Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
736/11.0TAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 09/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE ALCOBAÇA (3.º JUÍZO CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 60.º DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I- A pena de admoestação, que consiste numa solene censura oral feita pelo tribunal ao agente, em audiência de julgamento, exige, por um lado, que pena concreta a aplicar fosse de multa não superior a 240 dias e, por outro, que haja reparação do dano, o arguido ainda não tenha sido objeto de condenação em qualquer pena e exista um juízo de prognose favorável em termos de prevenção geral e especial.

II- Uma vez que se mostra provado que o arguido não reparou o dano causado à ofendida, é evidente que nunca o mesmo poderia beneficiar desta pena, por falta de um dos seus pressupostos.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

        Relatório

            Pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com a intervenção do Tribunal Singular, o arguido

A... , filho de (...), natural da Freguesia e Concelho da (...), nascido a 23 de Outubro de 1974, divorciado, calceteiro, residente na (...), Marinha Grande, e com última residência conhecida em (...), Hamburg,

imputando-se-lhe a prática dos factos constantes de fls. 250 a 253, pelos quais teria cometido em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218º, nº 1 do Código Penal.

            Realizada a audiência de julgamento, no decurso da qual se procedeu a uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 25 de Novembro de 2013, decidiu julgar a acusação procedente, por provada, e, em consequência, condenar o arguido A..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à razão diária de € 6,00, num total de € 1.920,00 (mil novecentos e vinte euros), a que corresponde prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, se for caso disso.

            Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1) Conforme resulta de fls., foi deduzida acusação contra o Arguido: “Pelo exposto, cometeu o arguido, um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218.º, n.º 1 do Código Penal.”;

2) O Arguido apresentou a contestação, tendo oferecido o merecimento dos Autos;

3) Foi realizado Julgamento, onde a final decidiu o Meritíssimo Juiz, o que acima se transcreveu;

4) Salvo devido respeito não podemos concordar com tal decisão.

5) Para chegar a esta decisão, entende a Meritíssima Juiz, nomeadamente na parte destinada aos Factos Considerados Provados, dar relevância ao depoimento das testemunhas indicadas pela acusação.

6) Considerou a Meritíssima Juiz “a quo” dar como provados, os seguintes factos:

     o Entregou para pagamento das mercadorias descritas dois cheques pré- datados;

     o Para convencer a ofendida a aceitar os mencionados cheques apresentou a certidão da sociedade emitente dos mesmos;

     o Assinou e usou os referidos cheques, bem sabendo que não tinham provisão, de forma a que lhe entregassem a referida mercadoria, que levou consigo;

     O arguido apoderou-se das mencionadas mercadorias, que não pagou nem restituiu à ofendida.

7) Analisada a prova produzida em audiência de julgamento, e sobre tal ocorrência dos factos, conclui-se que apenas as versões apresentadas pelos directamente interessados na decisão a proferir, ofendido demandante civil.

8) Tal por si, susceptível de criar dúvida, a qual que deveria o Tribunal “a quo” a lançar mão do principio do in dubio pro reo, absolvendo-se o arguido.

9) Não o fazendo foi violado tal principio, pelo que se impõe a revogação da douta sentença recorrida.

10) Ainda que assim se não entenda, sem prejuízo do principio da livre apreciação da prova, sempre terão de se conjugar os elementos recolhidos dos depoimentos prestados pelos legais representantes da ofendida e testemunhas com os elementos documentais existentes nos autos, designadamente os cheques juntos aos Autos.

11) Por outro lado, para chegar a esta decisão, entende a Meritíssima Juiz, nomeadamente na parte destinada aos Factos Considerados Provados, pelo depoimento das testemunhas indicadas na acusação e ofendida, no entanto só em parte.

12) Basta analisar os depoimentos dos legais representantes da ofendida e das testemunhas indicadas pela acusação, conforme depoimentos que se encontram gravados.

13) Conforme resulta dos depoimentos acima referidos, não foi o Arguido que entregou os referidos cheques à ofendida, mas sim uma senhora que estava presente.

14) As testemunhas, representantes da ofendida, referem constantemente que foi uma senhora que preencheu os cheques, que emitiu os cheques e que entregou os cheques.

15) Também conforme resulta dos testemunhos referidos, o arguido usou uma certidão comercial para comprovar a existência da sociedade atendendo a que era uma sociedade recente;

16) Ficou provado ainda que só foi apresentado a pagamento um cheque e não os dois cheques emitidos.

17) Também não foi provado que na data da sua emissão, nem na data aposta nos mesmos, os cheques não tivessem provisão!

18) Ficou ainda provado, pelas declarações das testemunhas B...e C...que o Arguido tinha intenção de pagar.

19) Daí não se compreender, como pode a Meritíssima Juiz ter decidido que era o arguido sabia que os cheques não tinham provisão.

20) Daí que, e como o depoimento das testemunhas foi gravado, se requeira a renovação da prova, nos termos do artigo 430.º do Código do Processo Penal.

21) Assim, atendendo à prova produzida em Audiência de Julgamento, nunca se poderia condenar o Arguido, pois decidir-se como se decidiu, viola as regras elementares do C.P.P. e C.P. aplicáveis ao caso em apreço, nomeadamente o princípio “in dubio pro reo”.

22) Para contrariar o que consta da sentença recorrida, requerer-se a audição do depoimento das testemunhas que se encontra gravado, sendo necessário para o efeito que a secção transcreva tais depoimentos de forma a que esse Venerando Tribunal possa apreciar convenientemente tudo o que se passou nas audiências de julgamento.

23) Na verdade, o que se passou e provou na audiência de julgamento é aquilo que resulta do depoimento das testemunhas inquiridas, e que é aquele que se encontra gravado.

24) Ora, no caso dos autos, nenhum dos factos dados como provados, nomeadamente os que se deixaram supra destacados, têm suporte na prova produzida em audiência de julgamento.

25) A acusação não conseguiu estabelecer o nexo causal entre a eventual prática do crime descrito na acusação e o agente que o praticou.

26) Atendendo à prova constante dos autos, o Arguido, teria que ser absolvido, pois não existe qualquer prova que tenha praticado o crime de que vem acusados.

27) Terá de ser considerada nula a Sentença recorrida por falta de fundamentação, no que concerne ao nexo causal entre a eventual prática do crime e o agente que o praticou.

28) Acresce que não ficou provado o cometimento do crime de burla qualificada, porquanto não se encontra preenchido nenhum dos requisitos previstos no Artigo 218.º do código penal.

29) O prejuízo patrimonial causado não foi de valor consideravelmente elevado, atendendo a que só o primeiro cheque é que não foi pago, não tendo o segundo cheque sido apresentado a pagamento.

30) O Arguido não faz da burla o seu modo de vida;

31) O Arguido não se aproveitou da situação ou da vulnerabilidade da ofendida;

32) E também não se provou que a ofendida tenha ficado em situação economicamente difícil.

33) Não estão assim preenchidos os requisitos para que o Arguido possa ser condenado pelo crime de que foi acusado.

34) Nem foi feita prova em sede de audiência e julgamento.

