Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
141594/13.8 YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
EFEITOS
PROCESSO
ACÇÃO
NOVA PETIÇÃO
OPOSIÇÃO
DÍVIDA
HOSPITAL
Data do Acordão: 04/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INSTÂNCIA LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL 303/2007, DE 24 DE AGOSTO
Sumário: I. A declaração da incompetência absoluta não implica necessariamente a inutilização de toda a actividade processual até então desenvolvida, podendo ser aproveitados os articulados a solicitação do autor, pretensão a que apenas o réu poderá obstar, deduzindo para o efeito oposição fundamentada.
II. O bom fundamento da oposição prende-se com a violação das garantias de defesa do réu, cumprindo indagar se, instaurada nova acção perante o Tribunal competente, lhe são permitidos meios de defesa de que não pôde lançar mão aquando do oferecimento dos articulados no Tribunal julgado incompetente.

III. Não se verifica diversidade da tramitação processual quando está em causa a cobrança de dívida hospitalar, quer o processo corra perante a jurisdição comum, quer perante a jurisdição administrativa, por ser aplicável em qualquer caso o procedimento injuntivo e a sequente acção declarativa especial previstos no DL 269/98, de 1 de Setembro, ex vi do DL 218/99, de 15 de Junho, regulamentação avulsa que se mantém aplicável por força da ressalva da parte final do n.º 1 do art.º 37.º do CPTA.

IV. Independentemente da diversidade da tramitação processual que ao caso caiba numa e outra jurisdições, é de considerar infundamentada a oposição deduzida pela ré ao aproveitamento dos articulados produzidos no âmbito de procedimento injuntivo que correu termos perante tribunal judicial e que, por efeito da declaração de incompetência, passará a correr termos na jurisdição administrativa, quando se diz prejudicada por lhe ter sido vedada a invocação de meio de defesa que é manifestamente improcedente.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 141594/13.8 YIPRT.C1


I- Relatório
Centro Hospitalar de A..., EPE, com domicílio na (...) Leiria, instaurou contra B... , EPE, sediada na (...) no Funchal, procedimento injuntivo, tendo em vista a condenação da requerida no pagamento da quantia global de €6 204,03, respeitando € 5990,45 a dívida de capital, proveniente da prestação, pela requerente, dos tratamentos médicos ministrados no seu serviço de urgência aos utentes que identifica, todos beneficiários do serviço requerido, juros de mora vencidos no valor de € 213,49, e ainda nos vincendos.
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Citada, a requerida deduziu oposição, aqui tendo arguido, para o que ora releva, a nulidade de todo o processo nos termos da al. b) do art.º 577.º do CPC, com fundamento na incompetência dos tribunais comuns porquanto, diz, estando em causa dois entes públicos e o financiamento e distribuição de encargos entre o Estado e a Região Autónoma da Madeira, também a questão controvertida de fundo é de natureza jurídico-pública, fazendo apelo a normas de direito administrativo, defendendo assim a sua absolvição da instância.
Respondeu a requerente, defendendo a competência da jurisdição comum.
Foi então proferida decisão que, no julgamento da excepção da incompetência em razão da matéria, ao abrigo do disposto no art.º 64.º do C.P.C. e art.º 4.º, n.º 1, al. f) do ETAF, declarou materialmente incompetente para conhecer da presente acção o Tribunal Comum e competentes os Tribunais Administrativos e Fiscais, absolvendo, consequentemente, a R. da instância.
Transitada em julgado o aludido despacho, veio a autora requerer a remessa dos autos ao TAF de Leiria, por ser o competente, pretensão formulada ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 99.º do CPC.
Opôs-se a requerida, invocando em fundamento que a forma processual de injunção utilizada pela autora não tem qualquer correspondência na jurisdição processual administrativa, iniciando-se com um requerimento sumário e desenvolvendo-se segundo a tramitação especial prevista no DL 269/98 de 1/09, tramitação limitativa do direito de defesa da oponente porquanto, prevendo apenas a dedução do articulado de contestação, vedada está a utilização de qualquer outro meio de reacção processual, impedindo a invocação de excepção, nomeadamente através do pedido de condenação da demandante no pagamento dos valores decorrentes de tratamentos prestados no SESARAM, EPE a utentes residentes na área de influência da R.
