Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
139/18.6T8VLF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
DESIGNAÇÃO DE ACOMPANHANTE
Data do Acordão: 05/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - V.N.F.CÔA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.S143, 145, 1951, 1952 CC, LEI Nº49/2018 DE 14/8
Sumário: 1. - No âmbito do regime de maiores acompanhados, o acompanhamento deve ser deferido, na falta de escolha pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, a quem melhor salvaguardar o interesse imperioso da pessoa do acompanhado, sendo este o critério a atender para a designação, não assumindo relevo outros interesses, que não se centrem na pessoa do acompanhado.

2. - Se o cônjuge do acompanhado já não reúne, pela sua idade avançada, condições físicas e funcionais para o exercício do cargo de acompanhante, não sendo de admitir um exercício do cargo – de feição intuitu personae – por interposta pessoa (mesmo que através de algum dos filhos), e existem três filhos em condições de exercerem tal cargo, deve a designação recair sobre um destes.

3. - Tendo a filha mais velha do acompanhado condições pessoais para o exercício do cargo de acompanhante de seu pai e nada se provando em seu desabono, é razoável e equilibrada a sua nomeação, se os outros dois filhos foram designados como vogais do conselho de família, cabendo a um destes o cargo de protutor.

Decisão Texto Integral:

Apelação n.º 139/18.6T8VLF.C1

2.ª Secção – Cível

                                                            ***

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

O Ministério Público (doravante, M.º P.º) intentou ação especial de interdição, que prosseguiu como ação especial de acompanhamento de maiores, nos termos do disposto no art.º 26.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2018, de 14-08,

relativamente a F (…), com os sinais dos autos,

pedindo que fosse decretada a interdição (definitiva) do Requerido (F (…)), por anomalia psíquica, por o mesmo se mostrar totalmente incapacitado de governar a sua pessoa e bens.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

- o Requerido, com 97 anos de idade e residente em lar para pessoas idosas, sofre de demência de tipo degenerativo e de Parkinson, encontra-se incapaz de governar a sua pessoa e bens, com desorientação permanente quanto ao espaço e ao tempo, necessitando de auxílio permanente de outrem para as tarefas diárias e de sobrevivência, sem compreensão até do significado e das consequência dos seus atos;

- necessita, por isso, de vigilância, cuidado e acompanhamento permanentes por terceiros, dos quais depende para sobreviver.

Na sequência do novo regime legal, criado pela Lei n.º 49/2018, foi nomeado patrono oficioso ao beneficiário, o qual foi citado para contestar a ação, não tendo sido apresentada contestação.

Procedeu-se a exame pericial ao beneficiário, com normal tramitação dos autos, vindo a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«Em face do exposto, o tribunal julga a ação procedente e, consequentemente, decide:

a) Instituir a representação geral do beneficiário F (…), com inibição do direito de celebrar negócios da vida corrente e do exercício dos direitos pessoais de adotar e testar sem a prévia intervenção do tribunal;

b) Fixar a data a partir da qual se verificou a necessidade do acompanhamento, a partir de outubro de 2010;

c) Nomear como acompanhante do beneficiário a sua filha mais velha, L (…) a quem são conferidos poderes gerais de representação do mesmo;

d) Designar como vogais do conselho de família os outros filhos do beneficiário, C (…) (que desempenhará outrossim as funções de protutora) e A (…).».

Inconformada com o assim decidido, veio S (…) (cônjuge do beneficiário) interpor recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([1]):

(…)

Foi apresentada contra-alegação recursiva pelo M.º P.º, onde concluiu pela improcedência total do recurso, a qual, porém, por decisão do Tribunal recorrido – datada de 30/04/2020 e só posteriormente dada a conhecer –, foi julgada extemporânea, com a consequente ordem de desentranhamento.

O recurso foi admitido, como de apelação, com efeito suspensivo e subida imediata e nos próprios autos, tendo sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime recursivo.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado em sede de articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, está em causa na presente apelação saber ([3]):

a) Se ocorre causa de nulidade da sentença (por falta de fundamentação);

b) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto, dando-se como provada a factualidade acrescida a que alude a Recorrente, por se mostrar ter havido erro no julgamento respetivo;

c) Se – em qualquer caso – deve ser alterada a decisão de direito, designando-se a Recorrente como acompanhante do seu marido ou, se assim não se entender, a filha  C (...) , por ser a mais próxima do casal (beneficiário e Recorrente).

