Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1375/21.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: ACÇÃO REIVINDICAÇÃO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 186.º, N.ºS 1, 2, AL.ª A), E 3, 576.º, N.ºS 1 E 2, E 577.º, AL.ª B), TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I - A não especificação, em acção de reivindicação, da concreta localização, área, limites e configuração de uma faixa de terreno reivindicada, configura um vício de ineptidão da petição inicial, por falta de elementos fácticos decisivos da causa de pedir, ocasionando a indeterminabilidade dessa faixa de terreno reivindicada e consequente ininteligibilidade, levando à absolvição da instância quanto ao respectivo pedido e aos pedidos dele dependentes.

II –Se em caso de pedido único – ou de diversos pedidos cumulados assentes numa mesma causa de pedir –, a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir provoca ineptidão da petição, geradora, por regra, da nulidade de todo o processo, já no caso de diversos pedidos cumulados assentes em diversas causas de pedir o princípio do máximo aproveitamento dos actos e do processo permite a ineptidão parcial, com absolvição da instância quanto aos pedidos afectados e aproveitamento do(s) pedido(s) dotado(s) de íntegra causa de pedir.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


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I – Relatório

“V..., LDA.”, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa comum – de reivindicação – contra

“O..., S. A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo, na procedência da ação e após deferida retificação da petição inicial, de molde a:

«a) Declarar-se que o prédio identificado no artigo 10º da p.i. é propriedade da A.;

b) Ser a A. condenada ([1]) a demolir/remover a parte do seu pavilhão que se encontra implantado no prédio da A. melhor identificado no artigo 10º da presente p.i. e assim restituir a posse dessa parcela de terreno ocupada à A.

c) Ser a R. condenada a pagar uma indemnização à A. no valor de 246.988,98€ (…) em consequência do dano causado pela ocupação indevida do prédio da A..

d) Ser a R. condenada a pagar uma indemnização não inferior a 41.164,83€ (…) mensais a contar da data da propositura da presente acção até à data da efectiva demolição/remoção e do pavilhão que se encontra a ocupar o imóvel da A., valor que deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença.

e) Ser a R. condenada a abster-se de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização do prédio pela A.

Tudo com as demais consequências legais».

Alegou, em síntese, que:

- a A. é proprietária de um prédio urbano, que identifica ([2]), o qual adquiriu à R. em 22/05/2020, mediante escritura notarial de compra e venda, em cuja sequência procedeu ao respetivo registo definitivo de aquisição, prédio esse composto de parcela de terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...32 e inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...90.º;

- após a aquisição, a A. constatou, por estudos efetuados, que sobre parte do prédio adquirido à R. se encontra implantado um pavilhão industrial, atualmente propriedade de tal R., «prédio esse inscrito na matriz predial urbana n.º 2633 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...62/...» (art.º 15.º da petição);

- «Verificada esta circunstância, no dia 11 de setembro de 2020, a A. enviou carta à R. informando do sucedido e solicitando a remoção da parte do pavilhão que se encontra implantado no prédio dos A.» (art.º 16.º da petição);

- após diversos contactos, a A. foi informada, por entidade ligada à R., «que, afinal, o prédio vendido à A. não corresponde à localização que a R. achava que tinha», propondo «a anulação do negócio de compra e venda» (art.ºs 19.º e 20.º da petição);

- o que a A. não aceitou por ter adquirido o imóvel para ampliação das suas instalações industriais, sendo que, até à data, a R. – embora interpelada para o efeito – não procedeu à remoção do pavilhão do prédio da A.;

- a ocupação pela R. impede a A. de dar ao imóvel o destino para que o adquiriu ([3]);

- a situação vem causando danos à A., que importa sejam objeto de reparação pela R..

A R. contestou, defendendo-se por impugnação – designadamente, no que concerne ao pretendido direito de propriedade sobre o local de implantação do pavilhão aludido – e concluindo pela ineptidão da petição, com a sua decorrente absolvição da instância, ou, assim não se entendendo, por dever a ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, com absolvição dos pedidos.

