Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
37/15.5PTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
CÚMULO JURÍDICO
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INST. LOCAL - SECÇÃO CRIMINAL – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 65.º E SS., 77.º E 78.º DO CP
Sumário: São aplicáveis às penas acessórias - incluindo, consequentemente, à prevista no artigo 69.º do CP (proibição de conduzir veículos motorizados) -, com as devidas adaptações, os comandos normativos dos artigos 77.º e 78.º daquele diploma.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

No processo sumário n.º 37/15.5PTVIS supra identificado, após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu:

a) Condenar o arguido A.... pela prática de um crime de desobediência simples p. e p. pelos artigos 348°, n.º 1, al. b), e 69°, n.º 1, al. c) do Código Penal, e 152º, n.º 1, al. a) do Código da Estrada, na pena de 6 meses de prisão, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 8 meses;

b) Condenar o arguido pela prática de um crime desobediência qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 154º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, e 348.º, n.º 1, al. a) e 2, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;

c) Condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 292º, n.º 1, e 69º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 8 meses

d) condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 16 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar nos termos e condições que vierem a ser estabelecidos pela DGRSP e, na pena acessória de 16 meses de proibição de conduzir veículos com motor.


*


O arguido não se conformou com a decisão proferida em 1ª instância, e dela interpôs o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

1. O tribunal A Quo não poderia ter dado como provado, no que toca à consciência dos factos e da ilicitude e no que concerne à intenção dolosa do arguido, os pontos 4, 5, 6, 7 e 10, devendo, pela procedência deste recurso, serem alteradas aquelas respostas no sentido supra apontado.

2. A prova produzida em sede de audiência de julgamento não foi toda valorada de acordo com os mesmos critérios;

3. Foi utilizada prova indiciária, ou indícios serviram para determinar e condicionar conclusões sem que se esgotassem todas as possibilidades de obtenção de prova.

4. Nomeadamente obtenção de prova que permitisse concluir o porquê da actuação do arguido, e não, meramente se presumindo que, se o militar da GNR explicou as ordens e instruções ao arguido, este teria necessariamente que as compreender e;

5. Se as não respeitou e não cumpriu foi porque intencionalmente o não quis fazer.

6. Existe assim, em primeiro lugar uma decisão em contradição com a prova produzida (desconformidade entre a decisão de facto proferida e a que se entende ser a correcta face à prova produzida), o que deve levar à imediata absolvição do arguido relativamente aos crimes de desobediência simples e desobediência qualificado porque foi condenado.

7. E, improcedendo esta, verifica-se erro notório na apreciação da prova à mistura com a insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada, pois que o tribunal A Quo não consegue explicar como ultrapassa, para a condenação do arguido, o facto de existir a possibilidade deste, portador da taxa de alcoolemia constante dos autos e com as condições emocionais e psíquicas de que o arguido era portador, e constantes das informações levadas aos autos, não ter compreendido as ordens e instruções que lhe eram transmitidas.

8. Sendo que, por fim, na aplicação da medida concreta da pena o Tribunal A Quo, não teve em consideração a aplicação do cúmulo jurídico na determinação da sanção acessória de inibição de condução de veículos com motor, o que deve ser efectuado por via deste recurso em valor nunca superior a 10 meses.

9. A proceder a parte do recurso em que se pugna pela absolvição dos crimes de desobediência simples e qualificado por que foi condenado, sempre será desproporcional a medida da pena aplicada ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, devendo ser aplicada uma medida não superior a 3 meses de prisão, substituída por 100 horas de trabalho a favor da comunidade, aplicando-se a pena acessória não superior a 4 meses de inibição de condução de veículos com motor.

10. Também na improcedência "daquele pedido", atento o circunstancialismo supra referido e atentas o estado social, emocional, familiar e económico do arguido, que podem levar a compreender a causa da sua actuação, acreditamos que deve ser aplicada uma pena de prisão não superior a 4 meses por cada um dos 3 crimes, a que deverá corresponder uma pena única em cúmulo jurídico não superior a 8 meses de prisão substituídos por não mais de 240 dias de trabalho a favor da comunidade.

11. Respectivamente, acredita-se que a aplicação de uma pena acessória de inibição de condução de veículos com motor, correspondente a 4 meses por cada crime (dos dois em que tal pena acessória foi aplicada) e à pena única em cúmulo jurídico de 6 meses de inibição, trará mais equidade e justiça à actuação do arguido e suas causas justificativas / atenuantes.

12. NORMAS VIOLADAS: a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo violou, não as aplicando como deveria, designadamente, as normas contidas nos artigos 17.0; 40.0; 50.0; 71.0 e 77.0 do C.P. e 410.0 n.º 2 a) e c) do C. P. P.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de V.as Ex.as, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença sob censura, e substituindo-se esta por melhor Acórdão que:

a) Absolva o arguido dos crimes de desobediência simples e desobediência qualificada de que vinha acusado e porque foi condenado.

b) A proceder a parte do recurso em que se pugna pela absolvição dos crimes de desobediência simples e qualificada por que foi condenado, sempre será desproporcional a medida da pena aplicada ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, devendo ser aplicada uma medida não superior a 3 meses de prisão, substituída por 100 horas de trabalho a favor da comunidade, aplicando-se a pena acessória não superior a 4 meses de inibição de condução de veículos com motor.