35) Tem assim a Douta Sentença de ser Revogada.

36) Assim, e segundo o nosso ordenamento jurídico - penal, a condenação ou absolvição de um Arguido é decidida tendo em conta a prova produzida em sede de Audiência de Julgamento.

37) Ora, no caso dos presentes autos, e por todo o exposto, deve o Arguido ser Absolvido por este Venerando Tribunal, seja por total e clara ausência de factos consubstanciadores do preenchimento da norma incriminadora, seja pela operatividade do princípio do In Dubio Pro Reo.

38) Porém, e caso este Venerando Tribunal assim não o entender, deverá ser o Arguido absolvido também por outros motivos.

39) Para contrariar o que consta da sentença recorrida, requerer-se a audição do depoimento das testemunhas que se encontra gravado, sendo necessário para o efeito que a secção transcreva tais depoimentos para que esse Venerando Tribunal possa apreciar convenientemente tudo o que se passou nas audiências de julgamento.

40) Na verdade, o que se passou e provou na audiência de julgamento é aquilo que resulta do depoimento das testemunhas inquiridas, e que é o aquele que se encontra gravado.

41) Ora, no caso dos autos, nenhum dos factos dados como provados, têm suporte na prova produzida em audiência de julgamento.

42) Assim, provado ficou que se a Ofendida/Demandante contactou o Arguido e que o mesmo se prontificou a pagar, quando tivesse possibilidade.

43) Pois, o Arguido não confessou aos representes da Ofendida que não tinha naquele momento dinheiro.

44) Viola assim, a Sentença recorrida o disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea a), b) e c).

45) A motivação da Meritíssima Juiz foi uma mera “exclusão de partes” - Analogia ou Invenção.

46) No nosso direito criminal não se pode inventar. Ou prova-se ou não se prova. Na dúvida absolve-se o Arguido;

47) É um princípio legal e constitucional – “in dúbio pro reo”;

48) O que nunca deveria ter sucedido, pois tendo em conta o principio consagrado no nosso ordenamento penal, que é o principio “in dúbio pro reo” a condenação nunca deveria ter sucedido;

49) Não existindo provas que titulem a incriminação, e neste caso em concreto, que o Arguido foi interveniente do acidente descrito na Acusação, o resultado só poderá ser a Absolvição;

50) Perante todo o exposto, viola a Sentença recorrida o principio constitucional previsto no artigo 32.º n.º 2 C.R.P. no qual refere que “Todo o arguido se presume inocente até prova em contrário, e trânsito em julgado da sentença de condenação”;

51) Pois, e conforme pode ler-se na “Constituição Portuguesa Anotada” - Jorge Miranda - Rui Medeiros, Coimbra Editora, tomo I, 2005 pag 356 e acima transcrito;

52) Os factos dados como provados na Sentença recorrida são insuficientes para fundamentar uma imputação por negligência e, consequentemente, de suportar a condenação do Arguido;

53) A Sentença recorrida é nula nos termos do artigo 379.º, 374.º e 375.º do Código do Processo Penal;

54) Nos termos do artigo 97.º do C.P.P., “Os actos decisórios são sempre fundamentados”;

55) A Sentença recorrida, sofre também do vício da falta de fundamentação, dado que, conforme já se disse, ao não enumerar e indicar as provas que serviram para dar como provada efectivamente o embate da moto no veiculo do Arguido deve-se à inversão de marcha por esta efectuada;

56) A Sentença recorrida viola todos os princípios de prova consagrados tanto no C.P.P., como na Constituição da República Portuguesa;

57) Não existem dúvidas que a Sentença recorrida viola o disposto no artigo 410.º do C.P.P., e que esse Venerando Tribunal pode apreciar as questões postas em crise, nos termos do n.º 2 desta disposição processual/legal;

58) Na verdade, na Sentença recorrida: existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; Erro notório na apreciação da prova;

59) Lendo, atentamente, a Sentença recorrida, nesta parte, ou noutra parte qualquer, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da condenação do Arguido;

60) Não tendo descrito fundamentadamente na Sentença recorrida, as razões porque não foram os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Arguido, tem forçosamente de ser alterada a matéria de facto dada como provada e não provada, atendendo a esse depoimento acima transcrito, nos termos do artigo 412.º do C.P.P.;

61) Sendo o Arguido primário, conforme resultou provado no Sentença recorrida, como nunca poderia aplicar-se uma condenação da forma e modo como foi;

62) O nosso Código é no sentido de recuperar os arguidos primários, e apenas se podem condenar os arguidos, quando a conduta destes não reúnem os requisitos para a absolvição, o que não é o caso;

63) A Sentença é nula, por interpretação e aplicação deficiente das normas legais citadas, conforme já acima se disse e provou;

64) V. Exas. certamente Revogarão a Sentença recorrida, absolvendo a Arguida do crime de que foi condenada, por ser de Lei, Direito e Justiça;

65) A Sentença recorrida viola: Artigo 97.º, 374.º, 375.º, 379.º e 410.º do, C.P.P. - Artigos 13.º, 205.º, 207.º e 208.º da C. R. P.

Nestes termos, e, melhores de direito, requer-se a V. Exa. a Revogação da Sentença recorrida:

1) Absolvendo o Arguido dos crimes que foi condenado, tendo em conta tudo o que acima se disse;

2) Caso assim se não entenda, deverá ser aplicada ao arguido a pena de Admoestação, pelos motivos acima expostos.

O Ministério Público na Comarca de Alcobaça respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, confirmando-se a douta decisão recorrida.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é  a seguinte:

            Factos provados

1. Em dia não concretamente apurado do mês de Julho de 2011, o arguido A... deslocou-se ao estabelecimento comercial “D... , Lda.”, com sede na (...), na Benedita, a fim de ali negociar a compra de bicicletas.

2. Aí chegado, o arguido comprou:

   a. Uma bicicleta, de marca CUBE, de refª 01.C 2564, com o quadro WOW0007IEP0910F, no valor de € 4.065,00;

   b. Uma bicicleta de marca CUBE, de refª 01.C 2562, quadro WOW0007IEP0910F/EN 14776, no valor de € 3.296,00;

   c. Um capacete, de refª 034.4154000216, no valor de € 120,00;

   d. Um capacete, de refª 034.G15300760, no valor de € 80,00;

   e. Uma bicicleta de criança, marca DS – 04.D516R, no valor de € 97,50;

   f. Uma bicicleta de criança, marca DS – 04 D512R, no valor de € 95,00;

   g. Um capacete de refª 034-B920001000, no valor de € 17,50;

   h. Um capacete de refª 034-ULD28844, no valor de € 16,00;

   i. Dois pares de luvas, de refª 039-C1802, no valor de € 48,00;

   j. Dois pares de luvas, de refª 039.GESUID, no valor de € 5,25;

   k. Uma Jersey, de refª 035.M99102, no valor de € 90,00;

   l. Uma Jersey, de refª 035-CUBE, no valor de € 54,00;

   m. Uns calções, de refª 037-CUBE, no valor de € 63,00;

   n. Uns calções, de refª 037-KBKU701093, no valor de € 20,00;

   o. Uns calções, de refª 037-SW64430060, no valor de € 49,90;

   p. Uma bicicleta pasteleira, de marca Ye-Ye, no valor de € 395,00.