Acresce que da letra da norma do 99.º n.º 2 resulta apenas a permissão de aproveitamento dos articulados dentro da jurisdição civil, atenta a especificidade e identidade da marcha processual, havendo ainda que ter em conta a circunstância de, no âmbito deste processo, a autora beneficiar da isenção de pagamento de taxas de justiça nos termos do art. 24.º do Decreto-lei n.º 34/2008 de 26/02, que na jurisdição administrativa já não teria lugar.
Assim cumprido o contraditório, foi proferido o despacho objecto de impugnação por via do presente recurso, com o seguinte teor:
“No processo de injunção, quando distribuído como acção declarativa, são os prazos concedidos às partes especiais e mais curtos do que os previstos no processo declarativo comum, não se impõe a alegação discriminada de factos, a prova só se apresenta no momento do julgamento, não é permitida a dedução de reconvenção, além de prever um número inferior de testemunhas a inquirir.
Trata-se, claramente, pelo valor nunca muito elevado do pedido e pela simplicidade da causa, de um procedimento célere e limitado ao mínimo indispensável a uma decisão sumária do litígio.
É manifesto, por isso, que não podem os articulados apresentados nos autos pelas partes ser adaptados ao processado de uma acção em sede de Tribunal Administrativo, o que imporia a apresentação de uma nova petição inicial e de uma nova contestação, já contendo ambas toda a prova a arrolar pelas partes.
Impunha-se, por isso, duplicar todos os processuais já praticados, nada se aproveitando do processado anterior.
Não se vislumbra, por isso, qualquer aproveitamento do processado que, em nome da celeridade, se deva efectuar com a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo.
Pelo exposto, indefere-se o pedido de remessa dos autos apresentado pelo A.
Sem custas, porquanto o A. delas está isento.
Notifique”.
Do assim decidido interpôs a autora o presente recurso e, tendo produzido as necessárias alegações, rematou-as com as seguintes conclusões:
 “1.ª O Tribunal teria de expor as razões pelas quais emite o juízo valorativo dos argumentos apresentados pela Ré, isto é os motivos que considera relevantes para a alegada impossibilidade de defesa, quando aderiu na íntegra aos fundamentos aduzidos pela Ré para a oposição à remessa do processo para o Tribunal competente.
2.ª O que tem de ser feito através de um discurso fundamentador, de concreta intensidade, que demonstre a lógica, pertinência e razoabilidade do juízo formulado, o que não sucedeu.
3.ª Ao decidir apenas que inexiste fundamento para que o processo seja remetido para o tribunal competente, apenas por se tratar de um procedimento de injunção, por o mesmo não ter qualquer equivalência nas acções que correm nos tribunais administrativos e, sem mais, concluir pelo indeferimento, violou a decisão o disposto no n.º 2 do artigo 99º do C. P. Civil, bem como o n.º 2 do artigo 7.º do D. L. 32/2003 de 17 de Fevereiro.
4.ª Pelo que devem os motivos invocados pela R. ser considerados irrelevantes e injustificados e a decisão de indeferimento do pedido de remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, ser substituída por outra que ordene o respectivo envio, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 99.º do C.P. Civil, por existir equivalência entre esta acção comum e as acções do mesmo tipo que correm pelos Tribunais Administrativos”.
Com os descritos fundamentos pretende a revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que, deferindo a pretensão por si formulada, determine a remessa dos autos ao tribunal julgado competente.
Contra alegou a requerida e, defendendo naturalmente a manutenção da decisão apelada, concluiu como segue:
“A – Nos autos não estão em causa obrigações pecuniárias de origem contratual. O A. não fundamentou o seu pedido em qualquer contrato celebrado com a ora Recorrente. A. e R. são ambas entidades/pessoas colectivas de natureza pública, conforme caracterização constante do DL n.º 558/99, de 17/12.
B – Existe antes uma relação de financiamento e de distribuição de encargos entre o Estado e a Região Autónoma da Madeira, questão que pela sua complexidade não cabe essa questão no âmbito jurídico da Injunção, cuja forma foi mandada aplicar pelo art. 192.º da Lei 64-B/2011, de 30/12 ao regime de cobrança de dívidas constante do DL 218/99, de 15 de Junho, adaptado à RAM pelo DLR n.º 1/2000/M de 31 de Janeiro.