c) Também na improcedência "daquele pedido", atento o circunstancialismo supra referido e atentas o estado social, emocional, familiar e económico do arguido, que podem levar a compreender a causa da sua actuação, acreditamos que deve ser aplicada uma pena de prisão não superior a 4 meses por cada um dos 3 crimes, a que deverá corresponder uma pena única em cúmulo jurídico não superior a 8 meses de prisão substituídos por não mais de 240 dias de trabalho a favor da comunidade.

d) Respectivamente, acredita-se que a aplicação de uma pena acessória de inibição de condução de veículos com motor, correspondente a 4 meses por cada uma dos dois crimes onde esta foi aplicada (desobediência simples e condução de veículo em estado de embriaguez) e à pena única em cúmulo jurídico de 6 meses de inibição, trará mais equidade e justiça à actuação do arguido e suas causas justificativas / atenuantes.


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Respondeu o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo defendendo que deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, ser mantida a sentença recorrida.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, acompanhando a resposta à motivação do recurso apresentada junto do tribunal recorrido.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido não respondeu.

Os autos tiveram os vistos legais.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta da sentença recorrida (por transcrição):

1. Factos Provados:

1. No dia 20 de Março de 2015, pelas 20h30, na Avenida Europa, via pública sita nesta cidade e comarca de Viseu, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (...) XE, registado em nome de B... , quando a patrulha do Destacamento de Trânsito de Viseu da GNR, devidamente identificada, composta pelo cabo C... e pelo guarda principal D... , deram ordem de paragem ao arguido com vista a procederem à sua fiscalização.

2. O referido cabo C... , no cumprimento das suas funções, solicitou ao arguido que efectuasse o exame de pesquisa de álcool por ar expirado, o que o arguido fez.

3. Porque o resultado daquele exame deu uma TAS de 2,73 g/l, o referido cabo informou o arguido da taxa apresentada e disse-lhe que tinha que proceder à realização de novo exame, desta vez em aparelho quantitativo.

4. Contudo, o arguido, deliberadamente, e apesar das várias explicações que lhe foram dadas quanto ao modo de realizar o teste e da advertência que lhe foi feita de que caso se recusasse a fazer o teste incorria na prática de um crime de desobediência, não fez sopros válidos e referiu ao cabo C... que já não soprava mais, o que fez.

5. O arguido bem sabia que, enquanto condutor, estava obrigado a submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool, designadamente a proceder à realização de novo exame de pesquisa de álcool no ar expirado, desta vez no aparelho quantitativo, porquanto havia apresentado um resultado positivo no exame que fez no aparelho qualitativo.

6. Ao impedir a sua submissão ao exame de pesquisa de álcool aparelho quantitativo, o arguido inviabilizou a determinação da concreta TAS de que era portador e agiu com o propósito concretizado de não respeitar a ordem que lhe foi dada, bem sabendo que devia obediência à mesma, por lhe ter sido regularmente comunicada e porque emanada de um agente de autoridade com competência para tal efeito.

7. O arguido, nessa mesma ocasião, foi devidamente notificado, pelo cabo C... , agente de autoridade com competência para o efeito, de que estava impedido de conduzir durante as 12 horas seguintes, do que o arguido ficou ciente.

8. Não obstante, o arguido, às 22h08 do mesmo dia, conduziu o já referido veículo automóvel na Av. Capitão Homem Ribeiro, que é uma via pública, sita nesta cidade e Viseu, com uma taxa de álcool no sangue registada de 2,53 g/l, a que corresponde o valor apurado, após dedução do erro máximo admissível, de 2,328 g/l, o que fez voluntária conscientemente, bem sabendo que a qualidade e a quantidade de bebidas alcoólicas que ingeriu até momentos antes de iniciar a condução determinar-lhe-iam necessariamente uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l.

9. Igualmente, não se absteve de conduzir o aludido veículo na via pública, ciente de que desrespeitava uma ordem que lhe fora pessoal e regularmente transmitida e que sabia ser legítima e provinda de autoridade com competência para a emitir.

10. O arguido agiu em todas as circunstâncias voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas relatadas actuações o faziam incorrer em responsabilidade criminal.

11. O arguido foi já sujeito ás seguintes condenações:

     Em 25.2.2008, pela prática de um crime de violação de domicílio e um crime de ofensa á integridade física, em pena de multa;

     Em 20.5.2009, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em pena de prisão substituída por multa;

     Em 7.7.2009, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de multa e pena acessória de 8 meses de proibição de conduzir;

12. O arguido está divorciado há cerca de 5 meses a esta parte.

13. O arguido trabalhou como comerciante de animais vivos, por conta própria durante muitos anos, actividade que cessou há cerca de 4 anos atrás, e depois passou a trabalhar por conta de outrem, em empresa ligada ao ramo da agricultura

14. O arguido teve esta actividade também até há cerca de 4 meses a esta parte, altura em que foi despedido, permanecendo desempregado desde então.

15. O arguido apresentou-se á insolvência em 28 de Outubro de 2014 e foi declarado insolvente.

16. Está actualmente inscrito no fundo de desemprego, auferido um subsídio diário de 11,18€, concedido por um período de 660 dias.

17. O arguido vive sozinho em casa arrendada, pela qual paga mensalmente a renda de 280,00€.

18. O arguido depende, actualmente, do subsídio de desemprego que aufere, e com ele suporta as despesas diárias que tem consigo.