Para tanto, argumentou que:

- tratando-se de interposta “ação de reivindicação”, a A., na al.ª b) do petitório, pede a condenação da R. na demolição/remoção de parte do seu pavilhão que se encontra implantado no prédio da demandante e, assim, na restituição da posse dessa parcela de terreno ocupada, sem, porém, peticionar o reconhecimento de qualquer direito de propriedade sobre a parcela de terreno alegadamente ocupada;

- ora, a A. identifica e reconhece, no art.º 10.º da petição, que o prédio urbano de que é proprietária é “composto de parcela de terreno para construção”, sem qualquer construção nele implantada, designadamente “parte de um pavilhão”;

- e, por outro lado, deduz aquele pedido no sentido de lhe ser restituída a posse da alegada parcela de terreno ocupada, sem, contudo, alegar ter sido possuidora da parcela em questão, parcela cuja propriedade não reivindica, sendo que não alegou a configuração, os limites, a área e a composição da parcela de terreno sob ocupação (“parte de um pavilhão”);

- é, pois, ininteligível, neste âmbito, a causa de pedir, perante a ausência de alegação de factos de suporte que permitissem caraterizar os dois prédios em causa.

A A. exerceu o contraditório, pugnando pela improcedência da invocada ineptidão da petição inicial, para o que salientou que o seu prédio é o melhor identificado sob o art.º 10.º daquela petição e doc. n.º 7 junto com a mesma, enquanto a “parte” ou parcela do prédio da A. sob ocupação (pelo pavilhão da R.) foi alegada nos art.ºs 15.º e 16.º da mesma petição ([4]) e identificada no doc. n.º 13 junto com a mesma, do que a R. tem perfeito conhecimento.

Dispensada a audiência prévia, procedeu-se ao saneamento do processo, conhecendo-se da invocada ineptidão da petição inicial, âmbito em que foi formulado o seguinte dispositivo:

«- Julga-se verificada a invocada exceção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, ocasionada por falta de causa de pedir e ainda de contradição entre esta e o pedido, com consequente absolvição da Ré da instância.».

Inconformada, recorre a A., apresentando alegação e formulando as seguintes

Conclusões ([5]):

«A – Considerou o douto Tribunal a quo que a p.i. padece de completa omissão dos imprescindíveis factos estruturantes da causa de pedir, concernentes à prática de actos possessórios da Recorrente e dos seus antecessores, quer sobre a totalidade da área do prédio que se encontra inscrito no registo a favor da mesma, mas essencialmente sobre a parcela em causa.

B – Julgado verificada a excepção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, ocasionada por falta de causa de pedir e ainda contradição entre esta e o pedido, com a consequente absolvição da Recorrida da instância.

C – A Recorrente alegou ser dona e legítima proprietária do prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção, sito em ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na CRPredial de ... .../... e inscrito na matriz predial urbana nº ...0.

D – A Recorrida confessou-o. (cfr. artº 10º da sua, aliás, douta contestação).

E – A Recorrida não contraditou os factores descritivos do prédio como as áreas, limites ou confrontações.

F - É entendimento comum doutrinário e jurisprudencial, o de que o Reivindicante basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus de alegação da propriedade na acção de reivindicação – o que a Recorrente fez.

G – A Recorrente, ao demonstrar ser dona e legítima proprietária da totalidade do bem imóvel, demonstra igualmente ser dona e legítima proprietária de todas as partes que o compõem.

H - Se assim não fosse, cair-se-ia no ridículo de, para além de demonstrar a propriedade de um bem, ser forçoso provar a propriedade de cada metro, centímetro ou milímetro de terreno que nele se insere.

I - Salvo melhor entendimento e em oposição com a douta posição do Tribunal a quo, a Recorrente não tem, nem tinha, que invocar quaisquer actos possessórios quer sobre a totalidade da área do prédio inscrito a seu favor, quer sobre a parcela em causa.

J – Só assim tendo que ser, caso a propriedade do prédio em causa tivesse sido colocada em crise pela Recorrida.

K – Neste sentido, Oliveira Ascensão “Se o réu o aceita, há admissão dessa qualidade. Pouco importa até que o autor não tenha sequer incluído, entre os factos constitutivos da causa de pedir, os factos aquisitivos da propriedade.”

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser considerado totalmente procedente e, em consequência, ser a Sentença Recorrida revogada.

Pois só assim se fará a Costumada Justiça.».

Na sua contra-alegação, a Recorrida pugna pela total improcedência do recurso.


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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito fixados. 

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([6]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, importa saber, apenas:

a) Se ocorre ineptidão da petição inicial (mormente, por falta de causa de pedir e contradição entre esta e o pedido), gerando a nulidade de todo o processo e consequente absolvição da instância;

b) Ou se estão verificados os requisitos para o reconhecimento do peticionado direito de propriedade da A. sobre o prédio aludido no art.º 10.º da petição [«(…)prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção, sito em ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número .../... e inscrito na matriz sob o artigo ...90...…)»], por força da presunção registral e por reconhecimento expresso da R. nesta parte;

c) E, neste caso, se tal deve incluir uma faixa de terreno edificada, a que também alude o petitório da A..