C - O regime jurídico da injunção enquanto processo especial diminui fortemente as garantias de defesa da R. E a forma processual de Injunção iniciada pela A. nos presentes Autos, não é sanável.
D - O Balcão Nacional de Injunções é uma secretaria judicial integrada na orgânica dos tribunais judiciais, tendo, enquanto secretaria-geral, competência para tramitar as injunções em todo o território nacional e os procedimentos regulados no regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (acção declarativa especial e injunção), têm aplicação apenas no âmbito da jurisdição comum, sendo inaplicáveis na jurisdição administrativa.
E - Do elenco das acções constantes do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais não consta nenhuma que tenha a mínima semelhança processual com a prevista do DL 269/98 de 1/09 e no caso sub judice, estão findos os articulados, pelo que está fixada a pretensão das partes, ficando a R. diminuída na sua defesa.
F- Pelo contrário, a marcha do procedimento administrativo prevê um vasto leque de mecanismos de defesa da Recorrida vg. a reconvenção, favorável à Recorrida bem como outros expedientes que a acção especial ora em causa não permite.
G- Do art. 99.º n.º 2 do CPC só pode resultar a permissão de aproveitamento dos articulados dentro da jurisdição civil, atenta a especificidade e identidade da marcha processual desta jurisdição. Se o legislador quisesse ser mais abrangente teria que ter feito, como fez o seu antecessor, no n.º 2, do art.º 14.º do ETAF.
H - O Recorrente pretende fazer operar um efeito secundário (n.º 2, do art. 99.º do CPC) da decisão principal, não recorrida. Na sua decisão o Meritíssimo juiz ad quo conformou a sua decisão: fundamentada na peça processual a que aderiu. A decisão do juiz ad quo fez suas, integrando na sua decisão e desse modo fundamentando-a, as razões aditadas pela ora alegante.
I – A ser como pretende o Recorrente estar-se-ia a subtrair ao pagamento de custas judiciais beneficiar da isenção de pagamento de taxas de justiça nos termos do art. 24.º do Decreto-lei n.º 34/2008 de 26/02, que na jurisdição administrativa não teria lugar.
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Assente que pelo teor das conclusões se define e delimita o objecto do recurso, a única questão submetida à apreciação deste Tribunal consiste em indagar do bom fundamento do despacho que denegou a requerida remessa dos autos ao tribunal julgado competente para o julgamento da acção, face à consideração de que a oposição deduzida pela apelada era justificada.
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II. Fundamentação
Importando à decisão a proferir os factos ocorridos no processo, tal como os deixámos relatados em I., está em causa a interpretação do disposto no n.º 2 do art.º 99.º do CPC, nos termos do qual, sendo a incompetência absoluta decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.
Nos termos do preceito vindo de referir, a incompetência absoluta verificada depois de findos os articulados não inutiliza necessariamente toda a actividade processual até então desenvolvida. Solução inequivocamente ditada pelo princípio da economia processual e do máximo aproveitamento dos actos, requerida a remessa dos autos pelo autor, só no caso do réu deduzir oposição fundamentada deixará aquela pretensão de ser atendida[1]. Importa, pois, determinar quando é que a oposição se deverá considerar justificada, sendo certo que o legislador renunciou a elencar tais situações ou a definir um critério geral.
A possibilidade do réu se opor à pretensão do autor é uma concessão naturalmente imposta pela necessidade de acautelar o direito de defesa daquele, que não pode ver cerceadas as suas garantias em nome da desejável celeridade. Deste modo, parece ser de admitir que a oposição será fundamentada sempre que o réu invoque, com pertinência, que do aproveitamento dos articulados resulta prejudicado o seu direito de defesa e, consequentemente, fragilizada a sua posição processual no novo processo, competindo-lhe naturalmente invocar as razões que tal evidenciem.
Tendo presente que a actividade processual das partes se encontra subordinada aos princípios da boa fé -daqui decorrendo um dever de verdade- e ainda de cooperação (cf art.ºs 7.º e 8.º do CPC), a oposição que for deduzida não poderá ter assim subjacente um qualquer desígnio dilatório, sob pena de ser declarada injustificada[2].