19. Em termos de saúde, o arguido esteve internado no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar (...) , no período compreendido entre 26.3.2015 e 17.4.2015, na sequência de uma tentativa de suicídio por enforcamento, em contexto de quadro depressivo major reactivo a circunstâncias familiares e económicas, havendo em co-morbilidade, um exacerbar de hábitos etílicos de que o arguido padece há longa data.

2. Factos não provados:

Inexistem factos não provados.

3. A convicção do julgador:

Para afirmar os factos provados tiveram-se em consideração em primeira linha as declarações do arguido para afirmar o que se provou em 1), na parte em que admitiu a fiscalização nas circunstâncias de tempo e lugar aí enunciadas, quando conduzia; o que se provou em 2., na parte em que admitiu que lhe foi ordenado que efectuasse o exame de pesquisa e que, depois, acabou por recusar fazê-lo, ainda que se escudasse no seu estado para justificar a ausência de memória do que se passou depois de não querer fazer o teste; o que se provou em 7., na parte em que admitiu que o avisaram que não podia conduzir e que, ainda assim o fez e estava a desobedecer; o que se provou em 8., o comportamento livre e voluntarioso que presidiu à sua conduta e, finalmente, a sua situação pessoal e de saúde, nos termos provados de 12) a 19). Complementou-se o que disse, em termos documentais e relativamente ao seu estado de saúde, com a informação clínica solicitada em audiência ao departamento de psiquiatria do Centro Hospitalar (...) , documento onde se descreveu em pormenor o estado de saúde do arguido, tal qual se elencou em 19; quanto á sua situação de insolvência, com o documento de fls. 69 a 71, e quanto à situação de desemprego, com o documento de fls. 72.

Teve-se ainda em consideração o depoimento da testemunha C... , elemento da GNR que fiscalizou o arguido no dia 20 de Março de 2015, pelas 20h 30 e que, confirmando o que fez constar no auto de notícia, a que também se atendeu, afirmou o que se provou em 1), 2), 3) e 4). Das suas declarações resultou ainda a afirmação de que o arguido ficou ciente da obrigação de se submeter ao exame e que, porque assim o quis, manifestando-o, recusou-se a fazê-lo, nos termos provados em 5). Resultou também das declarações desta testemunha, em particular das circunstâncias dinâmicas da interacção com o arguido, o que se provou em 6), assim como o que se provou em 7).

O que esta testemunha disse foi complementado com o registo documental de fls. 31, 32 e 33, este último representativo do resultado qualitativo que motivou a necessidade de efectuar exame quantitativo que o arguido veio a recusar e, bem assim com a notificação assinada pelo arguido, de fls. 9, onde esta também expressa a advertência e consequências penais que advinham para o arguido caso conduzisse.

Interveio também com o arguido, fiscalizando-o, a testemunha E... , elemento da PSP. Também ele, por via dos conhecimentos que advieram dessa intervenção, afirmou o que se veio a provar em 8., complementando-se o que disse, quanto á concreta TAS, o talão de controle de fls. 3.

Da ponderação destes meios de prova com as declarações do arguido, ficou claro que o arguido estava ciente da qualidade das pessoas que o abordaram, da qualidade em que agiam e da legitimidade para praticarem os actos de fiscalização que praticavam, incluindo aqueles de advertência do arguido para não conduzir e para cominar consequências para a desobediência. Por outro lado, pese embora as reservas que, em audiência, foram postas relativamente ao facto de o arguido poder ter, ou não ter, consciência de que estava a praticar o crime de desobediência ao conduzir depois de advertido para não o fazer, ficou claro para o julgador, por um lado, que o arguido espontaneamente respondeu, como se disse, que se sabia que não podia conduzir, assim como que, ao fazê-lo, estava a desobedecer. Por outro lado, a testemunha C... descreveu um estado físico do arguido compatível com a existência de capacidades perceptivas e compreensivas, o que explica a resposta do arguido.

Por isso, neste contexto, sopesadas as regras da lógica, a conduta do arguido revela inequivocamente o comportamento livre e intencionalmente voluntarioso do arguido nos termos provados em 9) e 10).

Finalmente, o passado criminal do arguido resultou do CRC de fls. 40 a 47.


***

APRECIANDO

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem das respectivas motivações, de acordo com o estabelecido no artigo 412º, n.º 1 do CPP, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.

In casu, o recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, imputando à sentença recorrida os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, previstos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, concluindo que deve ser absolvido quanto aos crimes de desobediência simples e de desobediência qualificada.

A manter-se inalterada a matéria de facto, considera o recorrente que as penas parcelares de prisão efectiva e única fixadas são excessivas, as quais não devem ser superiores a 4 meses, por cada um dos três crimes, a que deverá corresponder, em cúmulo jurídico, uma pena única não superior a 8 meses de prisão, substituídos por não mais de 240 dias de trabalho a favor da comunidade.

Finalmente, quanto às penas acessórias de proibição de conduzir em que o arguido foi condenado pela prática dos crimes de desobediência simples e de condução de veículo em estado de embriaguez, entende o recorrente que deverão ser reduzidas para 4 meses, por cada um dos dois crimes e, em cúmulo jurídico ser fixada a proibição de conduzir, pelo período de 6 meses; redução esta que “trará mais equidade e justiça à actuação do arguido e suas causas justificativas/atenuantes”.


