Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1375/11.1TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE DO COMITENTE
RELAÇÃO DE COMISSÃO
EXERCÍCIO DE FUNÇÕES
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
ACTOS DOS AUXILIARES
Data do Acordão: 03/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZOS CÍVEIS DE COIMBRA – 2.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 444.º/1, 800.º E 500.º DO C. CIVIL
Sumário: 1 - Existe o vínculo de comitente e comissário entre a mediadora imobiliária e um seu colaborador que desenvolve a actividade de mediação imobiliária numa loja da mediadora; ainda que se trate, tal colaborador, de mero angariador.

2 - São no exercício de funções – por se inserirem no esquema/âmbito do exercício da função/comissão – os actos de tal colaborador consistentes em pedir/receber (do terceiro) montantes para pagar os impostos devidos pelo negócio mediado e em se apropriar, depois, de tais montantes; ainda que tais actos se apresentem como opostos às instruções internas da mediadora.

3 - As esferas de aplicação dos art. 800.º e 500.º do C. Civil não se confundem, não regulam a mesma situação (uma no campo da responsabilidade obrigacional e outra no campo da responsabilidade delitual), porém, também não excluem a possibilidade da sua aplicação cumulativa.

4 - Constitui uma estipulação em benefício de terceiro, configurando um verdadeiro contrato a favor de terceiro, a estipulação, integrada em contrato de mediação imobiliária, em que a mediadora se compromete perante o comitente a tratar de toda a documentação do terceiro necessária à instrução da escritura, designadamente, a pagar e a obter os comprovativos dos impostos e as certidões matriciais e registrais indispensáveis; razão pela qual a referida apropriação dos montantes entregues para pagar os impostos devidos pelo negócio mediado também preenche o incumprimento duma obrigação/prestação em sentido técnico-jurídico (imposta pelo art. 444.º/1 do C. Civil) e os pressupostos da responsabilidade objectiva (do art. 800.º/1 do C. Civil) da mediadora pelo acto do seu auxiliar/colaborador.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , casado, médico, residente na Rua (...), Coimbra, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário (agora com a forma única, de acordo com o NCPC), contra “B... ”, com sede na Rua (...), Coimbra, e contra C... , divorciada, residente na Rua (...), Coimbra, pedindo que as Rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe a quantia de € 27.873,82, acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tal, em síntese, que, no dia 26 de Fevereiro de 2010, conjuntamente com a esposa, fez uma permuta (de fracções urbanas) com a “D...”; negócio em que interveio, como mediadora imobiliária, a “ B...” – sempre “representada” pela R. C... (que agiu em nome, por conta e no interesse da B...) – que se havia obrigado a tratar de toda a documentação necessária à instrução da escritura, mormente os pagamentos e a obtenção dos comprovativos do IMT e do I Selo, razão pela qual o A. lhe havia entregue, para pagar tais impostos, a quantia global de € 20.785,24.

Sucede, porém, que, meses depois, foi o A. surpreendido com um processo de execução fiscal, em virtude do cheque – passado pela 2.ª R. – para pagamento dos mencionados impostos ter sido devolvido por falta de provisão; acabando o A. (após a R. C... ter entregue um 2.º cheque nas Finanças, para pagamento dos referidos impostos, que foi devolvido pelo Banco por “extravio”) por ter que pagar a dívida às finanças.

Daí que venha pedir a indemnização pelos danos que toda a situação referida lhe causou; aqui incluindo a quantia global entregue, os juros e custas pagos na execução fiscal e os danos morais sofridos (chegou a ter o seu vencimento penhorado, ficando nervoso e abalado psicologicamente e sentindo-se envergonhado perante os seu colegas – era director clínico dos HUC – e pessoas com quem convivia e que souberam da penhora no seu vencimento).

Apenas a R. B... apresentou contestação, em que sustentou que a R. ( C...) nunca foi sua funcionária, mas apenas, durante cerca de 2 anos, sua angariadora comissionista, actuando de forma independente, e que nunca lhe deu autorização para receber cheques de clientes, nomeadamente, para pagamento de impostos; acrescentando que o A. não tinha celebrado qualquer contrato de mediação imobiliária com a B... e que esta nunca esteve incumbida de efectuar quaisquer pagamentos às finanças a título de IMT e I Selo.

Mais referiu pois que a R. C... recebeu os cheques mencionados pelo autor em seu nome pessoal e não em representação da R. B...; que nenhum dos 4 cheques do autor foi depositado na conta da ré B..., apesar dos 3 primeiros terem sido passados à ordem da B..., sendo que o carimbo neles aposto no seu verso é um mero carimbo comercial, não utilizado sequer em depósitos bancários; e que as assinaturas deles constantes, como sendo dos gerentes da B..., Dr. E... e Sr.F... , foram falsificadas de modo grosseiro.

Concluiu pois pela total improcedência do pedido contra si formulado[1].

Foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa e instruído o processo.