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III – Fundamentação

A) Materialidade fáctica e dinâmica processual a considerar

A materialidade fáctica e a dinâmica processual a considerar são as descritas no antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

          B) Aspeto jurídico do recurso

1. - Da verificação dos requisitos do domínio sobre o prédio aludido no art.º 10.º da petição

A A./Recorrente começou por peticionar – em formulada cumulação de pedidos, incluindo de cariz indemnizatório – a declaração/reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no art.º 10.º da petição [al.ª a) do petitório].

Num segundo pedido, pretende a condenação da contraparte a demolir/remover a parte do pavilhão da R. que se encontra implantado naquele prédio da A. – numa parcela de terreno deste –, restituindo a posse dessa parcela de terreno ocupada à A. [al.ª b) do petitório].

E, em conjugação com este segundo pedido, pretende que seja a R. condenada a abster-se de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização do prédio pela A. [al.ª e) do mesmo petitório].

Consequentes são ainda, por seu lado, os dois pedidos indemnizatórios também formulados, um líquido e outro ilíquido [al.ªs c) e d) daquele petitório], por referentes ao invocado dano causado pela ocupação indevida de parte do prédio.

O Tribunal a quo julgou, como visto, ocorrer total ineptidão da petição, apresentando, para tanto, a seguinte linha de argumentação:

«Quem pede em acção de reivindicação a entrega de uma coisa, tem de alegar e provar que o objecto, cuja entrega pede, lhe pertence em propriedade, em virtude de aquisição originária.

Daí que este tipo de acção se tem de estruturar na alegação de factos tendentes a provar:

a) a aquisição originária do direito real invocado ou, alternativamente, a presunção de posse ou do registo da aquisição, mesmo que derivada, da coisa;

b) a ocupação ou esbulho da coisa por parte do demandado.

Com efeito, o registo definitivo de qualquer direito a favor de uma pessoa constitui presunção jurídica de que o mesmo direito pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (cfr. art. 7.º, do CRP).

O registo definitivo do direito de propriedade gera por isso presunção de propriedade.

No entanto, é pacífico na doutrina e na jurisprudência (…) que a presunção resultante do registo predial (art.º 7.º, do C.R. Predial) não abrange os factores descritivos do prédio, como as áreas, limites ou confrontações.

Ora, no caso concreto não está propriamente em causa o invocado direito de propriedade sobre o prédio identificado, mas antes, o direito de propriedade sobre uma faixa, parcela, parte ou tracto do prédio em causa.

Aliás, o direito de propriedade da Autora sobre o prédio em geral nem sequer é controvertido.

No entanto, não foi invocada qualquer factualidade susceptível de consubstanciar a aquisição da parcela ou parte do prédio em causa por usucapião, ou seja, a prática de actos de posse com determinadas características e período de tempo.

E em momento algum a Autora identificou minimamente, através de qualquer factualidade descritiva, configuração, área ou localização da faixa de terreno alegadamente ocupada pela Ré – e não se diga que está nos documentos, pois compete às partes alegar os factos correspondentes aos pedidos.

Finalmente, como bem referiu a Ré, a Autora apenas pede o reconhecimento do direito de propriedade sobre o seu prédio que identifica no art. 10.º, da P.I., ou seja, não pede o reconhecimento do direito de propriedade sobre a parcela de terreno que alegadamente a Ré ocupa, devidamente identificada e localizada.

Deste modo, ocorre simultaneamente uma falta de causa de pedir e uma contradição entre o pedido e a causa de pedir.

(…)

Nesta sequência, a factualidade alegada na petição inicial não sofre apenas de ambiguidade ou equivocidade no que concerne à devida identificação da faixa de terreno aqui em causa, quer quanto à sua localização e extensão – o que sempre poderia ser susceptível de eventual aperfeiçoamento – mas sofre também, e sobretudo, da completa omissão dos imprescindíveis factos estruturantes da causa de pedir, concernentes na pratica de actos possessórios da Autora e dos seus antecessores, quer sobre a totalidade da área do prédio que se encontra inscrito no registo a favor da mesma, mas essencialmente sobre a parcela em causa, logo, alvo de litígio, sendo certo que a omissão da alegação de qualquer acto integrador da prática de actos possessórios sobre a referida parcela física de terreno não foi invocada, pelo menos de forma clara e inequívoca.

Deste modo, forçoso é concluir que a petição inicial apresentada pela Autora sofre, não só de ambiguidade ou equivocidade na factualidade invocada, mas sofre, fundamentalmente, da total ausência de alegação da aludida factualidade indispensável à caracterização da causa de pedir, o que implica a ineptidão da petição inicial (…).».

