Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
306/15.4T8FND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
GRAVIDADE DA LESÃO
Data do Acordão: 09/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - FUNDÃO - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 362, 369, 372 CPC
Sumário: 1.O facto de o requerente não ter voluntariamente participado nas assembleias gerais durante alguns anos, não é suscetível de diminuir a importância de tal participação, nem a gravidade decorrente da privação dos direitos de associado de que arroga.

2.A previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abrangendo tanto os prejuízos materiais, como os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação.

3.A irreparabilidade do prejuízo não equivale a irressarcibilidade, bastando que implique uma reconstituição difícil do satus quo ante.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

P (…) intenta o presente procedimento cautelar comum contra S (…) Organização de Produtores de Pecuária,

Pedindo que, sem audiência prévia da requerida e com inversão do contencioso, seja a requerida condenada a:

a) Abster-se de impedir o requerente de participar nas suas assembleias gerais até o mesmo ser destituído de associado, nomeadamente na assembleia do próximo dia 25 de Maio de 2015, pelas 9H em primeira convocatória e pelas 10H em segunda convocatória, no caso de esta se vir a realizar;

b) Abster-se de permitir a realização da assembleia geral do Agrupamento, marcada próximo dia 25 de Maio de 2015, pelas 9H em primeira convocatória e pelas 10H em segunda convocatória, por a mesma não só não ter sido convocada por quem a podia convocar como não ter sido utilizado o meio próprio para a convocatória, nem a convocatória ter sido enviada a todos os associados;

c) Abster-se de permitir a realização de qualquer assembleia geral que não seja convocada pela administração do Agrupamento e cuja convocatória não seja enviada por avios postal a todos os associados, nomeadamente ao ora requerente.

 Dispensado o contraditório prévio, foi proferida decisão a indeferir liminarmente o peticionado nas alíneas b) e c) da ação cautelar, julgando o procedimento cautelar indiciariamente provado e procedente no que respeita à alínea a), assim condenando a requerida a abster-se de impedir o requerente P (…) de participar nas suas assembleias (a do dia 25 de maio e outras), enquanto se mantiver a sua atual qualidade de sócio.

Notificada desta decisão veio a Requerida S (…) apresentar oposição, alegando, em suma:

 o Requerente não tem o direito de participar nas Assembleias Gerais da Requerida porque não tem a qualidade de associado, já que, por documento por si escrito e assinado, datado de 28 de Julho de 2002, se demitiu da Requerida, de cuja vida associativa se afastou por completo, não mais tendo participado em Assembleias Gerais, a não ser em Outubro de 2014, em que o seu nome constava de uma lista;

 nunca teve nº de sócio e não reúne as condições para ser associado por não ser proprietário / criador de animais.

Conclui pedindo a revogação da decisão e a condenação do Requerente como litigante de má-fé.

Realizada audiência final, foi proferida sentença, que:
1. nos termos do artº 372º nº 3 do CPC decidiu manter a decisão inicialmente proferida, condenando a Requerida a abster-se de impedir o Requerente de participar em quaisquer Assembleias Gerais enquanto não se demitir ou for demitido da qualidade de associado.
2. Mais decidiu, nos termos do art.º 369º do CPC, dispensar o Requerente da propositura da ação principal, por se entender que com a presente fica adequadamente realizada a composição definitiva do litígio.

Não se conformando com a mesma, a requerida dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

 

A. A Douta decisão recorrida, ao julgar o procedimento cautelar indiciariamente provado e procedente quanto a um dos pedidos formulados pelo aqui Recorrido, decidindo condenar a aqui Recorrente a “abster-se de impedir o requerente (…) de participar nas suas assembleias (a do dia 25 de maio e outras), enquanto se mantiver a sua atual qualidade de sócio.”, não cuidou de verificar a concorrência dos requisitos processuais legalmente exigíveis para o decretamento da providência.

B. Em particular, in casu, nem o requisito do periculum in mora, nem a iminência de ocorrerem, na esfera do Recorrido prejuízos causadores de uma lesão grave e de difícil reparação, se encontram preenchidos.

