Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
147/21.0T8CNT-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA A UM DOS EX-CÔNJUGES
NECESSIDADE
REQUISITOS
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1105.º E 1793.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 986.º, 987.º, 988.º E 990.º, DO CPC
Sumário: I- Compete ao ex-cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais que o outro da referida casa sendo que a necessidade da habitação é uma necessidade atual e concreta (e não eventual ou futura), a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso.
II- Justifica-se a atribuição da casa de moradia à ex-cônjuge, tendo em conta os seus rendimentos e encargos, a situação dos filhos (sendo um menor de idade à data do divórcio) que consigo vivem, a qual foi forçada a sair de casa por ser vítima de violência doméstica, ou seja, por facto imputável ao requerido.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

AA instaurou a presente ação de atribuição de casa de morada de família contra BB, pedindo que lhe seja atribuído o direito de utilização exclusiva da ex-casa de morada de família, por dela carecer, em detrimento do réu.

Realizada a conferência prevista no art.º 990.º, n.º 2, do C.P.C., não foi possível a obtenção de acordo.

O requerido contestou, impugnando a factualidade alegada pela autora.

Finda a instrução do processo, foi proferida sentença, anulada por acórdão da Relação de Coimbra datado de 10-05-2022.

Em 21-09-2022 foi proferida nova sentença que julgou improcedente a atribuição à autora do direito de utilização exclusiva da casa de morada de família, sita na Rua ..., ..., ... ..., absolvendo-se o réu do pedido.

Inconformada com o decidido, a autora AA interpôs recurso, terminando as alegações com as seguintes conclusões:

“I- Vem o presente Recurso, que versa sobre matéria de facto e matéria de direito, interposto da, douta, Sentença que julgou improcedente a atribuição à Autora do direito de utilização exclusiva da casa de morada de família, absolvendo o Réu do pedido, tendo a M.ma Juiz “ a quo” entendido que, tendo a Autora violado o dever de coabitação, não se tendo provado que o R tenha usado de violência contra a mesma e não havendo oposição por parte do Reu para que a mesma voltasse a habitar na casa - além de se ter considerado provado que o R tem nessa casa o seu centro de vida desde há mais de 20 anos, que o acordo quanto à RERP referente ao filho mais novo do casal foi fixado num pressuposto da manutenção da situação residencial do requerido e que a pensão alimentar fixada pressupôs o não acréscimo de custos residenciais da sua parte, a que acrescia o facto de a A já se encontrar enquadrada residencialmente, tal como os filhos do casal - era de indeferir a sua pretensão.

II- A autora alegou em suma que se encontrava pendente acção de divórcio e que foi retirada de sua casa, com os seus filhos, pela GNR, na noite de 25 de dezembro de 2020, na sequência de um episódio de violência doméstica, em que o R, mais uma vez a agrediu, e que deu origem ao Inquérito nº 353/20.... que correu termos no DIAP ... no qual foi proferida sentença condenatória e, no presente caso, houve errada interpretação da matéria de facto provada e não provada por parte da M.ma Juiz “a quo”, como passaremos a demonstrar.

III- O facto referido na alínea W) dos factos provados deveria ter resultado não provado, e, ao invés, o facto referida na alínea 1) dos factos não provados deveria ter resultado provado pois, além da demais prova carreada para os Autos, foi pedida, e concedida, autorização para acompanhamento dos Autos de Inquérito relativo ao crime de violência doméstica ocorrido, pelo que o Tribunal tinha, ao seu dispor, em termos de prova, além do mais, o “Auto de Noticia (violência domestica)”, elaborado pela GNR em 25/12/2020, o qual foi de resto considerado pela M.ma Juiz “ a quo” como meio de prova, expressamente referido na fundamentação da convicção probatória quanto à alínea C) dos factos provados e ainda a Sentença condenatória que serviu de base à convicção para prova do facto WW.

IV- De tal Auto resulta sem margens para dúvidas que a GNR foi chamada ao local em virtude dos factos alegados pela A, ora Recorrente, resulta que foram apreendidas armas de fogo ao R (que após insistência dos agentes, foram entregues voluntariamente pelo mesmo) e que as vitimas foram retiradas do domicilio pela GNR.

V- Mais consta, no relatório de avaliação de risco e plano de segurança pessoal, no qual se concluiu existência de risco extremo (após avaliação em 30/12/2020), tendo a vitima sido aconselhada a evitar confronto e contactos, tendo sido determinado o acompanhamento da vitima com o NAVVD e atribuída teleassistência, vulgo “botão de pânico” e se isso aconteceu, foi porque se considerou que a mesma estava numa situação de risco.

VI- Perante tais elementos de prova, constantes dos Autos (com a autorização para acompanhamento dos autos de Inquérito supra mencionados), nunca poderia ter resultado a convicção da M.ma Juiz “ a quo”, que considerou que o divorcio teve como causa a violação do dever de coabitação por parte da A, ora Recorrente, que terá abandonado voluntariamente o domicilio !! Seria legitimo esperar da Autora, que apesar de tudo, insistisse em manter-se na casa de habitação, a conviver com o seu agressor?

VII- Para além da prova documental e da demais prova testemunhal, é de referir ainda que o próprio R Recorrido afirmou que o episódio relatado na petição inicial tinha efectivamente ocorrido, que tinha efectivamente partido objectos em casa e discutido com a mulher e o filho e que tinha efectivamente agredido o filho e o poder de livre apreciação conferido ao Juiz não abrange os factos que estejam plenamente provados, por acordo ou confissão das partes.

VIII- Não se percebe, perante as declarações do próprio Reu, como pode o facto 1 ter resultado não provado, nem como, face ao teor das declarações das partes em audiência, face ao depoimento do filho mais velho do casal, que relatou ter assistido e vivido tais situações de agressividade e violência verbal e psicológica durante toda a sua vida e ainda face à prova documental constante dos Autos, nomeadamente o Auto da GNR e relatório de acompanhamento da vitima, pode ter resultado, na fundamentação relativa a tal facto, que , “(…)o R. negou-o, porquanto não usava de violência para com a sua esposa e filhos, ainda que, relativamente ao mais velho houvesse necessidade de recorrer corretivo (…)”.

IX- Pelo facto de tais episódios de agressividade ocorrerem há vários anos, pelo facto de se ter tornado já uma situação insustentável, a Autora e os filhos já tinham cogitado a possibilidade da separação, sim. Mas isso só demonstra a que ponto a situação era grave e que a Autora aguentou até ser humanamente exigível que o fizesse; não demonstra, nem isso se pode concluir, que a Autora tivesse abandonado voluntariamente o lar sem motivo, porquanto a isso foi compelida pelo reu, através dos seus sucessivos e reiterados comportamentos agressivos.

X- A saída de casa da Autora foi promovida pela GNR para protecção das vitimas e foi motivada única e exclusivamente pelo comportamento agressivo do reu, sendo injusta a decisão que, baseada na violação de um dever de coabitação que não existiu, permite ao Reu permanecer a viver na casa de morada de família enquanto que a A e os filhos vivem numa casa sem condições.

XI- Para além do supra exposto, como resulta da alínea WW dos factos provados, no âmbito do processo criminal 353/20...., do Juízo Local Criminal ..., por sentença de 08/11/2021, já transitada em julgado, o aqui réu e ali arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravada, um crime de ameaça agravada e um crime de ofensa à integridade física simples, o que parece não ter sido levado em conta na formação da convicção do Tribunal.

XII- Não podia a M.ma Juiz “ a quo” considerar provada a condenação do Reu pela prática de tais crimes e ao mesmo tempo referir, várias vezes, na fundamentação da Sentença, que não existiu qualquer episódio de violência naquela casa nesse dia e que o R não é uma pessoa agressiva, pois, ao proceder de tal forma, a M.ma Juiz “a quo” decidiu em sentido contrario ao decidido noutra decisão judicial, que foi considerada na Sentença “ a quo”, sem ter apresentado qualquer justificação para tal.

XIII- Quanto aos factos plasmados em Z) e BB) dos factos provados, deveriam os mesmos ter resultado não provados, já que todos foram unânimes ao referir que a casa de habitação já estava concluída e habitada quando o reu emigrou, a Autora referiu que o Reu não enviou dinheiro nenhum enquanto esteve fora e que depois do seu regresso apenas aplicou dinheiro nas portadas da casa; por sua vez, o R referiu que com o pouco dinheiro que trouxe, fez acabamentos nos Anexos.

XIV- Quanto aos factos plasmados em CC) dos factos provados apenas resultou do depoimento das partes que o empréstimo saia do vencimento da Autora e que as restantes despesas eram pagas em igual medida por um e outro, sendo certo que a Autora nunca disse que o Reu pagava sozinho todas as outras despesas e a M.ma Juiz “ a quo” não refere por que motivo não teve em conta o depoimento da Autora nessa parte, o qual é claramente objectivo, sincero e isento.

XV- Encontra-se provado o facto EE) “O requerido também está na disponibilidade de assumir as prestações do empréstimo bancário” com a fundamentação “O requerido referiu-o, com a consciência de que é igualmente responsável”. Contudo, como resulta da gravação, em momento algum, durante a audiência de discussão e julgamento, o R referiu fosse o que fosse sobre as actuais ou futuras prestações do empréstimo bancário, tendo apenas referido que era a Autora que as assumia com o seu ordenado, desde o início.

XVI- Quanto ao facto provado OO) “A casa da avó da requerente encontra-se vaga”, deveria do mesmo constar também que tal casa não tem actualmente condições de habitabilidade, como resulta do depoimento das partes.

XVII- Por sua vez, os factos referidos em 2) e 3) dos factos não provados deveriam ter sido dado como provados; a fundamentação inserta na, douta Sentença, quanto a tal facto, para motivar a convicção do tribunal não explica em nada por que motivo a M.ma Juiz “a quo” entendeu não se ter provado que a A se refugiou em casa de familiares e não se ter provado qual a solução proposta à autora ao abrigo da protecção à vitima.