Após o que, realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou parcialmente procedente a acção, condenando solidariamente as rés a pagar ao autor o montante global de € 23.373,82, a que acrescem os juros moratórios, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento, no mais se absolvendo as rés.

Inconformada com tal decisão, interpôs a R. B... recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que a absolva do pedido formulado na PI.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1 - O Acórdão contra o qual a recorrente aqui insurge, tendo em vista a sua revogação, partiu de um pressuposto errado, que acabou por condicionar todo o raciocínio no qual se baseou a decisão proferida.

2 - Assim, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não prestou a devida atenção ao facto de nunca ter sido assinado nenhum contrato de mediação imobiliária entre recorrente e recorrido pelo que nunca podia aquela assumir qualquer responsabilidade perante este, por nunca a isso se ter vinculado, e por, tal como resultou provado no processo, esta recorrente nunca ter beneficiado o que quer que fosse da relação mantida entre o recorrido e a Ré C..., tanto que os cheques não foram depositados na conta da recorrente, antes tendo revertido a favor da Ré C....

3 De Igual modo, foi negligenciado na sentença sub judicie o facto de entre a recorrente e a Ré C... só ter vigorado um contrato de prestação de serviços, não reduzido a escrito, o qual se caracteriza por uma das partes se obrigar a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho, pelo que o prestador de serviços actua com autonomia e independência (v. art. 1 154.0 e ss. do Código Civil).

4 Ao invés, a comissão pressupõe uma relação de dependência, já que o comissário recebe Instruções do comitente (v. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1, p. 640) de onde resulta manifesto que a relação entre a recorrente e a Ré C..., que não estava sujeita às instruções e ao poder de direcção da recorrente (cfr. depoimentos das testemunhas H.... e I... e o episódio do carimbo aposto nos cheques, relatado por todas as testemunhas e pelo próprio legal representante da recorrente, no seu depoimento de parte), não pode subsumir-se ao disposto no art. 500.º do CC, e daí resulta todo o raciocínio inquinado do Tribunal a quo, porquanto só a comissão, “é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo.” (v. neste sentido, Ac. do STJ de 05-07-2012, e Mário Jílio de Almeida e Costa, Direito das Obrigações, p. 616).

5 - Em suma, entre a recorrente e a Ré C... vigorou um contrato de prestação de serviços, mediante o qual esta última se obrigou a aportar negócios imobiliários para aquela, recebendo em troca comissões pelos seus serviços, sem mais, e sem que a recorrente tenha de forma alguma determinado o modo como tal “angariação” decorreria (v. Ac. do TRC de 24- 01-2012), razão pela qual a recorrente não pode vincular-se perante o recorrido pela actuação que a prestadora de serviços, independente, teve para com o recorrido e que sempre foi desconhecida pelos legais representantes da recorrente.

6 - E, ainda que assim não se entendesse, e que se considerasse que efectivamente estávamos em face de uma relação comitente-comissário, o que sem se admitir, só por mera cautela se equaciona nesta sede, sempre se atente no facto de a actual lei de mediação imobiliária ter deixado de prever o art. 22.º do anterior DL 211/2004, de 20 de Agosto, que, esse sim, estipulava que havia responsabilidade civil das empresas de mediação imobiliária, “nos termos do art. 500.° do Código Civil, pelos danos causados por factos praticados por angariadores no âmbito dos contratos de prestação de serviços entre eles celebrados.” Como tal, tendo a Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, operado a revogação daquele Decreto-Lei (v. art. 43.°, ai. a)), não pode esta recorrente ser responsabilizada por algo a que o legislador quis, expressamente, pôr fim, sob pena de violação do princípio da legalidade (v. ainda, a propósito da impossibilidade de responsabilizar a recorrente pelo sucedido, os importantíssimos Acs. do STJ de 02-03- 2006, …).

7 O facto de o recorrido ter, culposamente, acreditado nos poderes que a Ré C... alegadamente teria para ir recebendo cheques para pagamento do IMT, não merece protecção do direito, tanto mais que o recorrido é médico, logo tem formação superior, e já era proprietário de um imóvel sito na Rua (...), logo conhecia o modus operandi deste tipo de negócios, sendo inverosímil que não saiba que impostos como este são pagos de uma só vez, ou seja, no momento da escritura e não ao longo do hiato de tempo de um ano descrito na sentença, sendo também surrealista que alguém acreditasse que uma empresa destas dimensões permitiria aos seus angariadores receberem cheques em nome próprio e não desconfiasse da expressão “Declaro que recebi”, ao invés de “Declaramos que recebemos”, aposta pela ré C... naqueles (v., designadamente, o depoimento de parte do legal: representante da recorrente e, ainda, os art. 2.°, n.° 2, al. b) e 24.° da Lei n.° 15/2013, de 8 de Fevereiro e o Ac. do TRL de 12-07-2007, P. 363512007-6).

