Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1260/12.0TBGRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: INSOLVÊNCIA
MEAÇÃO
INSOLVENTE
BENS COMUNS
HIPOTECA
VENDA
Data do Acordão: 09/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 686, 690, 696 CC
Sumário: 1. O direito à meação do insolvente no património comum do casal formado por este e pela sua ex-mulher, é único e indiviso, não incidindo sobre bens concretos e determinados, sendo que só por via da separação dos bens e partilha com liquidação do património do casal há lugar a essa concretização.

2. O direito de propriedade sobre um imóvel não se confunde com o direito à meação no património comum, do qual esse imóvel faz parte. São realidades diferentes.

3. A garantia decorrente da hipoteca, só tem efeitos sobre o bem a que respeita, em concreto, e apenas pode ser considerada para efeitos da venda desse bem.

4. Em caso de venda do direito da meação do insolvente no património comum do ex-casal, a hipoteca da Recorrente não é afectada, porque não é o imóvel sobre o qual a mesma incide que é vendido. Quem adquire tal direito adquire uma parte do património comum no qual se integra um imóvel hipotecado. Apesar do direito passar para outro titular, o bem imóvel hipotecado continua a responder pela satisfação do crédito garantido, pois tal resulta da natureza da hipoteca enquanto direito real de garantia e da sequela que lhe anda associada.

5. O crédito da Recorrente terá de ser tido como comum, por existir apenas um único bem apreendido que é o direito à meação do insolvente no património comum do casal.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra


I. Relatório
Por sentença de 31/10/2012 foi declarada a insolvência de J (…)
Foi fixado o prazo para a reclamação de créditos, tendo a 27/12/2012 o Sr. Administrador da Insolvência apresentado a lista dos créditos reconhecidos nos termos do artº 129º do CIRE.
Não foi apresentada qualquer impugnação.
Foi proferido despacho a julgar suspenso o incidente de verificação e gradução de créditos até que seja proferida decisão final transitada em julgado no processo de inventário que corre termos com o nº 834/12.3TBGDR-D do 1º juízo, ou até ao encerramento da liquidação no presente processo de insolvência, se for anterior, com fundamento no facto de se tratar de processo de inventário para separação dos bens comuns do casal constituído pelo insolvente e pela sua mulher anteriormente também declarada insolvente, o que virá a ter influência na apreensão dos bens para a massa.
O processo de inventário veio a ser declarado extinto pelo facto da Requerente aí ter desistido da instância, o que determinou o prosseguimento destes autos.
Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que considerou verificados e reconhecidos os créditos constantes da lista de credores apresentada pelo Administrador do Insolvente, homologando a mesma quanto à existência dos créditos dali constantes e seus valores e procedeu à sua graduação, determinando que: apenas existe um bem único apreendido, como sendo o direito (único) à meação do insolvente J (…) no património comum do ex-casal que formou com a sua ex-mulher C (…); todos os créditos constantes da lista homologada são considerados comuns e todos esses créditos deverão ser pagos, indiferentemente e sem prevalência de qualquer deles sobre os restantes, pelo produto da venda do bem (único) apreendido, procedendo-se a rateio se necessário.
Não se conformando com a sentença proferida, na parte em que considerou como comum o seu crédito, vem dela interpor recurso de apelação o credor K..., S.A., requerendo a revogação da decisão e substituição por outra, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:
A. Resulta da matéria assente que no âmbito do processo n.º 834/12.3TBGRD que corre os seus termos no 1º Juízo deste Tribunal da Guarda, foi declarada insolvente a ex-mulher, C (…)
B. Neste pressuposto, atendendo a que os credores eram os mesmos, em ambos os processos de insolvência, na reunião da Assembleia de Credores, que teve lugar no dia 19 de Dezembro de 2012, os credores votaram favoravelmente o relatório apresentado pelo Senhor Administrador.
C. Sendo que consta do sobredito relatório, a seguinte menção: Atendendo à compropriedade dos bens a vender, os mesmos irão ser vendidos em venda conjunta neste processo e no processo nº 834/12.3 TBGRD um vez que tal procedimento beneficiará ambas as massas insolventes.
D. Encontra-se, assim, determinada a venda desse mesmo prédio e não apenas o direito que cada um dos ex-cônjuges detém sobre o dito imóvel.
E. Assim, havendo conexão entre a hipoteca a favor da aqui recorrente e o direito apreendido em ambas as massas, não deveriam os créditos da apelante ser graduados em rateio na proporção dos respectivos montantes, como decidido, o que esvazia a hipoteca do seu conteúdo, causando graves prejuízos à recorrente.