3. O valor global de tais mercadorias ascendia a € 8.521,75 (oito mil, quinhentos e vinte e um euros e setenta e cinco cêntimos).

4. Das negociações decorridas, a “ D..., Lda.” resolveu oferecer ao arguido: dois conta-quilómetros, da marca Sigma; duas grades e dois bidons e acordaram fixar em € 8.000,00 o preço de compra e venda do material referido em 2.

5. Quando chegou a altura de efectuar o pagamento das referidas mercadorias, o arguido apresentou dois cheques da firma “ G..., Lda.”.

6. E, para convencer a “ D..., Lda.” a aceitar o pagamento dos mencionados cheques, o arguido entregou-lhe uma cópia da constituição da referida firma, da qual constava o arguido como sócio gerente.

7. Assim, a “ D..., Lda” veio a aceitar o pagamento com cheques da referida sociedade.

8. O arguido assinou e entregou à referida sociedade, para pagamento das mencionadas mercadorias, dois cheques (nº 800000004 e 7100000005), no valor de € 4.000,00 cada um, com datas de vencimento de 12.08.2011 e 16.09.2011.

9. Depois disso, o arguido solicitou a emissão da factura em nome da firma “ G..., Lda.”.

10. Quando ia a emitir a factura, a “ D..., Lda.” verificou que o seu sistema informático não permitiu a emissão de factura, por ter aparecido a informação de que o número de contribuinte da sociedade “ G..., Lda.” não se encontrava atribuído.

11. Alertado para aquele facto, o arguido disse de imediato que já havia recebido facturas emitidas em nome da mencionada firma.

12. Assim, e porque estava convencida de que obteria o pagamento daquela mercadoria, a “ D..., Lda.” permitiu que o arguido carregasse a mesma no veículo de matrícula 07-76-QX.

13. Seguidamente, a “ D..., Lda.” apresentou a pagamento o cheque nº 800000004, pré-datado com a data de 12.08.2011, vindo o mesmo a ser devolvido, por falta de provisão.

14. A “ D..., Lda.” suportou as despesas de devolução do referido cheque, no valor de € 14,76.

15. Face à devolução do referido cheque, a “ D..., Lda.” optou por não apresentar a pagamento o cheque nº 7100000005.

16. Foi então que a “ D..., Lda.” contactou o arguido para lhe devolver a mercadoria, tendo este informado que já não a tinha consigo.

17. Face à atitude do arguido, ficou a “ D..., Lda.” privada das mercadorias vendidas e do respectivo preço.

18. Ao praticar os factos supra descritos quis o arguido convencer a “ D..., Lda.” a aceitar o pagamento das mercadorias que levou consigo através de cheques pré-datados da sociedade “ G..., Lda.”, que sabia não terem provisão.

19. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, conseguindo enganar a mencionada sociedade, por forma a que lhe entregassem a mercadoria referida em 2 sem qualquer contrapartida.

20. Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.

21. Até à presente data, o arguido não pagou à “ D..., Lda.” o preço das mercadorias, nem procedeu à devolução do material referido em 2.

Mais se apurou:

Da situação pessoal do arguido:

22. O arguido reside na Alemanha.

23. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.

            Factos não provados

 Com relevo para a boa decisão da causa, não se provou:

   • Que, quando chegou a altura de efectuar o pagamento das mercadorias, o arguido comunicou que não tinha consigo numerário, multibanco ou cheques pessoais;

   • Que, no momento de pagamento da mencionada mercadoria, o arguido mostrou um livro de cheques daquela firma onde se encontravam já alguns “canhotos” de cheques emitidos;

   • Que, ao ser confrontado com a informação de que o número de contribuinte não se encontrava atribuído, o arguido se desculpou dizendo que ainda não tinha entregue a declaração de início de actividade no Serviço de Finanças.

Motivação

A fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e a livre convicção que o Tribunal granjeou obter sobre a mesma.

Nos termos do disposto no artigo 127º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente.

Refere o Professor Figueiredo Dias (in “Lições Coligidas de Direito Processual Penal”, edição de 1988/1989, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p.141) que «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo».

A audiência de julgamento decorreu com o registo, em suporte digital, dos depoimentos e esclarecimentos nela prestados.

Tal circunstância que deve, também nesta fase do processo, revestir-se de utilidade, dispensa o relato detalhado dos depoimentos produzidos.

Assim, a motivação do tribunal no que respeita à matéria fáctica considerada provada e não provada assentou:

      Quanto à questão da culpabilidade:

Na ausência do arguido na audiência de julgamento (o qual, apesar de regularmente notificado, não compareceu, por residir no estrangeiro, tendo requerido a realização do julgamento da sua ausência, cfr. fls. 353 dos autos e acta da audiência de julgamento), a convicção do Tribunal fundou-se na conjugação da prova testemunhal produzida com a prova documental junta aos autos.

Alguns aspectos importa, contudo, realçar.

No que respeita ao modo de ocorrência dos factos supra descritos, ao material levado pelo arguido e às circunstâncias de pagamento do mencionado material, socorreu-se o Tribunal do depoimento dos representantes da sociedade “ D..., Lda.” [ C...e B...], os quais revelaram conhecimento directo dos factos e depuseram sobre eles de forma segura, lógica, convicta, detalhada, coerente e descomprometida, merecendo credibilidade.

Tais depoimentos foram conjugados com os documentos constantes de fls. 274 a 280 dos autos e corroborados pelos depoimentos das testemunhas E...e F..., clientes e amigos dos representantes da sociedade “ D...”, presentes no local, na data dos factos (cujo depoimento foi igualmente seguro, detalhado e objectivo, e, por isso, merecedor de credibilidade).

O depoimento da testemunha H... não serviu a prova de qualquer facto, uma vez que deles não revelou conhecimento directo.

A prova da identidade do arguido resulta do depoimento dos legais representantes da sociedade, que mencionaram que o arguido havia já adquirido uma bicicleta, naquela empresa, algum tempo antes, tendo igualmente pago com um cheque pré-datado [o que fez com que tivessem confiado mais facilmente que os cheques apresentados para pagamento da mercadoria supra mencionada iriam ter bom pagamento], e, ainda, que viram o bilhete de identidade do arguido, no momento de pagamento e facturação das mercadorias.

Da conjugação de todos estes elementos fácil se torna concluir que foi o arguido o autor dos factos imputados.

A consciência da proibição por banda do arguido resulta da conjugação de todos os elementos constantes dos autos com as regras de experiência comum.

Os factos não provados ficaram a dever-se à ausência de elementos que os confirmassem com segurança.

        Quanto à situação pessoal do arguido:

No que respeita à situação pessoal do arguido, na ausência e residência deste no estrangeiro, e na ausência de outros elementos probatórios, o Tribunal fundou-se apenas no resultado das pesquisas efectuadas e no certificado de registo criminal do mesmo, junto aos autos.