XVIII- Uma coisa seria a M.ma Juiz “a quo” não acreditar que a A tenha sido vítima de violência, outra coisa diferente é não acreditar no que aconteceu, em termos de habitação, à Autora e aos seus filhos nos dias posteriores. Quanto a isso, só a A e os filhos podem depor, e a M.ma Juiz “a quo” não explica por que motivo não acreditou no que foi dito pelos mesmos, ou melhor, nem sequer refere se os achou ou não credíveis e porquê

XIX- Nada explica que a M.ma Juiz “a quo” não tenha dado tais factos como provados, pois não se sabe se acreditou ou não no depoimento da Autora e do filho do casal, objectivos, isentos, coerentes e coincidentes entre si e o facto de a localização da casa abrigo proposta – ... – ser incompatível com o trabalho da Autora e a escola do filho – concelho ... – é um facto notório.

XX- Quanto ao ponto 4) dos factos não provados também ele deveria ter sido dado como provado, pois, o réu não negou que essas alternativas de habitação existiam, não negou que a mãe reside em ..., que um irmão reside em ... e que uma irmã reside em ....

XXI- Quanto ao ponto 5) dos factos não provados “O requerido aufere um rendimento mensal bruto de cerca de 1000 €”, também ele deveria ter sido dado como provado, como resulta das declarações do próprio Reu; com um simples cálculo aritmético 798,57 € de vencimento base, 30 € de diuturnidades, pelo menos 135,74 € de subsidio de refeição (6,17€ euros diários x 22 dias uteis de trabalho ) se verifica que o vencimento bruto, é de pelo menos 964,24 € a que acrescem eventuais subsídios de produtividade ou prémios, pelo que se deve considerar provado que o requerido aufere um rendimento mensal bruto de cerca de 1000 €.

XXII- Quanto aos pontos indicados em 6) e 7) dos factos não provados também eles deveriam ter resultado provados; tal como a Autora, todas as testemunhas ouvidas em audiência foram unanimes em referir que os familiares da autora residem todos na mesma rua onde se situa a casa de morada de família e tanto a Autora como o filho do casal referiram que tinham medo de serem novamente agredidos e que desde 25/12/2020 não tinham voltado ao local onde situa a casa de morada de família ( excepto com a GNR para recuperar bens pessoais), nem sequer para ver familiares.

XXIII- A correcta interpretação dos meios de prova supra transcritos, bem como a análise cabal do auto da GNR e da sentença criminal condenatória, deveria ter levado a decisão diversa, dando como não provada a violação do dever de coabitação por parte da Autora e, iremos mais longe, como provada a violação do dever de respeito por parte do réu.

XXIV- A M.ma Juiz “a quo” limita-se a dar como provada a condenação do Reu num crime de violência domestica agravada, daí não retirando qualquer fundamentação ou convicção para a decisão final.

XXV- Nos termos do artigo 1793º do código civil, o Tribunal pode atribuir o uso exclusivo da casa de morada de família a qualquer um dos cônjuges, a seu pedido, devendo para tal, considerar as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

XXVI- A casa de morada de família foi construída num bem próprio do cônjuge mulher, e a Autora tem e sempre teve o seu centro de vida familiar concentrado naquela localidade, onde nasceu e sempre viveu e onde permanecem ainda todos os seus amigos e familiares.

XXVII- Na, douta, sentença, a M.ma Juiz “a quo” não fez uma analise comparada da situação dos cônjuges, de modo a verificar as suas respectivas necessidades, de forma a concluir se algum deles tinha ou não mais necessidades do que o outro.
XXVIII- Ao ler a motivação, parece que a M.ma Juiz “a quo” ficou convencida que a Autora saiu de casa só porque lhe apeteceu, que não aconteceu nada no dia 25/12/2020, que o reu não foi agressivo e violento, que não agrediu o seu filho mais velho e que, portanto, todos podem voltar a viver felizes e coabitarem naquela casa como se nada tivesse acontecido. Ora, se, como se espera, esse Venerando Tribunal da Relação vier a proceder a alteração da matéria de facto depois de verificar o erro na apreciação da prova alegado no presente recurso, forçoso será colocar de parte as considerações relativas ao medo que a Autora possa sentir do reu em virtude da situação ocorrida em 25/12/2020 e forçoso será concluir que a Autora não abandonou o domicilio conjugal por vontade própria e sem motivo sério para tal, nomeadamente porque dali foi retirada pela GNR na sequência do sucedido naquele dia.
XXIX- Independentemente disso, é a seguinte a situação dos cônjuges:

- A Autora vive com os seus dois filhos, e, ao tempo da audiência, com a sua avó acamada (entretanto falecida), como sobejamente referido por todos os que prestaram depoimento na audiência. Por seu lado, o reu vive sozinho, apenas tendo o seu filho (menor ao tempo da audiência e atualmente maior) uma vez por semana para almoçar

- A Autora aufere 665€ mensais e o Reu aufere 798, 57€ mensais (alíneas S) e U) dos factos provados)

- as despesas mensais da Autora consistem na prestação do empréstimo contraído pelo casal para a construção da casa de morada de família (alíneas Q e UU dos factos provados), na renda mensal da casa onde actualmente se encontra a viver (alínea M dos factos provados) e nas despesas correntes com alimentação, agua, luz e internet, etc

-as despesas mensais do Reu consistem na pensão alimentar fixada a favor do menor, que entretanto deixou de existir como encargo para o reu, uma vez que depois de ter atingido a maioridade, o filho deixou de estudar e nas despesas correntes com alimentação, agua, luz e internet, etc

-Não está ao alcance de nenhum dos cônjuges procurar ajuda junto de familiares que os possam acolher na sua residência.

-residir fora da casa de morada de família implica, para a Autora, encontrar uma habitação que possa acolher três pessoas enquanto que residir fora da casa de morada de família implica, para o Reu, encontrar uma habitação que possa acolher 1 pessoa

-Fazem parte do agregado familiar da Autora a própria e os seus filhos; o Reu reside sozinho

-Se é verdade que o R tem nessa casa o seu centro de vida desde há mais de 20 anos, também é verdade que a Autora tem nessa casa e na localidade o seu centro de vida há mais de 45 anos, pois ali nasceu e sempre viveu, mas a, douta, Sentença nem a isso se refere.

XXX- O regime de convívios entre o filho mais novo do casal (entretanto maior) e o reu, que consiste num almoço semanal, pode ocorrer, sem prejuízo para nenhum deles, em qualquer local onde o Reu resida

XXXI- Contrariamente ao referido pela M.ma Juiz “a quo”, a Autora não se encontra enquadrada residencialmente, tal como os filhos do casal, uma vez que resulta da prova produzida que a casa onde se encontra actualmente a residir não tem condições para que ali permaneçam, porque só tem 2 quartos, a que acresce o facto de a Autora não conseguir, por muito mais tempo, suportar o encargo mensal com a renda da habitação acrescido do encargo proveniente do pagamento do empréstimo relativo à casa.

XXXII- O filho mais velho não convenceu, sem mais, a sua mãe a abandonar a casa, nem isso foi referido pelo mesmo, pelo que também aqui, essa consideração resulta de errada interpretação da prova produzida; foi, sem dúvida, violado, por parte do reu, o dever de respeito; e pelo facto de ocorrer há vários anos, pelo facto de se ter tornado já uma situação insustentável, a Autora e os filhos já tinham cogitado a possibilidade da separação, o que só demonstra a que ponto a situação era grave e que a Autora aguentou até ser humanamente exigível que o fizesse. Tal não demonstra, nem isso se pode concluir, como fez a M.ma Juiz “a quo” que a Autora tivesse abandonado voluntariamente o lar, antes demonstra que a Autora a isso foi compelida pelo reu, através dos seus sucessivos e reiterados comportamentos agressivos.

XXXIII- A violência doméstica é aquela que ocorre no âmbito do seio familiar, não só contra o outro cônjuge, mas também entre pais e filhos que coabitem entre si, não é só violência física, é também violência verbal e psíquica; a saída de casa da autora foi promovida pela GNR para protecção das vitimas e foi motivada única e exclusivamente pelo comportamento agressivo do reu.

XXXIV- A conjugação de todos os elementos de prova testemunhal e de declarações de parte supra descritos, bem como do Auto de notícia da GNR- que deu origem ao inquérito de violência doméstica nº 353/20...., Juízo Local Criminal ..., bem como a sentença condenatória proferida nesse processo, os quais foram considerados para formação da convicção do Tribunal e vêm mencionados na Sentença, - conjugado com as regras da lógica, da razão e da experiência e do normal acontecer, deveriam ter lavrado a decisão diversa.

XXXV- O erro notório na apreciação da prova é um vício de raciocínio na apreciação das provas que leva a dar como provado ou não provado um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum: as provas indicam num sentido e a decisão conclui o oposto, tal como sucede no presente caso.

XXXVI- Nos termos do artigo 607º, nº 5, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, mas a livre apreciação não abrange os factos que estejam plenamente provados, por acordo ou confissão das partes. Resulta dos depoimentos supra transcritos que as versões dos acontecimentos relatadas por A e R são perfeitamente coincidentes entre si, ou seja, o próprio Reu admitiu e confirmou a existência do episodio de violência ocorrido e ambos foram unanimes em afirmar que tal comportamento e agressividade despoletaram a intervenção da GNR, a qual retirou a Autora de casa.

XXXVII- A ocorrência efectiva do episódio de violência doméstica alegado pela autora resulta da condenação efectiva do R pela prática de um crime de violência doméstica agravada, um crime de ameaça agravada e um crime de ofensa à integridade física simples – facto provado WW.

XXXVIII-   Não é aceitável considerar que as vítimas de um crime de violência doméstica possam voltar a coabitar com o seu agressor , só porque este declarou que não se opunha ao seu regresso a casa, pelo que, perante o facto provado WW, a M.ma Juiz “ a quo” nunca poderia ter considerado: “Por outro lado, em termos de necessidade habitacional, requerente e requerido dela carecem, nada obstando o requerido a que a requerente também aí coabite até que a partilha do património conjugal tenha lugar. Em não se argumente com a força impeditiva uma tal solução, por via da pendência do inquérito fundado em alegada violência doméstica, porquanto se trata de um mero inquérito e, apesar de o requerido conhecer o paradeiro da requerente, nunca sequer a procurou, nem ao filho (ainda) menor do casal. Por outro lado, não se provou que o requerido tenha usado de violência contra a requerente, tendo, ao invés, a requerente sido aconselhada pelo filho mais velho do casal a abandonar a casa de morada de família.”