F. Sem prescindir, a douta sentença ao determinar que apenas existe um bem único apreendido, como sendo o direito (único) à meação do insolvente J (…) no património comum do ex-casal que formou com a sua ex-mulher C (…); Todos os créditos constantes da lista homologada são considerados comuns;Todos esses créditos deverão ser pagos, indiferentemente e sem prevalência de qualquer deles sobre os restantes, pelo produto da venda do bem (único) apreendido, procedendo-se a rateio se necessário, está salvo melhor opinião, a admitir a hipótese de venda do imóvel sem qualquer ónus e/ou encargo, por um lado; e a prever a divisibilidade da hipoteca, por outro.
G. Quando é sabido que o efeito principal da hipoteca é a satisfação do direito de crédito garantido através do bem hipotecado. Enquanto subsistir, ela habilita o seu titular a atingir a coisa, onde esta se encontrar. Este atributo de sequela é consequência necessária do direito real de hipoteca e traduz o poder do titular desse direito de actuar sobre a coisa que lhe foi afecta, sem ter de se deter perante a atitude da pessoa que estiver actualmente na posse da coisa.
H. Assim, a hipoteca é por natureza indivisível – cfr. artigo 696º do C. Civil. Ou seja, o facto da hipoteca ter inicialmente por objecto uma única coisa,
estabelece-se que, em caso de divisão da mesma, a hipoteca subsiste sobre cada coisa nova saída da divisão; por outro lado, a situação de, havendo cumprimento parcial do crédito garantido, o credor hipotecário poder executar a hipoteca na totalidade para satisfação do remanescente da dívida.
I. Por outro lado e sem prescindir, a sentença aqui em crise, ao não decidir sobre os direitos de sequela a que estão sujeitos os créditos da aqui recorrente e da Fazenda Pública, no caso de venda do direito de meação do insolvente, constitui causa de nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 668º n.º 1 alínea d) do C. Processo Civil.
J. No caso concreto, é o próprio Tribunal que na fundamentação, procura deixar clara a questão de que os direitos dos credores privilegiados não se mostram prejudicados, no caso de venda do direito de meação, por força do direito de sequela, porém na parte dispositiva da douta sentença a questão não se encontra decidida.
K. Sendo que, pensamos, salvo melhor opinião que na sentença, em crise, deveria ter-se em conta a própria coerência entre a fundamentação e a parte propriamente decisória da sentença (cfr. artigos 659.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
L. A ser assim, a sentença recorrida deixou de se pronunciar sobre uma questão (manutenção dos privilégios creditórios sobre os bens), quanto a nós essencial, o constitui a nulidade por omissão de pronúncia.
M. Outra interpretação, viola, salvo melhor entendimento, o princípio da confiança, ínsito do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição, donde ressalta, além do mais, a garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais.
N. Bem como, “o princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção de confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico”.
O. A sentença recorrida viola as disposições constantes dos artigos 689º, 696º, 718º, 719º, 730º e 824º do Código Civil; os artigos 659.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil e existe uma violação frontal
do princípio da confiança ínsito no princípio do estado de direito e dos princípios dos artigos 2º e 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrentes nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 a 3 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.
- da sentença proferida admitir a hipótese de venda do imóvel sem qualquer ónus e/ou encargo e a prever a divisibilidade da hipoteca.
- da nulidade da sentença por violação do disposto no artº 668 nº 1 d) do C.P.C. por não se pronunciar sobre a manutenção dos privilégios creditórios sobre os bens.
- da violação do principio da confiança consagrado no artº 2º da Constituição da República Portuguesa, por a Recorrente não ver assegurada e salvaguardada a hipoteca do imóvel, em caso de venda da meação.
III. Fundamentação de Facto.
São os seguintes os factos provados com interesse para a decisão do recurso, nos termos do disposto nos artº 713 nº 2 e 659 nº 3 do C.P.C., tendo em conta o acordo das partes e os documentos juntos aos autos:
1. Por sentença de 31/10/2012 foi declarada a insolvência de J (…)
2. A K... tem reconhecido nos autos um crédito sobre o insolvente no valor total de € 271.040,95 que se encontra garantido por hipoteca sobre o prédio urbano composto por cave, rés-do-chão e 1º andar, com logradouro, denominado lote seis, sito em (...), freguesia de (...), concelho da Guarda, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o nº (...) e inscrito na respectiva matriz sob o artº (...) da freguesia referida. A hipoteca encontra-se registada.
