Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3422/19.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
LEGITIMIDADE PARA REQUERER A AÇÃO
PRESSUPOSTOS DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 03/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DO COMÉRCIO DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1º, 3º, 20º, Nº 1, E 25º, Nº 1, TODOS DO CIRE.
Sumário: 1. O poder de requerer a declaração de insolvência é um poder de ação declarativa, razão pela qual é igualmente atribuído a sujeitos não titulares de direitos de crédito.

2. O que está em causa no nº 1 do artigo 20º do CIRE é a mera legitimidade processual, pelo que, caso se trate de credor, a lei não exige que ele produza prova da qualidade que alega, mas, tão só, que proceda à justificação do crédito, através da menção de origem, da natureza e do montante do crédito.

3. O credor tem legitimidade para requerer a insolvência ainda que não disponha de titulo executivo e ainda que o seu crédito não se encontre vencido.

4. O único pressuposto da declaração de insolvência – requisito necessário e suficiente – é a situação de insolvência, enquanto estado patrimonial do devedor, definida por lei como a “impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas”.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

M... veio requerer a declaração de insolvência de A...., Lda.

Alegando, em síntese:

tendo a Ré sido condenada por sentença proferida a 21.10.2013, a eliminar e corrigir no prazo de 90 dias, os defeitos apresentados pela moradia por si construída, e instaurada execução para prestação de facto por outrem e para pagamento de quantia certa relativamente à quantia fixada na sentença para ressarcimento de danos morais, veio a constatar-se que a requerida já não tem qualquer atividade, não lhe tendo sido encontrados quaisquer bens penhoráveis;

para além da indemnização por danos morais, a autora é ainda credora da Ré do montante necessário à eliminação dos defeitos da obra, avaliada, a preços de 2011, em mais de 40.000 €;

o gerente da requerida constituiu uma nova sociedade designada J..., Lda., com objeto idêntico ao da requerida e partilhando a mesma sede social;

todos os bens da requerida estão atualmente em nome pessoal do seu gerente.

Conclui pedindo que se declare a insolvência da requerida e pela sua qualificação como culposa.

A requerida deduziu oposição, defendendo não se encontrar insolvente, alegando, em síntese:

a requerente valeu-se, por um lado, da alegação de um crédito ilíquido e não imediatamente exequível, e, por outro, de um crédito extinto;

não sendo possível determinar em concreto o montante da dívida, é igualmente impossível saber se o passivo da requerida é superior ao ativo da mesma;

quanto ao crédito de 5.000 €, relativo a danos não patrimoniais, o mesmo encontra-se já extinto pelo cumprimento;

a requerida possui no seu imobilizado uma série de maquinaria que enumera, equipamento que tem valor de mercado muito superior a 5.000 €;

a requerida não tem dívidas ao fisco, nem a trabalhadores, nem a fornecedores, sendo detentora de crédito no mercado e junto dos fornecedores;

a requerida não tem quaisquer credores, a não ser a requerente.

Realizada audiência de julgamento, pelo juiz a quo foi proferida sentença a decretar a insolvência da Requerida.


*

Inconformada com tal decisão, a Requerida/devedora dela interpõe recurso de Apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]:

