Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1233/11.0TAGRD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: PROCESSO TUTELAR
MEDIDAS CAUTELARES
REVISÃO OFICIOSA
Data do Acordão: 10/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 137º Nº 7 DA LEI TUTELAR EDUCATIVA (LTE)
Sumário: Quando a revisão da medida tutelar, é oficiosa fica ao critério do juiz a audição do Mº Pº, do menor e a da entidade encarregada da execução da medida para efeitos do reexame dos pressupostos da medida tutelar aplicada ouvindo-os “sempre que necessário”.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.


            No âmbito do processo tutelar educativo supra identificado, foi proferido despacho que procedeu à revisão oficiosa da medida tutelar educativa de internamento em regime aberto pelo período de um (1) ano e seis (6) meses que foi aplicada ao recorrente A..., no sentido de tal medida ser mantida nos seus precisos termos.
            Discordando de tal decisão, o menor A..., interpôs recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, de que extraiu as seguintes conclusões:
            1 O menor A..., foi notificado do douto despacho que procedeu à revisão oficiosa da medida tutelar educativa de internamento em regime aberto pelo período de um ano e seis meses, no sentido de tal medida ser mantida nos seus precisos termos actuais.
            2. Através da sua defensora, o menor requereu a fls. 495 dos autos, a sua audição pelo Tribunal.

            3. No direito tutelar predominam principios como o da legalidade e o princípio do contraditório.
            4. Com efeito, o n° 2 do artigo 45° da Lei Tutelar Educativa refere expressamente que, em qualquer fase do processo o menor tem direito a a) Ser ouvido, oficiosamente ou quando o requerer, pela autoridade judiciária”
             5. Afere-se igualmente dos artigos 77° e seguintes do mesmo diploma legal, da necessidade da audição do menor, quer durante a fase de inquérito quer na fase jurisdicional.
            6. O n°.7 do artigo 137° da LTE refere que, “No caso de revisão a requerimento das pessoas referidas no nº 1, o juiz deve ouvir o Ministério Público, o menor e a entidade encarregada da execução da medida. Nos restantes casos, ouve o menor, sempre que o entender conveniente”. Ou seja, quando se trate da revisão da medida tutelar, oficiosa como é o caso
em apreço, a lei deixa ao prudente critério do juiz a audição do menor, ouvindo-o “sempre que entender conveniente”.

            7. No entanto, in casu, a audição foi expressamente requerida pelo menor.
            8. Pelo que, ao não se proceder à sua audição foi restringida a oportunidade de este se pronunciar sobre a manutenção dos pressupostos que fundamentam a aplicação da medida tutelar educativa nos termos em que esta está a ser executada.

            9. Uma vez que, e como consta dos autos, o menor requereu a revisão da medida tutelar educativa aplicável, apenas por se entender que a sua execução se previa demasiadamente onerosa para o menor.
            10. Com efeito, desde Junho de 2012 (data de entrada no Centro Educativo) que o menor não está com a mãe, pois nunca foi autorizada a sua deslocação para casa, situação que tem perturbado o menor, pois permanece sem contacto com o exterior, sem ver a mãe e sem ter oportunidade de se deslocar, ainda que por curtos períodos, a sua casa.
            11. Desta forma, e dado que ao menor foi aplicada a medida de internamento em regime aberto, a execução da medida aplicada afigura-se excessivamente penosa para o menor que se encontra privado de estar com a família e privado do contacto com o meio social, não sendo esse o sentido da medida de internamento em regime aberto.
            12. E sendo certo que, as medidas tutelares educativas têm como finalidade “a educação do menor para o direito e a sua inserção de forma digna e responsável na vida em comunidade” tendo como sentido a intervenção responsabilizadora da criança, ordenada ao seu superior
interesse, enquanto titular do direito ao desenvolvimento positivo da personalidade em formação.