Vistas as críticas que a A./Recorrente dirige a esta argumentação, importa analisar individualmente os pedidos, posto tratar-se, obviamente, de um caso de cumulação de pedidos, deixando por agora os de âmbito indemnizatório.

Ora, como já mencionado, o primeiro pedido da A. é direcionado para o prédio a que a mesma se reporta, enquanto o segundo, por sua vez, se foca numa invocada «parcela de terreno», alegadamente integrante daquele imóvel, que corresponde a parte de um pavilhão que ali «se encontra implantado» (pelos antecessores da R.), havendo a demandada, por isso, de «abster-se de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização do prédio pela A.», no concernente àquela «parcela de terreno», posto o mais, em termos imobiliários, não ser objeto de disputa.

Ora, assim sendo, não pode deixar de concordar-se com a sentença quando ali se refere que o registo definitivo de aquisição do direito de propriedade «gera por isso presunção de propriedade», nos termos em que o registo àquela alude (cfr. art.º 7.º do CRPred.), muito embora não abranja – com o que também se concorda – os fatores descritivos do prédio, como as áreas, limites ou confrontações ([7]).

E subscreve-se ainda que «no caso concreto não está propriamente em causa o invocado direito de propriedade sobre o prédio identificado, mas antes, o direito de propriedade sobre uma faixa, parcela, parte ou tracto do prédio em causa», posto que «o direito de propriedade da Autora sobre o prédio em geral nem sequer é controvertido».

Mas, se assim é – e é-o efetivamente ([8]) –, não se vê obstáculo à procedência do primeiro pedido da A., em relação ao qual não se vislumbra qualquer causa de ineptidão (seja por falta de causa de pedir, ininteligibilidade ou contradição entre aquela e o pedido).

Com efeito, é consabido ([9]) que, em ação de reivindicação, caberá ao demandante o ónus da alegação e prova dos factos tendentes a demonstrar o seu pretendido direito de propriedade sobre a coisa reivindicada – cfr. art.º 342.º, n.º 1, do CCiv. ([10]) –, prova essa a ser efetuada através de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, por sua parte ou dos seus antecessores na posse.

Quando, porém, a aquisição for derivada – como in casu – terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, exceto nos casos em que ocorra presunção legal de propriedade (cfr. art.ºs 349.º e 350.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CCiv.), como a resultante da posse ou do registo definitivo de aquisição ([11]).

Ora, a A., relativamente ao seu primeiro pedido, invoca a compra do imóvel à R., bem como o decorrente registo definitivo de aquisição a seu favor (art.ºs 9.º e 10.º da petição), termos em que convoca a aquisição derivada e o decorrente registo definitivo de aquisição, com a sua inerente presunção de domínio ([12]), o que a R. aceita, não havendo, pois, sequer controvérsia nesta parte.

Mas, se assim é, então, perante a autonomia deste primeiro pedido, nada obsta à adequada dedução do mesmo em consonância com a respetiva causa de pedir, termos em que inexiste nesta parte qualquer ineptidão.

Aliás, ante a expressa aceitação da R., operando a presunção registral – no seu âmbito de eficácia (e não mais), por não ter sido ilidida –, haverá de reconhecer-se este invocado direito dominial, termos em que a ação procede, desde já, quanto a tal primeiro pedido.

Em suma, nesta parte não poderá manter-se a decisão em crise, antes havendo, em substituição ao Tribunal a quo, a Relação de julgar procedente este pedido.

2. - Da verificação dos requisitos do domínio sobre a controversa «parcela de terreno»

O mesmo não poderá dizer-se, porém, da «parcela de terreno» reivindicada.

Com efeito, nesta parte não pode operar, como mencionado, a presunção registral, que não se estende aos elementos identificadores/descritivos do prédio, como sejam áreas, limites ou confrontações.

Cabia, pois, à A. alegar – para depois poder provar –, desde logo, os elementos fácticos necessários a identificar aquela «parcela de terreno», indicando, precisa e concretamente, a sua localização geo-espacial (por referência aos dois imóveis em questão), a sua área e os seus limites, para que a contraparte pudesse contestar a pretensão e para que o Tribunal a pudesse analisar devidamente e, em caso de condenação, para que o dispositivo da sentença a lograsse identificar, deixando claro qual a faixa de terreno (com área, limites, confrontações, isto é, rigorosa localização espacial) a desocupar e entregar.

