aos HUC à consulta de cirurgia vascular, tendo regressado no dia 26 e, nesta data, porque a escara já apresentava alguns sinais de infecção, inicia a tomada do antibiótico que era recomendado; nesse mesmo dia, é colhida zaragatoa para exame bacteriológico da ferida e análises de sangue, iniciando em 31 de Julho de 2010, a tomada de Ciprofloxacina 500, como era medicamente aconselhado; no mesmo dia, foi enviado à urgência hospitalar por haver sinais que impunham a necessidade de limpeza cirúrgica, tendo voltado no mesmo dia; e, no dia seguinte, foi de novo enviado para o hospital de onde já não regressou.

Não se provou, portanto, que os médicos e enfermeiros da Ré pudessem ter feito algo mais para tratar a escara – para cuja infecção também terá contribuído a deslocação que fez aos HUC – e que, de acordo com a leges artis, se revelasse como adequado. Veja-se, aliás, que, após a instalação da infecção, o doente permaneceu na Unidade de Cuidados Continuados durante poucos dias e durante esses dias foram-lhe administrados os antibióticos que eram recomendados.

Dizem os Apelantes que os médicos e enfermeiros ao serviço da Ré não tiveram o cuidado contínuo de alterar a sua posição, evitando a pressão na zona sagrada; não promoveram a realização de exercício de fisioterapia; não colocaram o doente num colchão anti-escaras, pelo menos logo quando este deu entrada nos serviços; não se aperceberam da infecção, não a tratando com antibióticos atempadamente e não encaminharam o doente para o hospital quando se aperceberam que a maceração cutânea estava a evoluir negativamente e que, porque E... era diabético, poderia transformar-se rapidamente numa úlcera de pressão dificilmente cicatrizável.

A verdade é que esses factos não ficaram provados, pelas razões aduzidas a propósito da apreciação da impugnação deduzida à decisão da matéria de facto; os registos de enfermagem dão conta dos diversos posicionamentos efectuados e dos levantes frequentes para o cadeirão, nada apontando para o facto de esses posicionamentos não serem efectuados com a frequência necessária ou recomendada; o colchão anti-escaras foi colocado logo que surgiu a maceração da pele e nada nos permite afirmar que fosse necessária ou recomendável a sua colocação em momento anterior; relativamente à fisioterapia também não sabemos se a mesma era ou não recomendável, tendo em conta a situação clínica do doente que, como sabemos, era grave e instável dadas as diversas patologias que o afectavam; nada permite afirmar – ao contrário do que dizem os Apelantes – que os médicos e enfermeiros não se tenham apercebido da infecção e que tenham omitido o seu tratamento com antibióticos de forma atempada; com efeito, e como resulta da matéria de facto, a infecção foi detectada em 26/07, tendo sido iniciada nesse mesmo dia a administração de antibiótico, importando notar que o doente havia passado os dias anteriores nos HUC e que em 18/07 (três dias antes de ir para os HUC) a úlcera não apresentava sinais de infecção; nada nos permite, portanto, afirmar que os médicos e enfermeiros da Ré pudessem ter detectado a infecção em momento anterior. Por outro lado, nada nos permite concluir que a decisão clínica de não enviar o doente ao hospital em momento anterior estivesse em desconformidade com a leges artis, importando notar que o mesmo foi enviado ao hospital (ainda que a pedido dos familiares) poucos dias depois de ter surgido a infecção; com efeito, seria natural – pensamos nós – que os médicos da Ré tivessem tentado proceder ao tratamento da infecção – era essa a sua função –, sendo que o encaminhamento do doente para o hospital apenas se justificaria se aquela infecção exigisse algum tratamento ou procedimento que não pudesse ali ser efectuado; os médicos da Ré terão entendido, durante os poucos dias decorridos desde que se instalou a infecção até ao envio do doente para o hospital, que não era exigível intervenção hospital (aliás, o cirurgião que o observou na urgência nesse dia 31/07 terá sido da mesma opinião, uma vez que lhe deu alta poucos minutos após a sua admissão), sendo certo, porém, que durante esses dias administraram antibióticos e efectuaram zaragatoa e a verdade é que não dispomos de elementos que nos permitam questionar a correcção dessa decisão clínica.

A verdade, como se disse, é que a situação clínica de E... era grave e instável, dadas as diversas patologias de que padecia e essa circunstância terá condicionado, naturalmente, a instalação e rápida progressão da úlcera, nada nos permitindo afirmar (ou suspeitar) que essa situação poderia ter sido evitada pelos médicos e enfermeiros ao serviço da Ré.

 Não se provou, portanto, a existência de qualquer desconformidade entre a actuação dos médicos e enfermeiros ao serviço da Ré e a leges artis, como seria necessário para que se pudesse concluir pela existência do facto ilícito que é pressuposto da obrigação de indemnizar que os Autores vêm exigir à Ré.

E, como se referiu, eram os Autores que tinham o ónus de provar esse facto.

E – importa referir – os Autores teriam o ónus de provar esse facto, ainda que estivesse em causa uma responsabilidade contratual, já que a presunção legal que aí se encontra estabelecida apenas se reporta à culpa e, portanto, mesmo no âmbito da responsabilidade contratual, os Autores não estariam dispensados do ónus de provar o incumprimento ou cumprimento defeituoso por parte da Ré (que não se confunde com a culpa) e que se reconduzia à desconformidade entre prestação executada pela Ré e as obrigações que por ela haviam sido assumidas no contrato[6].