XXXIX- A Autora alegou factos demonstrativos da sua necessidade de residência exclusiva, os quais resultaram plenamente provados, como certamente Vªs Ex.ªs concluirão após reapreciação da matéria de facto, pelo que deverá a, douta, sentença de que ora se recorre ser alterada e substituída por uma decisão que, julgando procedente o pedido, atribua à cônjuge mulher o direito de uso exclusivo da casa de morada de família, por dela ter mais necessidade de utilização e por ser do interesse dos filhos.

XL- Não deverá ser fixada qualquer compensação ao cônjuge marido, devendo a autora assumir integralmente, como já vem fazendo desde sempre, mesmo depois da separação de facto e do subsequente divorcio, como resulta dos factos provados, o montante do reembolso do empréstimo devido, até à partilha

XLI- Foram violados os artigos artigo 607º, nº 5, do CPC,1672º e 1793º do código civil

XLII- Para além da matéria de direito a que supra se aludiu, o presente Recurso versa também sobre impugnação da matéria de facto, a qual deverá ser reapreciada, alterando-se em conformidade os factos supra discriminados, o que se requer, porquanto os Autos fornecem todos os elementos para decidir da causa.

Deve, assim, ser concedido provimento ao presente Recurso, reapreciando-se e alterando-se em conformidade a matéria de facto, considerando-se verificado que as necessidades da Autora e o interesse dos filhos do casal impõem a atribuição do direito de uso exclusivo da casa de morada de família ao cônjuge mulher, sem contrapartida ao reu, pelos motivos supra explanados, declarando-se a procedência do pedido e condenando-se o Réu em conformidade, assim se fazendo inteira e sã

Justiça!”

O réu apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

“1ª- A douta sentença recorrida é inimpugnável, devendo manter-se na íntegra, abunda em fundamentação, quer de facto, quer de direito, sendo, aliás, uma peça processual notável que, perante um caso concreto, soube não só analisar e dissecar todas as questões suscitadas, como também decidiu de forma acertada, correcta e adequada, face a toda a prova produzida, não merecendo qualquer reparo ou censura e, como tal, não violou qualquer normativo legal, antes dando cumprimento à lei, nem se verifica qualquer erro de julgamento, seja em que modalidade for.

2.ª- Alegou a A., em sede de recurso, que houve errada interpretação da matéria de facto provada e não provada por parte da Mma. Juiz “a quo”, nomeadamente quanto aos factos referidos nas alíneas:

W) dos factos dados como provados que se transcreve “A requerente abandonou, por vontade própria, a referida casa de residência na noite de 25 de dezembro de 2020”, alegando ainda que o facto referido na alínea 1 dos factos dados como não provados deveria, ao invés, ter resultado provado e que é o seguinte: “A A. foi retirada de sua casa, com os seus filhos, pela GNR, na noite de 25 de dezembro de 2020, na sequência de um episódio de violência doméstica, em que o R, mais uma vez a agrediu.”

3ª-Pois bem, não pode o Recorrido estar mais em desacordo, por duas ordens de razões: em primeiro porque a Mm.ª Juiz a quo, limitou-se a dar como provados os factos que pela percepção directa daquele tribunal – nomeadamente pela prova testemunhal de Autora, Réu e o filho de ambos – pôde concluir.

4ª-E não nos parece, salvo o devido respeito que é muito, que a Mm.ª Juiz aquando da prolação da sentença no processo de atribuição da casa de morada de família, não tenha que atender apenas aos factos que se deram como provados nesse processo, prova essa produzida perante a mesma, a qual formou a sua convicção.

5ª-O único facto que podia – em qualquer um dos processos, diga-se – ter sido dado como provado é o que consta efetivamente da alínea C) dos factos dados como provados.

6ª-Por outro lado, como se pode depreender da transcrição do depoimento da testemunha CC, a saída da Autora da casa de morada de família estava mais do que planeada, “nós os três, eu a minha mãe e o meu irmão, decidimos que se voltasse a acontecer algo do género nós iriamos sair de casa e pôr fim aquilo (...)”, sendo o incidente que ocorreu no dia 25 e que o Réu admite, mas não nos termos que a A. descreve como tendo sido admitido pelo mesmo, um mero pretexto para verem justificada a sua vontade.

7ª-Diga-se, ainda, que quer a Autora alegar que a condenação do Réu pelo crime de violência doméstica é por si só condição suficiente para a automática atribuição da casa de morada de família à requerente, o que como bem se percebe é errada, já que apesar de em última instância se poder levar em linha de conta, não são esses os pressupostos para a atribuição requerida, o que só em situação de igualdade de rendimentos se equacionaria, vejamos nesse sentido o Acórdão nº165/20.5PDCSC-A.L1-3, “Pode pois ao arguido ser aplicada uma medida de coacção, nos termos conjugados previstos no art.º 200º/1/a) e art.º 31º/1/c) da Lei nº 112/2009 de 16.9, que o obrigue a não permanecer (ou não permanecer sem autorização) na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde habite a ofendida (sucedendo muitas vezes ser essa residência a casa de morada de família) e na sequência dessa medida de coacção, ser forçado a sair temporariamente da casa que partilhava com a sua mulher e filhos, sem que porém, por via dessa sua sujeição a tal medida, o Tribunal Criminal esteja a decidir de Direito, o que  quer que seja quanto ao destino final a atribuir à casa de morada de família (questão a ser objecto naturalmente de decisão em sede própria, no âmbito do Tribunal de Família)”.

8ª-Já quanto aos factos Z) e BB) dos factos dados como provados que se transcrevem “O requerido trabalhou em Portugal e em França para ter a casa de residência do casal da forma como a mesma se encontra.” e “A requerente e o requerido apenas contrataram com terceiros o levantamento da casa, tendo sido o requerido sozinho, que fez todos os acabamentos da mesma, sendo a grande parte do dinheiro investido na casa ganho por si em França” alega também a Autora que deveriam os mesmos ter resultado não provados. Acontece que, mesmo em face das transcrições do julgamento feitas pela Autora, o Réu foi sempre perentório em afirmar que trouxe dinheiro de França e que o mesmo foi utilizado para colocar portadas e concluir os anexos.

9ª-O que representa um grande investimento na construção de uma casa e a Autora não desconhece isso.

10ª-Aliás, nas suas declarações começa a Autora por fazer o relato da alegada “miséria total” enquanto o marido esteve emigrado, dizendo que nem comida tinha para colocar na mesa dos filhos, no entanto, é a própria que no final das suas declarações acaba por admitir que foi com dinheiro que o Réu trouxe de França que colocaram as portadas na casa.

11ª-Quanto aos factos plasmados em CC) dos factos dados como provados “O que requerente e requerido combinaram foi afetar ao salário da requerente o pagamento da prestação do empréstimo, enquanto do salário do requerido ficou afeto o pagamento das restantes despesas com alimentação do agregado familiar, água, luz, compra de alimentação para os animais que criavam e se destinavam a venda e consumo." entende ainda a Autora que deveria ter sido dado como provado que o empréstimo saía do vencimento da Autora e que as restantes despesas eram pagas em igual medida por um e por outro.

12ª-Mas não foi isso, pelo contrário, que defendeu o Réu ao dizer que foi a própria Autora que lhe disse – citando o Réu – “para não teres tudo em cima de ti (referindo-se ao Réu) eu fico com o empréstimo”.

13ª-Pelo que, facilmente se depreende que era o Réu quem assumia as restantes despesas ficando a cargo da Autora (só) o empréstimo.

14ª-Assim, em face da espontaneidade do Réu que nunca quis falta à verdade perante o Tribunal, este formou a sua convicção, a qual foi a mais acertada e correcta do ponto de vista formal e material

15ª-Quanto ao facto dado como provado EE), não é verdade que o Réu não tenha referido estar na disponibilidade de assumir as prestações do empréstimo bancário.

16ª-Quanto ao facto provado em OO) “A casa da avó da requerente encontra-se vaga”, foi a própria Recorrente que admitiu que a mesma se encontra vaga, que o casal já lá havia habitado e que inclusive refizeram a casa de banho para que a mesma tivesse condições de habitabilidade.

17ª-Quanto aos pontos 2) e 3) dos factos dados como não provados, apesar de o terem sido, os mesmos são absolutamente irrelevantes para o objeto desta ação.

18ª-Ainda assim, diremos que não foi feita prova cabal de que tenha em primeiro lugar sido proposto ou não à Autora uma casa de refúgio na ..., nem tampouco se apenas lhe conseguiam colocação por um período de 3 semanas numa casa de abrigo.

19ª-Nenhuma outra prova com exceção das declarações da Autora foi produzida nesse sentido, já que o depoimento do filho se baseou unicamente no que lhe havia sido transmitido pela mãe.

20ª- Quanto ao ponto 4) dos factos dados como não provados, não podemos ignorar que foi a aqui recorrente que alegou que “O requerido tem alternativas de residência (...)” avançando com alguns locais que no seu entender constituíam alternativas à habitação “com perfeitas condições” para o Réu viver.

 21ª-No entanto, em face da explicação do Réu e dos argumentos pelo mesmo discorridos, acaba a Autora por admitir não saber as condições dessas casas e a composição dos agregados familiares. Diz não saber, estando ciente que é a si a quem incumbe o ónus de provar o que alegou. Em nossa opinião e do Tribunal a quo, não logrou atingir tal desiderato, razão pela qual não podia (como não pôde) a Mm.ª Juiz a quo dar como provado aquele facto.

22ª-Afirma ainda a Recorrente no art.70º do seu recurso que o Réu não negou essas alternativas o que é falso!