E, não operando aqui qualquer presunção – seja a registral, pelos motivos já expostos, seja a de posse, por inexistir posse a favor da A. (esta refere, diversamente, que se trata de área ocupada por um implantado pavilhão industrial pertença da R., isto é, terreno em poder da demandada, o qual, por isso, a mesma deve devolver, demolindo parcialmente o pavilhão) –, caberia à A./Recorrente, na lógica da comum ação de reivindicação, alegar factos demonstrativos, perante a sua invocada aquisição derivada, das sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária (dessa faixa/parcela, enquanto concreta/delimitada porção de terreno), para depois poder fazer a necessária prova nesse sentido, mostrando que essa parcela faz parte, integrando-o, do prédio aludido.

Ora, tem de conceder-se que a A./Apelante não procedeu à necessária alegação a respeito.

Com efeito, nem deixou adequadamente identificada, localizada e descrita aquela «parcela de terreno» ([13]), faltando factualidade indicadora, com precisão/exatidão, da sua localização no espaço local (por referência aos ditos imóveis, desde logo ao da A.), da sua área/extensão e dos seus limites/configuração, visto apenas se ter expressado em termos de significar que se trata de espaço físico ocupado com parte (indeterminada) de um pavilhão industrial que extravasaria a área do prédio (confinante) que permanece pertença da R./Recorrida (estendendo-se para prédio alheio, o adquirido).

Assim, sempre teria de perguntar-se: qual a área/extensão ocupada? Qual a parte do pavilhão que foi edificada sobre terreno agora ([14]) pertença da A., integrante do prédio por esta adquirido? Onde se localiza em concreto no local? Que configuração tem?

Questões estas a que a matéria alegada pela A. não logra responder, razão pela qual não poderia fazer-se prova a respeito, deixando a nu a falta de factos imprescindíveis à respetiva causa de pedir, com a consequência da indeterminação espacial da dita parcela/faixa de terreno.

Manifesta é também a total falta de alegação pela A./Recorrente de factos de suporte das sucessivas aquisições – aliás, não invocadas – dos antecessores até à aquisição originária, quanto a essa faixa/parcela, termos em que não se mostra que a mesma (sob o manto, desde logo, da dita indeterminação espacial) integre o imóvel adquirido (fazendo parte dele) e que haja sido contemplada no contrato de compra e venda celebrado.

E nem se compreenderia que as partes houvessem querido comprar e vender uma parcela de terreno, como integrante do imóvel transmitido – a que a própria A. alude, simplesmente, como «prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção» (portanto, sem quaisquer edificações) –, onde estivesse implantada uma parte de um pavilhão pertença da vendedora, estendendo-se este de um prédio confinante pertença da transmitente para o terreno do imóvel vendido, ademais sem qualquer menção na escritura a este aspeto.

Por outro lado, a A. prescindiu de invocar a aquisição originária, por usucapião, da faixa de terreno aludida, razão pela qual não alegou a prática de quaisquer atos materiais de posse sobre ela, por si e antecessores na posse/domínio.

Assim sendo, resta concluir, nesta parte, pela manifesta falta de alegação de factos essenciais à conformação da causa de pedir, o que traduz, salvo o devido respeito, a falta de causa de pedir a que alude o Tribunal recorrido (ou a respetiva ininteligibilidade), afetando os pedidos das al.ªs b) e e) e, por consequência, também os das al.ªs c) e d) – parte indemnizatória –, do petitório da ação.

Esgrime a Recorrente que, demonstrando ser dona da totalidade do bem imóvel, fica também demonstrado que é dona de todas as partes que o compõem.

Porém, falta demonstrar que a parcela reivindicada – a ocupada pelo pavilhão da R. e na posse desta – é parte componente desse prédio que a A. adquiriu à R. ([15]).

Assim, inexiste factualidade alegada que permita concluir que «a parcela de terreno ocupada pelo armazém da Recorrida é parte do prédio propriedade da Recorrente e não um prédio independente e/ou autonomizável».

E, outrossim, não seria defensável, à luz do que consta dos articulados, esgrimir que «a propriedade da parcela em causa não é também controvertida», posto a R. sempre ter recusado que o prédio da A. incluísse qualquer parte do edificado pavilhão e espaço por este ocupado, o qual se encontra na posse da demandada e de que esta sempre recusou abrir mão, posto considerar tratar-se de propriedade exclusivamente sua. É o que ressuma da contestação deduzida.

Acontece, ademais, que a situação dos autos apresenta traços de especificidade relativamente à comum ação de reivindicação, visto não estar em causa a exigência de restituição do bem (no caso, a parcela/faixa aludida) perante um terceiro que tivesse assumido ilicitamente a respetiva posse/detenção (esbulho/usurpação), mas perante o próprio transmitente (a R.), que não teria transmitido/entregue a integralidade da coisa (prédio), retendo ainda uma parte da mesma (a faixa discutida, ocupada previamente com um pavilhão ali edificado).