C. Ao errar na interpretação e na aplicação de Lei, o Tribunal a quo violou os princípios dispositivo e da boa decisão da causa, consagrados no Código de Processo Civil.

D. Ao decidir como decidiu, a Douta decisão recorrida violou o disposto no artigo 362.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

E. Acresce que a Douta decisão recorrida enferma de erro na apreciação da prova e na fixação dos factos documentalmente provados, nos termos do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil. Tendo igualmente violado o disposto nos artigos 341º e 342º nº 1 do Código Civil, e 5.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

F. A Douta decisão recorrida, na fixação dos factos dados como provados com base em documentos de fls. 136 e 138 desrespeitou as regras de interpretação fixadas no n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, em violação desta norma legal.

TERMOS EM QUE:

Deve ser dado provimento ao presente recurso, por procedente, e, em consequência, ser revogado a Douta decisão recorrida, por violação de Lei do processo, bem como de Lei substantiva.


*

 O Requerente apresentou contra-alegações no sentido da manutenção do decidido.
Cumpridos que foram os vistos legais, por extração de cópias ao abrigo do disposto na última parte do nº2 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, as questões a decidir são unicamente as seguintes.
1. Admissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3. Em caso de alteração da matéria de facto, se é de alterar o decidido.
4. Verificação dos requisitos da providência.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:

“1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:

a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões ;

b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas. 

Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorretamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal.

Tais exigências surgem como uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[1], assegurando a seriedade do próprio recurso intentado pelo impugnante.

No caso em apreço, a apelante, alegando a existência de erro no julgamento da matéria de facto, insurge-se contra “a qualidade de sócio da recorrente reconhecida ao recorrido”, e reproduzindo os factos constantes dos pontos 7, 8, 9 e 10, da matéria dada como provada[2], defende que “corretamente interpretada a prova documental junta aos autos e cuja genuinidade e veracidade não foi impugnada, outra conclusão não pode ser retirada do documento de fls. 136, senão a de que, com ele, o aqui recorrido se pretendeu demitir de associado da recorrente”.

Antes de mais e desde logo, a alegação do recorrente deixa-nos a dúvida sobre se pretende impugnar a totalidade da matéria contida nos pontos 7, 8, 9 e 10, ou se, tão só, a matéria contida no ponto 8: “Com tal carta pretendeu o Requerente demitir-se do cargo de Direção da Requerida que ocupava à data”.

Se a sua intenção era impugnar igualmente o teor dos pontos 7, 9 e 10, sendo completamente omisso quanto à decisão que, em seu entender, deveria ter sido dada à matéria neles constantes, sempre tal impugnação seria de rejeitar por incumprimento do ónus previsto na al. a), do nº1 do artigo 640º do CPC.

Quanto ao ponto 8 da matéria de facto, ainda que consideremos que se consegue atingir qual a decisão que, no entender da apelante, haveria de ter sido proferida relativamente à mesma – que, com tal carta, o requerido pretendeu demitir-se de associado da requerida –, não concordamos em que os motivos invocados pelo apelante impusessem decisão distinta da proferida pelo tribunal a quo.

Segundo o apelante, o facto de o recorrido ter deixado de participar em qualquer Assembleia Geral da Recorrente, desde julho de 2012 até março de 2015, ou seja, durante 13 anos, e de só em 2005 vir a ser nomeado para o cargo de chefia da DRABI impunha a interpretação do documento de fls. 136, no sentido de que com a comunicação aposta no mesmo o autor se pretendeu demitir de associado do recorrente. Em seu entender, tal interpretação impor-se-ia face à teoria da impressão do destinatário contida no artigo 236º do CC.

Contudo, e ainda que se não recorra a outros elementos, nomeadamente ao teor do que terá afirmado pelas testemunhas ouvidas em audiência e a que a recorrente não alude, não podemos dar razão ao recorrente.

O que se discute aqui é se o autor/recorrido, através da comunicação que enviou à Ré, datada de 12 de julho de 2002 – pela qual declara que “por motivos pessoais e que considero serem de força maior, me considero indisponível para continuar a trabalhar e a contribuir para o normal funcionamento da associação e que lamento profundamente” –, se pretendeu demitir (ou não) do cargo de Diretor daquela associação ou de associado, como pretende o apelante.