No caso em apreço, conforme referido, a requerida invocou como fundamentos da oposição que deduziu, a inexistência, no foro administrativo, de uma forma processual que apresente semelhanças com a tramitação prevista para o procedimento injuntivo. Acrescentou que, não estando prevista neste processo simplificado a possibilidade de formular o pedido de condenação da demandante no pagamento dos valores decorrentes de tratamentos prestados no SESARAM, EPE a utentes residentes na área de influência daquela, do aproveitamento dos articulados resulta prejudicado o seu direito de defesa. Acrescentou que a autora beneficia da isenção de pagamento de taxas de justiça nos termos do art. 24.º do Decreto-lei n.º 34/2008 de 26/02, o que na jurisdição administrativa já não tem lugar e, finalmente, defendendo uma interpretação restritiva da faculdade conferida ao autor pelo referido art.º 99.º, entende que a mesma só tem aplicação entre tribunais da jurisdição comum.
A Mm.ª juíza “a quo”, por seu turno, e como se vê do despacho que se deixou transcrito, fundamentou o indeferimento da pretensão do autor na impossibilidade, que considerou evidente, de serem aproveitados no Tribunal julgado competente os articulados já produzidos, e isto devido às diferenças, que enumerou, entre a tramitação processual abreviada que é própria do procedimento injuntivo e o processo declarativo comum, aquele desenhado para permitir uma solução célere do litígio.
Antes de mais, parece-nos ser de referir, ressalvado o respeito pelo entendimento expresso no despacho impugnado, que o que importará averiguar para decidir do bom fundamento da oposição deduzida não será tanto a impossibilidade de aproximar a tramitação processual seguida até à declaração da incompetência -irrelevando naturalmente o que se lhe seguiria- e aquela que lhe teria correspondido no tribunal julgado competente, mas antes indagar se, caso tivesse sido esta a reger o processo desde o seu início, o réu teria deduzido defesa diversa, fazendo uso de meios que na forma abreviada do procedimento injuntivo lhe estavam vedados[3].  Assim equacionada a questão, nos precisos termos que nos parecem ser os adequados, afigura-se pouco relevante que o prazo para contestar tenha sofrido um encurtamento, quando se confronte a tramitação do procedimento injuntivo e a forma de processo que lhe caberia na jurisdição administrativa, se a ré nada disse quanto a eventual escassez do prazo, tendo em vista, designadamente, o apuramento de quaisquer elementos de que carecesse para se habilitar a contestar. Aliás, basta atentar na desenvolvida e fundamentada peça de oposição apresentada pela agora apelada, na qual se defendeu também por excepção, para concluir que a diferença de 5 dias entre o prazo de que dispôs e aquele que lhe caberia na jurisdição competente -isto admitindo, o que não temos por certo, que nos termos do art.º 35.º, n.º 1 do CPTA, atento o valor do pedido formulado e por força da remissão ali efectuada, seria aplicável a forma sumária do processo declarativo comum prevista no CPC cessante e, consequentemente, o prazo de 20 dias consagrado no art.º 783.º- não é suficiente para que se afirme que apresentaria contestação diferente, invocando diversos meios de defesa, caso tivesse disposto desse prazo suplementar, nem, de resto, repete-se, a requerida invocou tal circunstância. Acresce decisivamente que, em nosso entender, mesmo correndo termos na jurisdição administrativa, seria ainda aplicável ao caso o procedimento injuntivo e, na sequência da oposição deduzida, a acção declarativa especial prevista no DL 269/98, de 1 de Setembro, isto por força da ressalva da parte final do n.º 1 do art.º 37.º[4], uma vez que o litígio em causa, independentemente das questões que a propósito se suscitem, visa a cobrança de créditos hospitalares, que é, como se sabe, objecto de regulamentação em legislação avulsa, na circunstância, o DL 218/99, de 15 de Junho.
Identicamente, e em qualquer dos casos, não procedem as invocadas restrições probatórias, quer porque, conforme se referiu, a forma do processo aplicável seria uma e a mesma, quer porque, a entender-se que deveria prosseguir segundo a forma comum, sempre à ré seria permitido oferecer as provas já de harmonia com a nova tramitação.