23ª-O Réu negou perentoriamente que aquelas fossem alternativas à sua habitação pelos argumentos por si invocados e que foram levados, pela seriedade, sinceridade e coerência com que sempre depôs perante aquele Tribunal.

24ª-Quanto ao ponto 5) dos factos dados como não provados “O requerido aufere um rendimento mensal bruto de cerca de 1000€”, o mesmo foi contraditado pelo facto dado como provado na alínea S) “O requerido, em fevereiro de 2021, recebeu 798,57€ de ordenado ilíquido”, através de pesquisa da Segurança Social, razão pela qual se considera provado documentalmente.

25ª-Por fim, e quanto aos factos 6) e 7) dos factos dados como não provados e que A. alega deverem considerar-se provados e que têm o seguinte teor “A A. não pode residir junto dos seus familiares ou amigos próximos porquanto todos eles residem em ..., a menos de 50 metros da sua casa de morada de família, pelo que refugiar-se em casa de qualquer um deles significa residir ao lado do seu agressor” e “Enquanto o requerido se mantiver a residir na casa sita à Rua ..., ..., ... ..., a A não pode sequer ir visitar os seus familiares e amigos sem correr o risco de se cruzar com o seu agressor, o mesmo acontecendo com os filhos do casal”, fica por demais evidente a convicção do Tribunal a quo quanto à alegada impossibilidade de a recorrente viver junto dos seus familiares ou amigos no ..., já que como bem fundamenta a Mm.ª Juiz a quo, “aquele sempre teve conhecimento do paradeiro daquela e nunca se aproximou dela, mesmo custando-lhe, inclusive, estar longe do filho mais novo”.

26ª-E, no âmbito do processo criminal nº 353/20...., do Juízo Local Criminal ..., no qual o Réu, ali arguido foi condenado, não resulta nenhum tipo de proibição de contacto com a ofendida, o que bem podia ter o Tribunal decidido caso entendesse haver motivos para a sua aplicação.

27ª-Os quais NÃO EXISTEM, nem nunca existiram, diga-se!

28ª- Citando a sentença proferida pela Mm.ª Juiz do Juízo Local Criminal ..., na página 33, penúltimo parágrafo “Já quanto a` pena acessória de proibição de contacto com a vítima – com afastamento da residência ou do local de trabalho e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo a` distância -, afigura-se-nos que, neste momento, inexistem factos concretos que justifiquem a necessidade de impor ao arguido tal pena acessória, considerando que o mesmo não tem procurado a vítima, nem encetado contactos, por qualquer forma, com esta.”

Sem conceder quanto a tudo o que já supra se explanou.

29ª-Na avaliação da necessidade da casa, deve o tribunal ter em conta, em particular, a situação patrimonial dos cônjuges ou ex-cônjuges e o interesse dos filhos e só em situação de igualdade de rendimentos se equacionariam outros critérios de atribuição.

30ª-Assim, o que importa verdadeiramente é a análise, dos factos dados como provados, da situação patrimonial dos ex-cônjuges.

31ª- E dessa análise resulta o seguinte:

- A autora vive com os seus dois filhos e com a sua avó acamada. A autora aufere um vencimento de 665,00€ mensais (al.U) dos factos dados como provados). O filho mais velho do casal, CC, reside com a requerente e aufere igual valor de 665,00€ mensais e subsídios, recebendo ainda a requerente a pensão da avó no valor de 340,00€ (al.MM) dos factos dados como provados). Pelo que o rendimento do agregado familiar da Autora ascende aos 1670,00€/mês. São despesas mensais da Autora a prestação do empréstimo para a construção da casa de morada de família, no montante de 196,65€ (Al.Q e UU) dos factos provados), a renda mensal da casa onde atualmente habita no montante de 300,00€ (Al. M dos factos provados) e despesas correntes com alimentação água, luz e internet

-Já o Réu vive sozinho, aufere um vencimento mensal ilíquido de 798,57€ (Al. S) dos factos provados) recebendo o seu filho mais novo para jantar uma vez por semana, a quem paga uma pensão alimentar no valor mensal de 150€ (al. T dos factos provados), despesas correntes com alimentação, luz, internet, água da casa de habitação e da habitação da avó da Autora.

Além do mais, o Réu não tem outro sítio onde possa habitar (al. FF), GG, HH, II, JJ, KK, LL) já a Autora detém a casa da sua avó a qual se encontra vaga (al. OO).

Acresce ainda referir que dos factos dados como provados é na casa de morada de família que o Réu tem a sua vida pessoal organizada e o seu círculo de amigos, mas é aí que além do mais o mesmo faz criação do gabo e é o mesmo quem cuida (e sempre cuidou da casa e quintal) (al. QQ e RR).

32.ª- Assim e sem necessidade de mais considerações, deverão todas as conclusões da recorrente improceder.

Termos em que e nos melhores de Direito e sempre com o douto suprimento de V.ª Ex.ª(s), deverá o recurso ser considerado improcedente e mantida a douta decisão recorrida, com o que se fará a mais lídima JUSTIÇA!”

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:

1. Impugnação da decisão quanto à matéria de facto;

2. Atribuição da casa de morada de família.

FUNDAMENTOS DE FACTO

A sentença recorrida fixou a matéria de facto da seguinte forma:

“Mostram-se provados os seguintes factos (à exceção das alegações conclusivas ou de direito e repetidas):

A) A e R contraíram casamento católico em 23 de dezembro de 1995, sem convenção antenupcial.

B) Do casamento nasceram dois filhos, sendo um – CC -atualmente já maior de idade, e outro – DD, nascido em .../.../2004.

C) No passado dia 25 de dezembro de 2020, o R., enervado por causa do pai da A., começou a partir diversos objetos dentro da casa sita na Rua ..., ..., ... ... – onde a requerente, o requerido e os filhos do casal residiam até então -, tendo saído para o anexo onde partiu outros, após o que voltou para o interior da casa.

D) No passado dia 25 de dezembro de 2020, nas ditas circunstâncias, o R. e o filho mais velho do casal constituído por aquele e a A., agrediram-se recíproca e fisicamente.

E) No passado dia 25 de dezembro de 2020, nas ditas circunstâncias, a A. chamou a GNR, que a levou e ao filho mais velho do casal do local.

F) A A e seus filhos, uns dias depois, voltaram a casa, acompanhados de elementos da GNR, a fim de irem buscar algumas roupas, mas ainda aí deixaram pertences.

G) O filho mais velho do casal, em idade mais jovem, era irrequieto e incorreto, havendo lugar a corretivos aos seus comportamentos.

H) A A. foi posta fora de casa dos pais quando a tinha 14 anos.

I) Por ocasião da ceia de Natal de 2020, o pai da A., alcoolizado, sujou a casa de banho, o que deixou o R. transtornado.

J) Foi proferida a .../.../2021 sentença no processo de divórcio nº 147/21...., entre os aqui requerente e requerido, com fundamento em violação do dever de coabitação por parte da requerente.

K) Encontra-se pendente o inquérito nº 353/20.... que corre termos no DIAP ..., com base em queixa apresentada pela aqui requerente contra o aqui requerido, em que a primeira lhe imputa a prática de factos alegadamente integrantes do crime de violência doméstica datados de 25.12.2021.

L) Após a sua saída da casa sita na Rua ..., ..., ... ..., a requerente e os filhos do casal pernoitaram noutra casa.

M) A requerente celebrou contrato de arrendamento para habitação no dia 10.03.2021, com referência a uma casa sita em ..., pelo valor de €300,00 mensais, com início em março de 2021.

N) A A trata ainda da sua avó, acamada, tendo-a colocado temporariamente, num local seguro, continuando a fazer supervisão do seu bem-estar.

O) A casa sita na Rua ..., ..., ... ... está descrita na conservatória do registo predial ... sob o nº ...78, e inscrita na respetiva matriz sob o número ...54, foi construída num bem próprio do cônjuge mulher, em terreno que lhe foi doado por EE, sua avó.

P) A construção da casa sita na Rua ..., ..., ... ... foi parcialmente financiada com recurso a um empréstimo bancário.

Q) É a requerente quem reembolsa sozinha as mensalidades do dito empréstimo, porque aquela e o requerido acordaram que haveria repartição de gastos, a saber, uns seriam suportados por ela e os outros pelo requerido.

R) O requerido continuou a residir na casa sita na Rua ..., ..., ... ... e recusa-se a deixar de assim continuar.

S) O requerido, em fevereiro de 2021, recebeu €798,57 de ordenado ilíquido.