A este propósito, diz Antunes Varela[7], o seguinte: “É todavia, ao credor que incumbe a prova do facto ilícito do não cumprimento. Se, em lugar de não cumprimento da obrigação, houver cumprimento defeituoso, ao credor compete fazer a prova do defeito verificado, como elemento constitutivo do seu direito à indemnização ou de qualquer dos outros meios de reacção contra a falta registada”. E, continua, “Nas obrigações chamadas de meios não bastará, neste aspecto, a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação para se considerar provado o não cumprimento. Não basta alegar a morte do doente ou a perda da acção para se considerar em falta o médico que tratou o paciente ou o advogado que patrocinou a causa. É necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão”.

Significa isto, portanto, que, independentemente do tipo de responsabilidade em causa (contratual ou extracontratual), os Autores sempre teriam o ónus de provar a desconformidade da actuação dos médicos e enfermeiros da Ré com a leges artis, na medida em que é essa desconformidade que corresponde ao facto ilícito que é pressuposto da responsabilidade civil extracontratual e ao incumprimento (ou cumprimento defeituoso) da obrigação que está subjacente à responsabilidade contratual.  

No entanto, apesar de estarem onerados com o respectivo ónus, os Autores não lograram provar essa desconformidade.

É certo, como se referiu supra, que essa prova era difícil para os Autores, o que justificaria, nos termos acima mencionados, uma maior flexibilidade na apreciação da prova e um maior recurso a presunções judiciais com vista à prova desses factos. Mas a verdade é que não resultaram provados quaisquer factos que indiciassem, de algum modo, a desconformidade da actuação do pessoal da Ré com a leges artis e com base nos quais fosse possível, com recurso a presunções judiciais, formar a convicção de que os médicos ou enfermeiros tivessem omitido qualquer cuidado, procedimento ou tratamento que fosse necessário e adequado para evitar o aparecimento da úlcera e a sua evolução desfavorável.

Assim, não tendo ficado provado o facto ilícito, a acção terá que improceder, sendo certo, além do mais, que, no que toca ao dano da morte – e tal como explicámos supra – nem sequer resultaria provada a existência de nexo de causalidade entre a actuação do pessoal da Ré e a morte que veio a ocorrer.

   

Impõe-se, portanto, confirmar a sentença recorrida, improcedendo o recurso.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – A prestação de cuidados de saúde por uma Unidade de Cuidados Continuados que está integrada na Rede Nacional de Cuidados Continuados e que, como tal, está incluída no Serviço Nacional de Saúde corresponde ao cumprimento de uma obrigação assumida pelo Estado no sentido de garantir o direito constitucionalmente garantido de protecção da saúde, pelo que o dever de prestar esses cuidados radica na lei e não em qualquer acordo ou contrato que a entidade prestadora aceite celebrar com o cidadão.

II – Assim, a responsabilidade eventualmente emergente da má ou errada prestação desses serviços não é uma responsabilidade contratual mas sim uma responsabilidade civil extracontratual.

III – Não obstante as dificuldades de prova que são reconhecidas a esse nível – e que podem e devem ser compensadas com recurso a prova indiciária e com recurso a presunções judiciais – cabe ao lesado o ónus de provar todos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual: o facto ilícito, o nexo de imputação do facto ao lesante (culpa), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

IV – Ainda que esteja em causa uma responsabilidade contratual e porque a lei apenas estabelece, nessa matéria, uma presunção legal de culpa do devedor, caberá sempre ao credor o ónus de provar o incumprimento da obrigação (ou o cumprimento defeituoso), a existência do dano ou prejuízo e o nexo de causalidade entre o incumprimento e o dano.

V – Sem prejuízo de alguns casos excepcionais (em que possa ser exigível a obtenção de determinado resultado) a obrigação do médico é, por regra, uma obrigação de meios, no sentido de que o conteúdo da sua obrigação não corresponde à concretização de um determinado resultado (a cura ou reabilitação do doente); o médico/enfermeiro está obrigado a utilizar, de forma diligente e prudente e em conformidade com a leges artis, todos os seus conhecimentos e todas as técnicas ao seu dispor no sentido obter o resultado pretendido (diagnóstico, tratamento, cura ou reabilitação), sem que possa, no entanto, assegurar a verificação desse resultado.

VI – Assim, independentemente do tipo de responsabilidade em causa (contratual ou extracontratual), o lesado/doente, além de ter o ónus de provar o nexo de causalidade entre a actuação dos médicos/enfermeiros e o dano que se veio a verificar, também terá que provar que essa actuação está em desconformidade com a leges artis, na medida em que é essa desconformidade que corresponde ao facto ilícito que é pressuposto da responsabilidade civil extracontratual e ao incumprimento (ou cumprimento defeituoso) da obrigação que está subjacente à responsabilidade contratual.   


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos Apelantes.
Notifique.

Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Adjuntos: Nunes Ribeiro

                Helder Almeida

                    


[1] Em intervenção que pode ser visionada na vídeo-gravação disponível a págs. 13 do Ebook, sob o título Curso Complementar de Direito da Saúde: responsabilidade civil, penal e profissional, disponível em www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebook_civil.php.
[2] Processo nº 08A3323, disponível em http://www.dgsi.pt.
[3] O ónus da prova na responsabilidade civil médica. Questões processuais atinentes à tramitação deste tipo de acções (competência, instrução do processo, prova pericial), a págs. 459 do Ebook, sob o título Curso Complementar de Direito da Saúde: responsabilidade civil, penal e profissional, disponível em www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebook_civil.php.
[4] Cfr., designadamente, G... rio Nunes, O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos, Almedina, 2005, pág. 61, que também cita, no mesmo sentido, Sinde Monteiro e Guilherme de Oliveira.
[5] Cfr. G... rio Antunes, ob. cit., pág. 58.

[6] Cfr. Acórdão do STJ de 15/12/2011, processo nº 209/06.3TVPRT.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[7] Das Obrigações em geral, Vol.II, 7ª ed., pág. 101.