Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TELES PEREIRA | ||
Descritores: | JUNÇÃO DE DOCUMENTO FASE JUDICIAL RECURSO | ||
Data do Acordão: | 11/18/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA – 2º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 423º, 425º E 651º CPC. | ||
Sumário: | I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva. III – Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis. V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento. VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1. M… e marido, A… (1ºs AA. e aqui Apelados), e J… e mulher, L… (2ºs AA. e aqui igualmente Apelados) demandaram o seguinte, amplo, grupo de RR.: (a) Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de E…, seguida da referência identificativa “representada pelos seguintes herdeiros e interessados”[1], … A culminar a petição inicial expressaram os AA. os diversos pedidos – fundamentalmente decorrentes da aquisição por prescrição (usucapião) de servidões de aqueduto e passagem de águas em benefício de um prédio dos AA. onerando prédios integrando o acervo das duas heranças indicadas –, em função disto expressaram os AA., dizíamos, os diversos pedidos nos seguintes termos: 1.1. Foram os RR. – todos os RR. – regularmente citados, sendo que nenhum deles (designadamente os 2ºs RR., …) deduziu oposição, juntou documentos ou constituiu (então) mandatário. Daí que a fls. 106 o Tribunal tenha julgado confessados os factos articulados pelos AA., nos termos do artigo 567º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[2]. 1.2. Subsequentemente, foi a acção julgada em primeira instância pela Sentença de fls. 111/128 – constitui esta a decisão visada pelo presente recurso – no sentido da procedência parcial – uma procedência quase total[3] –, através do seguinte pronunciamento decisório: 1.3. Propiciou a notificação desta Sentença o aparecimento (activo) no processo dos 2ºs RR. …, através do presente recurso (com constituição simultânea de Mandatária), recurso que foi motivado a fls. 160/171, ao qual anexaram esses RR. um documento pretendido juntar (o de fls. 172/173, pretendido juntar, pois, em sede de recurso)[4], sendo as conclusões com que remataram a motivação as seguintes: II – Fundamentação 2. Caracterizado sucintamente o desenvolvimento do processo que conduziu à presente instância de recurso, importa apreciar a impugnação dos Apelantes, sendo que o âmbito objectivo desta se mostra delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente (v. os artigos 635º, nº 4 e 639º do CPC[5]). É assim que, fora das conclusões só valem, num recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso – embora aqui nenhuma questão relevante se configure nesses termos. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição no recurso sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC) – e ocorre aqui, como de seguida veremos, uma situação deste tipo. E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações. 2.1. Os Apelantes caracterizam o recurso como referido à pretensão de alterar os factos fixados em primeira instância nos termos do artigo 662º, nº 1 do CPC: “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Neste caso o motivo da almejada alteração reside na apresentação de um documento reputado de “superveniente”, correspondendo o mesmo à certidão junta com a alegação de recurso (trata-se o dito “documento superveniente”, pois, da certidão de fls. 172/173[6]). Apresenta-se, assim, como elemento operante do recurso a possibilitação da entrada desse documento no processo e, consequentemente, enquanto questão prévia condicionante, a admissão no processo desse mesmo documento. É esta (a) questão (prévia) que importa desde já resolver. 2.1.1. Explicando com maior detalhe esse elemento condicionante da admissão do documento na dinâmica do recurso aqui visado, diremos que só aceitando no processo esse documento – no qual fundam os Apelantes a asserção de não serem eles donos de um dos prédios onerados com as servidões em causa, por uma anterior partilha da herança o ter atribuído a uma outra interessada e aqui R. –, só aceitando esse documento, dizíamos, existirá – existiria – algum espaço factual para a consideração da construção interpretativa em função da qual os Apelantes pretendem ser deslegitimados substantivamente para a presente acção. Só com essa junção, pois, será possível a este Tribunal da Relação, actuando no quadro do