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                                                                        *
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. (cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido A... as  questões a decidir são as seguintes:

- se o Tribunal a quo violou o princípio in  dubio pro reo e o disposto no art.410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do C.P.P., ao dar como provados os seguintes factos: “Entregou para pagamento das mercadorias descritas dois cheques pré- datados; Para convencer a ofendida a aceitar os mencionados cheques apresentou a certidão da sociedade emitente dos mesmos; Assinou e usou os referidos cheques, bem sabendo que não tinham provisão, de forma a que lhe entregassem a referida mercadoria, que levou consigo; e O arguido apoderou-se das mencionadas mercadorias, que não pagou nem restituiu à ofendida”, pois não resultaram provados;

- se a sentença é nula por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 97.º, 374.º, 375.º, e 379.º do C.P.P. e artigos 13.º, 205.º, 207.º e 208.º da C. R. P.;

- se não se encontra preenchido nenhum dos requisitos previstos no art.218.º do Código Penal, pelo que deve o arguido ser absolvido da prática do crime de burla qualificada; e

- caso assim não se entenda, se deve ser aplicado ao arguido a pena de admoestação.


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            Pese embora esta seja a ordem pela qual o recorrente apresenta as questões a primeira das questões que se impõe conhecer respeita à arguida nulidade da sentença, por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 97.º, 374.º, 375.º, e 379.º do C.P.P. e artigos 13.º, 205.º, 207.º e 208.º da C. R. P., pois no caso da sua verificação o Tribunal de recurso limita-se a declarar nula a sentença, com devolução do processo ao Tribunal que a proferiu a fim de suprir a nulidade.

O recorrente A... defende, nas conclusões da motivação, que a sentença recorrida terá de ser considerada nula, por falta de fundamentação, no que concerne ao nexo causal entre a eventual prática do crime e o agente que o praticou; a sentença é nula também dado que ao não enumerar e indicar as provas que serviram para dar como provada efectivamente o embate da moto no veiculo do arguido deve-se à inversão de marcha por esta efectuada; é nula ainda a sentença recorrida porque ao ler-se atentamente, nesta parte, ou noutra parte qualquer, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da condenação do Arguido; e, por fim, é nula a sentença, por interpretação e aplicação deficiente das normas legais citadas, conforme já acima se disse e provou. Na motivação do recurso o recorrente, a propósito da fundamentação da sentença, refere que « A Sentença recorrida, embora de faça essa referência, porém, pelas declarações das testemunhas inquiridas, não se poderia efectivamente condenar o Arguido, pois nenhuma das testemunhas, refere que o acidente se deu por culpa exclusiva do Arguido e portanto não se pode de forma alguma condenar o Arguido deste modo.».    

Em concreto, refere ainda, o recorrente, que a sua condenação violou o art.13.º da CRP porquanto não foi tratado de forma igual a outros cidadãos perante a lei.

Vejamos.

A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art.205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e insere-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o art.32.º, n.º 1 do mesmo diploma fundamental.

A nível geral, dispõe o art.97.º, n.º 4 do Código de Processo Penal que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

A fundamentação da sentença e a sua falta tem tratamento específico na lei processual penal, estatuindo o art.379.º, alínea a), do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art.374.º, n.º 2 do mesmo Código.

O art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal estabelece que , na elaboração da sentença , ao relatório segue-se a fundamentação, «…que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa , ainda que concisa , dos motivos de facto e de direito , que fundamentam a decisão , com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.». 
O dever de fundamentação da sentença exige a enunciação de todos os factos provados e não provados relevantes para a imputação penal, a determinação da sanção, a responsabilidade civil constantes da acusação e do pedido de indemnização civil e das respectivas contestações ( art.368, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.).
A exigência do exame crítico das provas é um aditamento levado a cabo pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto, na sequência de jurisprudência que se vinha formando sobre essa necessidade, nomeadamente pelo STJ, que interpretou aquele dever de fundamentação no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os elementos que , em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos , constituíram o substrato racional  que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação , ou seja , um exame critico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do Tribunal num determinado sentido.[4]
Neste sentido, se pronunciava ainda o Tribunal Constitucional, declarando inconstitucional a norma do n.º 2 do art.374.º do C.P.P. na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões da matéria de facto se bastava com a simples enumeração dos meios de prova utilizados na 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal , por entender ser violado o dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º1 do art.205.º da Constituição da República Portuguesa , bem como quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º2 do art.410.º do mesmo Código , por violação do direito ao recurso consagrado no n.º1 do art.32.º da Constituição da República Portuguesa.[5]

Para o Prof. Germano Marques da Silva o objectivo de tal dever de fundamentação é imposto pelos sistemas democráticos, permitindo “ a sindicância da legalidade do acto , por uma parte , e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte , mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando  por isso  como meio de autodisciplina.”.[6]

O art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal não exige, porém, que seja sempre feita menção específica na sentença ao conteúdo das declarações do arguido e de todas as testemunhas. O que deve constar dela é a parte relevante das declarações e depoimentos tidos como relevantes para a formação da convicção do Tribunal.

O art.375.º do Código de Processo Penal, alegadamente violado na sentença recorrida, estabelece os requisitos especiais que devem acrescer aos constantes do art.374.º do mesmo Código, estabelecendo que a sentença condenatória deve especificar «… os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social.» (n.º1).

Os artigos 13.º, 207.º e 208.º da C. R. P., também considerados pelo recorrente como violados na sentença recorrida, respeitam, respectivamente, ao «princípio da igualdade», ao «Júri, participação popular e acessória técnica» e ao «patrocínio forense».

O art.13.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, ninguém podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Interpretando este preceito, referem os Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira, que o seu âmbito de protecção abrange as seguintes dimensões: « a) proibição do arbítrio , sendo inadmissíveis , quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes , quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; b) proibição de descriminação, não sendo legitimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias ( cfr. n.º 2, onde se faz expressa menção de categorias subjectivas que historicamente fundamentaram discriminações ; c) obrigação de diferenciação , como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe  a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural ( cfr. , por ex., arts. 9.º/d e f, 58.º-2/b e 74.º-1)».[7]

Por outras palavras, e para a decisão da questão em apreciação, importa acentuar que o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais.[8]

Retomando o caso concreto, diremos que o arguido A..., na contestação, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos. Já os factos imputados na acusação do Ministério Público e que resultaram da audiência de julgamento constam enumerados na sentença recorrida nos factos provados e não provados.

A fundamentação da matéria de facto da douta sentença recorrida indica, expressamente, os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal - depoimentos dos legais representantes da sociedade ofendida “ D..., Lda.”, C...e B..., e das testemunhas E...e F... e os documentos constantes de fls. 274 a 280 dos autos - e faz uma análise critica dos depoimentos prestados oralmente, com indicação das razões de ciência e de credibilidade que possibilitam ao Tribunal de recurso, bem como aos restantes sujeitos processuais, entender em termos lógicos e racionais, a razão pela qual o Tribunal a quo formou a sua convicção no sentido de dar como provados os factos que constam da sentença – bem como os não provados, que não foram impugnados pelo recorrente.