8 - Estamos perante uma verdadeira trapaça urdida pela Ré C... contra o recorrido, à qual a B... é totalmente alheia, e da qual não retirou qualquer benefício, tanto que como também refere a sentença, quando o recorrido tomou conhecimento de que seria penhorado no seu vencimento por falta de pagamento do IMT, a recorrente, através de uma representante sua, dirigiu-se com o próprio às Finanças, para esclarecer o assunto, pelo que não faz nenhum sentido, nem estão reunidos os respectivos pressupostos legais (da comissão), que a recorrente responda solidariamente com a ré C... por o que quer que seja.

9 O Tribunal, tendo a missão de alcançar a justa composição do litígio, a paz jurídica e a plenitude que se pretende por via de qualquer processo, na senda do princípio da economia processual, por via do qual se prossegue o Interesse público, focado na boa administração da justiça, não podia por isso apontar para uma ulterior acção de regresso a propor pela aqui recorrente contra a ré C....

10 – Assim, só a condenação da ré C... permitirá alcançar de uma assentada a pretendida Justiça!

O A. respondeu, defendendo a manutenção do decidido.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Entre o A. e a Ré B..., através da sua colaboradora Ré C..., foi formalizado contrato de mediação imobiliária ainda que verbal, com vista à escritura final de permuta concretizada em 26.02.2010 (doc.1 PI).

2. Nas relações com o A., a Ré C... agiu sempre como representante, agente ou mandatária da Ré B....

3. Isto se extrai, sem qualquer dúvida, da leitura dos factos provados que não foram postos em causa pela apelante.

4. Foi em nome da B... que a Ré C... recebeu os cheques do A. para pagamento de impostos.

5. A Ré C... agiu em representação da B... e no exercício das funções desta sociedade.

6. Consequência desta relação de comissão é a responsabilidade da B... pelos factos ilícitos da Ré C... praticados no exercício das suas funções (art.s 165º e 500º do CC).

7. O A. confiou na Ré C... como funcionária ou agente da B..., agindo ele sempre de boa fé em todos os actos, confiando que entregava os cheques a esta empresa para pagamento de impostos.

8. A intervenção da Ré C..., conforme ficou provada, vincula a B... perante o A.

9. A protecção da boa fé do A. encontra eco na jurisprudência e na doutrina, como se referiu supra.

10. A douta sentença recorrida não viola qualquer norma jurídica.

11. Aliás, nem a própria apelante aponta qualquer norma jurídica violada (art. 639º-2 CPC).

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II. – Fundamentação de Facto:

Estão provados – logicamente alinhados e sem repetições – os seguintes factos:

A) Em 26.2.2010, no Cartório Notarial de J...., em Coimbra, a Sociedade D... SA e o Autor e mulher, celebraram escritura de permuta da fracção (...) apartamento (...), do prédio urbano sito na R. (...), da freguesia de S. António dos Olivais, artigo (...), pelos seguintes imóveis: fracção (...)3º andar - D e fracção BJ, garagem nº (...), do prédio urbano sito na R. (...), freguesia de S. António dos Olivais, inscrito na matriz sob o artigo (...).

B) Neste negócio de permuta, interveio como mediador imobiliário a B..., 1ª Ré.

C) Foi a Ré B..., através da 2ª. ré C..., que se obrigou a tratar e tratou da documentação necessária à instrução da escritura referida em A), designadamente, os pagamentos e comprovativos do IMT e do Imposto de selo junto da Repartição de Finanças, certidões matriciais e registrais indispensáveis ao acto notarial.

D) Os contactos da Ré B... com o A. foram efectuados por C..., 2ª Ré, que se encontrava numa das lojas da B..., mais concretamente, na Loja da k(...), actuando em nome e por conta da mesma sociedade Ré.

E) A referida escritura chegou a estar marcada por diversas vezes durante o ano de 2009, mas, por falta de elementos concernentes à “ D...” (dona do apartamento que o A., através da permuta, ficou titular), foi sendo adiada até 26.2.10, data da respectiva outorga.

F) A Ré C..., em nome da Ré B..., foi pedindo dinheiro ao A. para pagamento do Imposto Municipal de Transmissões sobre Imóveis (IMT) e outros impostos incidentes sobre o negócio.

G) Em obediência a tal pedido, em 31.07.08, o A. entregou à Ré C... 2 cheques: um de 4.000,00 €, da conta da mulher do A., e outro de 4.194,95€, da sua (dele) conta bancária emitidos a favor da Ré B... (doc. 2).

H) A Ré C..., em nome da B..., declarou, por escrito, ter recebido estes cheques para pagamento do IMT relativo ao negócio em causa (doc. 2).

I) Em 5.02.09, o A. entregou à Ré C... um cheque no valor de 6.890,19€, emitido a favor da Ré B..., para pagamento de impostos devidos em virtude do negócio.

J) A Ré C..., em nome da B..., declarou, por escrito, ter recebido este cheque para pagamento do IMT e imposto de selo relativos ao negócio em causa (doc. 3).