Isto é, o vendedor (R.) teria declarado vender a totalidade do imóvel – o que, na ótica da A., incluía a dita parcela –, mas não teria entregue uma parte do mesmo, o que nos remete para o regime do contrato de compra e vende e seu cumprimento.

Nesta perspetiva, estaria em causa o (in)cumprimento da obrigação de entrega da coisa vendida [cfr. art.º 879.º, al.ª b), do CCiv.], âmbito em que faltaria entregar uma parte do imóvel declarado vender.

Porém, na lógica do alegado pela A., o imóvel declarado vender é um «prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção», assim também identificado na «outorgada a escritura notarial de compra e venda» (cfr. art.ºs 8.º a 10.º da petição e doc. 6 com esta junto).

Donde que se possa concluir que naquela escritura não surge qualquer referência a uma edificação, designadamente um pavilhão industrial, que já ali estivesse, de antemão, implantado ([16]), sendo que, para o caso de eventual edificação posterior, não vem colocada a questão da acessão industrial imobiliária (cfr. art.ºs 1339.º e segs. do CCiv.).

Líquido sempre será, a nosso ver, que, mesmo nesta perspetiva de âmbito contratual, caberia à A. (adquirente) o ónus da alegação e prova do inadimplemento, mostrando que foi acordada a compra e venda com inclusão da parcela agora reivindicada e que, violando o convencionado, a R. (vendedora) se recusa a entregá-la (cfr. art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.).

Ora, como visto, o contrato celebrado, mediante a dita escritura, nenhuma referência faz a uma parcela/faixa, que fosse integrante do imóvel transmitido, onde se encontrasse implantado/edificado um pavilhão industrial, apenas aludindo, como bem vendido, a um prédio constituído por «parcela de terreno para construção».

Acresce que também aqui subsistiria o obstáculo da indeterminação/indeterminabilidade – antes mencionada – da parcela/faixa a que se reportasse o incumprimento ([17]), por manifesta falta de factos de suporte, que teriam de integrar a causa de pedir ([18]), ocasionando a ininteligibilidade desta ([19]), âmbito em que a petição é efetivamente inepta ([20]).

Em suma, nesta parte tem de improceder a apelação, com manutenção da decisão recorrida.

A tal não é obstáculo o regime da ineptidão da petição, podendo, em caso de cumulação de pedidos suportados em “acumulação real de causas de pedir” ([21]), ocorrer, a nosso ver, ineptidão parcial, isto é, quanto a alguns dos pedidos, sem contender com outro(s).

Com efeito, num tal caso, não ocorrendo nulidade de todo o processo, a invalidade deste é apenas parcial, salvando-se a parte da petição que não padece de ineptidão ([22]), no caso a parte referente, somente, ao primeiro dos aludidos pedidos da A..

Tudo o mais permanece inaproveitável, incluindo, pois, todos os restantes pedidos (em relação de dependência, designadamente os indemnizatórios, perante o segundo pedido formulado).

Assim, se, em caso de pedido único – ou de diversos pedidos cumulados assentes numa mesma causa de pedir –, a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir provoca ineptidão (da petição) geradora, por regra, da nulidade de todo o processo e decorrente absolvição da instância [cfr. art.ºs 186.º, n.ºs 1, 2, al.ª a), e 3, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, al.ª b), todos do NCPCiv.], já no caso de diversos pedidos cumulados assentes em diversas causas de pedir o princípio do máximo aproveitamento dos atos e do processo ([23]), ligado à procura de soluções de justiça material (superando uma perspetiva meramente formal, rejeitada pelo legislador do NCPCiv.), permite o acolhimento de uma solução de ineptidão parcial, com absolvição da instância quanto aos pedidos afetados pela falta ou ininteligibilidade da respetiva causa de pedir e, por outro lado, aproveitamento do(s) pedido(s) dotado(s) de íntegra causa de pedir.

Só em parte, pois, deve proceder a apelação.


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(…)
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar apenas parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

a) Revogam a decisão recorrida no respeitante ao primeiro pedido da A./Apelante, o qual julgam, em substituição ao Tribunal a quo, procedente, termos em que se declara que o prédio urbano, constituído por parcela de terreno para construção, sito em ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...32 e inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...90.º, é propriedade da A.;
b) Mantendo, no mais, a decisão recorrida.