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A-

Alega o recorrente que “analisados as declarações do arguido e os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, pugna-se pela alteração da matéria de facto, quanto à consciência dos factos e da ilicitude pelo arguido no momento em que não efectuou mais sopros válidos para a efectivação do teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, e no momento em que decidiu conduzir após “notificado” de que, durante 12 horas, não o poderia fazer”.

Como sabemos, a matéria de facto pode ser sindicada através da invocação dos vícios a que alude o n.º 2 do artigo 410º do CPP, ou mediante a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo Código.

In casu o recorrente vem questionar a apreciação da prova produzida e examinada em audiência, impugnando parte da matéria de facto que foi dada como assente na decisão recorrida.

No que concerne a tal impugnação, como estabelece o n.º 3 do art. 412º do CPP «Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) as provas que devam ser renovadas.»

e, nos termos do n.º 4 «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação».

Acontece, que o recorrente não impugnou a matéria de facto de acordo com o disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado preceito.

Assim,

- quanto aos “concretos pontos de facto” que considera incorrectamente julgados, indicou os pontos 4, 5, 6, 7 e 10;

- quanto às “concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida” referiu as suas declarações que prestou em audiência e o depoimento das testemunhas C... e E... , respectivamente elementos da GNR e da PSP que o fiscalizaram, tendo efectuado um resumo de tais declarações e depoimentos;

- todavia, estando gravada a prova produzida em audiência, não indicou o recorrente as passagens da gravação com que fundamenta a impugnação, tendo-se limitado a mencionar o início e o fim da gravação (ainda que com lapso quanto ao fim do depoimento da testemunha C... que ocorreu às 15:31:12 e não às 15:13:12). Com efeito, atenta à gravação em CD, não estava o recorrente impedido de concretizar as passagens da gravação de tais declarações e depoimentos, porquanto no CD se visualiza, relativamente a cada depoimento, não só a duração integral do mesmo, como os minutos e segundos que vão correndo ao longo do mesmo, de forma a identificar o momento exacto em que cada declaração foi produzida.

Acontece que, o tribunal de recurso não procede a um novo julgamento, incumbindo-lhe apreciar se uma questão decidida pelo tribunal de que se recorreu foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes.

A Lei n.º 48/2007, de 29.8, mudou profundamente o regime de impugnação da matéria de facto. O legislador teve dois objectivos: tornar mais exigente a especificação dos pontos de facto impugnados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida no recurso da decisão sobre a matéria de facto e pôr cobro ao dever de transcrição dos registos gravados. O novo regime articula-se com as regras novas sobre a documentação das declarações prestadas na audiência e o acesso dos sujeitos processuais a esta documentação. ([1])

Como anteriormente já havia decidido o STJ (por acórdão de 24-10-2002, no proc. 2124/2002, disponível in www.dgsi.pt): “… o labor do Tribunal da 2ª Instância num recurso da matéria de facto não é uma indiscriminada expedição determinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (…) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida (art. 412º, n.º 3, als. a), b) e c) do CPP) e levam à transcrição (n.º 4 do art. 412º do CPP).

Se o recorrente não cumpre esses deveres não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe foi pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados, com referências às provas e respectivos suportes”.

Acresce que, não podendo a motivação ser corrigida, mas sim as conclusões, como dispõe o n.º 3 do artigo 417º do CPP, não tinha a relatora de convidar o recorrente a aperfeiçoar a motivação do recurso quanto à matéria de facto.

Por conseguinte, não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto de acordo com o estabelecido no n.º 4 do citado artigo 412º, tem-se como definitivamente assente a factualidade fixada pelo tribunal de 1ª instância, estando este tribunal de recurso impossibilitado de a alterar, conforme o disposto no artigo 431º, al. b), do Código de Processo Penal, isto sem prejuízo da eventual alteração decorrente da existência dos vícios a que alude o artigo 410º do CPP (vícios que também foram invocados pelo recorrente).

Efectivamente, sustenta o recorrente que a sentença sob apreciação enferma dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, concluindo que deveria ter sido absolvido quanto aos crimes de desobediência simples e de desobediência qualificada.

Para fundamentar tais vícios alega que “o tribunal a quo não consegue explicar como ultrapassa, para a condenação do arguido, o facto de existir a possibilidade deste, portador da taxa de alcoolemia constante dos autos e com as condições emocionais e psíquicas de que o arguido era portador, e constantes das informações levadas aos autos, não ter compreendido as ordens e instruções que lhe eram transmitidas”.

Ora, a existência de tais vícios, tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida na sua globalidade, sem recurso a elementos externos, ou seja, não pode o tribunal de recurso socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo.

Importará referir que o artigo 410º do CPP, que alude aos vícios da decisão recorrida, está intimamente ligado aos requisitos da sentença previstos no artigo 374º, n.º 2 do mesmo diploma, concretamente à exigência de fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal.

O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o Tribunal recorrido deixou de investigar matéria de facto relevante de tal forma que o que foi apurado não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação, deixando de observar o dever da descoberta da verdade material.

O Prof. Germano Marques da Silva fala em “lacuna” no apuramento da matéria de facto.