T) No âmbito do processo de RERP, apenso C, referente ao filho mais novo do casal constituído pelos aqui requerente e requerido, o jovem DD, por sentença transitada em julgado, homologatória de acordo nesse sentido, datada de 27.04.2021, ficou a residência do jovem fixada junto da requerente, bem assim:
“2.ª - Todas as semanas, pelo menos um dia, por ocasião de uma das refeições principais, o progenitor terá o jovem na sua companhia, designadamente na casa de morada de família, em termos a combinar entre pai e filho.
3.ª - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do jovem serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
4 .ª - O pai pagará a título de alimentos 150 € ( cento e cinquenta euros ) mensais, até ao dia 30 de cada mês, com início a 30 de abril próximo, por transferência bancária”.
U) A requerente aufere um vencimento de €665, 00 mensais.
V) O pai da A. tinha por hábito tomar refeições na referida casa de residência do casal, pelo menos uma vez por semana, o que não era do agrado do requerido, que o fez saber à requerente e a mesma estava consciente.
W) A requerente abandonou, por vontade própria, a referida casa de residência do casal na noite de 25 de dezembro de 2020.
X) E chamou a GNR, o que deu origem à instauração do processo crime contra o aqui requerido.
Y) O requerido não se importa que, não obstante o termo do casamento entre si e a requerente, esta continue a residir na casa de residência do casal.
Z) O requerido trabalhou em Portugal e em França para ter a casa de residência do casal da forma como a mesma se encontra.
AA) É aí que trabalha e reside desde que foi iniciada a sua construção, há mais de 20 anos.
BB) A Requerente e o Requerido apenas contrataram com terceiros o levantamento da casa, tendo sido o requerido sozinho, que fez todos os acabamentos da mesma, sendo a grande parte do dinheiro investido na casa ganho por si em França.
CC) O que requerente e requerido combinaram foi afetar ao salário da requerente o pagamento da prestação do empréstimo, enquanto do salário do requerido ficou afeto o pagamento das restantes despesas com alimentação do agregado familiar, água, luz, compra de alimentação para os animais que criavam e se destinavam a venda e consumo.
DD) Requerente e requerido, enquanto casal, ajudavam-se mutuamente.
EE) O requerido também está na disponibilidade de assumir as prestações do empréstimo bancário.
FF) A mãe do requerido reside numa casa de mero favor.
GG) Tal casa é bastante velha, terá cerca de 80 anos, não apresentando condições de habitabilidade.
HH) Nessa casa, também se encontra a residir um irmão do requerido.
II) Quanto à casa do seu irmão que reside na ..., nem a sua família consente que o requerido aí resida, nem existem condições para aí se albergar, porque o seu irmão tem a sua própria família, composta por si, sua esposa, um filho, um enteado e a esposa do filho e aos fins de semana um outro filho do seu irmão, que passa fins de semana com o pai.
JJ) A residência da sua irmã em ... é um apartamento, onde o mesmo reside com o seu esposo, sendo que também não concorda em que o requerido aí resida.
KK) O requerido trabalha na ....
LL) Entre a ... e ... distam cerca de 45 Kms.
MM) O filho mais velho do casal, CC, reside com a requerente aufere igual valor de 665,00€/mês e subsídios, recebendo ainda a requerente a pensão da avó no valor de 340,00€.
NN) A requerente, pelo menos desde março de 2021, reside a 2 km do requerido.
OO) A casa da avó da requerente encontra-se vaga.
PP) A avó da Requerente tem uma filha a residir em ....
QQ) É na zona da casa sita na Rua ..., no ..., que o requerido tem a sua vida pessoal organizada e o seu círculo de amigos.
RR) Também aí possuí a sua criação de gado e cuida da sua casa e do quintal.
SS) O empréstimo bancário referido em Q) foi contraído no dia dezoito de maio de dois mil, pelo período de 25 anos e fim em dezoito de maio de dois mil e vinte cinco, no valor total de 39.903,83 €.
TT) O saldo em divida à data de separação do casal – 25/12/2020 – era de 9.959,71€.
UU) A prestação mensal do referido empréstimo é de 196,65 €.
VV) O montante em divida do referido empréstimo, à data de 08/07/2022, era de 6.678,25 €.
WW) No âmbito do processo criminal 353/20...., do Juízo Local Criminal ..., por sentença de 08/11/2021, já transitada em julgado, o aqui réu e ali arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravada, um crime de ameaça agravada e um crime de ofensa à integridade física simples.

*

                  Factos não provados (além dos que estão prejudicados pelos provados e os que se suportam em alegações conclusivas ou de direito):
1. A A foi retirada de sua casa, com os seus filhos, pela GNR, na noite de 25 de dezembro de 2020, na sequência de um episódio de violência doméstica, em que o R, mais uma vez a agrediu.
2. Após a saída da casa sita na Rua ..., ..., ... ..., a requerente e os filhos do casal obtiveram refúgio temporário em casa de uns familiares, pois ao abrigo da proteção à vitima de violência doméstica, apenas lhe conseguiam colocação por um período de 3 semanas numa casa abrigo sita a mais de 40 km de ..., sem quaisquer perspetivas de alojamento após esse período.
3. A localização da casa abrigo era absolutamente incompatível com a situação profissional da A, e com a situação escolar do seu filho menor, atenta a distância entre os locais de trabalho e escola e a localização da casa abrigo.
4. O requerido tem alternativas de residência, nomeadamente:

- a mãe do R reside, em casa própria, na localidade de ..., onde também vive um irmão deste, e com perfeitas condições para acolher o seu filho)
- o R tem ainda mais irmãos que também possuem casa própria e condições para o poder acolher, sendo que um irmão reside em ... - ..., e uma irmã reside em ....
5. O requerido aufere um rendimento mensal bruto de cerca de 1000 €.
6. A A não pode residir junto dos seus familiares ou amigos próximos porquanto todos eles residem em ..., a menos de 50 metros da sua casa de morada de família, pelo que refugiar-se em casa de qualquer um deles significa residir ao lado do seu agressor.
7. Enquanto o requerido se mantiver a residir na casa sita na Rua ..., ..., ... ..., a A não pode sequer ir visitar os seus familiares e amigos sem correr o risco de se cruzar com o seu agressor, o mesmo acontecendo com os filhos do casal.
8. A casa onde reside a sua mãe, não é propriedade da mesma, sendo a mesma do padrinho do requerido, Sr. FF e da sua madrinha GG.
9. A requerente é uma pessoa quezilenta, desequilibrada e emocionalmente instável, geradora de bastantes problemas pessoais àquele, destruindo uma família só porque pretende viver mais a sua vida com o seu pai do que com o seu marido e filhos.

FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Impugnação da decisão da matéria de facto

De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

“A alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte[1]”.

Procedeu-se à análise da prova produzida nos autos.

A recorrente sustenta que os factos referidos nas alíneas W), Z) e BB) dos factos provados deveriam ter resultado não provados.

W) A requerente abandonou, por vontade própria, a referida casa de residência do casal na noite de 25 de dezembro de 2020.

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

“Remete-se para a convicção já consignada”.

Sustenta a recorrente que por sentença de 8/11/2021, já transitada em julgado, proferida no processo criminal 353/20...., do Juízo Local ..., o aqui réu e ali arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravada, um crime de ameaça agravada e um crime de ofensa à integridade física simples, o que parece não ter sido levado na formação da convicção do Tribunal.

Vejamos:

Analisada o teor da sentença proferida no proc. crime 353/20...., do Juízo Local ..., constata-se que o aqui requerido foi condenado na prática de 3 crimes: um crime de violência doméstica agravada (na pessoa da aqui autora), um crime de ameaça agravada e um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa de CC, filho da aqui autora e ré). Os factos foram praticados no dia 25 de dezembro de 2020, pelas 18:00h.

Estabelece o artigo 623º do CPC que “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração”.

Ora, a recorrente e o recorrido intervieram no processo-crime em causa, na qualidade, respetivamente, de ofendida e arguido, pelo que a dita condenação do recorrido nesse processo criminal, uma vez transitada em julgado, tem eficácia absoluta no tocante aos factos constitutivos da infração, que não poderão, assim, voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos e da culpa sempre definitivos quanto ao arguido[2].

Assim sendo, a factualidade constante da alínea W), terá que ser dada como não provada.

Z) O requerido trabalhou em Portugal e em França para ter a casa de residência do casal da forma como a mesma se encontra.

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

“A requerente chegou a afirmar que o requerido, quando esteve a trabalhar em França, não remetia valores monetários para sustento da família, em Portugal. O filho mais velho do casal também o disse, ambos o reforçando com a ajuda solidária da testemunha HH.

Por seu lado, esta última testemunha referiu ter prestado tal ajuda.

Sucede que o requerido o negou e o tribunal, face aos exageros alegatórios em que surpreendeu a requerente e o filho mais velho do casal, sem que tenha sido apresentada qualquer outra prova, ficou com dúvida quanto à veracidade do assim alegado, para mais quando o requerido nunca perseguiu a requerente, apesar de saber onde se encontrava e a testemunha HH não ter chegado a constituir alternativa residencial provisória para a requerente.

Por fim, refira-se que nenhuma outra explicação lógica foi apresentada pela requerente para o requerido ter passado a trabalhar em França, que não passasse pelo reforço da capacidade financeira, como o último afirmou.”

Vejamos:

Não foi produzida prova que justifique a alteração desta factualidade.

BB) A requerente e o requerido apenas contrataram com terceiros o levantamento da casa, tendo sido o requerido sozinho, que fez todos os acabamentos da mesma, sendo grande parte do dinheiro investido na casa ganho por si em França.

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

“A Requerente e o Requerido confirmaram o grande investimento pessoal de ambos, em particular o requerido na residência do casal.

Quanto à afetação dos rendimentos do trabalho em França, remete-se para a convicção já consignada.

Vejamos:

Não foi produzida prova que justifique a alteração desta factualidade.

A recorrente considera ainda que os factos referidos em 1), 2), 3), 4), 5), 6) e 7) dos factos não provados deveriam ter resultado provados.

1)        A A foi retirada de sua casa, com os seus filhos, pela GNR, na noite de 25 de dezembro de 2020, na sequência de um episódio de violência doméstica, em que o réu, mais uma vez a agrediu.

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

Não foi esta a versão de facto que nos convenceu, como resulta da matéria assente.

A A. afirmou-o, tal como o filho mais velho do casal, mas tanto não no convenceu.

Em primeiro lugar, o R. negou-o, porquanto não usava de violência para com a sua esposa e filhos, ainda que, relativamente ao mais velho houvesse necessidade de recorrer corretivo, tal a sua agitação motora.

Em segundo lugar, apenas a testemunha HH (amiga do casal, em particular da A. e do filho mais velho do casal, a partir do ano 2000) deu conta de manifestações de irritação do R. contra bens, de uma forma espaçada no tempo, a maior parte das vezes comentados pela A.

De todo o modo, esta última testemunha nunca ofereceu guarida à A. e sua casa, apesar de residir a uns escassos metros, o que nos leva a concluir que a situação normal entre o casal e para com os filhos não teria os contornos alegados.

Em terceiro lugar, tendo sido variados os testemunhos de vizinhos, arrolados como testemunhas pelo R., não deram nota de se tratar de um casal problemático.

Vejamos:

Tendo em conta o teor da sentença penal, o auto de noticia (violência doméstica), o estatuto de vítima atribuído à requerente e ao filho mais velho, o auto de apreensão de armas proibidas e as declarações da requerente e da testemunha CC (filho da requerente do requerido), tem de considerar-se esta factualidade dada como provada.