Ora, dando-se como assente que o autor era sócio fundador da requerida e, ao tempo, diretor da Associação requerida, não poderá haver dúvidas de que com a mesma (e independentemente da motivação que possa ter estado por detrás de tal demissão), o mesmo se pretendeu desligar das suas funções na direção. Não só aí se fala em “deixar de trabalhar para a associação”, o que inculca uma intervenção que extravasa, ou que não se coaduna, com a mera qualidade de associado (com eventual intervenção ao nível das assembleias gerias), como se afirma ainda que “Apesar de tudo entendo manifestar a disponibilidade e colaboração que senti por parte dos Exmos. Corpos Sociais desta Organização, sem a qual não teria sido possível atingir os objetivos que subscrevi no seu todo”. Tal agradecimento é notoriamente feito por alguém e na qualidade de alguém que presidiu e condicionou os destinos da associação e não quem nela intervinha de uma forma pontual.

Dando-se por indiscutível que com tal comunicação se pretendeu afastar da direção da associação, poder-se-á ainda perguntar se, com a mesma e em simultâneo, se pretendeu ainda “demitir” de associado. Contudo, não encontramos em tal carta, dirigida ao “Presidente Geral” da Requerida um único indício de que, para além de se pretender afastar da direção, também pretendesse renunciar à qualidade de associado. Quanto ao facto de, durante os anos seguintes não ter participado nas Assembleias Gerais, não nos parece, por si só, suficientemente elucidativo de tal intenção de vontade, sendo certo de tendo a associação cerca de 2000 associados, só vão em média, às assembleias entre 100 a 150 associados.

Ou seja, e ao contrário do defendido pelo apelante, o sentido objetivo, típico, da declaração em causa – aquele que seja deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do autor da declaração – não corresponde ao por si pretendido.

Como tal, a decisão proferida quanto ao ponto 8 da matéria de facto não nos perece qualquer censura, decisão que se mantém.


*

A. Matéria de Facto

São os seguintes os factos dados como provados pelo tribunal a quo, que se mantêm inalterados:

1) Por escritura pública de 13 de Outubro de 1989, o Requerente P (…), L (…), V (…) , e outros declararam constituir a associação “S (…) – Associação de Defesa Sanitária”. – escritura de fls 24 a 27.

2) De acordo com os Estatutos da Requerida, designadamente do seu artigo sétimo, e sob a epígrafe “quem pode ser associado” consta o seguinte: “São sócios do Agrupamento, Pessoas Singulares ou Coletivas que subscreverem a escritura da constituição e todas as pessoas a que ela aderirem. Único: Só pode ser sócio o criador das espécies bovinas, ovinas e caprinas que reúna as seguintes condições: a) Que a sua exploração pecuária esteja situada no âmbito geográfico do Agrupamento; Que tenha registado oficialmente a sua exploração”. – doc de fls24 a 34.

3) Os estatutos da Requerida foram alterados por escritura de Junho de 1999, não tendo sido alterado o referido artigo sétimo – fls 37 e segs.

4) O Requerente é médico veterinário – admitido por acordo e documentos juntos.

5) Por ata de Assembleia Geral da Requerida datada de 28 de Junho de 1993 foi proposto e deliberado por unanimidade quer um voto de louvor ao Requerente P (…)“por todo o trabalho e dedicação desde a criação da Associação” quer a atribuição da qualidade de sócio honorário da Associação – ata de fls 139 a 142.

6) O requerente P (…) Tomou posse como membro da Direção da Requerida em 16 de Janeiro de 2002, juntamente com (…) auto de posse de fls 179 a 181.

7) Por carta por si escrita e assinada datada de 28 de Julho de 2002, dirigida ao Sr Presidente da Assembleia Geral da S (…) o Requerente informou que “por motivos pessoais e que considero serem razões de força maior, me considero indisponível para continuar a trabalhar e contribuir para o normal funcionamento da Associação e que lamento profundamente”. – doc de fls 136.

8) Com tal carta pretendeu o Requerente demitir-se do cargo de Direção da Requerida que ocupava à data.