            13. Ao que acresce que, o critério geral que preside à opção pelo tribunal relativamente á escolha da medida, é fornecido no artigo 6.° da LTE, onde se prevê que, “o tribunal dá preferência de entre as que se mostrem, adequadas e suficientes à socialização do menor, á que represente menor intervenção na autonomia de decisão e condução de vida do menor e que seja susceptível de alcançar maior adesão do menor, seus pais, representante legal ou pessoa que  o tenha à guarda” e isto, como forma de lograr uma maior eficácia da intervenção da medida tutelar aplicada em cada caso.
            14. Pelo que, e salvo respeito por melhor opinião não estão a ser considerados os factos supra descritos e que afectam o menor.
            15. Como já supra referido o artigo 45°n.°2 na alínea a)da LTE estabelece que, “o menor tem de ser ouvido, oficiosamente ou quando o requerer pela autoridade judiciária”.

            16. No mesmo entendimento, estabelece o artigo 61.º n.° 1 alíneas a) e b) do CPP, aplicável ex vi, do artigo 128.° da LTE que, “o arguido, goza, em especial em qualquer fase do processo dos direitos de:
            a) Estar presente nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
             b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devem tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.
            17. Por outro lado a CRP reconhece no n,° 5 do artigo 32.° o princípio do contraditório como uma das garantias do processo criminal.
            18. Assim, o Douto despacho, está em clara violação do principio do contraditório, decorrente do facto de não se ter procedido à prévia audição do recorrente antes da revisão da medida tutelar educativa.

            19. Omissão, que o aqui recorrente entende constituir nulidade, prevista no artigo 119° al. c), do CPP aplicável ex vida artigo 128.° n.° 1 da LTE.
            Pelo sucintamente exposto, e pelo mais que for doutamente suprido, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser declarada nula a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra em ordem a sua reparação e à prévia audição do menor, assim se fazendo, JUSTIÇA!

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            Em resposta ao recurso da menor, o Ministério Público em 1ª Instância pugnou pela improcedência do mesmo e manutenção da sentença recorrida.
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            Nesta Relação, o Ilustre Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida.
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            Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal.
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            Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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            Definido pelas conclusões da motivação (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 128.º da Lei Tutelar Educativa (doravante LTE), o objecto do recurso centra-se nas seguintes questões:
            - Se o Tribunal devia ter procedido à prévia audição do menor antes da revisão da medida tutelar educativa;                  


            Despacho recorrido:
           