III – Fundamentação

A) Nulidade da sentença

Invoca a Apelante, nas suas conclusões recursivas, que a sentença recorrida incorreu em violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv., pelo que deve ser julgada nula, tratando-se, assim, do vício de falta de fundamentação.

Cabia, por isso, à Apelante, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontra consubstanciado na sentença apelada aquele vício gerador de nulidade da mesma, o que devia ser feito nas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe ao recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

E dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al.ª b), do mesmo Cód. que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

A Apelante invoca, neste âmbito, que, por um lado, não houve fundamentação quanto ao facto do ponto 16 da factualidade dada como provada – plano da fundamentação da convicção probatória – e, por outro lado, faltou a fundamentação – de direito/jurídica – quanto à operada nomeação da filha mais velha como acompanhante (omissão de explicação da “razão pela qual ela era a pessoa que melhor salvaguardava o interesse do beneficiário”).

Que dizer?

Dir-se-á, desde logo, que a eventual omissão de fundamentação – ou deficiente justificação – da convicção probatória (perante factos e provas) não cabe na figura jurídico-processual da nulidade da sentença.

Trata-se antes de vício que, a ocorrer, se enquadra no âmbito da “modificabilidade da decisão de facto”, a que alude o art.º 662.º do NCPCiv..

Quer dizer, se, como refere a Recorrente, houver deficit de fundamentação da convicção no âmbito da decisão da matéria de facto (no caso, tratar-se-ia do aludido ponto 16 dado como provado), por total ou parcial omissão de fundamentos, a consequência legal não será a da nulidade da sentença (à luz do normativo do art.º 615.º do NCPCiv.), mas sim a da anulação da decisão, por deficiente ou obscura (ou contraditória) pronúncia sobre ponto(s) determinado(s) da matéria de facto [nos moldes do n.º 2, al.ª c), do art.º 662.º do NCPCiv.], ou da determinação ao Tribunal recorrido para que proceda à fundamentação em falta (quanto a “algum facto essencial para o julgamento da causa”), tendo em conta as provas produzidas (“depoimentos gravados ou registados”), de harmonia com o disposto nos n.ºs 2, al.ª d), e 3, al.ªs b) e d), do mesmo art.º 662.º.

Em suma, num tal caso não se trataria de nulidade da sentença, mas de anulação da decisão quanto à matéria de facto, convocando diversas ferramentas processuais, pelo que o vício seria, diversamente, objeto de sanação, não pela própria Relação (cfr. art.º 665.º, n.º 1, do NCPCiv., através da regra da “substituição ao tribunal recorrido”), mas pelo Tribunal a quo, com aditamento da fundamentação da convicção em falta.

Donde que, nesta parte, inexista nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Mas faltará a necessária fundamentação – já no plano jurídico (fundamentação de direito) – quanto à nomeação da filha mais velha como acompanhante, por total omissão de explicação à luz do critério da salvaguardava o interesse do beneficiário?

Deve começar por dizer-se que são bem consabidas as exigências de fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos, a que se reporta o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do NCPCiv. (tal como o anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do CPCiv./2007), e cuja violação, uma vez verificada, é causa de nulidade da sentença ([4]), cabendo naturalmente à Recorrente clarificar onde pudesse ter faltado a decisão à fundamentação devida/exigível, em termos de omissão absoluta de fundamentos.

Ora, a esta luz, deve dizer-se que este Tribunal não logra descortinar uma total falta de fundamentação da sentença, ou outra causa de nulidade da mesma, sendo que não se trata de matéria de conhecimento oficioso do Tribunal ([5]).

Com efeito, na decisão recorrida constam as razões da nomeação da pessoa da filha mais velha como acompanhante.

Assim, ali se fez constar:

(…) começa por determinar o artigo 143.º/1 do Código Civil que «o acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente».

Ora, no presente caso, o beneficiário está incapacitado de manifestar a sua vontade sobre aquele que pretende que seja o seu acompanhante. O Ministério Público indicou para a função de tutor, ainda à luz do anterior regime, uma das filhas do beneficiário, L (…).

De acordo com o artigo 143.º/2 do Código Civil, «na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:

a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;

b) Ao unido de facto;

c) A qualquer dos pais;

d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;

e) Aos filhos maiores;

(…)»

Ora, o beneficiário é casado com S (…).

Significa isto que deverá a mesma ser “automaticamente” designada acompanhante, uma vez que na primeira alínea do artigo supracitado consta «cônjuge não separado, judicialmente ou de facto»? Obviamente que não. Efetivamente, deverá ser designado acompanhante quem melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, sendo que, a ordem de preferência será a que consta do artigo. É por isso que a norma refere «designadamente».