9) Por entender que esse cargo era incompatível com o cargo de chefia que pretendia ocupar na DRABI (Direção Regional de Agricultura da Beira Interior).

10) Por Despacho datado de 6 de Janeiro de 2005 e publicado no DR II Serie de 3/02/2005, foi o Requerente nomeado como diretor do Serviço de Fiscalização e Controle de Qualidade Alimentar na DRABI. – fls 138.

11) Em Outubro de 2014 o Requerente fez parte de uma lista candidata às eleições dos corpos associativos da Requerida, na qualidade de Presidente da Direção – doc de fls 137.

12) Tal lista não foi aceite a sufrágio – admitido por acordo.

13) Inconformado com tal rejeição, o Requerente e outros, intentaram uma providencia cautelar que correu termos na secção de comércio com o nº 169/14.7T8FND na qual era peticionado a suspensão da deliberação que elegeu os novos corpos sociais da Associação que ocorreu na AD Extraordinária de 27/10. – documento de fls 42 e segs não impugnado.

14) No dia 21/01/2015, data designada para julgamento, as partes desses processo, incluindo os aqui Requerente e Requerida, chegaram a um acordo cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde, alem do mais, acordaram em convocar uma Assembleia Geral Extraordinária pra 2 de Março de 2015, para votar a alteração dos estatutos na parte em que define a categoria de associados, a aprovação de um regulamento interno para definir regras do processo eleitoral, submeter a necessidade ou não de novos corpos sociais e a admissão a votar, nessa assembleia a designar, todos os associados, nos exatos termos da última assembleia – vide fls 94.

15) Tal acordo foi homologado por sentença, já transitada em julgado – fls 94 e 95.

16) O Presidente da Mesa da Assembleia Geral da requerida convocou tal assembleia extraordinária – documento de fls 96.

17) O Requerente foi impedido pela mesa de participar e de votar nessa Assembleia, com o argumento de que o mesmo não é associado – documento de fls 98

18) O Requerente não tem número de sócio – admitido pelo próprio, prova documental e listagem junta em audiência (a contrario).

19) Desde, pelo menos, 2002 e até 2014, o Requerente não tem sido visto nas Assembleias Gerais da Requerida.

20) A requerida tem mais de 2000 associados. – prova testemunhal

21) Nas assembleias gerais participam habitualmente entre 100 a 150 associados.

22) V (…), fundador da Associação, não tem número de associado.

23) Desde data não apurada, a Requerida admitiu associados que não são criadores ou produtores de gado, como por exemplo, a Freguesia de Peroviseu (associada nº 3747), o C (…) Lda (associada nº 3684), a V (…) Lda( 3555), O A (…) (3787), entre outros.

B. O Direito
1. Fundamentos da providência cautelar - inexistência de periculum in mora.

Segundo a apelante, o periculum in mora indispensável ao deferimento de uma providência cautelar comum não resulta evidenciado da matéria de facto indiciariamente dada como provada, porquanto o autor não participou nas assembleias gerais realizadas entre julho de 2002 e março de 2015, porque não quis, sendo que tendo-se realizado eleições para os órgãos sociais da recorrente em 27 de Outubro de 2014, as próximas eleições para os órgãos sociais da recorrente só se realizarão em 2017.

Encontrando-se em causa o requisito do “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito”, exigido pelo artigo 362º do NCPC, para a providência cautelar comum, não podemos aderir ao raciocínio expendido pelo apelante.

Encontra-se em causa o perigo decorrente do decurso do tempo processual da ação principal, que se venha a refletir de forma grave e dificilmente reparável no efeito útil da ação.

Como salienta Lucinda Dias da Silva, ocorrendo tão só em hipóteses que revistam maior gravidade, a intervenção cautelar não visa assegurar, plenamente, que do tempo não resultará qualquer prejuízo para quem tem razão: “O sistema de justiça pública salvaguarda, portanto fundamentalmente, a garantia de justiça da decisão, fazendo impender sobre o autor os danos que decorram da morosidade processual, desde que não superem o limite de tolerância (grave e difícil reparabilidade) assim fixado[3].