Custas da ação e da apelação por A./Apelante e R./Apelada, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em ¾ para a demandante e ¼ para a demandada.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 05/04/2022

Vítor Amaral (Relator)

         

Luís Cravo

                                      

Fernando Monteiro




([1]) Pretenderia, obviamente, dizer «Ser a R. condenada…», pelo que ocorre manifesto lapso de escrita.
([2]) Do art.º 10.º da petição consta o seguinte: «(…) a A. é dona e legítima proprietária do prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção, sito em ... ou ..., freguesia de ...l, concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número três mil novecentos e trinta e dois/... e inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 26.262,09€.».
([3]) Consta do art.º 24.º da petição: «Assim e em conclusão e no que à matéria factual diz respeito, a A. quer ver o seu direito de propriedade reconhecido e declarado e consequentemente que lhe seja restituída a posse total do seu prédio supra melhor identificado, o que apenas poderá ocorrer com a demolição e/ou desmontagem do pavilhão que lá se encontra implantado.» (itálico aditado).
([4]) Estes com o seguinte teor:
«15º
Dessa consulta, resultou o conhecimento de que (…) sob parte do prédio que a A. adquiriu à R. se encontra implantado um pavilhão industrial que pertencia à sociedade “P...” e que actualmente é propriedade da R, prédio esse inscrito na matriz predial urbana nº ...3 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o nº ...2/..., tudo conforme docs. nºs 10, 11 e 12 que se juntam.
16º
Verificada esta circunstância, no dia 11 de setembro de 2020, a A. enviou carta à R. informando do sucedido e solicitando a remoção da parte do pavilhão que se encontra implantado no prédio dos A., tudo conforme doc. nº 13 que se junta e cujo teor se dá por reproduzido.».
([5]) Que se deixam transcritas.
([6]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([7]) Cfr., por todos, o Ac. STJ de 18/03/2021, Proc. 435/11.3TBVPA.G1.S1 (Cons. Oliveira Abreu), em www.dgsi.pt, podendo ler-se, a propósito, no respetivo sumário:
«I. O perfil da ação de reivindicação afere-se pela causa petendi que, em ações desta natureza, decorre do facto jurídico de que deriva o direito real, facto que, em concreto, deve ter a força suficiente para criar a favor do demandante, e nele radicar, o domínio da coisa reivindicada, e pelas pretensões jurídicas deduzidas, quais sejam, o do reconhecimento do direito de propriedade e o da restituição da coisa por outro.
II. Pese embora a teoria da substanciação consagrada no direito adjetivo civil, não sofre reservas que a causa de pedir nas ações de reivindicação pode confinar-se ao facto base da presunção legal, donde, ao titular do registo, porque beneficiário de uma presunção, apenas basta invocá-la, sendo desnecessária a prova do facto presumido.
III. O nosso ordenamento jurídico, no âmbito dos direitos reais de gozo, assenta, sobretudo, na posse e na usucapião, não no registo predial nem na matriz das finanças, embora se presuma a existência do direito real registado, como pertencente ao titular inscrito, não importando afirmar ali, a existência de um prédio se esse prédio não tiver uma existência real e concreta.
IV. Os elementos identificadores do prédio constantes do registo são da responsabilidade de quem os presta, não se encontrando abrangidos pela força da presunção legal de propriedade que dele emana, a favor do titular inscrito no registo definitivo, sendo que as inscrições matriciais têm uma finalidade fiscal, não tendo virtualidade para atribuir o direito de propriedade sobre os respetivos prédios, com as características enunciadas.» (destaques aditados).
([8]) Como logo resulta da seguinte alegação expressa da R. na sua contestação:
«52. A Autora identifica e reconhece, no artigo 10º da Petição Inicial, que o prédio urbano do qual é proprietária é “composto de parcela de terreno para construção”, aceitando-se tal confissão para não mais ser retirada, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 465º do CPC.
53. Tal confissão da Autora assume particular relevância na medida em que traduz a realidade material do prédio do qual é proprietária, ou seja, que o prédio em questão se trata de um lote de terreno para construção,
54. Sem qualquer construção nele implantada, designadamente “parte de um pavilhão”.».
([9]) Sendo jurisprudência pacífica dos nossos tribunais judiciais.
([10]) Assim já era entendido no distante Ac. TRL, de 09/02/1993, Proc. 0066831 (Rel. Joaquim Dias), em www.dgsi.pt.