Quanto ao erro notório na apreciação da prova, porque violador dos dados do conhecimento público generalizado, consiste em erro de tal modo evidente que não escapa ao comum dos observadores. Estar-se-á perante tal erro quando da leitura da decisão impugnada, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, se conclua que os factos nela dados como provados não podem ter acontecido ou que os factos dados como não provados não podem deixar de ter acontecido, isto é, quando os factos dados como provados e/ou como não provados se revelam inequivocamente desconformes, impossíveis, ou seja, quando aqueles traduzem uma situação fáctica irreal ou utópica – (acórdão do STJ, de 11-3-2004, proferido no recurso 2674/02 deste TR).

Como resulta da fundamentação da matéria de facto, o Tribunal a quo formou a sua convicção com base nas declarações do arguido, do depoimento das testemunhas C... e E... e, bem assim, considerou os documentos juntos aos autos, que enumerou; sendo que, relativamente a cada um dos pontos dados como assentes indicou a prova que lhe serviu de base, tendo efectuado uma análise crítica da mesma.

Acresce, que a fundamentação de facto, quer na enumeração dos factos provados, quer na motivação de facto, não apresenta qualquer erro, ou qualquer facto contrário às regras da lógica e da experiência comum, de que qualquer cidadão com formação média logo se aperceba e, é suficiente para a decisão de direito encontrada, pelo que improcedem os alegados vícios.

Acontece, que o recorrente confunde tais vícios com uma diferente convicção probatória sobre a suficiência da prova e a credibilidade dos meios de prova apreciados em julgamento. No fundo, o recorrente impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo-se da regra da livre apreciação da prova prevista no art. 127º do CPP.

Procedeu este Tribunal à audição das declarações do arguido e do depoimento das aludidas testemunhas, tendo-se constatado que a fundamentação da decisão de facto está conforme com a prova produzida em julgamento.

Na verdade, apesar do seu estado de embriaguez, dos seus problemas familiares e que, quando foi fiscalizado nos dois momentos, demonstrasse a sua preocupação em carregar o telemóvel para fazer uma chamada, não pode o recorrente concluir que “São os militar da GNR e agente da PSP quem afirma que, pese embora eles tenham procedido às regulares e normais explicações e notificações ao arguido, não podem assegurar que ele as tivesse compreendido dado o estado de embriaguez e dada a obsessão relatada”.

Este tribunal não alcançou tal conclusão.

Desde logo, refere o arguido em audiência: “lembra-se de eles o terem mandado parar e mandado soprar”, “à noite lembra-se de ter sido fiscalizado”, “eles disseram que estava desobediente”, “recorda-se de eles o terem avisado que não podia pegar no carro durante 12 horas”, “pegou no carro para ir carregar o telemóvel, sabia que tinha bebido antes e que não estava bem e sabia que se soprasse no balão, iria ser julgado”, “as pessoas que o fiscalizaram nas duas vezes, não foram os mesmos”, “sabia que estava a desobedecer, na segunda volta, só que estava pertinho de casa”.

Ainda, a testemunha C... , elemento do Destacamento de Trânsito da GNR de Viseu, declarou em audiência: “fiscalizaram o veículo e os documentos e solicitaram que fizesse o teste do álcool”, “no aparelho qualitativo conseguiu soprar e, em virtude de haver indícios foi informado que teria de fazer o teste num aparelho quantitativo”, “fez algumas tentativas, e houve uma altura em que o arguido disse que não soprava mais. Ele recusou-se”, “foi advertido que se não soprasse incorreria num crime de desobediência e, ele respondeu: faça o que tem a fazer, que eu não faço mais nada, leve-me preso”, “ele foi notificado de que estava proibido de conduzir durante 12 horas, e que podia incorrer em desobediência qualificada, tendo ele assinado a notificação”, “ele estava atento ao que dizia, e não deu a entender que não compreendia o que estava a ser dito”.

Por sua vez, a testemunha E... , elemento da PSP de Viseu declarou em audiência: “o arguido recusou-se, na altura, a fazer o teste qualitativo, mas prontificou-se a ir à Esquadra para fazer o teste quantitativo”, “ele disse que foi interceptado pela GNR, que sabia que não podia conduzir, mas que o fez só para ir carregar o telemóvel”, “aparentava alguma confusão, um pouco perturbado, e falou sobre assuntos familiares”, “acha que ele sabia que o facto de conduzir era crime”, “ele sabia que tinha sido interceptado pela GNR e que não podia conduzir durante 12 horas”, “ele sabia que estava alcoolizado”.

Entendemos que da conjugação de tais declarações e depoimentos se deverá concluir que, o arguido sabia que naquela noite foi fiscalizado, por duas vezes, e por agentes diferentes. Num primeiro momento, e apesar da confusão em que se encontrava, sabia que estava perante uma ordem legítima que lhe foi dada, tendo-se o arguido recusado a submeter às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool, depois de devidamente advertido para as consequências da sua recusa, concretamente que incorreria na prática de um crime de desobediência (reconhecendo que se tratava de um agente de autoridade ao dizer-lhe: eu não faço mais nada, leve-me preso) e, notificado de que não poderia conduzir durante 12 horas e, que se o fizesse incorreria num crime de desobediência qualificada; o que efectivamente veio a acontecer, tendo o arguido sido fiscalizado nesse segundo momento.

Deste modo, estando preenchidos os elementos típicos dos crimes de desobediência simples, de desobediência qualificada e de condução do veículo em estado de embriaguez, impunha-se a condenação do arguido (ora recorrente) pela prática dos mesmos.