Sucede, porém, que a mulher do beneficiário reside num lar, o que revela, por si só, que não é já uma pessoa totalmente autónoma, caso em que não precisaria de estar num lar. Por outro lado, tem muitas dificuldades de audição. Por fim, tem atualmente 91 anos de idade.

Assim, o tribunal não a determinará como acompanhante, uma vez que entende que a mesma não é a pessoa que, no momento, melhor salvaguardará os interesses do beneficiário.

Sendo L (…), filha mais velha do beneficiário, maior, estando no pleno exercício dos seus direitos, e nada desaconselhando a sua designação como acompanhante, o tribunal nomeia a mesma como tal (artigo 143.º/2, proémio, do Código Civil), devendo os outros filhos, A (…) e C (…) fazer parte do conselho de família, na qualidade de vogais, conforme designado infra..

Como resulta evidente, o Tribunal a quo não deixou de fundamentar – em termos fácticos e jurídicos – a sua decisão quanto à escolha da pessoa do acompanhante (a filha mais velha do beneficiário), explicando as razões da preterição do cônjuge do beneficiário.

Assim, concorde-se ou não com tais razões, elas foram elencadas: a ora Recorrente, esposa do beneficiário, para além de residir num lar para idosos (o que revelará não ser pessoa totalmente autónoma, pois de outro modo não precisaria de estar a viver ali), tem muitas dificuldades de audição, o que é compatível com os seus 91 anos de idade, não sendo, pois, a pessoa que, no momento, melhor salvaguardará os interesses do beneficiário.

Tal como ficou explicitado o motivo da escolha da filha L (…): trata-se – nas palavras da sentença – da filha mais velha do beneficiário, maior, estando no pleno exercício dos seus direitos, e nada desaconselhando a sua designação como acompanhante.

Termos em que, manifestamente, não se poderá acompanhar a alegação de falta (total) de fundamentação da sentença neste particular.

Ao contrário, concorde-se ou discorde-se do entendimento plasmado na decisão, esta deixou explicitadas as razões do sentido decisório adotado quanto à escolha da pessoa do acompanhante.

Inexiste, assim, o imputado vício de falta de fundamentação, podendo – é certo – discordar-se daquele sentido decisório, o que, porém, já só será passível (como também foi, in casu) de impugnação através do recurso propriamente dito (empreendida impugnação da decisão de facto e de direito).

Em suma, improcede a invocada arguição de nulidade da sentença.

B) Da impugnação da decisão da matéria de facto

A Apelante manifesta inconformismo com a decisão da matéria de facto, pretendendo que, diversamente do decidido na 1.ª instância, seja alterada tal decisão, com base em prova gravada, para o que observou os ónus legais a seu cargo (cfr. art.º 640.º do NCPCiv.).

Assim, pretende que sejam agora julgados provados, pela via recursiva, diversos factos a que a sentença não alude, tratando-se dos seguintes (que considera essenciais para decisão da única questão de direito suscitada na apelação, a da nomeação da pessoa do acompanhante):

1. - É a mulher do beneficiário, S (…), quem tem administrado os bens daquele, pagando as suas despesas, nomeadamente no Lar Residencial;

2. - A mulher do beneficiário, S (…) é atenta, próxima e preocupada com o bem-estar do marido;

3. - A mulher do beneficiário, S (…), tem capacidades mentais para zelar pelos interesses do marido;

4. - A filha C (…)é a filha mais preocupada e próxima do beneficiário e da mulher S (…);

5. - Com exceção da filha C (…), nenhum dos demais filhos fala com a mãe, mulher do beneficiário.

Ora, cabe começar por dizer que o M.º P.º alegou na sua petição – intentada ainda ao abrigo da lei anterior – que deveriam ser nomeados: tutora, a filha mais velha, L (…); protutor, o filho A (…); e vogais, os netos C (…9 e H (…).

Porém, se, como visto, na sentença foi nomeada como acompanhante do beneficiário aquela sua filha mais velha, L (…), com poderes gerais de representação do mesmo, já foram designados como vogais do conselho de família os outros filhos do beneficiário, C (…) (a desempenhar, outrossim, as funções de protutora) e A (…).

Quer dizer, a designação incidiu sobre os três filhos do beneficiário, desde a filha mais velha à mais nova, apenas não tendo sido contemplada na nomeação a esposa do beneficiário, a aqui Recorrente, a quem se reportam os três primeiros pontos que a mesma pretende ver aditados ao quadro fáctico provado.

Vejamos, então.