([11]) Cfr. o já longínquo Ac. STJ de 16/06/1983, BMJ, 328.º - 546, citado por Abílio Neto, em Código Civil Anot., 6.ª ed., Livraria Petrony, Lisboa, 1987, p. 771. No mesmo sentido – deste mesmo coletivo –, o Ac. TRC de 11/10/2016, Proc. 346/12.5TBSPS.C1 (Rel. Vítor Amaral), em www.dgsi.pt.
([12]) Como salientado no Ac. TRP de 19/04/2016, Proc. 529/12.8TBVNG.P1 (Rel. Vítor Amaral), também subscrito pelo aqui 1.º Adjunto, disponível em www.dgsi.pt, «O registo predial português é dotado de fé pública, com a inerente presunção de verdade, por atuação de um princípio de legalidade substancial, logrando mesmo desencadear a aquisição de direitos dominiais». 
([13]) O que também não pode retirar-se, de forma inequívoca, dos documentos juntos, os quais, ademais, também não seriam idóneos a substituir a concreta alegação fáctica a respeito em sede de articulados.
([14]) Embora a A. não seja totalmente clara, em termos temporais, ao referir que ali se «encontra implantado um pavilhão industrial», parece pretender reportar-se a uma edificação anterior ao contrato de compra e venda (cfr. art.º 15.º da petição), e não a uma ilícita ocupação pelo vendedor após a venda.
([15]) Veja-se o recente Ac. STJ de 09/12/2021, Proc. 740/18.8T8VIS.C1.S1 (Cons. Ferreira Lopes), em www.dgsi.pt, podendo ler-se no respetivo sumário: «Reivindicando o autor uma parcela de terreno ocupada pelo réu, como integrando um prédio registado a seu favor, compete-lhe a ele, autor, a prova de factos integrativos da posse (corpus e animus), exercida sobre a dita parcela, com as características aptas à aquisição do direito de propriedade por usucapião».
([16]) A implantação anterior de um edifício no prédio vendido deveria implicar, logicamente, a transmissão da propriedade sobre o terreno e a edificação, a não ser que tal edificação fosse desmontável e ficasse convencionado que caberia à vendedora desmontá-la e retirá-la, por não incluída no negócio. Todavia, no caso nem sequer se faz referência no contrato de compra e venda a qualquer edifício/pavilhão, mas somente a um prédio constituído por “parcela de terreno para construção” (sem mais).
([17]) Como afirmar o incumprimento quanto ao dever de entrega do bem/prédio, se reportado a uma parte do mesmo que não é possível identificar/individualizar, por se desconhecer a sua concreta localização, tal como a respetiva área, os seus limites e a sua configuração?
([18]) Sem o que também o respetivo pedido padece de indeterminabilidade/ambiguidade – cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I vol., Almedina, Coimbra, 2.ª ed. revista e ampliada, 1998, ps. 127 e seg..
([19]) Concorda-se que «A ineptidão da petição inicial existe quando ocorrer uma falta de exposição essencial da causa de pedir e não apenas mera deficiência ou lacuna de alegação» – cfr. Ac. TRP de 21/11/2019, Proc. 20935/18.3T8PRT.P1 (Rel. Paulo Duarte Teixeira), em www.dgsi.pt.
([20]) Como vem entendendo a jurisprudência, «A nulidade principal de ineptidão da petição inicial implica a inexistência ou ininteligibilidade de elementos essenciais para a definição do objecto do processo (formulação inteligível do pedido e invocação de um núcleo fáctico essencial da causa de pedir)» – cfr. Ac. STJ de 26/09/2013, Proc. 1202/11.0TBBRG.G1.S1 (Cons. Lopes do Rego), em www.dgsi.pt. Com efeito, e conforme posição doutrinal a que aderimos, a falta «de indicação da causa de pedir, traduzindo-se na falta do objeto do processo, constitui nulidade de todo ele, o mesmo acontecendo quando, embora aparentemente existente, o pedido é formulado ou a causa de pedir é indicada de modo tão obscuro que não se entende qual seja ou a causa de pedir é referida em termos tão genéricos que não constituem a alegação de factos concretos» (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 374).
([21]) Expressão de Abrantes Geraldes, em Temas…, cit., p. 199.
([22]) Neste sentido, admitindo a possibilidade de “ineptidão parcial”, veja-se o Ac. TRP de 02/03/2017, Proc. 2322/15.7T8AVR.P1 (Rel. Paula Leal de Carvalho), em www.dgsi.pt, onde se considerou que o vício de ineptidão da petição determina a absolvição da instância, mas somente quanto à parte do pedido afetada, subsistindo, por isso, dentre os diversos pedidos formulados, os não inquinados pelo vício ocorrido.
([23]) É sabido que são «pilares fundamentais do processo civil: o da instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o da prevalência das decisões de mérito sobre as formais», com clara «sobreposição do direito substantivo ao direito processual» (cfr. Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 32).