3. Encontra-se apreendido nestes autos o direito à meação do insolvente no património comum do casal, constituído pelo insolvente e por C (…), de quem já se encontra divorciado.
4. C (…) veio também a ser declarada insolvente no âmbito do proc. nº 834/12.3TBGRD do 1º juízo do tribunal judicial da Guarda.
5. Por apenso correu termos processo de inventário com vista à separação dos bens comuns do casal, incluindo o património comum o imóvel já identificado.
6. No processo de insolvência de C (…) encontra-se apreendida a meação da mesma no património comum do casal.
7. Na sentença de verificação e graduação de créditos proferida naquele processo foi graduado em primeiro lugar o crédito da K..., garantido por hipoteca, para ser pago pelo produto da venda do direito à meação no montante correspondente ao preço de venda do prédio urbano já identificado.
8. O património comum do casal á constituído por um bem imóvel, correspondente ao prédio hipotecado à K... e pelos bens móveis que constituem o recheio da casa de habitação do insolvente.
9. O processo de inventário foi declarado extinto, pelo facto da Requerente ter desistido da instância, sem oposição, quando da realização da conferência de interessados.
IV. Razões de Direito
Questão prévia
Começa a Recorrente por vir invocar nas suas alegações de recurso as decisões tomadas no âmbito do processo de insolvência nº 834/12.3TBGRD, em que foi declarada insolvente C (…) ex-mulher do aqui insolvente e nos seus apensos, mormente no que se refere ao relatório aí apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência e ao seu teor, com referência à venda dos bens aí apreendidos e à sentença de verificação e graduação de créditos aí proferida. Conclui que verificando-se que em ambos os processos vai ocorrer a venda da totalidade do prédio, devem ser graduados com a preferência resultante da hipoteca e obter pagamento pelo produto da venda, os créditos da Recorrente.
Ora, já se vê, por um lado, que a decisão proferida no processo de insolvência em questão não vincula o tribunal a decidir do mesmo modo num processo diferente, já que os efeitos da decisão transitada em julgado são apenas os definidos no artº 671º do C.P.C. que no seu nº 1 dispõe que a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artº 497º e 498º (normas que se referem ao conceito e requisitos do caso julgado), sem prejuízo do disposto nos artº 771º a 777º, reportando-se estes últimos artigos ao recurso de revisão.
Por outro lado, a Recorrente parte de uma permissa errada ao referir que em ambos os processos vai ocorrer a venda da totalidade do prédio. Ora, não é isso que certamente vai ocorrer, uma vez que o imóvel em questão não está apreendido em nenhum dos processos de insolvência.
O que está apreendido nos processos de insolvência é o direito de cada um dos devedores à sua meação no património comum do casal, o que não se confunde com o imóvel que é apenas um dos bens que integra esse mesmo património, verificando-se que o mesmo é pelo menos composto também pelos bens móveis que se encontram na habitação. Nesta medida e uma vez que o que é vendido é o que se encontra apreendido, é o direito à meação que será objecto de venda e não o imóvel hipotecado.
De qualquer forma, em vez da prevista venda conjunta do imóvel, que é referida pela Recorrente, poderá eventualmente ter lugar a venda conjunta do direito à meação no património comum do ex-casal dos dois insolventes.
- da sentença proferida admitir a hipótese de venda do imóvel sem qualquer ónus e/ou encargo e prever a divisibilidade da hipoteca.
Salvo o devido respeito, a Recorrente vê na sentença aquilo que ela não diz, nem dela se infere.
Em nenhum lugar consta da sentença sob recurso ou dela resulta, ainda que implicitamente, a decisão, ou sequer a alusão ao facto do imóvel poder ser vendido sem ónus ou encargo, ou da divisibilidade da hipoteca.
Na verdade, a sentença nunca se refere à venda do imóvel que constitui a garantia do crédito da Recorrente e nem podia referir-se a tal venda, na medida em que o que está apreendido nos autos de insolvência não é tal imóvel, mas antes o direito do insolvente à meação no património comum do ex-casal. Não pode determinar-se a venda de um bem que não está apreendido para a massa.
O que parece acontecer é alguma confusão de conceitos por parte da Recorrente, com dificuldade em diferenciar as duas realidades que são o direito à meação no património comum, com os bens em concreto que integram tal património, como acontece com o imóvel hipotecado.
Não é assim correcta a afirmação da Recorrente, no sentido de dizer que a sentença “a quo” ao determinar que existe apenas um bem apreendido que é o direito à meação no património comum do ex-casal, está a admitir a hipótese de venda do imóvel sem qualquer ónus ou encargo e a prever a divisibilidade da hipoteca.