O tribunal não tem de estar absolutamente certo de que a atual situação de perigo se converterá em dano, ou seja, que não haverá dano, caso não se decrete a providência cautelar, sendo suficiente que os factos provados permitam concluir existir um conjunto de circunstâncias que torna altamente provável um dano futuro.

No caso em apreço, o dano reside em o requerente se encontrar privado do exercício dos seus direitos enquanto associado da requerida – de convocar, participar, votar, nas assembleias gerais, para além de se candidatar à eleição dos corpos associativos.

O facto de o requerente/recorrido não ter participado nas assembleias gerais durante alguns anos (por na altura não ter sentido necessidade de o fazer, fosse por se ter afastado temporariamente, fosse por nada ter a opor ao modo como estavam a ser conduzidos os destinos da associação) não pode diminuir a importância de tal intervenção (que a requerida, aparentemente pretende evitar a todo custo) nem a gravidade da privação de tal direito, sendo que, o reconhecimento da qualidade de associado é essencial para que possa acompanhar e participar no destino da associação requerida – seja para efeitos de exercer o seu direito de participação (ou mesmo de convocação) nas assembleias gerais, seja para impugnação de deliberações tomadas em assembleia geral.

Quanto ao argumento de que tal prejuízo é facilmente reparável, porquanto “sempre lhe assistirá a faculdade de peticionar indemnização pelos danos alegadamente causados”, não colhe: a previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abarcando quer os prejuízos materiais, quer os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação. Ora, no caso em apreço, o facto de não ser admitido a intervir nas assembleias é efetivamente suscetível de causar ao requerente prejuízos de difícil reparação, sendo que, na impossibilidade de nelas intervir, só pela via da posterior impugnação das deliberações aí tomadas poderia vir a participar no destino da associação em causa.

Como salienta Marco Carvalho Gonçalves[4], o facto de o dano ser de difícil ou impossível reparação não significa que essa prejuízo tenha de ser irressarcível, mas apenas irreversível, ou seja, a irreparabilidade não significa irressarcibilidade, já que quem solicita a tutela cautelar pretende, em primeira instância, que o bem tutelado permaneça integro e não o pagamento de qualquer indemnização.

Não será assim necessário que se trate de um dano irreparável em termos absolutos, bastando que implique uma reconstituição difícil do satus quo ante, tal como sucede no caso em apreço.
 Na ausência da invocação de qualquer outro motivo de discordância com o decidido, para além da impugnação deduzida à matéria de facto e que vai rejeitada, e não se colocando qualquer outra questão a apreciar oficiosamente, a apelação será de improceder, sem necessidade de outras considerações.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pela apelada.

Coimbra, 15 de setembro de 2015

Maria João Areias ( Relatora )

Fernanda Ventura

Fernando Monteiro


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. O facto de o requerente não ter voluntariamente participado nas assembleias gerais durante alguns anos, não é suscetível de diminuir a importância de tal participação, nem a gravidade decorrente da privação dos direitos de associado de que arroga.
2. A irreparabilidade do prejuízo não equivale a irressarcibilidade, bastando que implique uma reconstituição difícil do satus quo ante.
 


[1] Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 127.
[2] Factos com o seguinte teor:
7) Por carta por si escrita e assinada datada de 28 de Julho de 2002, dirigida ao Sr. Presidente da Assembleia Geral da S (…), o Requerente informou que “por motivos pessoais e que considero serem razões de força maior, me considero indisponível para continuar a trabalha e contribuir para o normal funcionamento de Associação e que lamento profundamente”. – doc de fls 136.
8) Com tal carta pretendeu o Requerente demitir-se do cargo de Direção da Requerida que ocupava à data. 9) Por entender que esse cargo era incompatível com o cargo de chefia que pretendia ocupar na DRABI (Direção Regional de Agricultura da Beira Interior).
10) Por Despacho datado de 6 de Janeiro de 2005 e publicado no DR II Serie de 3/02/2005, foi o Requerente nomeado como diretor do Serviço de Fiscalização e Controle de Qualidade Alimentar na DRABI. – fls 138.
[3] “Processo Cautelar Comum – Princípio do Contraditório e Dispensa de Audição Prévia do Requerido”, Coimbra Editora, pág. 145.
[4] “Providências Cautelares”, Almedina, pág. 205.