artigo 662º, nº 1 do CPC, modificar, como pretendem os Apelantes, a decisão respeitante à matéria de facto. À questão da junção de documentos na fase de recurso se refere expressamente o artigo 651º, nº 1 do CPC, cujo teor ora se transcreve: Artigo 651º 1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.Junção de documentos e de pareceres --------------------------------------------------------------------------------------. E dispõe o artigo 425º para o qual remete o texto da norma acabada de transcrever: Artigo 425º Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.Apresentação em momento posterior E importará ter presente, enfim, enquanto norma contendo o “princípio geral” que referencia, na dinâmica do processo, o momento da apresentação de prova por documentos, o artigo 423º do CPC: Artigo 423º 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Momento da Apresentação 2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. Da articulação lógica destas normas decorre – e estamos a cingir-nos à questão aqui relevante – que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é positivamente considerada apenas a título excepcional) depende da caracterização (rectius, da alegação e da prova) pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º; (2) o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este. O primeiro elemento referido – a impossibilidade de apresentação anterior – legitima as partes a utilizar no recurso, juntando-os com a motivação deste, documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento (até ao julgamento em primeira instância), o que pressupõe aquilo que se refere como superveniência objectiva ou subjectiva do documento pretendido juntar[7]. Ora, sendo superveniente (objectivamente superveniente) o que só ocorreu historicamente depois de um determinado momento considerado, ou (superveniência subjectiva) o que justificadamente só foi conhecido por alguém depois desse momento, vale a asserção de superveniência aqui relevante – vale, portanto, como integração positiva da facti species do nº 1 do artigo 651º do CPC – pela constatação da ocorrência da situação revelada pelo documento só posteriormente à decisão recorrida (superveniência objectiva, pressupondo esta a criação posterior do documento) ou pela justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante a sua existência ser anterior ao momento considerado, só teve lugar posteriormente, por razões que se prefigurem como atendíveis, no sentido de serem razões aptas a demonstrar a impossibilidade daquela pessoa (quer o artigo 423º, nº 3 como o artigo 425º, ambos do CPC, falam em “não [ter] sido possível”), num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido conhecimento anterior da existência do documento. Estas razões, todavia – rectius, a atendibilidade delas – pressupõem à partida a respectiva invocação e a prova da não possibilidade (da impossibilidade) de um conhecimento anterior[8] e abrem caminho, quando alegadas, à respectiva indagação. Note-se que o artigo 651º, nº 1 do CPC também admite, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere expressivamente António Santos Abrantes Geraldes, “[p]odem […] ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”[9]. 2.1.2. Ora, nesta situação, estando em causa, com o documento pretendido agora juntar, um inventário e a subsequente partilha judicial ocorrida em 1983 (no qual foi parte o Apelante e a sua mãe aqui R.), tendo a presente acção sido proposta (também contra os ora Apelantes) em 2013 e, enfim, estando em causa uma servidão referida a um prédio atribuído (à mãe do Apelante aqui 1ª R.) nessa partilha longinquamente pretérita, não se pode falar de facto objectivamente superveniente, pois trata-se de facto historicamente passado. E também não se pode falar de facto subjectivamente superveniente, o que os Apelantes, aliás, nem sequer alegaram no recurso, dado o objecto da acção e a partilha do prédio aqui em causa ter sido realizada de antanho, mas com permanência do bem no círculo familiar directo do Apelante, tudo elementos que excluem a relevância de razões subjectivas a ele referidas (a ele Apelante e à sua mulher) nessa hipotética superveniência: a questão não é o que “não se sabe”, “porque não se sabe” – ninguém sabe aquilo que não teve a curiosidade ou o cuidado de averiguar – a questão é o que justificadamente alguém “não podia saber, mas veio a saber mais tarde” e só neste caso se fala em