*

B-

Sustenta o recorrente que as penas parcelares de prisão efectiva e única fixadas são excessivas, as quais não devem ser superiores a 4 meses, por cada um dos três crimes, a que deverá corresponder, em cúmulo jurídico, uma pena única não superior a 8 meses de prisão, substituídos por não mais de 240 dias de trabalho a favor da comunidade.

Quanto às penas principais, foi o arguido condenado:

- pela prática de um crime de desobediência simples p. e p. pelos artigos 348°, n.º 1, al. b), e 69°, n.º 1, al. c) do Código Penal, e 152º, n.º 1, al. a) do Código da Estrada, na pena de 6 meses de prisão;

- pela prática de um crime desobediência qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 154º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, e 348.º, n.º 1, al. a) e 2, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;

- pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 292º, n.º 1, e 69º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão;

e, em cúmulo jurídico, na pena única de 16 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar nos termos e conduções que vierem a ser estabelecidos pela DGRSP.

São tais crimes puníveis, em abstracto:

- a desobediência simples, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias;

- a desobediência qualificada, com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias;

- a condução de veículo em estado de embriaguez, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

Como é sabido, para a determinação da medida concreta da pena há que fazer apelo aos critérios definidos pelo artigo 71º do Código Penal, nos termos do qual, tal medida será encontrada dentro da moldura penal abstractamente aplicável, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.

Deste modo, o juiz conforme a natureza do facto punível, a sua gravidade e a forma de execução, aplicando o direito, escolhe uma das várias possibilidades legalmente previstas.

No entanto, em caso algum, a pena poderá ultrapassar a medida de culpa do agente, concretamente revelada, correspondendo o limite superior da pena ao máximo grau de culpa e, o limite mínimo aquele abaixo do qual se não respeitam as expectativas da comunidade (art. 40º, n.º 2 do C.Penal).

Repetimos, não pode apenas atender-se à culpa e à sua medida, impôs o legislador que a determinação concreta da pena seja feita também em função da prevenção.

Na decisão sob crítica, e atendendo ao estabelecido nos artigos 40º e 70º do CP de que o tribunal deve preferir a pena não privativa da liberdade, desde que esta se mostre adequada e suficiente às finalidades da punição, optou-se pela pena de prisão, pena de prisão que, aliás, não foi questionada pelo recorrente, antes se pronunciando quanto à sua medida que considerou exagerada.

Ainda o Tribunal “a quo” na determinação da medida concreta das penas, tendo em conta o citado artigo 71º, efectuou a seguinte ponderação:

«O arguido foi já condenado pela prática 3 crimes, sendo um deles por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, no ano de 2009.

As necessidades de prevenção demandam que a pena concreta, mínima, seja substancialmente superior ao mínimo legal.

Partindo daí, no aspecto da ilicitude, que é o juízo de valor formulado pela ordem jurídica sobre o comportamento que a pôs em causa como ordem global - tendo como elemento constitutivo essencial o bem jurídico protegido – esta é elevada, atenta a sua efectiva lesão e a activa tentativa de o arguido se eximir à fiscalização, sendo patente o estado de influência alcoólica em que se encontrava.

É também elevada por via da quase imediata desobediência à ordem de não conduzir, por via do estado de influência alcoólica em que se encontrava. Esta TAS, que como se veio a constatar, era superior a 2 gramas por litro, espelha a proporcional ilicitude no que ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez diz respeito, a que acresce o ambiente urbano, potencialmente mais perigoso em que decorreu a condução e a hora em que esta foi executada: à noite, a exigência dos sentidos é superior.

Estas mesmas circunstâncias, juntamente com um dolo directo, mais intenso, relevam particular e censurável vontade de agir contra os impositivos legais e, nessa medida, uma culpa maior.

Já no âmbito da influência previsível da pena, há que ter em conta a assunção, quase integral, dos factos pelo arguido, reveladores de adequada consciência crítica, e o particular contexto da sua prática, que pese embora não se deva ao acaso, não deixa de tornar mais compreensível a conduta do arguido. Ainda assim, não é de excluir o risco de reincidência neste tipo de condutas se os hábitos de consumo de bebidas alcoólicas não se dissiparem

Tudo ponderado, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao arguido, pela prática do crime de desobediência simples, a pena de 6 meses de prisão, pelo crime de desobediência qualificada, a pena de 10 meses de prisão e, pelo crime de condução sem habilitação legal, a pena de 8 meses de prisão.»

Acresce que, tendo em conta o disposto no artigo 77º do CP, considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, procedendo ao cúmulo jurídico das penas (com o limite máximo de 24 meses e o limite mínimo de 10 meses) entendeu o tribunal como adequada a pena única de 16 meses de prisão.

Como verificamos da transcrição efectuada, a sentença recorrida sopesou todos aqueles factores com influência na escolha e na medida concreta da pena.

Salienta-se ainda a circunstância de o arguido, em data anterior, já ter praticado crime de condução de veículo em estado de embriaguez, devendo atender-se à concreta taxa de álcool de que o arguido era portador.

Há, assim, que concluir pelas especiais razões de prevenção especial tradu­zida na necessidade de fazer o arguido interiorizar a gravidade das suas condutas e de prevenção geral, pela frequência com que se vem repetindo este tipo de crimes e pelas suas nefastas consequências.