Do mesmo modo, não procede a argumentação expendida pela apelada no sentido de possibilidade prevista no art.º 99.º só ter aplicação quando se trate de tribunais dentro da jurisdição comum, assim se encontrando assegurada a identidade da tramitação a seguir, e isto porque, diz, caso o legislador tivesse querido outra solução, teria adoptado uma redacção similar à do art.º 14.º do CPTA[5].
Ora, com respeito se afirma, parece evidente que assim não é. Lendo a epígrafe do preceito -efeitos da incompetência absoluta- e tendo em mente que esta é determinada pela infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia (cf. al. a) do art.º 96.º, logo se conclui que estarão frequentemente em causa, como é aqui o caso, diferentes jurisdições. Acresce que, para lá do legislador não fazer qualquer distinção, nenhuma razão se vislumbra para fazer operar a faculdade aqui prevista apenas dentro dos tribunais judiciais, carecendo de fundamento o argumento da diversidade da tramitação processual como impeditivo da possibilidade de aproveitamento dos articulados produzidos quando o processo transite para a jurisdição administrativa. E isto porque, repetindo embora o que já ficou dito, não só não se verifica a diversidade da forma processual, como ainda a ter-se por excluída, no caso vertente, a aplicação do regime previsto para a cobrança das dívidas hospitalares são, ainda assim, óbvias as afinidades entre o processo civil e o processo administrativo.
Sem consistência bastante para fundamentar a oposição se afigura finalmente a invocação de que a autora beneficia de isenção de custas na jurisdição cível no que respeita às acções de cobrança de dívida instauradas ao abrigo do DL 218/99, de 15 de Junho, outro tanto não sucedendo na jurisdição administrativa. Ora, para lá de se tratar de circunstância que não contende directamente com as garantias de defesa da requerida, acresce, como se referiu, que ainda correndo os autos perante a jurisdição administrativa, por se tratar de uma acção de cobrança de dívida, valeria a isenção consagrada no citado art.º 24.º do DL 34/2008.
Por último, invoca a apelada que da tramitação até aqui seguida resultou excluída a possibilidade, de que se pretende fazer valer, de invocar a existência de um contra crédito a seu favor, resultante de ter prestado cuidados de saúde a utentes residentes na área de influência da instituição hospitalar autora, derradeiro argumento que aqui se analisa.
É facto que, tendo a presente acção sido instaurada já em plena vigência do nCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, valia a (em nosso entender discutível) solução consagrada na al. c) do n.º 2 do art.º 266.º. Regendo para a admissibilidade da reconvenção, aqui se dispõe que ela é admissível “quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”. Daqui decorre, portanto, que ainda que se trate de defesa por excepção, a invocação pelo réu de um contra crédito deverá ser feita em via reconvencional, o que à ré estava vedado aquando do oferecimento da oposição.
Tendo em vista refutar tal argumento, invocou a apelante o n.º 2 do artigo 7.º do D. L. 32/2003 de 17 de Fevereiro, que pretende aplicável ao caso, dele decorrendo que, uma vez oferecida a oposição, passariam os autos a ser tramitados segundo a forma comum, nada obstando portanto a que a apelada tivesse deduzido as excepções que entendesse e formulado pedido reconvencional. Não nos parece, contudo, que no caso fosse aplicável o regime decorrente de tal diploma.
Os procedimentos especiais destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos previstos no DL 269/98, de 1 de Setembro aplicam-se quando o valor não é superior a €15 000,00 (cf. art.º 1.º, na redacção do DL 303/2007, de 24 de Agosto). Estão em causa, como se sabe, o procedimento injuntivo e a acção declarativa especial. Esta última, em homenagem ao princípio da celeridade que dita as soluções adoptadas no diploma, todas elas caracterizadas pela simplicidade, prevê e contempla apenas dois articulados -petição inicial e contestação- sendo esta notificada ao autor aquando do despacho que designa dia para a realização do julgamento, que terá lugar dentro de 30 dias (cf. art.º 1.º, n.º 4 e art.º 3.º do regime anexo ao referido diploma), donde encontrar-se claramente excluída a possibilidade de aqui ser deduzida reconvenção.