O exame crítico dos citados meios de prova, constante da fundamentação da sentença permite, designadamente, estabelecer “o nexo causal entre a eventual prática do crime descrito na acusação e o agente que o praticou”, ou seja, que foi o arguido A... quem praticou os factos dados como provados e, consequentemente que foi ele quem praticou o eventual crime de burla, como resulta, desde logo da seguinte passagem da fundamentação: “ A prova da identidade do arguido resulta do depoimento dos legais representantes da sociedade, que mencionaram que o arguido havia já adquirido uma bicicleta, naquela empresa, algum tempo antes, tendo igualmente pago com um cheque pré-datado [o que fez com que tivessem confiado mais facilmente que os cheques apresentados para pagamento da mercadoria supra mencionada iriam ter bom pagamento], e, ainda, que viram o bilhete de identidade do arguido, no momento de pagamento e facturação das mercadorias.”

É evidente que a sentença não enumerou, nem indicou, “as provas que serviram para dar como provada efectivamente o embate da moto no veiculo do arguido deve-se à inversão de marcha por esta efectuada”, a que o arguido/recorrente faz menção nas conclusões da motivação do recurso, pela simples razão de que no caso em apreciação não estava em apreciação no presente processo qualquer acidente de viação.

Pela mesma razão é ininteligível a menção constante da motivação do recurso que parte em que o recorrente escreve que « A Sentença recorrida, embora de faça essa referência, porém, pelas declarações das testemunhas inquiridas, não se poderia efectivamente condenar o Arguido, pois nenhuma das testemunhas, refere que o acidente se deu por culpa exclusiva do Arguido e portanto não se pode de forma alguma condenar o Arguido deste modo.».    

Por fim, diremos que caso existisse uma deficiente interpretação e aplicação das normas legais, nomeadamente de preenchimento da prática do crime de burla, pelo qual vem acusado e foi condenado, tal situação não integraria qualquer das nulidade de sentença enunciadas na lei processual penal.

Pode concordar-se ou não com a condenação do arguido pela prática do crime de burla, bem como com o exame crítico das provas que serviram para firmar a convicção do Tribunal a quo, mas a sentença recorrida contém suficientemente especificados os motivos de facto e de direito da decisão, pelo que não padece de falta de fundamentação.

Para além de não violar os preceitos do Código de Processo Penal invocados pelo recorrente a esse propósito, o Tribunal da Relação não reconhece que a decisão recorrida viole ainda o disposto nos artigos 13.º, 205.º, 207.º e 208.º da C. R. P.,

Aliás, o recorrente não concretiza em que termos poderia a sentença recorrida ter violado  estes preceitos constitucionais, designadamente porque é que não foi tratado de forma igual a outros cidadãos perante a lei, em alegada violação do princípio da igualdade.

Pelo exposto, concluímos que a sentença não padece, quanto à decisão da matéria de facto ou de direito, de qualquer das nulidades a que alude o art. 379.º, n.º 1, do C.P.P.

Assim, improcede esta questão.


-

            Passemos à apreciação da questão seguinte, relativa à da matéria de facto.

            O recorrente A... defende que deve ser modificada a matéria de facto porquanto, no seu entender, o Tribunal a quo violou o princípio in dúbio pro reo e o disposto no art.410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do C.P.P., ao dar como provados, quando não resultaram provados em face da prova produzida, os seguintes factos: “Entregou para pagamento das mercadorias descritas dois cheques pré- datados; para convencer a ofendida a aceitar os mencionados cheques apresentou a certidão da sociedade emitente dos mesmos; assinou e usou os referidos cheques, bem sabendo que não tinham provisão, de forma a que lhe entregassem a referida mercadoria, que levou consigo; e o arguido apoderou-se das mencionadas mercadorias, que não pagou nem restituiu à ofendida”.

Alega para o efeito, e em síntese, o seguinte[9]:

- Analisada a prova produzida em audiência de julgamento conclui-se que sobre a ocorrência dos factos existem apenas as versões apresentadas pelos directamente interessados na decisão a proferir, o que é susceptível de criar dúvida, pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter lançado mão do principio do in dubio pro reo;

- ainda que assim se não entenda, resulta da análise dos depoimentos dos legais representantes da ofendida e das testemunhas indicadas pela acusação, conforme segmentos depoimentos que se encontram gravados e que se transcrevem na motivação do recurso, que não foi o arguido que preencheu, emitiu e entregou os referidos cheques à ofendida, mas sim uma senhora que estava presente;

- também resulta dos testemunhos referidos, que o arguido usou uma certidão comercial para comprovar a existência da sociedade atendendo a que era uma sociedade recente;

- ficou provado ainda que só foi apresentado a pagamento um cheque e não os dois cheques emitidos e não foi provado que na data da sua emissão, nem na data aposta nos mesmos, os cheques não tivessem provisão.

- ficou ainda provado, pelas declarações das testemunhas B...e C...que o arguido tinha intenção de pagar, daí não se compreender, como pode a Meritíssima Juiz ter decidido que era o arguido sabia que os cheques não tinham provisão.

- a acusação não conseguiu estabelecer o nexo causal entre a eventual prática do crime descrito na acusação e o agente que o praticou. Provado ficou que se a ofendida/demandante contactou o arguido e que o mesmo se prontificou a pagar, quando tivesse possibilidade, pois o arguido não confessou aos representantes da ofendida que não tinha naquele momento dinheiro; 

- viola, assim, a sentença recorrida o disposto no art.410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do C.P.P.

Vejamos.

O arguido A... ao impugnar a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, sustenta, por um lado, que a decisão recorrida padece dos vícios a que aludem as alíneas a) , b) e c), n.º 2, do art.410.º do Código de Processo Penal e, por outro,  requer a reapreciação da prova gravada produzida em audiência de julgamento, não só através dos segmentos dos depoimentos que transcreve , mas ainda através de transcrição dos depoimentos, a realizar pela secção do tribunal.

Importa aqui realçar que a impugnação da matéria de facto pode realizar-se através de dois meios: pelos vícios a que alude o art.410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, ou através do disposto nas várias alíneas do art.431.º do mesmo Código.

Embora com pouca clareza, o recorrente invoca simultaneamente os dois referidos meios de impugnação da matéria de facto, pelo que iremos ter ambos em consideração.

O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
     a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
     b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou 
     c) O erro notório na apreciação da prova.
Os vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P. têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º2 do art. 410.º do C.P.P., existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa.[10]
O arguido A... invoca a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a al. a) do n.º2 do art.410.º do C.P.P., mas não indica, nem nas conclusões da motivação, nem na motivação, e a partir do texto da sentença, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, um qualquer facto que ficou por averiguar em julgamento, relevante para a boa decisão da causa, nomeadamente para a defesa do recorrente.
O que o recorrente menciona é que os depoimentos das testemunhas prestados em audiência, cuja gravação e transcrição pede que seja reapreciada, não permitem dar como provada a factualidade que impugna com o presente recurso, confundindo assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, a qual resulta da convicção do julgador e das regras da experiência.
Uma vez que os factos dados como provados permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento e do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se vislumbram factos que ficaram por apurar, não temos por verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
O vício da contradição insanável existirá, por sua vez, quando se afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa. Duas proposições contraditórias não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiras e falsas.
No dizer dos Cons. Simas Santos e Leal Henriques “Só existe, pois, contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados.” [11].