Pretende a Apelante, desde logo, que se dê como provado ser ela (S (…)) quem tem administrado os bens do marido, pagando as suas despesas, nomeadamente no lar residencial.

Invoca prova testemunhal e as suas próprias declarações.

Desde logo, o depoimento da testemunha (…) a dita “filha mais nova”, ao afirmar – quanto a sua mãe – que “é ela que paga o lar”.

Mas também o depoimento da testemunha (…), ao afirmar: “O lar é ela que paga, que assina o cheque é a minha mulher que lhe guarda os cheques”.

Daqui resulta ser a Recorrente quem assina os cheques para pagamento das mensalidades do lar. Porém, não ser ela quem guarda os cheques – embora seja a titular deles, quem os guarda é uma filha –, o que suscita a interrogação sobre o motivo de não ser a titular a guardar os seus próprios cheques, mas apenas a assiná-los quando lhe são apresentados, para o efeito, por quem, embora não titular, os detém/guarda/conserva.

Por fim, são invocadas as próprias declarações da Recorrente, sustentando ser ela “quem trata dos dinheiros do seu marido”, “tendo o dinheiro na Caixa”, pagando o lar de ambos “quando preciso é um cheque”.

Quer dizer – e como referido pelo Tribunal recorrido –, “Quanto ao ponto 17, o mesmo resulta do averbamento n.º 1 ao assento de nascimento do beneficiário e da audição de S (…) no âmbito do incidente tramitado nestes autos. O tribunal constatou que a mulher tem muitas dificuldades auditivas” (itálico aditado). Acrescentando-se noutra latitude da sentença que “(…) a mulher do beneficiário reside num lar, o que revela, por si só, que não é já uma pessoa totalmente autónoma, caso em que não precisaria de estar num lar. Por outro lado, tem muitas dificuldades de audição. Por fim, tem atualmente 91 anos de idade”.

Ora, aquelas dificuldades de audição são patentes perante a gravação das suas declarações ([6]), onde a aqui Recorrente ia denunciando sucessivas/recorrentes dificuldades de audição face ao que lhe era perguntado, o que é bem compreensível ante a idade aludida de 91 anos.

Também o facto de residir num lar de idosos não pode ser visto como indiferente neste plano, em conjugação com aquela idade apresentada.

Acresce que é sintomático o facto de ser outrem a guardar os seus cheques, de que necessita para pagar ao lar, mas para o que se limita a apor a sua assinatura, já que é uma das filhas quem lhos guarda e lhos apresenta para o efeito.

Quer dizer, se fosse “pessoa totalmente autónoma” – seguindo a elaboração da sentença, por adequada – não necessitaria de estar como utente de um lar para pessoas idosas, nem, menos ainda, dependeria de outrem para lhe guardar os cheques de que é titular ([7]).

Assim, não se logra disfarçar a ideia de que a Apelante se limita a apor a sua assinatura nos cheques ([8]), que nem sequer estão em seu poder, fazendo aquilo – assinar – que mais ninguém pode fazer por ela, nem mesmo os preenchendo.

É certo que a Recorrente referiu ser ela quem faz os pagamentos, mas – inquirida especificamente – não esclareceu qual o montante (ainda que variável) que paga mensalmente.

Já, todavia, esclareceu ser a filha C (…) quem lhe toma conta dos dinheiros e se desloca ao banco (Caixa), pelo que não é a Apelante quem o faz.

Em suma, não pode dar-se como provado ser S (…) quem administra os bens do marido, pagando todas as suas despesas, com o que improcede esta parcela da impugnação.

Ante as provas invocadas e produzidas, já será de dar como provado que “A mulher do beneficiário, S (…), é atenta, próxima e preocupada com o bem-estar do marido”, procedendo nesta parte, assim, a impugnação, com o consequente aditamento fáctico (novo ponto 18.-).

Já se mostra conclusivo o enunciado pretendido referente a ter a mulher do beneficiário, S (…), capacidades mentais para zelar pelos interesses do marido.

Ora, à parte fáctica da sentença só devem ser levados factos concretos e não enunciados conclusivos ou valorativos (cfr. art.ºs 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv.), que não são (estes últimos) passíveis de prova testemunhal, muito menos por via de avaliação de testemunhas que não mostram conhecimentos técnicos sobre a matéria.

Nada, pois, a alterar nesta parte.

Resta sindicar os pretendidos pontos referentes à filha mais nova da Apelante, C (…), desde logo atestando-se ser ela a filha mais preocupada e próxima do beneficiário e da mulher S (…)

Invoca ainda a Apelante, nesta senda, que, com exceção da filha C (…) nenhum dos demais filhos fala com a mãe, mulher do beneficiário, pretendendo que também esta matéria seja dada como provada, com base em prova gravada.

