Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
163/07.4PECBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: FURTO QUALIFICADO
CRIME CONTINUADO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA DA PENA
PRISÃO
Data do Acordão: 04/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 203º,204º, 30º, Nº2, 70º E 72º DO CP
Sumário: 1.A norma do artigo 30º, nº2 do CP vai buscar o seu fundamento à diminuição considerável da culpa do agente em virtude da facilidade criada por determinadas circunstâncias exteriores para a prática de novos actos da mesma natureza.
2.O quadro da solicitação de uma mesma situação exterior só releva nos termos do nº2 do artigo 30º do CP se for de um grau considerável, a ponto que constituir quase que um estímulo, face ao sucesso anterior, para a repetição da actividade criminosa, e tornando por isso cada vez menos exigível ao agente que se comporte de modo diferente, de acordo com o direito

3.A atenuação especial da pena só se coloca em casos verdadeiramente excepcionais, quando, face aos factos provados, se conclua pela existência de circunstâncias que, em princípio, indiciam uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, conduzindo assim à substituição da moldura penal original por uma mais leve.

4. A pena não privativa da liberdade não realiza de forma adequada e suficiente as finalidade da punição (finalidades preventivas) quando o agente após a prática dos factos delituosos (crime de furto) continuou a praticar crimes de furto e de roubo, por que foi condenado.

Decisão Texto Integral:
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Em processo comum colectivo da Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, por acórdão de 09… 2003, foi, no que para os presentes autos interessa, decidido condenar o arguido L, pela prática de três crimes de furto qualificado p. e p. pelo artº 204º f) CP, na pena de 1 ano 3 meses de prisão, para cada um deles, pela prática de dois crimes de furto simples p. e p. no artº 203º CP, na pena de 6 meses de prisão para cada um deles, pela prática de um crime de furto uso p. e p. pelo artº 208º CP, na pena de 5 meses de prisão e pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artº 210º nº 1 CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico foi o referido arguido condenado na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão.
Inconformado, o arguido veio interpor recurso, concluindo:
“A) Por douto acórdão datado de 24 de Novembro do corrente ano, foi a douta acusação pública proferida contra o recorrente julgada parcialmente procedente, atenta a alteração da qualificação jurídica, e em consequência foi o mesmo condenado na pena única de três anos e nove meses de prisão pela prática de três crimes de furto qualificado, dois crimes de furto simples, um crime de furto de uso e outro de roubo, previstos e punidos, respectivamente, nos termos da alínea f) do nº.1 do art. 204°, 203°, 208° e 210 nO.1, todos do Código Penal.
B) Paralelamente, foram os pedidos cíveis deduzidos pelas demandantes "Centripneus" e "CHC, EPE" declarados parcialmente procedentes.
C) O presente recurso versa unicamente sobre matéria de Direito, relativa a uma eventual nulidade, erro na aplicação de norma legal e à execução da pena de prisão aplicada, resultado da não aplicação do instituto da suspensão.
D) Mostra-se consagrado no nº 2 do art. 30° CP o entendimento segundo o qual constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente". Aliás,
E) para haver crime continuado não é requisito essencial que se trate do mesmo tipo de crime, podendo ter-se em consideração outros que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, a não ser assim, não faria sentido o teor do nº 1 do art. 79° CPI
F) No presente caso entende-se que se verifica crime continuado em relação a dois dos crimes de furto qualificado (os praticados no departamento de Medicina dentária dos HUC), os quais constituiriam um só, e entre os dois crimes de furto simples.
G) Na verdade, trata-se do mesmo tipo de crime em ambos os casos, protegendo, necessariamente o mesmo bem jurídico, a propriedade havendo, igualmente uma conexão temporal e identidade de "vítimas lesadas".
H) Foram igualmente os crimes executados de forma essencialmente homogénea e no quadro de uma solicitação exterior que diminui a culpa do recorrente.
I) Temos assim que em relação a cada um dos pares de crimes se afigura uma continuação criminosa, razão pela qual deveria o arguido, em razão dos furtos cometidos em estabelecimentos de saúde, ter sido condenado por dois crimes de furto qualificado, sendo um na forma continuada.