2)        Após a saída da casa sita na Rua ..., ..., ... ..., a requerente e os filhos do casal obtiveram refúgio temporário em casa de uns familiares, pois ao abrigo da proteção à vítima de violência doméstica, apenas lhe conseguiram colocação por um período de 3 semanas numa casa abrigo sita a mais de 40 km de ..., sem quaisquer perspetivas de alojamento após esse período.

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

“Além do já referido, foram variados os testemunhos de vizinhos –II, JJ, KK e LL -, arrolados como testemunhas pelo R., não deram nota de se tratar de um casal envolto em problemas de violência doméstica.

Acresce que a única testemunha exterior ao agregado familiar, que a requerente arrolou foi a referida HH, a qual, apesar de alegar residir sozinha com o marido e numa casa com quartos suficientes para albergar a requerente e os filhos, não se disponibilizou para o efeito.

De referir, igualmente, que nem sequer foi identificado o local das habitações provisórias por onde a requerente passou (morada).

Diga-se, também, que se notou no depoimento do filho mais velho do casal – CC –animosidade negativa em relação ao pai. Aliás, questionado como explicava que o requerido, sempre que interveio verbalmente nas conferências e sessões de audiência deste processo e do principal, se tenha referido à requerente como pessoa espetacular e mulher e mãe excelente e, nas palavras deste filho, alegadamente reprodutoras do discurso do requerido para com a requerente, se dirigisse a esta como «cabra» e «vaca», respondeu não saber explicá-lo.

Já o filho mais novo do casal, ouvido na RERP, nada de mal referiu quanto ao pai, à exceção de se enervar, por vezes, descarregando em alguns bens materiais.”

Vejamos:

A requerente declarou que a GNR propôs-lhe ir com os filhos para uma casa de acolhimento na .... Mais referiu que nessa noite ficou em casa de uma tia e que no dia seguinte foi para uns anexos propriedade de uma outra tia emigrada em França.

Assim sendo, dá-se como provado que:

Após a saída da casa sita na Rua ..., ..., ... ..., a requerente e os filhos do casal obtiveram refúgio temporário em casa de uns familiares, pois ao abrigo da proteção à vítima de violência doméstica, apenas lhe conseguiram colocação por uma casa abrigo sita na ....

3) A localização da casa abrigo era absolutamente incompatível com a situação profissional da requerente, e com a situação escolar do seu filho menor, atenta a distância entre os locais de trabalho e escola e a localização da casa abrigo.

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

“Nem sequer foi identificado tal local.”

Sustenta a recorrente que se deve considerar o depoimento da autora e dos filhos.

Vejamos:

Tendo em conta as declarações da requerente e da testemunha CC considera-se provado que a localização da casa abrigo era incompatível com a situação profissional da requerente, e com a situação escolar do seu filho menor, atenta a distância entre os locais de trabalho e escola e a localização da casa abrigo.

4) O requerido tem alternativas de residência, nomeadamente:

- a mãe do R reside, em casa própria, na localidade de ..., onde também vive um irmão deste, e com perfeitas condições para acolher o seu filho);

- o R tem ainda mais irmãos que também possuem casa própria e condições para o poder acolher, sendo que um irmão reside em ... - ..., e uma irmã reside em ....

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

“O requerido negou-o e não foi produzida qualquer outra prova.

Mesmo a requerente alegou desconhecer o estado das casas e atual composição dos agregados familiares que aí habitam. Ademais, o próprio filho mais velho do casal até referiu estar de relações cortadas com a avó paterna por algo que o melindre.”

Considera a recorrente que o réu não negou que essas alternativas de habitação existam, não negou que a mãe reside em ..., que um irmão reside em ... e uma irmã reside em .... 

Vejamos:

Não foi produzida prova que justifique a alteração desta factualidade.

5) O requerido aufere um rendimento mensal bruto de cerca de €1000.

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

“Não foi produzida prova.”

Considera a recorrente que este facto devia ter sido dado como provado, como resulta das declarações do próprio réu, com um simples cálculo aritmético €798,57 de vencimento base, €30 de diuturnidade, pelo menos €135,74 de subsidio de refeição (€6,17 diários x 22 dias úteis de trabalho) se verifica que o vencimento bruto é de pelo menos €964,24€  a que acrescem eventuais subsídios de produtividade ou prémios, pelo que se deve considerar provado que o requerido aufere um rendimento mensal bruto de cerca de €1.000.

Vejamos:

Tendo em conta a declaração da entidade patronal junta com a contestação, constatamos que o requerido aufere mensalmente as seguintes quantias:

-Vencimento-base base: €798,57.

-Diuturnidades: €30,00

-Subsidio de refeição: €6,17 por cada dia efetivamente trabalhado;

-Prémio de objetivos: prémio variável, que é pago no mês seguinte aquele a que diz respeito, e cujo valor pode variar entre 0€ e 250€, em função do grau de cumprimento dos objetivos dos indicadores.

Assim sendo, entendemos que esta factualidade deve ser dada como provada.

Em consequência, elimina-se a alínea S).

6) A A não pode residir junto dos seus familiares ou amigos próximos porquanto todos eles residem em ..., a menos de 50 metros da sua casa de morada de família, pelo que refugiar-se em casa de qualquer um deles significa residir ao lado do seu agressor.

7) Enquanto o requerido se mantiver a residir na casa sita na Rua ..., ..., ... ..., a A não pode sequer ir visitar os seus familiares e amigos sem correr o risco de se cruzar com o seu agressor, o mesmo acontecendo com os filhos do casal.

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

“Como já se disse, além de não estar provado que o requerido agrediu a requerente, aquele sempre teve conhecimento do paradeiro daquela e nunca se aproximou dela, mesmo custando-lhe, inclusive, estar longe do filho mais novo.”

Considera recorrente que os pontos indicados em 6) e 7) dos factos provados deveriam ter sido como provados, pois, tal como a autora, todas as testemunhas ouvidas em audiência foram unânimes em referir que os familiares da autora residem todos na mesma rua onde se situa a casa de morada de família e tanto a autora como o filho do casal referiram que tinham medo de serem novamente agredidos e que desde 25/12/2020 não tinham voltado ao local onde se situa a casa de morada de família (exceto com a GNR para recuperar bens pessoais), nem sequer para ver familiares.

Vejamos:

A autora declarou que a casa em causa se encontra na rua onde vive a sua família, nomeadamente tios e primos. Que tem muito medo do requerido. A testemunha CC referiu que praticamente toda a família vive perto da casa em causa nos autos. Tem a certeza que a sua mãe tem medo do seu pai.

Com base nestas declarações, e tendo em conta que a requerente foi vitima de violência doméstica praticada pelo requerido, justifica-se que se dê como provada a factualidade que consta dos pontos 6 e 7, com as seguintes redações:

6- A requerente não pode residir junto dos seus familiares próximos porquanto todos eles residem em ..., perto da a sua casa de morada de família.

7- Enquanto o requerido se mantiver a residir na casa sita na Rua ..., ..., ... ..., a requerente não pode sequer ir visitar os seus familiares e amigos sem correr o risco de se cruzar com o seu agressor, o mesmo acontecendo com os filhos do casal

A recorrente sustenta ainda que os factos provados sob as alíneas CC), EE) e OO) devem ter outra redação.

CC) O que a requerente e requerido combinaram foi afetar ao salário da requerente o pagamento da prestação do empréstimo, enquanto o salário do requerido ficou afeto o pagamento das restantes despesas com alimentação do agregado familiar, água, luz, compra de alimentação para os animais que criavam e se destinavam a venda e consumo.

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

“A requerente e o requerido confirmaram-no, sendo que as testemunhas arroladas pelo requerido deram conta de este ser uma pessoa trabalhadora.”

Vejamos:

Na conc. XIV foi alegado o seguinte:

“Quanto aos factos plasmados em CC) dos factos provados apenas resultou do depoimento das partes que o empréstimo saia do vencimento da Autora e que as restantes despesas eram pagas em igual medida por um e outro, sendo certo que a Autora nunca disse que o Reu pagava sozinho todas as outras despesas e a M.ma Juiz “a quo” não refere por que motivo não teve em conta o depoimento da Autora nessa parte, o qual é claramente objectivo, sincero e isento.

Importa recordar que já consta da al. Q) dos factos provados “É a requerente quem reembolsa sozinha as mensalidades do dito empréstimo, porque aquela e o requerido acordaram que haveria repartição de gastos, a saber, uns seriam suportados por ela e os outros pelo requerido”.

Assim sendo, e não tendo a apelante especificado outra factualidade, fica apenas a constar a factualidade da alínea Q) dos factos provados.

EE) O requerido também está na disponibilidade de assumir as prestações do empréstimo bancário.

Vejamos:

Não foi produzida prova convincente, pelo que tem de considerar-se a mesma como não provada.

OO) A casa da avó da requerente encontra-se vaga.

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

“A requerente confirmou-o.”

Vejamos:

Segunda a recorrente deveria constar que tal casa não tem condições de habitabilidade, como resulta do depoimento das partes.

O requerido referiu que a casa da avó da requerente não tinha condições. A requerente também referiu o mesmo, dizendo que a casa era de “adobes".

Assim sendo, esta factualidade passa a ter a seguinte redação: A casa da avó da requerente encontra-se vaga, mas não tem condições de habitabilidade.

Por fim, e tendo em conta a sentença penal já referida, entende-se alterar a factualidade constante da alínea WW) dos factos provados que passa a ter a seguinte redação:

No âmbito do processo criminal 353/20...., do Juízo Local ..., por sentença de 8/11/2021, já transitada em julgado, o aqui requerido foi condenado na prática de 3 crimes: um crime de violência doméstica agravada (na pessoa da aqui autora), um crime de ameaça agravada e um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa de CC, filho da aqui requerente e requerido), sendo que os factos foram praticados no dia 25 de dezembro de 2020, pelas 18:00h.

Em consequência, elimina-se a factualidade que consta da alínea K).