Ora, cabe constatar, atentas as vicissitudes dos autos e o que se depreende das declarações gravadas da Recorrente, que é num quadro de suspeitas e mal-estar reciproco entre irmãos/herdeiros – não parece em nada indiferente a questão hereditária, perfilando-se de um lado os dois irmãos mais velhos, L (…) e A(…), e do outro a irmã mais nova, C (…), esta em proximidade à mãe, a Apelante – que surge a discussão sobre a figura do acompanhante, insurgindo-se a Recorrente contra a nomeação da filha mais velha para essa função relativamente ao pai (o beneficiário), pretendendo que seja ela própria (a esposa daquele), apesar da sua idade e inerentes limitações, ou a filha C (…), a assumir tal papel.

Porém, a perspetiva que releva, no campo decisório, é, obviamente, a do interesse de tal beneficiário, cuja incapacidade é aos olhos de todos evidente, e não quaisquer interesses pessoais de outrem, designadamente interesses patrimoniais/hereditários.

Ora, é perante o conflito que os autos retratam – de há muito instalado – que deve analisar-se a prova pessoal produzida.

É certo que a Recorrente, ouvida em declarações, aludiu ao desentendimento instalado, cuja causa atribui à instauração da presente ação, sinalizando que esta foi intentada de surpresa e para prejudicar a filha C (…) a filha mais próxima da mãe, responsabilizando por isso os filhos mais velhos.

Porém, não se vê que tal intenção de prejudicar tenha ocorrido, posto ser pacífico – aos olhos de todos – que o beneficiário, pelo estado de saúde em que se encontra, carece de um regime de acompanhamento, desencadeado, aliás, pelo M.º P.º, só tendo sido interposto recurso relativamente à escolha do acompanhante.

Acresce que a Recorrente, no âmbito das suas declarações gravadas, acabou por reconhecer que deixou de falar para os seus filhos mais velhos por estes estarem na origem deste processo judicial, entendendo que visaram, dessa forma, prejudicar a filha C (…)

Assim, não parece poder afirmar-se que os filhos mais velhos não se preocupem com o seu pai, para se atestar, inversamente, que é a filha mais nova, C (…), quem se preocupa e é a única com proximidade ao beneficiário.

Quanto a nenhum dos demais filhos falar com a mãe – e é a pessoa do beneficiário que mais importa, pois não está em causa qualquer medida de acompanhamento à mãe/Recorrente –, é certo que esta esclareceu, em declarações, que deixou de se relacionar com eles (a iniciativa terá sido dela) na sequência, como dito, da instauração desta ação (instauração, todavia, pelo M.º P.º, em defesa do interesse do beneficiário), cujo fundamento, porém, está verificado e é pacífico.

Assim sendo, este Tribunal ad quem, em autónoma formação da convicção probatória, face aos elementos de prova convocados pela Apelante, não fica convencido desta factualidade, ao ponto de a poder afirmar, com o grau de certeza necessário, como verdadeira, nos moldes em que enunciada.

Daí que não possa proceder nesta parte, salvo o devido respeito, a impugnação da decisão da matéria de facto, decaindo, por isso, as conclusões em contrário da apelação.

Estabilizado fica – com o aditamento único antes mencionado – o quadro fáctico da causa, tornando-se, pois, definitivo, sendo esta, e só esta, a materialidade a atender para aplicação do direito e definição da solução do recurso.

C) Quadro fáctico da causa

Ante o que na 1.ª instância foi julgado provado ([9]) e o que resultou da apreciação da impugnação recursiva da decisão de facto, é a seguinte a materialidade factual a considerar:

«1. O beneficiário nasceu no dia 08-06-1921;

2. O beneficiário sofre de demência de tipo degenerativo desde, pelo menos, outubro de 2010, e de Parkinson;

3. Atualmente, a síndrome demencial encontra-se em estado avançado, com evolução arrastada e de agravamento progressivo, determinando uma incapacidade que se estende por todo o intelecto do beneficiário, nas dimensões de cognição, compreensão e raciocínio;

4. A condição de saúde do beneficiário é permanente e irreversível;

5. Consta do relatório datado de 20-09-2019, relativo a exame médico realizado no dia 16-09-2019 ao beneficiário, além do mais, o seguinte: «o Examinado encontrava-se acamado, vígil, mas sem capacidade para colaborar na entrevista, não emitindo qualquer tipo se som, não estabelecendo contacto ocular com o entrevistador, com sonda naso-gástrica colocada»;