 (…).
A Requerente apresentou contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do nº 4 do artigo 657º CPC, há que decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, do Novo Código de Processo Civil, as questões a decidir são as seguintes:
1. Legitimidade processual e substantiva da autora – crédito liquido e exigível.
2. Impugnação da matéria de facto
3. Se os factos dados como provados determinam a situação de insolvência da requerida.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:
...
A sentença recorrida, partindo do entendimento de que a legitimidade processual ativa nos processos de insolvente fica garantida com a alegação, verosímil e plausível, de que é titular de um crédito sobre o Requerido, sendo que, se for de concluir que o Requerido se encontra em situação de insolvência, a discussão respeitante ao crédito do Requerente será relegada para o apenso da reclamação de créditos. E considerando que na situação em apreço não restam dúvidas de que a Requerente é credora da Requerida, que esta suspendeu os pagamentos à generalidade dos credores, não obstante o universo de credores integrar apenas um, e que através de execução se encontra comprovada a inexistência de bens penhoráveis, concluiu pela verificação da situação de insolvência da Requerida, por força da verificação dos fatores índices previstos nas alíneas a), n) e e) do nº 1 do art. 20º CIRE, presunção que a Requerida não conseguiu ilidir, nomeadamente pela demonstração da superioridade do seu ativo face ao passivo.
Insurge-se a Apelante contra a sentença recorrida, com os seguintes fundamentos:
1. A aferição da legitimidade para desencadear o processo de insolvência não se deverá reduzir à prova da titularidade de um crédito sobre a requerida (legitimidade formal ou processual), havendo desde logo que apurar da legitimidade material ou substantiva, e não relegar para momento posterior, mormente quando, como no caso em apreço, se sabe que a requerida tem apenas um único credor;
2. No processo de insolvência, sendo embora uma execução universal, o credor deve munir-se de um título que reúna os elementos demonstrativos da certeza, exigibilidade e liquidez do crédito, sendo que, no caso em apreço, o credor é titular de uma obrigação ilíquida, sem que, na execução que moveu contra a devedora tenha deduzido o competente incidente de liquidação, sendo que, só com esta a dívida se consideraria vencida, nomeadamente para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 3º do CIRE.
Não podemos dar razão à apelante.
De harmonia com o disposto no artigo 1º do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem por finalidade a liquidação de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista no plano de insolvência.
A noção de insolvência é dada pelo nº 1 do artigo 3º do CIRE, “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
E o artigo 20º, nº 1 do CIRE atribui legitimidade para requerer a declaração de insolvência de um devedor a “qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito.”
Dependendo a legitimidade do autor para requerer a declaração de insolvência dos requeridos, da sua qualidade de credor – ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito –, a alegação da Apelante remete para duas questões que têm sido largamente debatidas na nossa jurisprudência e doutrina:
- legitimidade de titulares de créditos litigiosos para a instauração da ação de insolvência;
- se a faculdade de requerer a declaração de insolvência pressupõe o incumprimento do crédito do requerente e se este tem de ser certo, líquido e exigível;
Quanto à primeira das questões, a doutrina e a jurisprudência[2] dominantes vão atualmente no sentido de que o facto de o crédito do Requerente ser litigioso não lhe retira, em princípio, a legitimidade para requerer a insolvência do devedor.
Constituindo o processo de insolvência um processo especial e complexo, composto por procedimentos declarativos e procedimentos executivos, Catarina Serra[3] qualifica o poder de requerer a declaração de insolvência como um poder de ação declarativa, sustentando que, só na fase da reclamação e verificação de créditos, é dada aos credores (neles se incluindo o requerente) a faculdade de exercerem o seu poder de execução.