O convocado DL 32/2003, de 17/3, contendo o regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transacções comerciais, tendo procedido à transposição da Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29/07, veio conferir ao credor, no referido art.º 7.º, o direito de recorrer à injunção, independentemente do valor em dívida (cf. n.º 1 do preceito). Todavia, estando em causa valores superiores à alçada da Relação, a dedução da oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos ao tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum, solução consagrada no n.º 2. Resulta assim do exposto que, tratando-se de valor inferior[6], a dedução de oposição dá lugar à distribuição do processo, que prossegue segundo os termos da acção declarativa especial (cf. art.º 17.º, n.º 1 do regime anexo), ou seja, segundo a forma simplificada acima descrita, sem lugar à dedução de reconvenção e assim obstando à invocação pelo requerido da excepção da compensação.
Mas se assim é, daqui não se segue que a decisão recorrida deva ser mantida. Com efeito, e embora nos pareça que não cabe, no âmbito da decisão a proferir nos termos do art.º 99.º, decidir do mérito dos meios de defesa que o réu ficou impedido de invocar, não é menos certo que ajuizar do bom fundamento da oposição deduzida implica e pressupõe -decorrência dos princípios da boa-fé e da cooperação a que se aludiu- que o oponente os haja indicado com real consistência e não se trate, como é aqui o caso, de uma defesa manifestamente improcedente. Na verdade, inexiste fundamento jurídico, nem o mesmo foi minimamente indicado, para que a autora, uma instituição hospitalar, possa de algum modo vir a ser responsabilizada pelos cuidados de saúde prestados pela ré “a utentes residentes na área de influência daquele”. Tal alegação, para mais nos termos genéricos em que se mostra deduzida, não é susceptível de levar este Tribunal à consideração de que a oposição ao aproveitamento dos articulados é justificada.
Aqui chegados, não sendo de reconhecer aos fundamentos invocados pela ré para se opor ao aproveitamento dos articulados já produzidos -e em parte acolhidos pela decisão apelada-aptidão para que a oposição deduzida se possa considerar fundamentada, impõe-se a revogação daquela.
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III Decisão
Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso interposto pelo Centro Hospitalar A... epe, termos em que, revogando a decisão recorrida, se determina o aproveitamento dos articulados já produzidos, tal como foi requerido pela autora.
Custas a cargo da apelada.

Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida

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[1] Surge assim como prevalecente o princípio da economia processual quando se compare o regime agora em vigor com aquele que vigorava no domínio do CPC cessante. Nos termos do disposto no art.º 105º, n.º 2 deste diploma: “se a incompetência só for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que, estando as partes de acordo sobre o aproveitamento, o autor requeira a remessa ao tribunal em que a acção deveria ser proposta”, daqui resultando que o aproveitamento dos articulados estava dependente de requerimento do autor nesse sentido e do acordo do réu. Deduzindo este oposição, que nem carecia de ser fundamentada, não havia lugar ao aproveitamento dos articulados.
[2] Neste preciso sentido, ac. desta mesma Relação de 9/12/2014, proferido no processo n.º 3086/09.9TBLRA, no qual a ora relatora interveio como 2.ª adjunta, ao que cremos inédito.
[3] V., neste sentido, decisão sumária proferida no processo 141592/13.1 YIPRT.AC1, acessível em www.dgsi.pt
[4] Com o seguinte teor:
“Artigo 37.º Objecto
1 - Seguem a forma da acção administrativa comum os processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial
(…)”.

[5] Com o seguinte teor:
Artigo 14.º
Petição a tribunal incompetente
 “1 - Quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, o processo deve ser oficiosamente remetido ao tribunal administrativo competente.
2. Quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, sem que o tribunal competente pertença à jurisdição administrativa, pode o interessado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que declare a incompetência, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, com indicação do mesmo.
(…)”
Estando em causa soluções, também ela, ditadas pelo princípio da economia processual, referem-se à fase inicial do processo, encontrando-se no entanto em linha com as soluções consagradas no processo civil para a declaração de incompetência relativa e absoluta, respectivamente.

[6] E não curando agora de saber, por irrelevante para a solução, atento o valor da presente acção, se deverá ser seguida a forma do processo declarativo comum no caso do pedido exceder os €15 000,00, conforme se decidiu no aresto da Rel. de Guimarães de 15/5/2014, processo n.º 130585/13.9YIPRT-A.G1, disponível em www.dgsi.pt com, em nosso entender, convincente argumentação.