A factualidade fica assim definitivamente estabilizada:

Factos provados:
A) Requerente e requerido contraíram casamento católico em 23 de dezembro de 1995, sem convenção antenupcial.
B)  Do casamento nasceram dois filhos, sendo um – CC -atualmente já maior de idade, e outro – DD, nascido em .../.../2004.
C) No passado dia 25 de dezembro de 2020, o requerido, enervado por causa do pai da requerente, começou a partir diversos objetos dentro da casa sita na Rua ..., ..., ... ... – onde a requerente, o requerido e os filhos do casal residiam até então -, tendo saído para o anexo onde partiu outros, após o que voltou para o interior da casa.
D) No passado dia 25 de dezembro de 2020, nas ditas circunstâncias, o requerido e o filho mais velho do casal constituído por aquele e a requerente, agrediram-se recíproca e fisicamente.
E) No passado dia 25 de dezembro de 2020, nas ditas circunstâncias, a requerente chamou a GNR, que a levou e ao filho mais velho do casal do local.
F) A requerente e seus filhos, uns dias depois, voltaram a casa, acompanhados de elementos da GNR, a fim de irem buscar algumas roupas, mas ainda aí deixaram pertences.
G) O filho mais velho do casal, em idade mais jovem, era irrequieto e incorreto, havendo lugar a corretivos aos seus comportamentos.
H) A requerente foi posta fora de casa dos pais quando a tinha 14 anos.
I) Por ocasião da ceia de Natal de 2020, o pai da requerente., alcoolizado, sujou a casa de banho, o que deixou o requerido transtornado.
J) Foi proferida a .../.../2021 sentença no processo de divórcio nº 147/21...., entre o aqui requerente e requerido, com fundamento em violação do dever de coabitação por parte da requerente.
K) Eliminado.
L) Após a sua saída da casa sita na Rua ..., ..., ... ..., a requerente e os filhos do casal pernoitaram noutra casa.
M) A requerente celebrou contrato de arrendamento para habitação no dia 10.03.2021, com referência a uma casa sita em ..., pelo valor de €300, 00 mensais, com início em março de 2021.
N) A requerente trata ainda da sua avó, acamada, tendo-a colocado temporariamente, num local seguro, continuando a fazer supervisão do seu bem-estar.
O) A casa sita na Rua ..., ..., ... ... está descrita na conservatória do registo predial ... sob o nº ...78, e inscrita na respetiva matriz sob o número ...54, foi construída num bem próprio do cônjuge mulher, em terreno que lhe foi doado por EE, sua avó.
P) A construção da casa sita na Rua ..., ..., ... ... foi parcialmente financiada com recurso a um empréstimo bancário.
Q) É a requerente quem reembolsa sozinha as mensalidades do dito empréstimo, porque aquela e o requerido acordaram que haveria repartição de gastos, a saber, uns seriam suportados por ela e os outros pelo requerido.
R) O requerido continuou a residir na casa sita na Rua ..., ..., ... ... e recusa-se a deixar de assim continuar.
S) Eliminado.
T) No âmbito do processo de RERP, apenso C, referente ao filho mais novo do casal constituído pelos aqui requerente e requerido, o jovem DD, por sentença transitada em julgado, homologatória de acordo nesse sentido, datada de 27.04.2021, ficou a residência do jovem fixada junto da requerente, bem assim:

“2.ª - Todas as semanas, pelo menos um dia, por ocasião de uma das refeições principais, o progenitor terá o jovem na sua companhia, designadamente na casa de morada de família, em termos a combinar entre pai e filho.

3.ª - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do jovem serão exercidas em comum por ambos os progenitores.

4 .ª - O pai pagará a título de alimentos 150 € ( cento e cinquenta euros ) mensais, até ao dia 30 de cada mês, com início a 30 de abril próximo, por transferência bancária”.

U) A requerente aufere um vencimento de €665, 00 mensais.

V) O pai da A. tinha por hábito tomar refeições na referida casa de residência do casal, pelo menos uma vez por semana, o que não era do agrado do requerido, que o fez saber à requerente e a mesma estava consciente

W) Eliminado.

X) E chamou a GNR, o que deu origem à instauração do processo crime contra o aqui requerido.

Y) O requerido não se importa que, não obstante o termo do casamento entre si e a requerente, esta continue a residir na casa de residência do casal.

Z) O requerido trabalhou em Portugal e em França para ter a casa de residência do casal da forma como a mesma se encontra.

AA) É aí que trabalha e reside desde que foi iniciada a sua construção, há mais de 20 anos.

BB) A requerente e o requerido apenas contrataram com terceiros o levantamento da casa, tendo sido o requerido sozinho, que fez todos os acabamentos da mesma, sendo a grande parte do dinheiro investido na casa ganho por si em França.

CC) O que requerente e requerido combinaram foi afetar ao salário da requerente o pagamento da prestação do empréstimo, enquanto do salário do requerido ficou afeto o pagamento das restantes despesas com alimentação do agregado familiar, água, luz, compra de alimentação para os animais que criavam e se destinavam a venda e consumo (mantém-se).

DD) Requerente e requerido, enquanto casal, ajudavam-se mutuamente.

EE) Eliminado.

FF) A mãe do requerido reside numa casa de mero favor.

GG) Tal casa é bastante velha, terá cerca de 80 anos, não apresentando condições de habitabilidade.

HH) Nessa casa, também se encontra a residir um irmão do requerido.

II) Quanto à casa do seu irmão que reside na ..., nem a sua família consente que o requerido aí resida, nem existem condições para aí se albergar, porque o seu irmão tem a sua própria família, composta por si, sua esposa, um filho, um enteado e a esposa do filho e aos fins de semana um outro filho do seu irmão, que passa fins de semana com o pai.

JJ) A residência da sua irmã em ... é um apartamento, onde o mesmo reside com o seu esposo, sendo que também não concorda em que o requerido aí resida.

KK) O requerido trabalha na ....

LL) Entre a ... e ... distam cerca de 45 Kms.

MM) O filho mais velho do casal, CC, reside com a requerente aufere igual valor de 665,00€/mês e subsídios, recebendo ainda a requerente a pensão da avó no valor de 340,00€.

NN) A requerente, pelo menos desde março de 2021, reside a 2 km do requerido.

OO) A casa da avó da requerente encontra-se vaga, mas não tem condições de habitabilidade (alterado).

PP) A avó da Requerente tem uma filha a residir em ....

QQ) É na zona da casa sita na Rua ..., no ..., que o requerido tem a sua vida pessoal organizada e o seu círculo de amigos.

RR) Também aí possui a sua criação de gado e cuida da casa e do quintal.

SS) O empréstimo bancário referido em Q) foi contraído no dia dezoito de maio de dois mil, pelo período de 25 anos e fim em dezoito de maio de dois mil e vinte cinco, no valor total de €39.903,83.

TT) O saldo em divida à data de separação do casal – 25/12/2020 – era de €9.959,71.

UU) A prestação mensal do referido empréstimo é de €196,65.

VV) O montante em divida do referido empréstimo, à data de 08/07/2022, era de €6.678,25.

WW) No âmbito do processo criminal 353/20...., do Juízo Local ..., por sentença de 8/11/2021, já transitada em julgado, o aqui requerido foi condenado na prática de 3 crimes: um crime de violência doméstica agravada (na pessoa da aqui autora), um crime de ameaça agravada e um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa de CC, filho da aqui requerente e requerido), sendo que os factos foram praticados no dia 25 de dezembro de 2020, pelas 18:00h.

XX) A requerente foi retirada de sua casa, com os seus filhos, pela GNR, na noite de 25 de dezembro de 2020, na sequência de um episódio de violência doméstica, em que o réu, mais uma vez a agrediu (aditado).

ZZ) Após a saída da casa sita na Rua ..., ..., ... ..., a requerente e os filhos do casal obtiveram refúgio temporário em casa de uns familiares, pois ao abrigo da proteção à vítima de violência doméstica, apenas lhe conseguiram colocação por uma casa abrigo sita na ... (aditado).

AA) A localização da casa abrigo era incompatível com a situação profissional da requerente, e com a situação escolar do seu filho menor, atenta a distância entre os locais de trabalho e escola e a localização da casa abrigo (aditado).

BB) O requerido aufere um rendimento mensal bruto de cerca de €1000 (aditado).

CC) A requerente não pode residir junto dos seus familiares próximos porquanto todos eles residem em ..., perto da sua casa de morada de família (aditado).

DD) Enquanto o requerido se mantiver a residir na casa sita na Rua ..., ..., ... ..., a requerente não pode sequer ir visitar os seus familiares e amigos sem correr o risco de se cruzar com o seu agressor, o mesmo acontecendo com os filhos do casal (aditado).

B) Factos não provados:

1) Eliminado.

2) Eliminado.

3) Eliminado.

4) O requerido tem alternativas de residência, nomeadamente:

-a mãe do R reside, em casa própria, na localidade de ..., onde também vive um irmão deste, e com perfeitas condições para acolher o seu filho);

-o R tem ainda mais irmãos que também possuem casa própria e condições para o poder acolher, sendo que um irmão reside em ... - ..., e uma irmã reside em ....

5) Eliminado.

6) Eliminado.

7) Eliminado.

8) A casa onde reside a sua mãe, não é propriedade da mesma, sendo a mesma do padrinho do requerido, Sr. FF e da sua madrinha GG.

9) A requerente é uma pessoa quezilenta, desequilibrada e emocionalmente instável, geradora de bastantes problemas pessoais àquele, destruindo uma família só porque pretende viver mais a sua vida com o seu pai do que com o seu marido e filhos.

10) O requerido também está na disponibilidade de assumir as prestações do empréstimo bancário (aditado).

11) A requerente abandonou, por vontade própria, a referida casa de residência do casal na noite de 25 de dezembro de 2020 (aditado).


2. Atribuição da casa de morada de família

Na sentença recorrida, sufragou-se o entendimento de que “em termos de necessidade habitacional, requerente e requerido dela carecem, nada obstando o requerido a que a requerente também aí coabite até que a partilha do património conjugal tenha lugar.