            Atendendo a que já se encontra muito próximo o dia 30 de Junho de 2013 (que seria a data limite para este efeito), decidir-se-á hoje e desde já da revisão (oficiosa) da medida tutelar educativa de internamento em regime aberto pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses que nestes autos foi aplicada ao menor A..., tudo nos termos e para os efeitos do estabelecido no artigo 137º, n.º 1 e n.º 2, al. a), da Lei Tutelar Educativa (doravante designada por LTE).
            O Ministério Público pronunciou-se a fls. 494 no sentido de que a medida tutelar educativa aplicada deve ser mantida nos seus precisos termos.
            A DGRSP trouxe aos autos o último relatório periódico de execução da medida tutelar educativa aplicada, conforme consta de fls. 487 a 492, propondo igualmente a manutenção da medida em causa nos mesmos termos.
            A ilustre defensora do menor veio requerer a fls. 495 que o menor fosse ouvido pelo Tribunal.
            Ora, cumprindo decidir antes do mais da efectiva audição do menor, estabelece o n.º 7 do aludido artigo 137º da LTE que, nos casos de revisão oficiosa da medida tutelar educativa (como aqui se trata), o juiz ouve o menor “sempre que o entender conveniente”. Trata-se aqui por isso de um poder discricionário de que o juiz dispõe no sentido de proceder ou não a essa audição, conforme o seu prudente arbítrio.
            No nosso caso concreto, salvo o devido respeito por opinião diversa, não vemos quais seriam ou fossem os efeitos ou o eventual impacto na decisão deste Tribunal que teria uma eventual audição (presencial) do menor nas instalações deste Tribunal, nem vemos em que é que as suas eventuais declarações poderiam abalar ou colocar em causa tudo aquilo que já vem sendo proficuamente informado e relatado nos autos, quer pela DGRSP, quer pelo Centro Educativo onde o menor se encontra acolhido, ao longo deste último ano que decorreu desde o início da execução da medida. E nem a ilustre defensora do menor esclarece qual seria em concreto o efeito útil pretendido com a audição do menor, isto para além do que já anteriormente veio dizer aos autos no sentido de que o menor não tem contactado com a mãe nos termos que seria desejáveis e por isso a medida tutelar educativa aplicada seria demasiadamente onerosa, devendo ser revista, pretensão essa que aliás já na altura foi afastada e indeferida pelo Tribunal.
            Assim, é essencialmente pelo que se acaba de dizer que se entende não proceder à audição pessoal e presencial do menor para efeitos da decisão da revisão da medida tutelar educativa aplicada e a que agora se irá proceder.
            Para este efeito, estabelece então com interesse ainda o artigo 136º, n.º 1, da LTE que:
“A medida tutelar é revista quando:
            a) A execução se tiver tornado impossível, por facto não imputável ao menor;
            b) A execução se tiver tornado excessivamente onerosa para o menor;
            c) No decurso da execução a medida se tiver tornado desajustada ao menor por forma que frustre manifestamente os seus fins;
            d) A continuação da execução se revelar desnecessária devido aos progressos educativos alcançados pelo menor;
            e) O menor se tiver colocado intencionalmente em situação que inviabilize o cumprimento da medida;
            f) O menor tiver violado, de modo grosseiro ou persistente, os deveres inerentes ao cumprimento da medida;
            g) O menor com mais de 16 anos cometer infracção criminal.”.
            Revertendo ao nosso caso concreto, e como já se referiu, de todas as informações que nos vêm sendo trazidas pela DGRSP e pelo Centro Educativo onde o menor A... se encontra acolhido resulta que ao menor vêm sendo aplicados sucessivos processos disciplinares devidos a perturbações várias por si causadas no centro educativo, o menor continua a evidenciar dificuldades de adaptação ao contexto estruturado e contentor, não interioriza ainda de forma suficiente a necessidade de obedecer a regras e normas, não estabelece relações positivas com os pares, com os quais tem atitudes provocatórias constantes, manifesta uma postura de distanciamento e desconfiança para com os agentes educativos e resiste ao que é proposto por estes, transmite uma imagem não realista e demasiadamente positiva de si próprio, não assume qualquer postura crítica quanto aos ilícitos que cometeu nem preocupação face à vítimas, tem dificuldades em considerar o ponto de vista e o interesse dos outros, demonstra dificuldades ao nível do controlo de impulsos e baixa tolerância à frustração, é influenciável pelos seus pares, demonstra agressividade verbal (embora esteja mais contido ao nível da agressão física), e só “minimamente” é que cumpre as regras de rotina diária.
            Num quadro como este, e salvo o devido respeito por opinião diversa, julgamos que não é pensável alterar a medida tutelar educativa aplicada, designadamente procedendo à sua revisão ou substituição, muito menos por outra eventualmente menos onerosa. Embora se reconheça as dificuldades que o menor tem tido nos contactos com a mãe (e que igualmente são espelhados pela DGRSP), a verdade é que não só têm existido contactos telefónicos muito frequentes, como pensamos que tal passaria pela obtenção de melhores meios de transporte por parte da mãe, embora se reconheçam também aqui as respectivas dificuldades. De todo o modo, pensamos que não pode ser por esta via colocados em causa os objectivos que se visam com a medida tutelar educativa aplicada e que se encontra em curso.