J) No tocante aos furtos de combustível, deveria o recorrente ter sido unicamente condenado por um furto simples na forma continuada.
K) Nos termos do art. 70° CP, "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
L) Os crimes pelos quais se mostra o recorrente condenado, à excepção do crime de roubo são punidos com pena de prisão ou multa.
M) O Tribunal a quo equacionou a condenação em pena de multa, optando todavia pela não aplicação, invocando os antecedentes criminais registados pelo recorrente, pelo que, assim, a multa não salvaguardaria suficientemente as finalidades da punição.
N) Entende o recorrente que, a condenação em multa realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O) Requerendo-se assim a substituição das condenações em pena de prisão pela prática dos crimes de furto qualificado, furto simples e furto de uso em pena de multa.
P) A prática dos factos apenas se terá dado atento o quadro de consumo de estupefacientes, tendo a dependência dos mesmos contribuído decisivamente para a resolução criminosa.
Q) Ao longo de todo o processo, sempre o recorrente assumiu uma postura de colaboração processual, não tendo retirado qualquer proveito significativo, tudo tendo feito para reparar o mal feito.
R) E tal reparação, com a obtenção da maior parte do material furtado e roubado, não deixa de atenuar significativamente as exigências de prevenção geral, uma vez que a restabilização contrafáctica do valor da norma sempre se mostra desde já operada pela detenção, submissão a julgamento e condenação do arguido.
S) De facto, mostra-se desde logo preenchido o requisito vertido na alínea c) do n°.2 do art. 72° CP, justificando-se assim a aplicação de tal instituto.
T) A aplicação do instituto da atenuação especial já se mostrava alegada na contestação apresentada, a fls. 11, arts. 84° e 85° e 14 ponto 3, pese embora a fls. 2 in fine do douto acórdão se não dê cabal cumprimento ao teor da alínea d) do nº1 do art. 374° CPP.
U) Entende-se que padece o douto acórdão condenatório de nulidade, nos termos da alínea c) do art. 379° CPP, uma vez que deveria ter conhecido de tal questão, por a mesma lhe ter sido apresentada. Razão pela qual, desde já a mesma se alega.
V) O ora recorrente foi condenado em prisão efectiva, mostrando-se no douto acórdão recorrido que a razão da não opção pela pena de multa e não suspensão da execução da pena de prisão se prendeu com as condenações que tem averbadas no seu registo criminal.
W) Todavia, como bem se salienta no douto acórdão condenatório, tais condenações são todas elas posteriores à data da prática dos factos objecto do presente processo e pelos quais se mostra doutamente condenado.
X) Para mais foram os factos pelos quais se mostra agora doutamente condenado igualmente todos eles praticados em momento anterior aos factos que suportaram as demais condenações, como se depreende desde logo do ponto 9 do douto acórdão, a fls. 7.
Y) Temos assim que, aquando da prática do primeiro facto tipificado como crime no âmbito do presente processo, mostrava-se o arguido primário.
Z) Pese embora o aparente teor literal dos nº 1 do art. 50° e nº 2 do art. 71° CP, entende-se por inconstitucional o entendimento vertido no douto acórdão condenatório, no sentido de se poderem ter em consideração, simultaneamente, para efeitos quer de escolha e determinação da medida da pena quer de aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão a aplicar, factos posteriores aos da prática dos crimes pelos quais se mostra o arguido condenado.
AA) Na verdade, mostra-se o ora recorrente vítima da "morosidade" do presente processo ou desenvolvimento anormal dos demais processos, não se podendo esquecer que também em relação a este processo tem o arguido o direito a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, como se mostra consagrado no nº 2 do art. 32° CRP.
BB) Razão pela qual se entende como violador dos seus direitos processuais, constitucional e legalmente consagrados o entendimento segundo o qual poderão ser tomados em consideração, duplamente para efeitos de escolha e determinação da pena e aplicação de tal instituto, os factos posteriormente ocorridos.