K) Em 21.12.09, o A. entregou à Ré C... um cheque na importância de 5.700,10 € para o mesmo efeito.

L) A Ré C..., em nome da B..., declarou, por escrito, ter recebido a importância deste cheque para pagamento do IMT respeitante ao mesmo negócio (doc. 4).

M) O último cheque (de 5.700,10€) foi passado com a justificação, dada pela Ré C..., de que as Finanças entendiam que o IMT era superior, pelo facto da aquisição do imóvel ser feita pelo casal e as fracções permutadas serem da exclusiva propriedade do A..

N) Os cheques referidos em G), I) e K) eram cruzados.

O) Os três cheques passados à ordem da B... não foram depositados na conta bancária dessa Ré (documentos de fls. 131 emitido pela CGD e de fls. 139 emitido pelo BES), tendo revertido a favor da 2ª. ré C....

P) O 4º. cheque, no valor de 6.890,19 euros, foi pago em numerário na agência do Vale das Flores da CGD ao cidadão G... (cfr. Doc. nº. 131, emitido pela CGD).

Q) O IMT e o imposto de selo pela transacção em causa venceram-se na data do negócio, em 26.2.10, e aparentemente, tinham sido pagos nessa data (docs. nºs. 9 e 19, não impugnados).

R) A Ré C..., em nome da ré B..., garantiu ao A. que todas as obrigações fiscais relativas ao negócio tinham sido cumpridas e pagas.

S) A ré C..., em nome da ré B..., e por força do referido em C) e D), deveria ter procedido ao pagamento de impostos na soma de 14.153,22€ (11.811,20€ + 2.342,02€) – docs. nºs. 9 e 10.

T) Decorridos alguns meses, foi instaurado um processo de execução fiscal contra o Autor.

U) O processo de execução fiscal instaurado contra o A. deveu-se ao facto de o cheque para pagamento dos impostos inerentes ao negócio referido em A), emitido a favor da Fazenda Pública, ter sido devolvido por falta de provisão.

V) Esse cheque para pagamento de impostos foi emitido pela Ré C....

X) Por via dessa execução fiscal, o A. chegou a ter o seu vencimento penhorado (doc. 13).

Z) A Ré C..., perante a insistência do A., acabou por entregar um novo cheque, nas Finanças, para pagamento dos ditos impostos em débito.

AA) Este cheque, em 17.8.10, foi aceite pelo Serviço de Finanças para pagamento dos débitos (docs. nºs. 14 e 15, não impugnados).

BB) Tal cheque, proveniente da conta bancária do marido da Ré C..., foi devolvido por motivo de “revogado – extravio”.

CC) A execução fiscal prosseguiu contra o A., tendo este que pagar às Finanças a quantia global de € 15.729,29 em 02.09.2010.

DD) Sendo 11.811,20€ de IMT, 2.342,02€ de imposto de selo, mais juros, despesas e custas do processo no valor de 1.576,07€ (doc. 17 e 18, não impugnados).

EE) O Autor pagou juros e custas processuais (docs. nºs. 17 e 18) que não liquidaria se a 2ª. ré C..., actuando em nome da 1ª. ré B..., tivesse cumprido o acordado.

FF) Para obter as cópias dos cheques supra mencionados, o autor teve de pagar € 12,51.

GG) Quando o A. foi citado para a execução fiscal e foi notificado da penhora do seu vencimento, ficou extremamente nervoso e abalado psicologicamente.

HH) O A. estava convencido que tinha cumprido todas as suas obrigações fiscais derivadas do negócio descrito em A).

II) Durante dias, sentiu-se envergonhado e pesaroso perante os seus colegas e pessoas com quem convivia e que souberam da penhora sobre o seu vencimento.

JJ) A penhora do vencimento do A. foi comentada na secretaria do Hospital e entre os seus colegas e pessoas que o conheciam.

KK) Tendo perdido várias horas para solucionar uma questão fiscal.

LL) A Ré C..., à data dos factos, era angariadora imobiliária da 1ª. ré B..., em regime de não exclusividade, durante cerca de dois/três anos.

MM) A mesma Ré C... aportava negócios imobiliários para a 1ª. Ré B..., recebendo em troca comissões pelos seus serviços.

NN) Os carimbos apostos nos versos dos 4 cheques acima mencionados são meros carimbos comerciais.

OO) E não são utilizados pela Ré B... em depósitos bancários.

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III – Fundamentação de Direito

No centro do objecto do recurso está a questão da responsabilidade civil (da R./apelante B...) por facto de terceiro (da R. C...); mais, olhando, no momento processual em que nos encontramos, para trás, percebe-se que era/seria esta, ao longo de todo o processo, a questão realmente controversa e controvertível.