6. Em virtude da sua condição de saúde, o beneficiário encontra-se totalmente dependente de terceiros e permanentemente desorientado no espaço, tempo e pessoa;

7. Não sabe em que lugar se encontra;

8. Desconhece a hora, o dia, mês e ano em que se encontra.

9. Não consegue vestir-se, lavar-se, alimentar-se, locomover-se, sentar-se, deitar-se, nem levantar-se sozinho;

10. Depende permanentemente de terceiro para lhe dar de comer, lavá-lo, limpá-lo, vesti-lo, deitá-lo, levantá-lo, movimentar-se, e para as demais atividades básicas do quotidiano, não sendo capaz de satisfazer as suas necessidades básicas de vida diárias;

11. Já não consegue ler nem escrever ou fazer cálculos aritméticos;

12. Não é já capaz de se expressar verbalmente;

13. Não conhece o dinheiro, não tendo noção do valor facial do mesmo;

14. Não tem noção do valor dos bens em geral;

15. Não tem discernimento para efetuar negócios correntes, como comprar bens de consumo ou fazer pagamentos correntes ainda que de reduzido valor;

16. O beneficiário recebe uma reforma mensal de invalidez, além de ter prédios urbanos e rústicos e depósitos bancários;

17. O beneficiário é casado com S (…), a qual nasceu em 02-12-1928, habitando no mesmo lar onde se encontra o beneficiário, tendo atualmente muitas dificuldades de audição.» ([10]);

18. - A mulher do beneficiário, S (…), é atenta, próxima e preocupada com o bem-estar do marido [ADITADO].

D) Substância jurídica do recurso

Da escolha da pessoa do acompanhante

Como resulta das suas conclusões, entende a Apelante que teria de ser ela, como esposa, a pessoa a nomear como acompanhante do beneficiário.

E, caso assim não se entendesse, o cargo deveria ser deferido à filha mais nova do casal, C(…), por ser a que mantém uma relação mais próxima com os seus pais, ao invés dos restantes filhos – entre eles a nomeada L (…) (a mais velha dos filhos do beneficiário) –, que cortaram relações com a mãe e desconsideram o pai.

Ora, o que vem provado, neste particular, é apenas que o beneficiário é casado com a Apelante (S (…)), a qual nasceu em 02/12/1928, habitando no mesmo lar onde se encontra o beneficiário e tendo atualmente muitas dificuldades de audição (ponto 17.), não obstante ser pessoa atenta, próxima e preocupada com o bem-estar do marido (ponto 18.).

O Tribunal recorrido, em sede de fundamentação jurídica da sentença, apresentou a seguinte reflexão, que não mereceu, em geral, reparo da Recorrente:

«(…) o objetivo do presente regime consiste em auxiliar o beneficiário no exercício pleno dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres.

(…) tendo em conta os factos supra descritos, o tribunal conclui que a única forma de assegurar o bem-estar do beneficiário, bem como o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, será através da atribuição de poderes gerais de representação (artigo 145.º/2, b) do Código Civil) ao acompanhante (…), seja em aspetos civis, seja em aspetos económico-sociais.

Efetivamente, no presente caso, a situação não se compadece com um acompanhamento menos intrusivo, sob pena de se prejudicar a pessoa que, com o presente processo, se pretende proteger: o beneficiário.

Assim, decide-se que a medida de acompanhamento consistirá na atribuição ao acompanhante de poderes gerais de representação do beneficiário, o que inclui a administração total de bens (artigo 145.º/2, b) e c) do Código Civil). O acompanhante deverá, em função dessa medida, acompanhar e vigiar permanentemente o beneficiário.

Pelas sobreditas razões, determina-se outrossim que o beneficiário ficará inibido de celebrar negócios da vida corrente (artigo 147.º/1 do Código Civil).

Fica, também, inibido do exercício dos direitos pessoais de adotar e testar sem a prévia intervenção do tribunal (artigo 147.º/1 do Código Civil).».

A controvérsia gerou-se quanto à definição da pessoa do acompanhante, onde a sentença justificou assim (com referência ao art.º 143.º do CCiv., na aplicável redação da Lei n.º 49/2018, de 14-08):

(…) o beneficiário é casado com S (…)

Significa isto que deverá a mesma ser “automaticamente” designada acompanhante, uma vez que na primeira alínea do artigo supracitado consta «cônjuge não separado, judicialmente ou de facto»? Obviamente que não. Efetivamente, deverá ser designado acompanhante quem melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, sendo que, a ordem de preferência será a que consta do artigo. É por isso que a norma refere «designadamente».