superveniência subjectiva. Da mesma forma, também não tem sentido apelar – e, em rigor, também esse apelo os ora Recorrentes não constroem na motivação do recurso – a uma justificação da superveniência induzida pelo sentido do julgamento em primeira instância (trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC), quando o Tribunal se limitou a julgar a acção, nos exactos termos configurados pelos AA. no articulado inicial, descontado o pequeno pormenor indicado na nota 5 supra, julgamento este que ocorreu com base num efeito cominatório semi-pleno decorrente da não contestação por todos os RR. na sequência da citação, inclusive os dois RR. que agora nos aparecem como Apelantes. 2.2. Visa o presente recurso, como disseram os Apelantes nas alegações, obter a alteração da matéria de facto, nos termos do artigo 662º, nº 1 do CPC, por via de um documento que reputaram de superveniente e que consideraram impor decisão fáctica diversa da recorrida. Ora, se a junção superveniente desse documento não é aceite – como aqui não é – fica a pretensão veiculada pelo recurso sem base de sustentação, mostrando-se prejudicada, como acima se disse referindo o artigo 608º, nº 2 do CPC, a apreciação da potencialidade desse documento para alterar os pressupostos de facto da decisão. Trata-se esta, pois, de questão que este Tribunal nem sequer apreciará. Com efeito, a não admissão do documento pretendido juntar com o recurso, sempre conduz à improcedência deste. É o que nos resta formular decisoriamente a rematar este Acórdão. 2.3. Sumário elaborado pelo relator: III – Decisão 3. Face ao exposto, decidindo-se, como ora se decide, pela inadmissibilidade da junção no presente recurso do documento de fls. 172/173 apresentado pelos Apelantes com a alegação do recurso (mesmo que tal documento completado fosse), é a presente apelação julgada improcedente, confirmando-se a Sentença pretendida recorrer. Custas do recurso pelos Apelantes. (J. A. Teles Pereira - Relator) (Manuel Capelo) (Jacinto Meca) [1] Esta referência, seguida da indicação de todos os herdeiros como partes, resolve a questão da legitimidade que se coloca relativamente a uma herança indivisa nos termos do artigo 2091º, nº 1 do Código Civil, v. o Acórdão desta Relação de 09/03/2010, proferido pelo ora relator, com esta mesma formação, no processo nº 121/08.1TBANS.C1, disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0a3f1642d6c42089802576e700401a9. Sumário: “[…] I – A actuação em juízo de uma herança indivisa pressupõe a intervenção de todos os herdeiros, correspondendo a uma situação de litisconsórcio necessário, decorrente do artigo 2091º, nº 1 do CC. […]”. [2] Aqui se transcreve o despacho contendo tal asserção: “[…] Despacho. Dispõe o artigo 566º do Código de Processo Civil que «Se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, o tribunal verifica se a citação foi feita com as formalidades legais e ordena a sua repetição quando encontre irregularidades». Por seu turno, o artigo 567º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «efeitos da revelia», dispõe: «1 – Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. 2 – O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito. 3 – Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado». Assim, mostrando-se os réus regularmente citados, não tendo deduzido oposição nem constituído mandatário ou intervindo de qualquer forma no processo, o tribunal julga confessados os factos articulados pelos autores. Notifique, sendo os autores ainda para, querendo, em 10 dias, apresentarem as suas alegações. Ressalva se coloca, no entanto, relativamente ao último dos pedidos formulados: A sanção pecuniária compulsória está legalmente prevista (no artigo 829º-A do Código Civil) como mecanismo de pressão para garantir o cumprimento de «obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo». Não resulta do pedido formulado que tal pretensão tenha subjacente uma obrigação de prestação de facto infungível. E, analisando os factos provados, também não se vislumbra que esteja em causa qualquer obrigação de prestação de facto infungível, pois, relativamente a tudo quanto é pedido aos réus, se os mesmos não realizarem as obras em causa, sempre as mesmas podem ser executadas em execução de sentença e vir a ser realizadas por terceiros, daí resultando a sua fungibilidade. Assim, nesta parte, por não estarem em causa obrigações de prestação de facto infungível, improcede a acção. |