Pelo seguinte:

Não se discute – verdadeiramente, nunca se terá discutido – que o A. entregou à R. C..., através de 4 cheques, a soma global de € 20.785,24; que tal soma se destinava à satisfação das obrigações tributárias de que o A. era/seria sujeito passivo (em função do negócio de permuta referido em A)); que a R. C... utilizou tal soma em proveito próprio (logrando comprovar falsamente, junto do notário que celebrou a escritura que formalizou a permuta, o cumprimento das devidas obrigações tributárias, na medida em que procedeu ao “pagamento” das mesmas com um cheque sem cobertura, dando assim lugar, naturalmente, à consequente execução fiscal contra o aqui A./apelado); e que a R. C... é civilmente responsável pelos danos causados pelos inúmeros ilícitos criminais que os factos espelham como tendo sido por si cometidos.

Tão pouco se discute a culpa da R/apelante B... nos factos que, resumidamente, se acabam de alinhar; não está – nunca esteve – em discussão a culpa da R/apelante B..., que não é chamada a responder por ter procedido com culpa – quer in eligendo, quer in instruendo, quer in vigilando – mas sim por, segundo o A./apelado, responder objectivamente pelos factos da R./ C....

O que vimos de dizer é nesta fase dos autos, claro está, uma evidência; que entendemos de alusão não despicienda por ficar a ideia, em face da veemência da argumentação recursiva da R/apelante, desta se procurar defender e repudiar a culpa própria.

Não haja pois dúvidas, nada está provado – e verdadeiramente nada foi sequer alegado – que aponte para a culpa própria da R/apelante; esta está a ser demandada e responsabilizada tão só objectivamente (sem culpa).

Efectivamente, sem prejuízo da bondade da solução de obrigar as pessoas a responder apenas pelos actos de que são culpadas, pelos factos que dependem da sua vontade (e de as não fazer responder pelas contingências da sorte ou pelas fatalidades do infortúnio), há muito que se reconheceu que, na prática, tal solução – teoria da culpa – nem sempre conduz aos melhores resultados; daí que, ao lado de tal doutrina clássica (da culpa), uma outra – a teoria do risco – haja aparecido, tributária da ideia de que não pode haver proveito sem custo (de que quem cria ou mantém um risco em proveito próprio, deve suportar as consequências prejudiciais do seu emprego, já que deles colhe o principal benefício – ubi commodum ibi incommodum).

São estes dois pensamentos que as disposições legais do C. Civil reflectem: a responsabilidade baseada na culpa como princípio geral (arts. 483.º a 498.º e 798.º do C. Civil) e, por outro lado, a responsabilidade objectiva (responsabilidade pelo risco) em certos casos/danos.

E o caso dos autos/recurso, em face do que se alegou e provou (e provou-se praticamente tudo o que se havia alegado), é justamente um desses casos de responsabilidade objectiva.

Mais – é a 1.ª observação que cumpre efectuar – os contornos factuais alegados/provados permitiriam até invocar, por se verificarem os respectivos pressupostos, quer a responsabilidade objectiva contratual (art. 800.º do C. Civil), quer a responsabilidade objectiva delitual (art. 500.º do C. Civil) da R/apelante B....

As esferas de aplicação dos art. 800.º e 500.º do C. Civil não se confundem, não regulam a mesma situação (uma no campo da responsabilidade obrigacional e outra no campo da responsabilidade delitual), é certo, mas também não excluem a possibilidade da sua aplicação cumulativa; as previsões das duas normas podem coexistir quando o devedor utiliza alguém no cumprimento da sua obrigação, pois em tal hipótese o devedor é um comitente e o auxiliar um seu comissário[2]

E o que vimos de dizer – sobre a possibilidade de poder ser invocada a responsabilidade objectiva contratual (art. 800.º do C. Civil) – vem ao caso em razão dum argumento repetidamente esgrimido pela R/apelante: não ter sido celebrado qualquer contrato de mediação imobiliária entre o A. e a R/apelante B....

Foi efectivamente assim (um tal contrato não foi celebrado).

O contrato de imediação imobiliária da R/apelante B... era com a contraparte do A. no negócio de permuta (a D...); é o que se extrai do facto B) (que retrata a menção, obrigatória, constante da escritura de permuta) e que, aliás, é exuberantemente referido na sentença recorrida (na motivação da decisão de facto, quando se relata o que é referido por testemunhas indicadas pela própria R/apelante).

E é justamente na lógica e economia deste contrato – entre a R/apelante B... e a D... – que pode/deve ser perspectivado o referido em C) dos factos provados (“a R/ B... (…) obrigou-se a tratar e tratou da documentação necessária à instrução da escritura referida em A), designadamente, os pagamentos e comprovativos do IMT e do Imposto de selo junto da Repartição de Finanças, certidões matriciais e registrais indispensáveis ao acto notarial”), isto é, como uma estipulação em benefício de terceiro (no caso, o A/apelado) integrada no contrato de mediação imobiliária entre a R/apelante B... e a D....