CC) Para mais quando tal constituirá violação do princípio non bis in idem, uma vez que foi tido em conta para a fixação da concreta pena de prisão, por contender com as exigências de prevenção.
DD) Não poderá o arguido ser duplamente penalizado pelos mesmos factos, uma vez que o seu registo criminal já é tido em conta para a opção pela aplicação de pena de multa ou prisão (fls. 20 infra e 21 supra) e fixação das concretas penas de prisão parcelares aplicadas, conforme fls. 22, 2° parágrafo, do douto acórdão.
EE) De facto, aquando da concreta opção e fixação da pena haverá que tomar em conta o comportamento posterior do arguido, para aquilatar das exigências de prevenção.
FF) E o nº 2 do art. 71° CP é explicito ao se referir “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele".
GG) Todavia, a nosso ver, tal consideração para efeitos de escolha e determinação da medida da pena se mostra igualmente violadora do princípio da culpa, vertido no n°.2 do art. 40° CP.
HH) Entende-se assim como violador de tal princípio, para efeitos de aplicação de penas, a tomada em consideração de condenações por factos posteriores aos praticados no presente processo.
II) Nos termos do art. 40° CP, “ aplicação de penas ... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".
JJ) Pelo que, aquilo que se impõe fazer prova é de que a condenação em pena de prisão se mostra mais apta a produzir tal protecção de bens jurídicos e a reintegração do ora recorrente na sociedade do que a suspensão da mesma.
KK) Olhado o art. 50° nº1 CP, em lado nenhum se refere a ausência de anteriores suspensões, a ausência de antecedentes criminais ou similar como requisito positivo da concessão de suspensão da pena de prisão.
LL) Na decisão de não aplicação da suspensão, não procedeu o Tribunal a quo à verificação ou não dos requisitos de que a lei faz depender tal concessão.
MM) Com efeito, a suposta prática dos factos deu-se num quadro de vivência diferente do actual, tendo sido razões de premente necessidade a contribuir decisivamente para a resolução criminosa.
NN) Entende assim o arguido que a execução de uma pena de prisão se não mostra adequada ao presente processo.
OO) De facto, atenta toda a estigmatização da mesma, deveria ser alvo de suspensão, ainda que com imposição de regras de conduta ou com regime de prova, nos termos dos arts. 50° ss CP.
PP) A libertação do flagelo das drogas, possibilita, salvo o devido respeito por mais diversa opinião, que em relação ao recorrente se mostre possível um juízo de prognose favorável, em termos de se entender que a censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
QQ) O ora recorrente encontra-se presentemente em cumprimento de pena de prisão, trabalhando na serração, conforme facto dado como provado no douto acórdão condenatório.
RR) Defende-se que deveria ter sido aplicado o instituto da suspensão da execução de pena de prisão.
SS) Temos assim que a suspensão da pena de prisão, mitigada com a imposição de deveres e regras de conduta ou de regime de prova, se mostra suficiente a assegurar as finalidades da punição: a prevenção e a reintegração do agente na sociedade.
TT) Afigura-se ao recorrente, que no douto acórdão, pesou mais o seu posterior registo criminal (afinal, única coisa a que se faz referência!) do que os requisitos legais, desde logo a sua personalidade, condições de vida, conduta anterior ao crime bem como as circunstâncias de cometimento.
UU) Convidam-se V/Exas. a um juízo de prognose praevia (ainda que feita a título póstumo!), no sentido de aferir se o arguido teria cometido tais crimes se não estivesse num quadro de consumo e dependência de estupefacientes.
VV) Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, a resposta não poderá deixar de ser negativa, dada a estabilidade laboral, financeira e vivencial do arguido.
WW) Liberto das drogas é o arguido, como foi ao longo de mais de 30 anos, uma pessoa séria, honesta, humilde, trabalhadora, socialmente integrada, cumpridora e zelosa dos deveres cívicos.
XX) Pelo que, mostrando-se eliminada a causa primacial do crime, sempre o juízo de prognose póstuma não poderá deixar de ser favorável, no sentido de uma reintegração e preparação para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável sem cometimento futuro de crimes.