Sucede, porém, que a mulher do beneficiário reside num lar, o que revela, por si só, que não é já uma pessoa totalmente autónoma, caso em que não precisaria de estar num lar. Por outro lado, tem muitas dificuldades de audição. Por fim, tem atualmente 91 anos de idade.

Assim, o tribunal não a determinará como acompanhante, uma vez que entende que a mesma não é a pessoa que, no momento, melhor salvaguardará os interesses do beneficiário.

Sendo L (…), filha mais velha do beneficiário, maior, estando no pleno exercício dos seus direitos, e nada desaconselhando a sua designação como acompanhante, o tribunal nomeia a mesma como tal (artigo 143.º/2, proémio, do Código Civil), devendo os outros filhos, A (…) e C (…) fazer parte do conselho de família, na qualidade de vogais, conforme designado infra.» (itálico aditado).

E, em conformidade, atendendo ao disposto nos art.ºs 145.º, n.º 4, 1951.º e 1952.º, n.º 1, todos do CCiv., foi determinado designar como “vogais do conselho de família C (…) (protutora) e A (…)”.

Quer dizer, afastando a Recorrente pelas razões explicitadas, foram designados os três filhos do beneficiário, a filha mais velha, L (…) como acompanhante, e os demais filhos (C (…) e A (…)) como vogais do conselho de família (sendo a filha mais nova, C(…), como protutora).

Vejamos, então.

Quanto ao acompanhamento, dispõe o art.º 143.º do CCiv. (redação da dita Lei n.º 49/2018, de 14-08), cujos n.ºs 1 e 2 são inequívocos sobre o que está em causa e o critério a observar: (i) o acompanhante tem de ser maior e estar no pleno exercício dos seus direitos; (ii) devendo a designação recair sobre a pessoa que “melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário”.

Essa pessoa – aquela cuja designação melhor salvaguarde o dito interesse imperioso – pode corresponder, designadamente (n.º 2 do mesmo art.º 143.º):

«a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;

(…)

e) Aos filhos maiores;

(…)

g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;

h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação;

i) A outra pessoa idónea.».

Ora, é certo – salvo sempre o devido respeito – que a Recorrente (mulher do beneficiário) reside num lar (tal como aquele), o que, aliado à sua avançada idade, deixa perspetivar que, na realidade, não é já, por si só, uma pessoa totalmente autónoma, como bem sublinhado na sentença em crise.

Com efeito, a Apelante, ouvida em declarações, foi esclarecedora no sentido de nem ser ela a guardar os cheques de que é titular, estando os mesmos entregues à sua filha  C (...) , que lhos faculta quando necessário, sendo até, por outro lado, a diretora do lar quem lhe “faz o cheque”, “quem preenche os cheques” (para pagamento das mensalidades).

Isto é – reitera-se –, a Apelante, como tem de concluir-se do seu próprio relato, limita-se a apor a sua assinatura nos cheques, que nem sequer estão em seu poder, fazendo apenas aquilo – assinar – que mais ninguém pode fazer por ela, nem sequer os preenchendo.

É, pois, a filha C(…) quem – como relatado pela própria Recorrente – lhe toma conta dos dinheiros e se desloca ao banco (Caixa), pelo que não é a Apelante, confinada ao lar, quem o faz, o que é bem compreensível atenta a sua idade.

Por isso, não foi possível dar como provado ser tal Apelante quem administra os bens do marido, posto já não ter condições para o fazer.

Também é seguro que aquela padece de “muitas dificuldades de audição”, como ficou evidenciado no decurso da sua audição (toda ela gravada), o que também é compreensível face à sua idade (aludidos 91 anos).

Salvo o devido respeito, só podia concluir-se – como foi concluído – que a Apelante/esposa do beneficiário “não é a pessoa que, no momento, melhor salvaguardará os interesses” daquele, não por falta de proximidade e afetividade ao mesmo, mas por apurada falta de condições físicas/funcionais, decorrentes da sua avançada idade.

Daí que não lhe pudesse ser deferido o cargo de acompanhante, posto não garantir, por si, a defesa exigível do interesse imperioso do beneficiário, não se admitindo o exercício do cargo – de marcada feição intuitu personae – por interposta pessoa (mesmo que através de algum dos filhos).

Mas seria de designar acompanhante – à luz, exclusivamente, do interesse do acompanhado pai – a filha mais nova, C (…) em vez da filha mais velha, L (…)?