Enfim, o referido em C) (e também em D) e S)) configura um verdadeiro “contrato a favor de terceiro” (cfr. 433.º do C. Civil), que é o que acontece quando, por meio dum contrato ou duma simples estipulação, é atribuído um benefício a terceiro, a ele estranho, que assim adquire um direito próprio a essa vantagem; sendo inquestionável o interesse/justificação da promissária ( D...) em atribuir, no âmbito do contrato de mediação imobiliária, a referida vantagem (consistente na obtenção da documentação necessária à formalização do negócio visado, isto é, em facilitar o resultado pretendido com a mediação imobiliária) ao A./apelado (e, por certo, a todos os terceiros que pretendessem adquirir as fracções que tinha em mediação e venda).

Temos pois, é o nosso ponto vista, que os factos alegados/provados também preenchem o incumprimento da obrigação/prestação em sentido técnico-jurídico (imposta pelo art. 444.º/1 do C. Civil) que a R/apelante B... assumiu para com o A./apelado; pelo que também em termos de responsabilidade contratual/obrigacional podia a R/apelante B... ser demandada/responsabilizada, funcionando, então, a responsabilidade objectiva (art. 800.º/1 do C. Civil) do devedor (no caso, a R/apelante B...) pelo acto da sua auxiliar R./ C....

Não foi, porém, esta a opção jurídica do A./apelado.

E não estamos perante uma daquelas situações em que (invocando-se o art. 664.º/1 do VCPC = art. 5.º/3 do NCPC) se possa dizer que o juiz, no que respeita ao direito, pode/deve ir buscar regras diferentes das invocadas pelas partes, atribuir às regras invocadas pelas partes sentido diferente do que estas lhes deram ou fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram.

No caso, quer a alegação factual e jurídica da PI, quer, fundamentalmente, a circunstância da R./ C... também ter sido demandada não deixam lugar a dúvidas quanto à exacta e precisa causa de pedir invocada pelo A./apelado: a respeitante à responsabilidade extra-contratual ou delitual.

O recurso à responsabilidade contratual/obrigacional dispensava, é certo, o A./apelado da prova da comissão[3], isto é, facilitava-lhe o ónus probatório, porém, se tivesse sido essa a opção, também não poderia demandar (com êxito) a R/ C....

Abandonemos pois a responsabilidade contratual/obrigacional e centremo-nos sobre o art. 500.º do C. Civil; uma vez que foi este o regime de responsabilidade civil por que o A/apelado optou.

Como antecipámos, verificam-se os pressupostos da responsabilidade objectiva do comitente (prevista no art. 500.º do C. Civil) da R/apelante B....

Vejamos:

Basicamente, são 3 os pressupostos de tal responsabilidade objectiva:

1 – A existência dum vínculo de comitente e comissário;

2 – Ter sido praticado o facto ilícito no exercício da função; e

3 – Haver responsabilidade do comissário.

Este último pressuposto[4] – a responsabilidade da R/ C... – é por demais evidente (em face dos ilícitos criminais da R/ C..., que conduziram a que a mesma se apropriasse dos € 20.785,24 que lhe foram entregues pelo A/apelado para a satisfação das suas obrigações tributárias) e a própria R./ B... não coloca em causa a sua verificação.

A divergência recursiva incide pois sobre a relação de comissão – que diz não existir – e sobre o exercício de funções – que diz não se verificar.

Assim, quanto à relação de comissão, importa referir que com tal expressão quer-se aludir ao serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem (podendo essa actividade traduzir-se tanto num acto isolado como numa função duradoira, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual); quer-se aludir a uma relação de dependência/subordinação que autoriza um (o comitente) a dar ordens ou instruções ao outro (comissário), uma vez que só essa possibilidade de direcção justifica a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo.

Em face do que se alegou/provou, é claramente o caso.

Começou por se provar que todos os contactos da Ré B... com o A. foram efectuados pela R. C..., que se encontrava numa das lojas da B..., mais concretamente na Loja da k(...), actuando em nome e por conta da B...; e foi também nesta qualidade e estatuto – actuando sempre em nome e por conta da B... – que se provou tudo o mais que a R. C... fez (pedir dinheiro e receber os 4 cheques).

Em face de tais factos provados, a circunstância da R. C... ser uma mera angariadora imobiliária da B..., em regime de não exclusividade, não “descaracteriza” minimamente a relação de comissão.

O que conta – para a existência da relação de comissão – é a substância, provada, da relação entre a B... e a R. C... e não a roupagem jurídica dada a tal relação; tanto mais que, não tendo a R. C... qualquer vínculo laboral formal com a B... e trabalhando – não “pro bono”, isto é, sendo paga pelo que fazia e pelos resultados que obtinha[5] – tinha naturalmente que lhe ser dado pela B... o enquadramento formal legalmente admissível: angariadora.