O crédito da Recorrente goza de garantia real sobre o imóvel que integra o património comum do insolvente e da sua ex-mulher, também já declarada insolvente, através da hipoteca constituída e que onera aquele bem. Tal constitui uma evidência que nunca é posta em causa pelo tribunal “a quo”.
O que a decisão sob recurso refere é que o imóvel em questão não se encontra apreendido nestes autos de insolvência, já que o que aqui foi apreendido foi a meação do insolvente no património comum do casal constituído com a sua ex-mulher, também declarada insolvente. O direito à meação do insolvente no património comum do casal formado por este e pela sua ex-mulher, é único e indiviso, não incidindo sobre bens concretos e determinados, sendo que só por via da separação dos bens e partilha com liquidação do património do casal há lugar a essa concretização.
O direito de propriedade sobre um imóvel não se confunde com o direito à meação no património comum, do qual esse imóvel faz parte. São realidades diferentes.
A garantia decorrente da hipoteca, conforme bem refere a decisão sob recurso, só incide e tem efeitos sobre o bem a que respeita, em concreto, e apenas pode ser considerada para efeitos da venda desse bem.
É isso que decorre do estabelecido no artº 686 nº 1 do C.Civil, quando estipula que o credor hipotecário tem o direito de ser pago, pelo valor das coisas hipotecadas com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
A meação dos bens comuns do casal nem sequer pode ser objecto de hipoteca, conforme decorre do artº 690 do C.Civil que o exclui expressamente.
Tal como nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/02/2012, in. www.dgsi.pt, também citado na decisão recorrida, “A pretensão da recorrente de que se lhe dê preferência no pagamento pelo produto da venda da meação conjugal do insolvente, na qual se integra o imóvel hipotecado a favor da recorrente, a ser admitida, traduzir-se-ia numa violação indirecta do disposto no artigo 690º do Código Civil, pois dar-se-lhe-ia preferência no pagamento pelo produto da venda de um direito, sem que fosse admitida a constituição da garantia fundamentadora da preferência no pagamento sobre o direito objecto da venda. Por outro lado, o direito à meação conjugal não se traduz num qualquer direito inerente ao imóvel hipotecado a favor da recorrente pois, à semelhança do que sucede relativamente ao quinhão hereditário, não confere qualquer direito sobre bens concretos e determinados integrantes da comunhão conjugal.”
Por outro lado, em caso de venda do direito da meação do insolvente no património comum do ex-casal, a hipoteca da Recorrente não é afectada, porque não é o imóvel sobre o qual a mesma incide que é vendido. Quem adquire tal direito adquire uma parte do património comum no qual se integra um imóvel hipotecado. Apesar do direito passar para outro titular, o bem imóvel hipotecado continua a responder pela satisfação do crédito garantido, como se pertencesse ao titular devedor. Tal resulta da natureza da hipoteca enquanto direito real de garantia e da sequela que lhe anda associada.
Por outro lado, a hipoteca subsiste por inteiro sobre o imóvel em questão, resultando o requisito da indivisibilidade do disposto no artº 696 do C.Civil que, com a epígrafe “indivisibilidade” estabelece que: “Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada um das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que a constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.” A venda da meação não afecta, nomeadamente com redução a metade, a garantia que resulta da hipoteca sobre o imóvel, como receia a Recorrente, nem tal resulta da decisão recorrida.
Em situação idêntica, pronunciou-se neste mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30/10/2008, in. www.dgsi.pt que conclui: “Acresce dizer que a solução adoptada não belisca o apontado direito de sequela ou, nos dizeres do recorrente, que o imóvel está " gravado" com a hipoteca. De facto, a venda da meação do falido não colide nem diminui o direito de preferência visto que a hipoteca continua a manter-se intocável (…) uma vez que a hipoteca permanece sobre aquele concreto imóvel, independentemente da transmissão desse direito à meação e de quem seja o adquirente.
            Este acórdão é aliás citado na decisão sob recurso, no sentido da bondade do aí decidido, pelo que não pode deixar de estranhar-se que a Recorrente venha dizer que a mesma admite a hipótese de venda do imóvel sem qualquer ónus e/ou encargo e prevê a divisibilidade da hipoteca, quando dela se pode inferir precisamente o contrário.