O processo de insolvência visa a realização dos direitos de crédito – dos direitos de crédito não só do credor requerente, como na execução, mas de todos os restantes credores do devedor –, assumindo uma dimensão preventiva, não dependendo da lesão de direitos de crédito e sim de uma previsão de incumprimento, constituindo, a par de uma via de realização de interesses privados, uma via de realização de interesses gerais ou públicos[4].
Por tais razões, a faculdade de requerer a declaração de insolvência é igualmente atribuída a sujeitos não titulares de direitos de créditos (ao devedor, por quem seja civilmente responsável pelas suas dívidas e pelo Ministério público – nº 1 do art. 20º) e, quando se trate de um credor, ele possa requerer o início do processo independentemente do incumprimento, da mora, ou mesmo do vencimento do respetivo crédito.
Enquanto o processo de execução singular pressupõe o incumprimento do dever de prestar e a correspetiva lesão do direito de crédito, o credor pode socorrer-se de um processo de insolvência haja ou não incumprimento, bastando-se que seja sensível o risco de não obter a satisfação do seu crédito.
Para Catarina Serra, o único pressuposto da declaração de insolvência – requisito necessário e suficiente – é a situação de insolvência, definida por lei como a “impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações” (artigo 3º CIRE)[5].
E esta “impossibilidade de cumprir” não se reconduz ao conceito civilista de incumprimento (seja no sentido de mora, cumprimento defeituoso, impossibilidade de cumprimento ou incumprimento definitivo). Enquanto o incumprimento se refere a uma só obrigação individualmente considerada, a insolvência tem em consideração todo o património do devedor, assume um caráter geral. O incumprimento é um facto, a insolvência representa um estado patrimonial do devedor[6].
Quanto à legitimidade para requerer a declaração de insolvência do devedor, como já acima se referiu, o nº 1 do artigo 20º CIRE consagra uma legitimidade processual alargada, prevendo que o processo se inicie a requerimento de qualquer credor – ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito –, por quem for legalmente responsável pelas dívidas e pelo Ministério Público.
E, segundo Catarina Serra[7], o que está em causa no nº 1 do artigo 20º é a legitimidade processual, enquanto pressuposto geral de ação, e não a legitimidade substantiva (condição da ação), existindo legitimidade processual sempre que as partes na relação processual sejam as partes da relação material controvertida, tal como ela é configurada pelo autor.
Sempre que se trate de um credor, a lei não exige que ele produza prova da qualidade que alega, mas, tão só, que proceda à justificação do crédito, através da menção de origem, da natureza e do montante do crédito (artigo 25º, nº 1 do CIRE).
Como afirmava Pedro de Sousa Macedo perante o direito então vigente, “não se exige título executivo por o crédito ser posteriormente verificado, bastando um juízo sumário para se determinar a legitimidade do credor[8]”.
Nas palavras de Catarina Serra[9], a lei admite que o processo conviva com alguma incerteza no momento inicial, sendo que a apreciação sobre a efetiva existência do alegado crédito é remetida para momento posterior, na fase da verificação de créditos, não relevando para a apreciação da legitimidade do credor para o poder de ação declarativa em que se substancia o pedido de declaração de insolvência. 
A litigiosidade do crédito não tolhe por si só a legitimidade do credor, sem prejuízo de, no caso de se verificarem, já antes da declaração de insolvência, sinais evidentes que permitam ao juiz concluir, sem margem para dúvidas, que o alegado credor não é titular de um direito de crédito, dever o juiz oficiosamente conhecer de tal exceção[10].
Ou seja, a prova da efetiva existência do alegado crédito do requerente não é exigida, nem para a aferição da legitimidade processual, nem para efeitos de legitimidade substantiva: a condição necessária e suficiente da declaração de insolvência é a situação de insolvência e esta não se confunde com o incumprimento.