O recorrente não indica, em concreto, onde existe a contradição na sentença, limitando-se a mencionar que existe a “ contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”.

Por sua vez, o Tribunal da Relação, não vislumbra do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que exista, designadamente, contradição entre a matéria de facto dada como provada, ou entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada. Igualmente se não vislumbra existir contradição entre a fundamentação da matéria de facto provada e não provada com os factos dados como provados e não provados , nem existe oposição entre a fundamentação de facto e de direito e a decisão condenatória.
Assim, não se reconhece a existência do vício da contradição, e menos ainda insanável, da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova, o mesmo consiste num vício de apuramento da matéria de facto que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
No dizer dos Juízes Conselheiros Leal-Henriques e Simas Santos, o erro notório na apreciação da prova existe “...quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”. [12]
Por esta razão, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal). 
O erro notório na apreciação da prova tem que de ser ostensivo, que não escapa ao homem com uma cultura média.
No caso em apreciação, o arguido impugna, nas conclusões da motivação e na motivação do recurso, alguma matéria de facto dada como provada, mas não o faz apenas a partir do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem consulta de outros elementos constantes do processo.
A impugnação da matéria de facto é efectuada pelo recorrente a partir da prova produzida oralmente em julgamento e gravada, cuja reapreciação requer ao Tribunal de recurso.
A impugnação da matéria de facto efectuada nestes termos não se confunde com o vício em questão, uma vez que aquela não se limita ao texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
Analisando o texto da decisão recorrida, nomeadamente a fundamentação da matéria de facto, e as referências que na mesma são feitas aos depoimentos das testemunhas B...e C..., legais representantes da sociedade ofendida, e aos depoimentos das testemunhas E... e F... indicadas a este propósito e à prova documental, designadamente aos documentos constantes de folhas 274 a 280 dos autos, não vemos que o Tribunal recorrido, ao dar como provada a matéria de facto impugnada pelo recorrente, tenha seguido um raciocínio ilógico, arbitrário ou contraditório, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, de onde se possa concluir pela existência de um erro notório na apreciação da prova.
Não se tem, pois, também, por verificado o vício a que alude a al. c), n.º2 do art.410.º, do Código de Processo Penal.

Importa agora apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada, e impugnada pelo recorrente, que se distribui fundamentalmente pelos pontos n.ºs 6, 8, 18, 19 e 21 da sentença recorrida.

Nos termos do art.431.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo do disposto no art.410.º, o tribunal de recurso poderá modificar a matéria de facto fixada em 1.ª instância, se se verificarem as seguintes condições:
  « a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
     b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
     c) Se tiver havido renovação de prova.”.
A situação prevista na alínea a), do art.431.º, do C.P.P. está excluída quando a decisão recorrida se fundamenta, não só em prova documental, pericial ou outra que consta do processo, mas ainda em prova produzida oralmente em audiência de julgamento. 
Também a possibilidade de modificação da decisão da 1.ª instância ao abrigo da al.c) do art.431.º, do C.P.P., está afastada quando não se realizou audiência para renovação da prova neste Tribunal da Relação, tendo em vista o suprimento dos vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P..
A situação mais comum de impugnação da matéria de facto é a que respeita à alínea b) do art.431.º do C.P.P., que conjugada com o art.412.º, n.º3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:

  « a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;

     b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
     c) As provas que devam ser renovadas

O n.º 4 deste art.412.º, acrescenta que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação

O recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as declarações ou depoimentos constam e localizar a passagem em causa na gravação, entre os minutos em que produziu prova oralmente, de modo a deixar claro qual a parte da declaração ou depoimento que se quer que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie.

O STJ, pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2012, decidiu, sobre esta matéria, que « Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/enxertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.».
Com as alterações aos n.ºs 4 e 5 e aditamento do n.º6, ao art.412.º do C.P.P., introduzidos pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, deixou de haver lugar à transcrição da prova gravada, caducando a jurisprudência fixada pelo acórdão do STJ de 16 de Janeiro de 2003[13], que atribuía essa transcrição ao tribunal.
Actualmente, nos termos do n.º 6 do art.412.º do C.P.P., o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e, ainda, de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

No presente caso, o arguido A... especifica, nas conclusões da motivação, embora de modo algo deficiente, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, mas não indica as concretas passagens em que funda a impugnação, através da indicação da sessão de julgamento em que os depoimentos constam e localização da passagem na gravação.
O recorrente indica, porém, na motivação do recurso, a localização, na acta de julgamento, das passagens das suas declarações e dos depoimentos das testemunhas em que funda a impugnação da factualidade e transcreve os respectivos segmentos, pelo que o Tribunal da Relação considera que o mesmo deu cumprimento mínimo ao estabelecido no art.412.º, n.ºs 3, al. b) e 4 do C.P.P. e, por uma questão de economia processual, mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, julga-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, se concluir pela existência de erro de julgamento.
Antes de passar ao conhecimento directo da questão, importa realçar que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência, a que se deve atender na apreciação da prova, são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.»[14].

Quanto à livre convicção do juiz, nessa apreciação da prova, ela não pode esta deixar de ser “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela ( deve ser) uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[15].

Na livre apreciação da prova o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Observa, a este respeito, o Prof. Germano Marques da Silva, que « Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente ( v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza  a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem essencialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há-de fundar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.».[16]     

O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.355.º do Código de Processo Penal. È ai, na audiência de julgamento, que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova e se assegura o princípio do contraditório, garantido constitucionalmente no art.32.º, n.º5.

Reportando-se aos princípios da oralidade e imediação diz o Prof. Figueiredo Dias, que « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos  e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...). Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”.[17]

Na verdade, a convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

Assim, se o recorrente impugna somente a credibilidade das declarações ou do depoimento deve indicar elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade das declarações ou depoimentos, pois aquela, quando estribada em elementos subjectivos é um sector especialmente dependente da imediação do tribunal recorrido. 

Uma vez, porém, que o princípio da livre apreciação da prova tanto vincula o tribunal de 1.ª instância como o tribunal de recurso, e que a reforma do Código de Processo Penal de 1998 deixou inequívoco que se quis assegurar um recurso efectivo da matéria de facto, o Tribunal da Relação, na reapreciação da matéria de facto a que se procede nos termos do art.412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., deve proceder a uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, avaliando se as provas indicadas por este impõem decisão diversa da recorrida.

Se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada, e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova resulta o acerto dessa opção sobre a matéria de facto impugnada, nos termos do art.127.º do C.P.P., deve manter a decisão recorrida.

A propósito da apreciação da prova, importa ainda realçar, o princípio in dubio pro reo, que estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido. Ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

O mesmo decorre do princípio da presunção da inocência, consagrado no art.32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, que estatui que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.  O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele , escolheu a tese desfavorável ao arguido.[18]

Se na fundamentação da sentença/acórdão oferecida pelo Tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.