Com efeito, sendo premente a segurança rodoviária, há um sentimento geral no sentido de combater todos os comportamentos que possam contribuir para a sinistralidade das nossas estradas.

Em conformidade, ponderado todo o circunstancialismo, nenhum reparo nos merece a sentença recorrida quando aplicou as referidas penas parcelares (de 6, 10 e 8 meses de prisão).

Todavia, quanto à pena única (de 16 meses de prisão), atendendo a que os três crimes foram cometidos no espaço de 1h e 38m, afigura-se-nos que poderá ser reduzida para 12 (doze) meses de prisão.

Ora, concorda o recorrente que a pena de prisão seja substituída por trabalho a favor da comunidade, sendo que esta pena de substituição prevista no artigo 58º do Código Penal realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Na certeza, porém, que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade será revogada se se verificarem as situações previstas no n.º 2 do artigo 59º do CP.

Esta pena consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade; cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas; não pode prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável e, só pode ser aplicada com a aceitação do condenado (n.ºs 2 a 5 do citado preceito).

Em conformidade, de acordo com o n.º 3 do citado artigo 58º, tendo sido fixada a pena única em 12 meses de prisão e, sendo cada dia de prisão substituído por uma hora de trabalho, fixa-se a medida da pena de trabalho a favor da comunidade em 360 horas.

Deverá esta pena ser cumprida nos termos e condições que vierem a ser definidas pela DGRSP, devendo ainda observar-se os procedimentos necessários à execução da mesma a que alude o artigo 496º do CPP.


*

C-

No que respeita às penas acessórias de proibição de conduzir em que o arguido foi condenado pela prática dos crimes de desobediência simples e de condução de veículo em estado de embriaguez, com a duração de 8 meses cada uma (em cúmulo material, a proibição de conduzir pelo período de 16 meses), entende o recorrente que deverão ser reduzidas para 4 meses, por cada um dos dois crimes e, em cúmulo jurídico ser fixada a proibição de conduzir, pelo período de 6 meses.

Aplica-se a esta pena os mesmos critérios legalmente exigíveis para a fixação da pena principal.

A pena acessória de proibição de conduzir traduz-se numa verdadeira pena, dotada de moldura penal própria, estabelecida entre limites mínimo e máximo, dentro dos quais tem o julgador que determinar a que se adequa ao caso concreto, em obediência ao disposto no artigo 71º do CP. Está tal pena dependente da pena principal, resultando de ambas uma dupla condenação, que tem a sua razão de ser no aumento da sinistralidade rodoviária decorrente do abuso do álcool.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias ([2]) o pressuposto material de aplicação da pena acessória referida no artigo 69º do CP prende-se com o exercício da condução quando se tenha revelado, no caso concreto, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do facto. Por isso à proibição de conduzir deve assegurar-se também um efeito geral de intimidação que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro dos limites da culpa. Por fim, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.

De igual modo, no caso vertente, para a aplicação da pena acessória prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 69º do CP, relevante em termos de culpa foi a recusa do arguido em submeter-se às provas legalmente estabelecidas para a detecção de condução de veículo sob o efeito do álcool, estabelecendo este preceito que a proibição de conduzir veículos com motor tem a duração mínima de 3 meses e máxima de 3 anos.

Ora, partindo do pressuposto que as referências de prevenção exigem que a aplicação do limite mínimo da pena acessória se verifique apenas nas situações em que a dimensão da ilicitude também se situa no limite mínimo, há que ponderar o facto de o arguido ter agido com dolo directo e de que o grau de ilicitude é elevado, sendo que a taxa de álcool se situa 1,12 g/l acima do limite que separa o ilícito criminal da contra-ordenação.

Por outro lado, deveremos ter presentes as prementes necessidades de prevenção geral, face ao elevado número de acidentes causados por condutores sob a influência do álcool; e atender ao facto do arguido contar 53 anos de idade, de já ter sofrido uma condenação em pena de multa, pela prática, em 2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez; considerando ainda relevantes, as suas situações pessoal, familiar e profissional, dadas como provadas.

Deste modo, entendemos que o arguido ainda poderá beneficiar de uma redução do período de proibição, afigurando-se-nos como proporcional e adequado fixar em 6 (seis) meses a duração da cada pena acessória.

Pretende o recorrente que seja efectuado o cúmulo jurídico quanto às duas penas acessórias de proibição de conduzir, necessariamente segundo as regras definidas pelo artigo 77º do Código Penal, ao invés do que decidiu a sentença recorrida, que as cumulou materialmente.

Ora, não há norma expressa que preveja esta situação, designadamente o citado artigo 77º, e, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores têm-se dividido quanto à questão de saber se as penas acessórias aplicadas aos crimes em concurso devem ser material ou juridicamente cumuladas.

Entendemos que deve ser efectuado cúmulo jurídico, de acordo com o decidido pelo STJ, no Acórdão proferido em 31-10-2012, no proc. 15/08.0GAVRL.P1.S1, sendo o relator, o Conselheiro Oliveira Mendes, de que “As penas acessórias são verdadeiras penas. Assim sendo, são aplicáveis às penas acessórias (a todas elas), com as devidas adaptações, as disposições dos arts. 77º e 78º do CP”.