Também neste ponto é consensual na doutrina[11] o entendimento de que embora a insolvência se possa manifestar através de uma multiplicidade de incumprimentos, pode haver insolvência quando há apenas um incumprimento ou mesmo quando não há incumprimento algum.
Nas palavras de Pedro Sousa Macedo, “Todos os credores têm legitimidade para pedir a declaração de insolvência. Assim, os créditos podem constar de qualquer título, ser líquidos ou ilíquidos, quirógrafos ou privilegiados, condicionais ou a termo. A prestação em débito pode ser pecuniária, de coisa ou de facto; instantânea, contínua ou periódica; fungível ou infungível[12]”.
Igualmente pacífico é o entendimento de que, ao contrário do que sucede na ação executiva, o credor não necessita de se encontrar munido de um título executivo, nem para efeito do exercício do direito de requerer a declaração de insolvência do devedor, nem para a posterior verificação do seu crédito[13].
Exigindo o artigo 3º, nº 1 do CIRE que a impossibilidade de cumprir se reporte às obrigações vencidas e não sendo necessário que tenha havido algum incumprimento, necessário se torna a existência de, pelo menos, uma obrigação vencida.
Contudo, essa referência não significa que, para haver insolvência, deva estar vencida a obrigação que o devedor tem para com o credor requerente, bastando estarem vencidas algumas obrigações, podendo dessa forma evitar que a situação do devedor sofra um agravamento até à data de vencimento do seu crédito[14].
Aqui chegados, a resposta a dar à concreta situação em apreço não suscita quaisquer dúvidas.
A requerente é titular de um crédito reconhecido por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do Proc. Nº ..., pelo qual a Requerida foi condenada a eliminar e corrigir definitiva e corretamente, no prazo de 90 dias, todos os demonstrados defeitos referidos no ponto “II Eliminação dos defeitos” (Pontos 5 a 7, dos factos dados como provados).
A Requerida não cumpriu o prazo fixado na sentença para eliminar os defeitos na moradia, nem efetuou qualquer diligência nesse sentido, razão pela qual a Requerente instaurou a competente ação executiva para prestação de facto por outrem (Pontos 11 e 12 da matéria de facto), no âmbito da qual não foram encontrados bens penhoráveis (ponto 15).
É certo que nessa ação executiva não chegou a ser deduzido incidente de liquidação para apuramento do custo da prestação, e que, apesar de ter sido dado como provado, sob o ponto 18., que “o montante necessário à eliminação dos defeitos da moradia em causa, obra avaliada a preços de 2015, é de pelo menos 40.000€”, tal matéria foi objeto de impugnação por parte da Requerida/Apelante.
Contudo, tal matéria – quer o facto de não ter sido deduzido incidente de liquidação na execução, quer o montante necessário à reparação dos defeitos –, é irrelevante, quer para efeitos de legitimidade (processual) da requerente para o exercício do poder de requerer a declaração de insolvência da requerida, quer para efeitos de determinar se a mesma se encontra, ou não, em situação de insolvência.
A qualidade de credora de uma obrigação para prestação de facto, qualidade esta reconhecida por sentença transitada em julgado é suficiente para lhe atribuir a qualidade de credora para efeitos do nº 1 do artigo 20º.
Como tal, a liquidação de tal obrigação para efeitos de converter tal obrigação de facto no seu equivalente pecuniário (avaliação do custo da prestação por outrem, nos termos do artigo 870º CPC), e para determinação da indemnizatória a que tenha direito, apenas teria interesse numa posterior fase de verificação de créditos, se esta viesse a ter lugar[15].
Quanto ao estado de insolvência, embora tenhamos um único crédito, vencido e não cumprido (o da requerente), temos por verificado, desde logo, o fator índice da situação de insolvência previsto na al. e) do nº 1 do artigo 20º CIREInsuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o credor.
Não tendo a Requerida logrado ilidir a presunção de insolvência derivada de tal fator índice, demonstrada fica a situação de insolvência da Requerida, dando-se por prejudicada a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto contida no ponto 18.
A Apelação é de improceder, assim, sem outras considerações.
IV – DECISÃO
 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pela Apelante.                        