A sentença sob recurso ao concluir, após citação dos dois acórdãos identificados, que se pronunciam ambos no mesmo sentido: que o crédito da Recorrente terá de ser tido como comum, por existir apenas um único bem apreendido que é o direito à meação do insolvente no património comum do casal não está a admitir, contrariamente ao referido pela Recorrente, a venda do imóvel sem encargos ou a divisibilidade da hipoteca.
- da nulidade da sentença por violação do disposto no artº 668 nº 1 d) do C.P.C. por não se pronunciar sobre a manutenção dos privilégios creditórios sobre os bens.
O artº 668 nº 1 do C.P.C. dispõe sobre os casos em que a sentença é nula, prevendo na al. d) que tal acontece quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tal previsão decorre directamente do estabelecido no artº 660 nº 2 do C.P.C. que dispõe que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
É a própria Recorrente, aliás, que nas suas alegações de recurso, com toda a propriedade, cita o Prof. Alberto dos Reis, in. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 143 onde refere: “ que não enferma da referida nulidade a sentença (ou acórdão) que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito: “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
A omissão de pronúncia, capaz de integrar a norma em causa e determinar a nulidade da sentença, só se verifica quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes, ou de que deve conhecer oficiosamente.
 Invoca a Recorrente a nulidade da sentença, por a mesma não se ter pronunciado sobre os direitos de sequela a que estão sujeitos os créditos da Recorrente no caso de venda da meação do insolvente.
Ora, já se vê que tal nulidade não existe.
É que, em primeiro lugar, as questões ora invocadas pela Recorrente não foram sequer expressamente submetidas à apreciação do tribunal por ela ou por qualquer outro interveniente processual, nem são de conhecimento oficioso, antes se traduzem em argumentos da Recorrente para tentar fazer valer nestes autos a garantia que constitui a hipoteca sobre um imóvel, que não se encontra em concreto apreendido para a massa e em segundo lugar o tribunal decidiu as questões que se impunham decidir e que se reportam à verificação e qualificação dos créditos reclamados nos autos e sua graduação, com referência aos bens apreendidos para a massa.
Finalmente refere-se ainda que a decisão recorrida até toma posição sobre as questões que a Recorrente diz que foram omitidas, conforme se referiu já a propósito da anterior questão do recurso.
Não tem por isso razão a Recorrente com a nulidade da sentença suscitada.
            - da violação do principio da confiança consagrado no artº 2º da Constituição da República Portuguesa, por a Recorrente não ver assegurada e salvaguardada a hipoteca do imóvel, em caso de venda da meação.
Invoca ainda a Recorrente a violação do princípio da confiança, ínsito do princípio do Estado de Direito Democrático, previsto no artº 2º da CRP, referindo que a sentença recorrida não salvaguarda a hipoteca do imóvel no caso de venda de meação.
A apreciação desta questão encontra-se prejudicada atento tudo o que já ficou dito. Em lado nenhum a sentença sob recurso põe em causa a hipoteca do imóvel, como se viu, pelo contrário. Falta por isso a verificação da permissa que serve para a Recorrente invocar a violação do princípio da confiação expresso no artº 2º da CRP.
Não há, por tudo o exposto, qualquer censura a fazer à decisão sob recurso.
V. Sumário
1. O direito à meação do insolvente no património comum do casal formado por este e pela sua ex-mulher, é único e indiviso, não incidindo sobre bens concretos e determinados, sendo que só por via da separação dos bens e partilha com liquidação do património do casal há lugar a essa concretização.
2. O direito de propriedade sobre um imóvel não se confunde com o direito à meação no património comum, do qual esse imóvel faz parte. São realidades diferentes.
3. A garantia decorrente da hipoteca, só tem efeitos sobre o bem a que respeita, em concreto, e apenas pode ser considerada para efeitos da venda desse bem.
4. Em caso de venda do direito da meação do insolvente no património comum do ex-casal, a hipoteca da Recorrente não é afectada, porque não é o imóvel sobre o qual a mesma incide que é vendido. Quem adquire tal direito adquire uma parte do património comum no qual se integra um imóvel hipotecado. Apesar do direito passar para outro titular, o bem imóvel hipotecado continua a responder pela satisfação do crédito garantido, pois tal resulta da natureza da hipoteca enquanto direito real de garantia e da sequela que lhe anda associada.
5. O crédito da Recorrente terá de ser tido como comum, por existir apenas um único bem apreendido que é o direito à meação do insolvente no património comum do casal
VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
                                                           *
                                               Coimbra, 24 de Setembro de 2013

Maria Inês Moura (relatora)
Luís Cravo (1º adjunto)
 Maria José Guerra (2º adjunto)