A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados. Como refere o Prof. Roxin, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida”.[19]

No caso em apreciação, o Tribunal da Relação procedeu à audição da gravação dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrente, e dela resulta que os segmentos transcritos na motivação do recurso correspondem, embora nem sempre, ao que foi dito pelos legais representantes da sociedade ofendida, B...e C.... Como acontece frequentemente na impugnação da matéria de facto em recurso, existem segmentos que não favorecem a posição do recorrente, que são omitidos.

Do depoimento da testemunha B...resulta, designadamente, que o arguido A... entrou no estabelecimento comercial da ofendida “ D..., Lda”, acompanhado de uma senhora, que o arguido deu como esposa. O arguido perguntou à testemunha se se lembrava dele, que já lhe tinha comprado uma bicicleta uns tempos antes, com cheques pré-datados e correu bem. O arguido disse que queria comprar duas bicicletas e a testemunha confiou na pessoa, pois “… já tinha feito um negócio com ele há dois anos antes e correu bem.”. O arguido é que perguntou se podia passar dois cheques pré-datados. Quem preencheu os cheques pré-datados para comprar a mercadoria, na data agora em causa objecto de queixa, foi a senhora, que lhe disse “ se podia passar os dois cheques; que iam vender uma fazenda, iam receber o dinheiro da fazenda.”, mas o arguido é foi quem assinou os cheques.

Por sua vez, a testemunha C...declarou, nomeadamente, que o negócio foi feito, em representação da ofendida, pelo seu irmão, a testemunha B...e “acho que foi o senhor A.... Acho…”, que negociou com o seu irmão a compra das bicicletas. [20] A senhora que acompanhava o arguido preencheu os cheques e pediu ao arguido para os assinar, tendo a testemunha C...recebido os cheques para serem facturados em nome da empresa do arguido.

Do exposto resulta que o negócio em causa, que tem como vendedora a ofendida, foi efectuado entre a testemunha B..., como legal representante daquela, e o arguido, que comprou a mercadoria, o qual vem a apresentar para pagamento da mercadoria dois cheques de uma firma, em que constava como sócio-gerente.  

Tendo sido ele quem assinou os cheques e os usou para obter a mercadoria, também é ele quem os entrega à ofendida – mesmo que porventura a entrega dos cheques fosse efectuada na sua presença pela sua alegada esposa que o acompanhava, o que se não mostra demonstrado nos segmentos das transcrições apresentadas pelo recorrente.

Perante o depoimento das testemunhas C...e B...e considerando que o recorrente não faz qualquer menção aos depoimentos das testemunhas E... e F..., que foram consideradas relevantes para a decisão desta matéria, por se encontrarem presentes aquando do negócio, não vislumbra o Tribunal da Relação como pode o recorrente defender que a sentença recorrida julgou incorrectamente a matéria de facto ao dar como provado que o arguido assinou, entregou e usou os dois cheques pré-datados constantes de folhas 416 dos autos, para pagamento das mercadorias descritas no documento n.º1 junto com a queixa apresentada contra o arguido.

O Tribunal da Relação não encontra ainda, nos segmentos dos depoimentos transcritos das testemunhas C...e B..., que o arguido tinha intenção de pagar os cheques. 

A propósito do incorrecto julgamento da matéria de facto dada como provada, no que respeita à não intenção de pagar e que o arguido sabia que os cheques não tinham provisão - pois que, no entender do recorrente, resulta dos segmentos dos depoimentos transcritos das testemunhas C...e B...que o mesmo tinha intenção de pagar, tendo-se prontificado a pagar, quando tivesse possibilidades -, diremos que resulta medianamente claro dos depoimentos destas testemunhas que os valores das mercadorias, indicados nomeadamente nos cheques entregues à ofendida “ D..., Lda”, continuam por pagar.

A testemunha B...declarou, nomeadamente, que quando o primeiro cheque não obteve pagamento, por falta de provisão, verificaram que a firma a que respeitavam os dois cheques não existia. Então ligou para o telefone do arguido, que lhe disse que já não tinha as bicicletas, que já as tinha vendido e “ que não tinha dinheiro para as pagar”, que lhas ia pagar mais tarde, mas não disse qualquer prazo. Por sua vez, a testemunha C...declarou que o arguido não tinha intenção de pagar pois “ se a pessoa tivesse intenção de pagar tinha resolvido logo no primeiro cheque…”.

Sabendo que a “intenção” pertence ao mundo interior, é dos factos objectivos que se deve retirar a prova da mesma, mesmo quando o arguido a não confessa.

Ora, resulta do cheque datado de 12-08-2011 que o mesmo não foi pago por falta de provisão. O arguido confirmou à testemunha B...que não tinha dinheiro para pagar a mercadoria: Mais, declarou à mesma testemunha que já tinha vendido a mercadoria, assim impossibilitando a sua recuperação por parte da ofendida. O arguido não forneceu ainda qualquer data credível para pagar o valor da mercadoria, encontrando-se as mercadorias por pagar. Neste circunstancialismo, o Tribunal da Relação entende que ao dar-se como provado, na sentença recorrida, que o arguido agiu com intenção de não pagar as mercadorias compradas à ofendida e, sabendo que os cheques pré-datados não tinham provisão, apoderou-se assim das mesmas, sem as pagar, nem as restituir, o Tribunal a quo seguiu um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbra qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

Dos depoimentos das mesmas testemunhas resulta ainda que para convencer a ofendida a aceitar os mencionados cheques o arguido apresentou a certidão da sociedade emitente dos mesmos, que se mostra junta aos autos.

Por outro lado, percorrida a sentença recorrida, nela não se detecta qualquer dúvida que tenha existido no espírito da Mma. Juíza que integra o tribunal singular quanto a qualquer dos factos que considera provados. Acresce que, face à motivação de facto que dele consta, também não detectamos qualquer situação determinativa de que nesse estado de dúvida devessem ter ficado, tanto mais que os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal não foram apenas os depoimentos dos legais representantes da sociedade ofendida “ D..., Lda.”, mas ainda os depoimentos das testemunhas E...e F... e os documentos constantes de fls. 274 a 280 dos autos.
Em conclusão, não se mostra violado o princípio in dubio pro reo, e por via dela, o art. 32º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa e, não se impondo uma decisão diversa da recorrida, mais não resta que confirmar a decisão recorrida relativamente à matéria de facto.


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A questão a decidir, seguidamente, é se não se encontra preenchido nenhum dos requisitos do crime de burla qualificada previsto no art.218.º do Código Penal, pelo que deve o arguido ser absolvido da sua prática.

Vejamos.

O arguido A... foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1 do Código Penal.

O art.217.º, n.º1, do Código Penal, que prevê e pune o crime de burla simples, estatui que « Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.».

Para o preenchimento do crime de burla, considerando o disposto neste art.217.º, n.º1 do Código Penal, exige-se que o agente actue com intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo; que utilize um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro ou engano sobre factos; e que desse modo a leve a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios. Sendo este um crime doloso, exige-se ao agente o conhecimento e vontade de realização do facto antijurídico e consciência da ilicitude da sua conduta.