Em não se argumente com a força impeditiva uma tal solução, por via da pendência do inquérito fundado em alegada violência doméstica, porquanto se trata de um mero inquérito e, apesar de o requerido conhecer o paradeiro da requerente, nunca sequer a procurou, nem ao filho (ainda) menor do casal.

Por outro lado, não se provou que o requerido tenha usado de violência contra a requerente, tendo, ao invés, a requerente sido aconselhada pelo filho mais velho do casal a abandonar a casa de morada de família.

Ora, o requerido tem nessa casa o seu centro de vida desde há mais de 20 anos, a que dedicou muito, material e afetivamente, sem desprimor para a contribuição inestimável da requerente.

Em terceiro lugar, a requerente, a manter o não propósito de coabitar na casa de morada de família, já se encontra enquadrada residencialmente, tal como os filhos do casal, sendo que o mais velho já possui rendimentos próprios e, nessa medida, pode e deve contribuir para custeio dos gastos habitacionais, desde logo a renda. Aliás, foi o próprio a convencer a requerente a abandonar a casa de morada de família.

Em quarto lugar, registou-se acordo quanto à RERP referente ao filho mais novo do casal, num contexto pressuponente da manutenção da situação residencial do requerido. Com efeito, em termos alimentícios, foram assumidos €150, 00 mensais pelo requerido, o que pressupôs o não acréscimo de custos residenciais da sua parte.

O mesmo se diga a respeito do regime de convívios entre o filho mais novo do casal e o requerido, em que ficou consignado que, pelo menos uma vez por semana, haveria convivência presencial inclusive na casa de morada de família.

Termos em que improcede a pretensão formulada pela Autora, sem prejuízo de a mesma poder voltar a habitar na casa de morada de família, pois que o Réu não deduziu pedido reconvencional de atribuição do direito de utilização exclusiva.”

Alega a recorrente que deve ser atribuído ao cônjuge mulher o direito de uso exclusivo da casa de morada de família, por dela ter mais necessidade de utilização e por ser do interesse dos filhos.

A requerente veio instaurar este processo especial de atribuição da casa de morada de família, previsto no Artigo 990º do Código de Processo Civil.

Nos termos do artigo 990.º, n.º 1 do CPC aquele que pretenda a atribuição da casa de morada da família, nos termos do artigo 1793.º do CC, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105.º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito. Cabe, portanto, o ónus de alegação a quem deduzida o pedido, entendendo a jurisprudência caber-lhe também o ónus da prova”[3].

Trata-se, pois, de um processo de jurisdição voluntária, pelo que tem sido unânime o entendimento de que a decisão a proferir sobre essa questão não está sujeita a critérios de legalidade estrita, mas a critérios de conveniência e oportunidade (art.ºs 986.º a 988.º do CPC), podendo o tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admissíveis as provas que o juiz considere necessárias.

Portanto, na atribuição do uso da casa de morada de família deverá considerar-se “as necessidades dos cônjuges” e o “interesse dos filhos”, entre outros fatores ou razões atendíveis, visto não serem taxativos os critérios aí elencados, atenta a expressão usada “e outros fatores relevantes” - art.º 1105.º/2 do C. Civil.

No que tange aos critérios materiais de decisão da atribuição da casa de morada de família, conforme se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa[4]:

“«No que respeita aos critérios materiais de decisão de atribuição da casa de morada de família, mantém pertinência o estudo de Pereira Coelho, RLJ 122º, pp. 120 e ss., nos termos do qual, em síntese: inexiste uma hierarquia entre os fatores a ponderar; a lei sacrificou deliberadamente o interesse do senhorio ao interesse da proteção da casa de morada da família; a casa deve ser atribuída ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela, sendo irrelevante a culpa pela separação ou divórcio; na apreciação da necessidade da casa releva a situação patrimonial dos cônjuges, havendo que apurar os rendimentos e proventos de cada um e os respetivos encargos, nomeadamente a obrigação de alimentos de um cônjuge ao outro, bem como aos filhos; quanto ao interesse dos filhos, será de ponderar se é importante para aqueles viverem na casa com o progenitor guardião; outras razões atendíveis são as que resultem da idade e estado de saúde de algum dos cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de cada um, a eventual disponibilidade do casal ou de um deles de dispor de outra casa onde possa residir; escasso interesse terá a circunstância de um dos cônjuges poder ser ou ter sido acolhido por familiares que não estejam obrigados a recebê-lo, só o fazendo por mera tolerância”.

Destarte, dois são os critérios essenciais para a atribuição da casa de morada de família: as necessidades da casa por ex-cônjuges; e o interesse dos filhos. Depois, haverá que recorrer a outros fatores relevantes, em caso de dúvida ou em situação de igualdade entre os cônjuges.

Ora, no caso concreto, para a avaliação da premência da necessidade da mesma casa haverá que, entre outros, ter em conta a situação económica da requerente do requerido.

Posto isto, há que fazer a subsunção dos factos concretos sob apreciação.

A casa morada de família foi construída num bem próprio do cônjuge mulher, em terreno que foi doado por MM, sua avó. A sua construção foi parcialmente financiada com recurso a um empréstimo bancário

A requerente e o requerido têm dois filhos fruto do seu casamento: CC e DD, sendo que apenas este era menor de idade, à data do divórcio.

A requerente aufere um vencimento mensal de €665,00.

O requerido aufere um rendimento mensal bruto de cerca de €1000, sendo €798,57 de retribuição base.

O requerido continuou a residir na casa de morada de família, sita na Rua ..., ..., .... É nesta zona que o requerido tem a sua vida pessoal organizada e o seu circulo de amigos. Também aí possui a sua criação de gado e cuida da casa e do quintal.

Depois de ter saído da casa de morada de família, a requerente residiu em habitações de familiares, encontrando-se desde o inicio de março de 2021 a residir numa habitação arrendada, sita em .... A requerente reside com os seus dois filhos, sendo que o filho mais velho, CC aufere o valor de €665,00/mês e subsídios.

A requerente recebe ainda a pensão da avó (que se encontra acamada) no valor de €340,00, de quem trata, e faz supervisão do seu bem-estar. 

Por sentença homologatória de 27.04.2021, o requerido ficou obrigado a pagar ao seu filho DD, na altura menor de idade, a quantia mensal de €150,00, a título de pensão de alimentos.

Aqui chegados, resulta da factualidade provada que a requerente paga €300,00 mensais de renda com a habitação onde reside atualmente, acrescendo que vem assumindo sozinha as prestações mensais no montante de €196,65 do empréstimo bancário que financiou a casa de morada de família.

Assim, abatendo ao valor total de rendimentos recebidos pela requerida e pelos seus dois filhos-  €1.480,00 (€665,00 + 665,000 + 150,00), os valores de €300 e €196,65, sobram €983,35, o que a dividir por três pessoas, dá um valor de €327,78 por pessoa, o que é suficientemente demonstrativo da situação de necessidade da requerente.

A estas despesas acrescem as despesas correntes com alimentação, água, luz e internet.

É certo que a requerente recebe a pensão da avó no valor de €340,00 mensais, mas seguramente que a mesma será gasta integralmente ou quase integralmente nos cuidados que a mesma carece, atendendo a que se encontra acamada.

Ao invés, o requerido vive sozinho, pelo que abatendo ao valor de €1.000,00 a pensão de alimentos de €150,00, fica com um rendimento disponível de €850,00, trabalhando na .... Recebe o seu filho mais novo para jantar uma vez por semana.

A estas despesas acrescem as despesas correntes com alimentação, água, luz e internet.

Não podemos deixar de ter em conta que o requerido foi condenado pela prática de três crimes: um crime de violência doméstica agravada (na pessoa da aqui requerente), um crime de ameaça agravada e um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa de CC, filho da aqui requerente e requerido, sendo que os factos foram praticados no dia 25 de dezembro de 2020, data em que a requerente saiu da casa de morada de família, juntamente com os seus filhos, com a presença da GNR.

Neste caso compete ao ex-cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais do que o outro da referida casa, sendo que a necessidade da habitação é uma necessidade atual e concreta (e não eventual ou futura), a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso[5].

E o direito à atribuição da casa de morada de família adquire-se com a dissolução do casamento e reporta-se aos elementos existentes à data do divórcio para a decisão de atribuição ou não da casa de morada de família.

Ora, a verdade é que tendo conta os factos assentes a requerente demonstrou necessitar mais da casa do que o requerido, justificando-se a atribuição da casa de moradia à requerente, tendo em conta os seus rendimentos e encargos, a situação dos filhos (sendo que um era menor à data do divórcio) que consigo vivem, a qual foi forçada a sair de casa por ser vítima de violência doméstica, ou seja, por facto imputável ao requerido[6].

(…)

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação interposta pela requerente, e em consequência, revogar a decisão recorrida, considerando procedente o pedido de atribuição de casa de morada de família à requerente.

As custas deste recurso e da 1ª instância seriam da responsabilidade do apelado se não beneficiasse de apoio judiciário.

                                                                                      Coimbra, 28 de março de 2023

Mário Rodrigues da Silva- relator

Cristina Neves- adjunta

Teresa Albuquerque- adjunta

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original



([1]) Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, p. 609.
([2]) Ac. do STJ, de 13-01-2010, proc. 1164/07.8TTPRT.S1, relator Pinto Hespanhol, www.dgsi.pt.

([3]) Ac. do TRL, de 27-09-2018, proc. 9755/16.0T8ALM.L1-6, relatora Cristina Neves, www.dgsi.pt.
([4]) Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, p. 444.
([5]) Ac. do TRL, de 24-6-2010, proc. n.º 461/09.2TBAMD.L1-6, relatora Márcia Portela, www.dgsi.pt.
([6]) Cf. Ac. do TRL, de 13-04-2021, proc. 480/18.3T8LSB-A.L1-7, relator Luís Felipe Pires de Sousa e Ac. do TRE, de 11-03-2021, proc. 1337/19.0T8STB-A.E1 , relator Tomé Ramião, www.dgsi.pt.