Por outras palavras, no contexto dos factos – encontrando-se a R. C... numa das lojas da B..., tendo todos os contactos do A. com a B... sido feitos por ela (e importa ter presente que a B... era a mediadora imobiliária – ao que se diz (na motivação da decisão de facto) até em regime de exclusividade – por conta da D...) e actuando sempre em nome e por conta da B... – ser a R. C... angariadora ou o que quer que a R/ B... lhe quisesse chamar (perdoe-se-nos a liberdade) é completamente irrelevante; o que conta e que ressuma dos factos é que sempre actuou por conta e sob a direcção da B..., isto é, que era, para efeitos do art. 500.º/1 do C. Civil, uma comissária da comitente B...[6].

O que nos remete para o pressuposto consistente em o facto ilícito ter que ser praticado no exercício da função, que significa que a responsabilidade do comitente só existe em relação aos actos compreendidos no quadro geral da competência ou dos poderes conferidos ao comissário, em relação aos factos danosos praticados pelo comissário no exercício da função que lhe foi confiada; mas que não significa que não sejam da responsabilidade do comitente os actos praticados pelo comissário com abuso de funções ou contra as instruções, ou seja, os actos formalmente compreendidos no âmbito da comissão, mas praticados com um fim estranho a ela.

É justamente este último o caso dos autos/recurso.

Os ilícitos criminais em que se traduziu a conduta da R/ C... – falsificando assinaturas, apropriando-se do montante dos cheques, enganando todos – foram evidentemente cometidos contra as instruções da B... e em abuso de funções, porém, é o ponto, foram cometidos no exercício/âmbito do encargo/função que lhe estava cometida e não por ocasião de tal encargo/função.

Não estamos perante uma situação em que os factos ilícitos e danosos praticados pelo comissário nada têm a ver com a execução da comissão/encargo/função; os ilícitos criminais da R/ C... foram praticados no desempenho da função, por causa dela, e não apenas por ocasião dela; há uma relação directa, interna e causal entre o ilícito danoso e a comissão.

Em nada a situação se assemelha aos exemplos de escola – como o da criada que mata alguém com a espingarda que levou da casa do patrão – em que há apenas um nexo incidental e ocasional entre a comissão e o facto ilícito e danoso e em que por isso o ilícito danoso não se insere no esquema/âmbito do exercício da função/comissão; e também não é semelhante à situação analisada no Acórdão do STJ de 31/01/2002 (referido na alegação recursiva da R/apelante), em que uma empregada de limpeza se aproveita das suas funções para subtrair um cartão Multibanco e respectivo código de acesso que encontra nas instalações da sua entidade patronal.

Na situação sub judice – tendo-se provado, como já se referiu, que a R/ B... “ (…) se obrigou a tratar e tratou da documentação necessária à instrução da escritura referida em A), designadamente, os pagamentos e comprovativos do IMT e do Imposto de selo junto da Repartição de Finanças, certidões matriciais e registrais indispensáveis ao acto notarial” – pode/deve dizer-se que o ilícito danoso se situa bem no âmago do exercício da função/comissão: a R/ B... ficou de tratar/obter a documentação necessária à formalização do negócio, pelo que, natural e forçosamente, tinha o A. que lhe facultar os meios financeiros para liquidar os impostos devidos (e assim obter a documentação necessária à formalização do negócio).

Foi pois bem no âmbito da comissão – no exercício da função que lhe foi confiada – que a R. C... recebeu os 4 cheques[7]; pelo que se “descaminhou” o montante dos mesmos, num fim estranho à comissão e em claro e intencional abuso de funções, não pode tal “descaminho” deixar de estar e ser considerado formalmente compreendido no âmbito da comissão.

Não exprimindo os factos provados a imprudência e a culpa que a R/apelante atribui ao A/apelado na conclusão 7.ª.

Nada há nos factos provados que diga que o A/apelado conhecia a natureza do vínculo entre as RR e/ou as instruções internas da R/ B...; em face dos factos provados, a B... e a R. C... seriam, aos olhos do A/apelado, a mesma entidade[8]; e tendo a mediadora ficado de “tratar de tudo”, entregou-lhe os meios financeiros[9] para que pudesse “tratar de tudo”.

Nada há nos factos provados – e nem sequer a R/apelante o insinua – que permita suspeitar sequer de qualquer tipo de conluio entre o A/apelado e a R/ C...; como refere a R/apelante B... “está-se perante uma verdadeira trapaça urdida pela R/ C... contra o recorrido, à qual a B... é totalmente alheia”, mais exactamente, em que a B... não teve culpa, de que não retirou qualquer benefício directo[10], mas por que terá que responder, objectivamente, pela razões expostas.

Efectivamente, quando alguém (no caso, a B...) se serve de uma outra pessoa para, sob a sua direcção, realizar determinada tarefa, responsabiliza-se implícita ou tacitamente pela actuação dessa outra pessoa como se ele próprio agisse[11]; por outro lado – é o ponto de vista da lei que faz do comitente um garante da indemnização perante o terceiro lesado (cfr. 500.º/3), não o onerando com um encargo definitivo – é mais justo que os efeitos da frequente insuficiência económica do património do comissário recaiam sobre o comitente, que pôde escolher, orientar e vigiar a sua actuação, do que sobre o lesado.