                                                                                         Coimbra, 30 de março de 2020


V – Sumário elaborado nos termos do art. 713º, nº7, do CPC.

            1.  O poder de requerer a declaração de insolvência é um poder de ação declarativa, razão pela qual é igualmente atribuído a sujeitos não titulares de direitos de crédito.

            2. O que está em causa no nº 1 do artigo 20º do CIRE é a mera legitimidade processual, pelo que, caso se trate de credor, a lei não exige que ele produza prova da qualidade que alega, mas, tão só, que proceda à justificação do crédito, através da menção de origem, da natureza e do montante do crédito.

3. O credor tem legitimidade para requerer a insolvência ainda que não disponha de titulo executivo e ainda que o seu crédito não se encontre vencido.

4. O único pressuposto da declaração de insolvência – requisito necessário e suficiente – é a situação de insolvência, enquanto estado patrimonial do devedor, definida por lei como a “impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas”.

 


***


[1] Face ao nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, em violação do disposto no nº1 do artigo 639º do CPC.
[2] Cfr., entre outros, Acórdão do STJ de 29.03.2012, relatado por Fernandes do Vale, Acórdãos do TRC de 29.02.2012, relatado por Henrique Antunes, do TRL de 12.01.2016, relatado por Maria do Rosário Belo Morgado, do TRG de 10.11.2016, relatado por João Diogo Rodrigues, disponíveis in www.dgsi.pt.,
[3] “O fundamento público do processo de insolvência e a legitimidade do titular do crédito litigioso para requerer a insolvência do devedor”, Revista do Ministério Público, Jan/Março 2013, Ano 34, nº 133, pp.97-123.
[4] Catarina Serra, “O fundamento público do processo de insolvência (…), pp.103-104.
[5] Catarina Serra, “O fundamento público (…), p.101.
[6] Cfr., Pedro Sousa Macedo, “Manual de Direito das Insolvências”, Vol. I, pp.216-218, e Manuel Requincha Ferreira, “Estado de Insolvência”, in “Direito da Insolvência, Estudos”, Coord. Rui Pinto, pp. 201-222. A tal respeito, afirma ainda este autor: “A impossibilidade do art. 3º nº1, não se referindo ao incumprimento, reporta-se à incapacidade económico-financeira do devedor, à falta de meios económicos, em particular em numerário, ou à falta de meios financeiros, nos quais se incluem as possibilidades de financiamento da empresa (porque goza de crédito) que, uma vez mobilizadas, permitiriam fazer face às suas obrigações vencidas assegurando a sua viabilidade económica” – artigo citado, pp.228-229.
[7] “O fundamento público do processo de insolvência (…), artigo e local citados, p. 112.
[8] “Manual de Insolvências”, Vol. I, p. 383. Segundo tal autor, fora da hipótese em que o crédito do requerente seja considerado litigioso por existir ação judicial sobre a existência ou inexistência do crédito (nos termos do artigo 579º, 3 do CC), caso em que há justificação para o não pagamento por parte do devedor, o titular do crédito litigioso deve sujeitar o seu direito a uma apreciação sumária do tribunal para se legitimar, apreciação que só é válida para esse efeito – obra citada, p.386.
[9] Cfr., artigo e local citados, p. 114.
[10] Catarina Serra, artigo citado, p.117.
[11] Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, p.56; Manuel Requincha Ferreira, “Estado de Insolvência”, artigo e local citados, p. 222 e 225, onde afirma que é possível nalgumas situações dar inicio ao processo de insolvência sem que haja qualquer incumprimento, como será o caso de o devedor estar a cumprir as suas obrigações vencidas por estar a vender ao desbarato os seus bens. Por sua vez, Maria do Rosário Epifânio afirma que, “Se fosse legalmente exigido o incumprimento do crédito do credor requerente, não sendo suficiente o incumprimento de um crédito de qualquer credor, poderíamos cair no seguinte absurdo: temos, por um lado, um devedor que já se encontra numa situação de suspensão generalizada das suas obrigações vencidas e em que nenhum legitimado desencadeia o procedimento de insolvência, e, por outro lado, um credor cujo crédito ainda não se venceu mas que nada pode fazer perante o descalabro financeiro do seu devedor” –“Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina 2019, pp. 43-44, nota 97.
[12] Manual de Falências”, Vol. I, p.384-386.
[13] Catarina Serra, artigo citado, pp.113-114. Também Luís Teles de Meneses Leitão, se pronuncia no sentido de que para se poder requerer a insolvência é necessário apenas a existência do crédito, não se exigindo que o mesmo esteja vencido e, muito menos, que o credor possua título executivo, in “Direito de Insolvência”, Almedina, p. 128.
[14] Cfr., Alexandre Soveral Martins, “Um curso de Direito da Insolvência”, 2016- 2ªed., Almedina, p.76; Catarina Serra, artigo citado, p.120, e ainda “A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito, O Problema da Natureza do Processo de Liquidação Aplicável à Insolvência no Direito Português”, Coimbra Editora, p.230, nota 609. Maria do Rosário Epifânio fornece ainda, como argumento para a legitimidade ativa do credor cujo crédito se não venceu, a possibilidade de invocação da fuga do titular da empresa (al. c)), da dissipação dos bens (al. d)), fundamentos que nada têm a ver com o crédito de que é titular o credor requerente – “Manual (…)”, pp. 43-44, nota 97.
[15] O que se afigura que nem sequer irá acontecer, uma vez que, face à inexistência de bens apreensíveis para a massa, o destino dos autos será o encerramento por insuficiência de bens, nos termos do nº2 do artigo 232º CIRE, decisão que só ainda não foi proferida, face à interposição do presente recurso, como consta da ata de Assembleia de Credores que teve lugar a 7 de janeiro de 2020 (fls. 94 do processo físico).