Dir-se-á, desde logo, que nada na factualidade provada – a única a atender – mostra que a filha L (…) tenha qualquer deficit de condições, pessoais ou relacionais, para o exercício do cargo de acompanhante, para que foi nomeada.

E, como já expresso antes, cabe enfatizar que os problemas de relacionamento familiar entre irmãos não devem influir na escolha do acompanhante, posto tal escolha depender apenas do interesse imperioso do beneficiário, que não se confunde, obviamente, com interesses pessoais/patrimoniais dos filhos/herdeiros.

Assim, se a filha mais velha reúne condições para o exercício do cargo e nada se prova em seu desabono ([11]), é também certo que a designação do Tribunal recorrido se mostra equilibrada, visto de um lado estar a acompanhante e do outro os dois vogais do conselho de família, numa designação que, a um tempo, convoca os três filhos do acompanhado.

Por isso, perspetiva-se como equilibrada e equitativa, para assegurar os interesses do acompanhado, a ocorrida designação dos aludidos três filhos do beneficiário, a filha mais velha, L (…), como acompanhante, e os demais filhos (C (…) e A(…)) como vogais do conselho de família, cabendo à filha C (…)o cargo de protutora.

Em suma, nada a censurar à decisão em crise, que, por isso, deve ser mantida, improcedendo as conclusões da Apelante em contrário.

***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - No âmbito do regime de maiores acompanhados, o acompanhamento deve ser deferido, na falta de escolha pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, a quem melhor salvaguardar o interesse imperioso da pessoa do acompanhado, sendo este o critério a atender para a designação, não assumindo relevo outros interesses, que não se centrem na pessoa do acompanhado.

2. - Se o cônjuge do acompanhado já não reúne, pela sua idade avançada, condições físicas e funcionais para o exercício do cargo de acompanhante, não sendo de admitir um exercício do cargo – de feição intuitu personae – por interposta pessoa (mesmo que através de algum dos filhos), e existem três filhos em condições de exercerem tal cargo, deve a designação recair sobre um destes.

3. - Tendo a filha mais velha do acompanhado condições pessoais para o exercício do cargo de acompanhante de seu pai e nada se provando em seu desabono, é razoável e equilibrada a sua nomeação, se os outros dois filhos foram designados como vogais do conselho de família, cabendo a um destes o cargo de protutor.

 
***

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Sem custas da apelação, atenta a isenção prevista no art.º 4.º, n.º 2, al.ª h), do RCProc..


Coimbra, 19/05/2020

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([2]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.

([4]) É pacífico o entendimento de que a fundamentação insuficiente ou deficiente da sentença não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, mas apenas a falta absoluta da respetiva fundamentação. Com efeito, a causa de nulidade referida na al. b) do n.º 1 do dito art.º 615.º do NCPCiv. ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (cfr. art.º 208.º, n.º 1, CRPort., e art.º 154.º, n.º 1, do CPCiv. aplicável). Como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa – cfr. “Estudos  sobre o Processo Civil”, pág. 221 –, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Também Lebre de Freitas – cfr. Código de Processo Civil, pág. 297 – esclarece que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Por sua vez, Alberto dos Reis já ensinava – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140 – que deve distinguir-se “a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
([5]) A nulidade da sentença, não sendo cominada pela lei como insanável, tem de ser invocada pelas partes, não sendo de conhecimento oficioso – assim, por todos, o Ac. STJ, de 07/07/1999, Proc. 99B536 (Cons. Simões Freire), tal como o anterior Ac. STJ, de 07/12/1995, Proc. 086843 (Cons. Sá Couto), ambos com sumário em www.dgsi.pt.
([6]) É a própria declarante/Recorrente quem começa por referir ser “meia mouca”, como consta da gravação áudio acessível na plataforma Citius, em Citius Media Studio.
([7]) Como é consabido, em condições de normalidade é o próprio titular dos cheques quem os guarda, não se tratando de algo se entregue a outrem – salvo caso de necessidade imperiosa – para guardar.
([8]) Referiu ela até ser a “Sra. Dra. do Lar quem faz o cheque”, “quem preenche os cheques”.
([9]) Que se deixa integralmente transcrito.
([10]) Fez-se ainda constar (já quanto a factualidade não provada): “Face aos elementos constantes dos autos, e com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa”.
([11]) Não se prova a invocação de que se ausente, por motivos de saúde, do país algumas vezes por ano e por longos períodos (meses), nomeadamente para França, onde sempre trabalhou e residiu até à idade da reforma.