Os que defendem o cúmulo material invocam o disposto nos artigos 77º, n.º 4 (as penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis) e 78º, n.º 3 (as penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior), ambos do Código Penal, por considerarem que do elemento literal destas normas resulta a impossibilidade de haver cúmulo jurídico das várias penas acessórias.

Como salienta o Prof. Faria Costa ([3]) «a tarefa de interpretação penal apenas se inicia com o recurso àquele elemento hermenêutico, o texto-norma – por certo importante, mas, seguramente, não o único para se levar a cabo uma consequente, adequada e correcta interpretação (…)». E acrescenta, «A pena acessória é uma pena e como pena que é, apresenta-se como consequência jurídica de um restrito número de factos típicos com relevância penal, residindo a sua especificidade no facto de a sua aplicação se encontrar inexoravelmente dependente da aplicação da pena principal. Não obstante a necessidade desta condição formal, de que não se pode prescindir em caso algum, ela é, por si só, insuficiente, porquanto a sua aplicação há-de ainda encontrar justificação em uma razão material ou substancial, qual seja um particular conteúdo de ilícito que justifique materialmente a sua aplicação. Isto é, através delas tem-se como objectivo dirigir ao condenado uma especial censura pelas circunstâncias em que o crime foi praticado.»

Ora, com redacção dada ao artigo 69º do CP pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, passou a pena acessória de proibição de conduzir a não depender de quaisquer outras circunstâncias que justifiquem a necessidade da sua aplicação, sendo sempre aplicada cumulativamente com a pena principal aplicada aos crimes enumerados no n.º1 do artigo. Daí que, sem que se questione a sua classificação como pena acessória, se destaque a sua especificidade em relação às penas acessórias em geral, como uma verdadeira pena acessória cumulativa (Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, III, 2008, p. 82), ou como uma pena complementar da pena de prisão ou multa cominada no artigo 292º, aplicável sempre que existir condenação por este crime – cfr. Ac. RC de 9-9-2009, in www.dgsi.pt.

Ambas as penas – principal e acessória – assentam num juízo de censura global pelo crime praticado, pelo que, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tal como a pena de prisão e a multa, deve ser graduada dentro dos limites legais, ou seja, entre 3 meses e 3 anos, atendendo aos critérios e factores mencionados no artigo 71.º do Código Penal vigente, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo por base “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

Acompanhando a argumentação do citado Acórdão do STJ, de 31-10-2012, pode ler-se no mesmo: «Como referiu o Professor Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora do Código Penal (em resposta a dúvida suscitada pelo Conselheiro Osório sobre a denominação a dar ao Capítulo relativo às penas acessórias, posto que, no entendimento deste, atribuindo-se-lhe a denominação de penas, a sua aplicação teria de ficar subordinada ao princípio da culpa, o que lhe parecia inconveniente), a aplicação da pena acessória traduz-se num mal para o delinquente e, por conseguinte, não pode deixar de traduzir-se em uma verdadeira pena ([4]).

No mesmo sentido se pronuncia o Professor Figueiredo Dias ao considerar que as penas acessórias se encontram indissoluvelmente ligadas ao facto praticado e à culpa do agente, possuindo uma moldura penal específica, sendo a sua medida concreta encontrada de acordo com os critérios gerais de determinação das penas ([5]).

Assim sendo, como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Junho de 2006, publicado na CJ (STJ), XIV, II, 223, são aplicáveis às penas acessórias (a todas as penas), com as devidas adaptações, as disposições dos artigos 77º e 78º, do Código Penal.

Há pois que proceder ao cúmulo jurídico das penas acessórias impostas ao arguido AA.

Na determinação da medida da pena conjunta, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 77º do Código Penal, são.»

No caso vertente, foi o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pela prática de um crime de desobediência simples e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo sido alterado no presente acórdão, a respectiva duração, para 6 meses, em cada uma das penas acessórias.

Nestes termos, procedendo ao cúmulo jurídico de tais penas acessórias, de acordo com o estabelecido no n.º 1 do artigo 77º do CP, considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo-se em conta o número, espécie e gravidade dos factos, a proibição de conduzir veículos com motor terá a duração de 9 (nove) meses.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência:

  a) mantendo-se as penas parcelares aplicadas ao arguido A... , pela prática de um crime de desobediência simples, de um crime de desobediência qualificada e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, fixa-se a pena única em 12 (doze) meses de prisão, substituída por 360 horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar nos termos e condições que vierem a ser estabelecidos pela DGRSP;

   b) fixa-se em 6 (seis) meses a duração da cada pena acessória e, em cúmulo jurídico, a proibição de conduzir veículos com motor terá a duração de 9 (nove) meses;

   c) no mais, mantém-se a sentença recorrida.

Sem custas (artigo 513º, n.º 1 do CPP, na redacção dada pelo DL n.º 34/2008, de 26.02).


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Coimbra, 16 de Dezembro de 2015

(Elisa Sales - relatora)

(Paulo Valério - adjunto)


[1] - Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª ed., Univ. Católica Editora, pág. 1131.
[2] - Consequências Jurídicas do Crime, pág. 165.
[3] - in “Penas acessórias: cúmulo jurídico ou cúmulo material, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 136.º, n.º 3945, Julho-Agosto 2007, p. 323 e segs).
[4] - Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal – Parte Geral, fls.103/104.

[5] - Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 181.