            Por outro lado, julgamos também que a medida em curso não se revela hoje impossível, nem desajustada, nem desnecessária, nem inviabilizada, e nem a violação dos seus deveres em que o menor tem incorrido justifica a nosso ver que a medida seja alterada, sendo que, quando muito, apenas se poderia pensar que seria eventualmente agravada.
            Assim, pensamos que se justifica hoje e a todas as luzes que a medida tutelar educativa em regime aberto se mantenha, tal como aliás defendem a DGRSP e o Ministério Público, a fim de se prosseguir e se continuarem a envidar todos os esforços no sentido de os seus objectivos serem o mais possível cumpridos, no sentido proposto pela DGRSP. Ao nível escolar / profissional, o menor vem frequentando um curso EFA (Educação e Formação de Adultos) com equivalência ao 9º ano, com componente tecnológica em “Pré-Impressão”, com ligeiras melhorias no interesse e participação demonstradas, bem como no comportamento, sendo previsível que venha a concluir o curso, e sendo efectivamente muito desejável que isso venha a suceder, sobretudo ainda no âmbito do centro educativo.
            Assim, face ao que se acaba de dizer, decide-se proceder à revisão da medida tutelar educativa de internamento em regime aberto pelo período de 1 (um) ano e 6 seis) meses que nestes autos foi aplicada ao menor A..., no sentido de tal medida ser mantida nos seus precisos termos actuais.
            Consigna-se que a referida medida tutelar educativa terá forçosamente o seu término no próximo dia 30 de Dezembro de 2013, pelo que deverá ser aberta vista ao Ministério Público e deverá ser-nos aberta conclusão em tempo útil a fim de determinarmos nesse sentido.
            Cumpra-se o disposto no artigo 137º, n.º 9, da LTE, notificando-se a presente decisão ao menor A..., à sua progenitora, à ilustre defensora do menor, ao Ministério Público, à DGRSP e ao Centro Educativo onde se encontra a ser executada a medida.
                                                           *
            Dispõe o artº 32º nº 5 da Constituição da Republica que “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao principio do contraditório”.
            A CRP consagra, assim, o princípio do contraditório como uma das garantias do processo criminal.
            Em obediência deste princípio a lei adjectiva ordinária inclui, entre os direitos e deveres processuais do arguido, o direito de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte – artº 61 nº 1 al b) do CPP.
            Por sua vez o artº 45 nº 2 da LTE dispõe que:
            “Em qualquer fase do processo, o menor tem especialmente direito a: ser ouvido, oficiosamente ou quando o requerer, pela autoridade judiciária.
            Também o artº 77º nº 1 do mesmo diploma estipula que “Aberto o inquérito, o Ministério Público ouve o menor no mais curto prazo”.
            E ainda o art 101 nº 3, que estatui que oficiosamente ou a requerimento, o juiz pode dispensar a comparência do menor ou de quaisquer outras pessoas ou ouvi-los separadamente, se o interesse do menor o justificar.
Do disposto nos arts 77º a 110º da LTE retira-se que é necessária a audição do menor quer durante a fase de inquérito, quer na fase jurisdicional, o que se entende na medida em que está em causa a aplicação ou não de uma medida tutelar.
            No caso de revisão o nº 7 do artº 137º da LTE estatui que a requerimento das pessoas referidas no nº 1, o juiz deve ouvir o Ministério Público, o menor e a entidade encarregada da execução da medida. Nos restantes casos, ouve o menor, sempre que o entender conveniente”
            Portanto, quando a revisão da medida tutelar, é oficiosa (o que acontece no caso vertente) fica ao critério do juiz a audição do Mº Pº, do menor e a da entidade encarregada da execução da medida para efeitos do reexame dos pressupostos da medida tutelar aplicada ouvindo-os “sempre que necessário”.
            Há assim uma diferença de regimes.  Isto porque no caso de revisão a requerimento das pessoas referidas no nº 1 do artº 137 está em causa a aplicação ou não de uma medida tutelar. No caso de revisão, oficiosa, pretende-se apenas verificar a manutenção ou não dos pressupostos que fundamentaram a aplicação já efectuada.
            Assim, ao menor assiste o direito de ser ouvido pela autoridade judiciária, a seu pedido ou por iniciativa desta, sendo a sua audição, no caso de aplicação da medida tutelar, a regra que só pode ser afastada em casos específicos e fundamentados.
            No segundo caso, não se reconhece ao arguido um direito de audiência, ficando ao critério do juiz, ouvir ou não ouvir o menor consoante o considere ou não necessário. Essa necessidade afere-se pelo desenvolvimento do menor no decurso do acompanhamento deste pelos serviços sociais.
            Neste sentido o ac RLisboa de 27/02/2013 relatado pelo Exmº Desembargador Vasco Freitas.    
            Também é de notar que os argumentos agora aduzidos pela ilustre defensora do menor já foram postos em questão aquando da aplicação da medida tutelar.
            Portanto, não foram violados quaisquer direitos de defesa do menor até porque este pode, a todo tempo, tomar a iniciativa e requerer o reexame da medida tutelar aplicada, caso em que terá que ser ouvido como estatui o artº 137º nº 1, 2 e 7 da LTE

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juizes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Sem custas (art 3º, nº 1 al b) do CCJ)
                                  

Alice Santos (Relatora)
Belmiro Andrade