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Improcede pois “in totum” o que a R/apelante B... invocou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio da apelação e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.
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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.

Custas, nesta instância, pela R/apelante B....

Coimbra, 18/03/2014

(Barateiro Martins -Relator)

(Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)

[1] Pediu, também, a intervenção principal provocada, do lado passivo, de G..., uma vez que foi este quem levantou, em 06.02.2009, o 4 cheque do A.; incidente/intervenção que não foi admitido.

E pediu, ainda, a condenação do A. como litigante de má fé, pedido (a que o A. respondeu) que foi julgado improcedente, segmento decisório que não faz parte do objecto do recurso.

[2] O art. 800.º não exige, evidentemente, a existência duma “comissão” como sucede no art. 500.º e a ilicitude, dum e doutro, têm à partida contornos não sobreponíveis; porém, os casos de concurso de responsabilidade são extremamente fáceis de encontrar – cfr. Maria da Graça Trigo, in Responsabilidade Civil Delitual por Facto de Terceiro, pág. 253 a 259.

[3] Cfr. Maria da Graça Trigo, obra citada, pág. 242 e 243.

[4] A responsabilidade objectiva do comitente pressupõe a responsabilidade do próprio comissário, como se diz na parte final do art. 500.º/1: “desde que sobre este (comissário) recaia também a obrigação de indemnizar”.

[5] E nem sequer é preciso afirmar que a R. C... estaria a “falso” recibo verde.

[6] Sustenta a R/apelante, na conclusão 6.º, que o facto de a actual lei de mediação imobiliária (Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro) ter deixado de prever um art. como o anterior art. 22.º do anterior DL 211/2004, de 20 de Agosto – que estipulava que havia responsabilidade civil das empresas de mediação imobiliária, nos termos do art. 500.° do Código Civil, pelos danos causados por factos praticados por angariadores no âmbito dos contratos de prestação de serviços entre eles celebrados – também significa que não pode ser responsabilizada “por algo a que o legislador quis, expressamente, pôr fim, sob pena de violação do princípio da legalidade”.

Porém, a nosso ver sem razão, por vários motivos.

Em 1.º lugar, a situação (relação jurídica) sub-judice ficou totalmente constituída antes da entrada em vigor da Lei/2013, o que significa que lhe é aplicável, ex vi art. 12.º do C. Civil, o DL 211/2004.

Em 2.º lugar, a circunstância da actual lei de mediação imobiliária (Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro) não ter um preceito de conteúdo idêntico ao art. 22.º do anterior DL 211/2004, de 20 de Agosto, não significa que, em substância, tenha havido alguma alteração; continuam válidos e vigentes os princípios gerais e as regras do C. Civil.

Em 3.º lugar, a nova lei impõe às empresas de mediação imobiliária, no seu art. 7.º, que tenham seguro de responsabilidade civil; acrescenta no art. 7.º/4 que tal seguro se destina “ao ressarcimento dos danos patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de acções ou omissões das empresas, dos seus representantes e dos seus colaboradores”; e nesta figura (dos colaboradores) inclui claramente os angariadores – cfr Capítulo IV e arts. 23.º e 25.º – isto é, a R/ C....
[7] Ao contrário da empregada de limpeza (da situação analisada no Ac. do STJ invocado), cuja função não lhe permitia aceder legitimamente ao cartão Multibanco e ao código de acesso.

[8] Não faz o menor sentido, com o devido respeito, que alguém que se dirige à loja duma mediadora imobiliária e aí é atendido sempre pela mesma pessoa – que desenvolve, em substância, toda a actividade tendente à concretização dum negócio jurídico sobre um imóvel ali promovido – se ponha a fazer conjecturas ou a tecer suspeitas sobre a natureza do vínculo de tal pessoa com a mediadora imobiliária; se a pessoa está na loja, se faz o que é suposto fazer uma pessoa que trabalha numa loja daquela ramo de actividade, “tem que ser”, independentemente do vínculo, uma pessoa que reporta à mediadora e que tem o respaldo/cobertura da mesma.

[9] Fê-lo por 3 vezes para os impostos, mas importa não esquecer que também se provou:

 - que “a escritura chegou a estar marcada por diversas vezes durante o ano de 2009, mas, por falta de elementos concernentes à “ D...” (dona do apartamento que o A., através da permuta, ficou titular), foi sendo adiada até 26.2.10, data da respectiva outorga”; e

 - que “o último cheque (de 5.700,10€) foi passado com a justificação, dada pela Ré C..., de que as Finanças entendiam que o IMT era superior, pelo facto da aquisição do imóvel ser feita pelo casal e as fracções permutadas serem da exclusiva propriedade do A.”.
[10] Além, certamente, da comissão combinada com a D....
[11] Daí também o que se dispõe no art. 165.º do C. Civil: “ As pessoas colectivas respondem civilmente pelo actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários”.