Se é certo que, para estarmos perante um crime de burla, não bastará uma qualquer mentira do agente, já será suficiente que essa mentira, essa astúcia, seja suficiente para iludir o cuidado que, no sector da actividade em causa, normalmente se espera de cada um.

A experiência do dia a dia revela, com efeito, que a conduta do agente, longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, se limita, muitas vezes, numa “economia de esforços”, ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima[21].

O art.218.º do Código Penal, que tipifica o crime de burla qualificada, estatui, por sua vez,  designadamente, o seguinte:

« 1 - Quem praticar o facto previsto no n.º 1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.

    2 - A pena é a de prisão de dois a oito anos se:

a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;

b) O agente fizer da burla modo de vida;

c) O agente se aproveitar de situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão de idade, deficiência ou doença; ou

d) A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica

Para efeito do disposto nos artigos seguintes , o art.202.º do Código Penal considera:

   « a) Valor elevado: aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento a prática do facto;

   b) Valor consideravelmente elevado: aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto;».

Considerando que a prática dos factos em causa teve lugar em 2011, uma UC corresponde a € 102,00. Assim, valor elevado é aquele que excede € 5 100,00 (50 unidades de conta) e valor consideravelmente elevado aquele que excede € 20 400,00 (200 unidades de conta).

O recorrente A... alega que deve ser absolvido da prática do crime de burla qualificada porquanto o prejuízo patrimonial não foi consideravelmente elevado, atendendo a que só o primeiro cheque é que não foi pago, não tendo o segundo cheque sido apresentado a pagamento; o arguido não faz da burla o seu modo de vida; o arguido não se aproveitou da situação ou da vulnerabilidade da ofendida; e também não se provou que a ofendida ficou em situação economicamente difícil.

A este respeito diremos que o arguido foi condenado por haver preenchido todos os elementos constitutivos enunciados no art.217.º, n.º1, do Código Penal – provou-se que actuou com intenção de obter para si um enriquecimento ilegítimo; utilizou dois cheques pré-datados e uma certidão de uma empresa, como meio enganoso tendente a induzir a ofendida a entregar-lhe as mercadorias e, desse modo, levou a ofendida a praticar actos de que resultaram prejuízos patrimoniais para ela, o que o arguido fez com conhecimento e vontade de realização do facto antijurídico e consciência da ilicitude da sua conduta - , a que acresce a qualificativa do n.º1 do art.218.º, do mesmo Código: o prejuízo patrimonial causado pelo arguido á ofendida foi de valor elevado, uma vez que foi superior a € 5 100,00 (50 unidades de conta).  

Os cheques entregues pelo arguido à ofendida foram um meio que determinou esta à prática de factos que lhe causaram prejuízos, não se confundindo com o prejuízo , de valor elevado sofrido na burla pela ofendida, que ascende a € 8 521,75. 

Não tendo o arguido sido condenado pelo preenchimento de qualquer das qualificativas do n.º 2 do art.208.º do Código Penal, não tem qualquer sentido, salvo o devido respeito,  pedir a sua absolvição da prática do crime de burla qualificado, por não se haver provado: que o prejuízo patrimonial causado à ofendida foi valor consideravelmente elevado; que não faz da burla modo de vida; que não se aproveitou de situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão de idade, deficiência ou doença; que a ofendida não ficou em difícil situação económica.

Pelo exposto, improcede também esta questão.


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Última questão: se deve ser aplicado ao arguido a pena de admoestação.

O art.60.º, do Código Penal, estabelece a pena de admoestação nos seguintes termos:

« 1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação.

2 - A admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

3 - Em regra, a admoestação não é aplicada se o agente, nos três anos anteriores ao facto, tiver sido condenado em qualquer pena, incluída a de admoestação.

4 - A admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal.».

A pena de admoestação, que consiste numa solene censura oral feita pelo tribunal ao agente, em audiência de julgamento, exige, por um lado, que pena concreta a aplicar fosse de multa não superior a 240 dias e, por outro, que haja reparação do dano, o arguido ainda não tenha sido objecto de condenação em qualquer pena e exista um juízo de prognose favorável em termos de prevenção geral e especial.

No caso em apreciação, o arguido A..., foi condenado pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 320 dias de multa, à razão diária de € 6,00, num total de € 1.920,00.

Uma vez que se mostra provado que o arguido não reparou o dano causado à ofendida, é evidente que nunca o mesmo poderia beneficiar desta pena, por falta de um dos seus pressupostos.

Aliás, o recorrente não apresentou qualquer argumento para que lhe fosse aplicada a pena de admoestação em detrimento da pena de multa em que foi condenado, nem vislumbramos que as elevadas razões de prevenção geral e as não despiciendas razões de prevenção especial pudessem permitir que ao mesmo fosse aplicada uma simples censura oral em audiência de julgamento.

Assim, improcede também esta questão e, consequentemente, o recurso.

          Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e manter a sentença recorrida.

             Custas pelo recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                         *

Coimbra, 17 de Setembro de 2014

(Orlando Gonçalves - relator)

(Alice Santos - adjunta)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] Cfr, entre outros o acórdão do STJ , de 13 de Fevereiro de 1992 ( CJ, ano XVII , 1º , pág. 36).
[5]  Cfr. entre outros o Acórdão n.º 680/98 , publicado no DR, II Série , de 5 de Março de 1995 .

[6] - Cfr. Curso de Processo Penal” , Vol. III, 2ª ed. , pág. 294.

[7] Constituição da República Portuguesa anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 339.      

[8]  Neste sentido o acórdão n.º 403/2004 do T.C. , in www.tribunalconstitucional.pt).

[9] Excluim-se aqui as várias referências que o recorrente faz, na motivação do recurso, a factos relativos a um acidente de viação, que manifestamente nada têm que ver com o presente processo.
[10] – Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/04/2010 ( proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e os Cons. Leal- Henriques e Simas Santos , in “Código de Processo Penal anotado”,  vol. 2.º, 2ª ed., pág.s 737 a 739.

[11] - Cfr. “Código de Processo Penal anotado” ,   2ª ed., pág. 739.
[12] - Cfr. obra citada, 2.º Vol.,  pág. 740 e, no mesmo sentido, entre outros , os acórdãos do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º , pág.182 ) e Ac. da Rel. Porto de 27-9-95 ( C.J. , ano XX , 4º, pág. 231).

[13] DR., I-A Série, de 30 de Janeiro de 2003.

[14]   cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300. 
[15]  cfr. Prof. Figueiredo Dias , “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
[16] Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, Verbo, 5.ª edição, pág.186
[17] Obra citada, páginas 233 a 234

[18] Cfr. entre outros , o acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996 , in C.J. , ASTJ , ano IV , 1º, pág. 177  .

[19] “Derecho Processal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111. 
[20] Na transcrição, o recorrente refere, incorrectamente: “acho que foi a senhora. Acho…”. 
[21] - cfr. Prof. Almeida Costa , Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 293 e segs.