YY) Para mais quando, salvo o devido respeito por opinião contrária, o problema era mais clínico do que jurídico.
ZZ) E o arguido não quer deixar escapar a oportunidade dada pela eliminação da dependência de estupefacientes.
AAA) De facto, o que está em causa é essencialmente isso: curar ou enviar o recorrente para um antro de caminhos desviantes, no qual nenhuma cura lhe será ministrada.
BBB) E a suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que, atenta a condenação, se mostra aplicável, e consubstancia um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, ou a decretá-la, ou pelo menos, explicitar devidamente as razões da sua não concessão.
CCC) Normas jurídicas violadas: nomeadamente arts. 30º, 40º, 50º, 70º CP; 379º nº 1 al. c) CPP e 32º nº 2 CRP.”.
Houve resposta do MP, concluindo pelo improvimento do recurso.
No mesmo sentido é o parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto.
Foi dado cumprimento ao artº 417º nº 2 CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a matéria de facto dada como provada:
“ 1. Na noite de 21 para 22 … de 2007, os arguidos L e V dirigiram-se ao Centro Hospitalar de Coimbra, nos Covões, nesta cidade, tendo entrado por baixo de uma vedação, acedendo ao interior dos Serviços de Estomatologia, de onde subtraíram os seguintes bens: três peças de mão (turbina), quatro peças de mão micromotor, dois destartarizadores, dois broqueiros com brocas, três polimerizadores, um vibrador de amalgama, um articulador e uma unidade de gesso.
No dia 22 de .. pelas 9.15 horas, na Casa do Sal, os arguidos foram interceptados pela PSP na posse do referido material, que transportavam no veículo de matrícula PI-82- conduzido por V e que lhes foi apreendido.
Os arguidos, com a prática dos factos referidos em 1., causaram danos no valor de €1.149,50.
2. Dias depois, na noite de 25 para 26 de ...de 2007, os arguidos L e V dirigiram-se ao Departamento de Medicina Dentária dos Hospitais da Universidade de Coimbra, na Avenida Bissaya Barreto, onde se introduziram através de uma janela, vindo a subtrair do seu interior cinco máquinas fotográficas digitais: duas máquinas "Canon 300 Des.", com objectivas e flash anelar, uma máquina "Nikon F- 801”, uma máquina "Canon Coolpix 4500", uma outra "Canon Coolpix 990", um "data­show" "Toshiba" e um leitor/gravador de DVD "IIFreecom".
Nesse mesmo dia 26, pelas 17.05 horas, o arguido L dirigiu-se ao estabelecimento de compra e venda de artigos usados, "F.., sito na Rua António José de Almeida, e aí penhorou uma daquelas máquinas fotográficas, uma "Canon 300 Des.", tendo recebido 50 €; mais tarde, no dia 3 de Dezembro, o arguido foi levantar a máquina, pagando 62,50 €.
Por sua vez, o arguido V no dia 13 de Dezembro de 2009 vendeu no mesmo estabelecimento, pela quantia de 20 €, o leitor/gravador de DVD.
Em 24 de Dezembro de 2007, o arguido L, na posse de uma objectiva "Canon", que sabia ter sido furtada, vendeu-a no estabelecimento "F", recebendo a quantia de 1 00 €.
Os bens furtados na situação mencionada em 2. foram recuperados.
3. Já na noite de 6 para 7 de Dezembro de 2007, os arguidos L e V introduziram-se no Serviço de Maxilo-Facial do Departamento de Medicina Dentária dos HUC, na Avenida Bissaya Barreto, através de uma janela.
Em 11 de Dezembro de 2007, os arguidos L e V dirigiram-se a um laboratório de prótese dentária na Mealhada onde procuraram vender parte do material furtado, acabando por desistir dos seus intentos porque se aperceberam de que eram suspeitos; foram depois interceptados pela GNR, quando fugiam em direcção ao Luso, tendo na sua posse um micro motor, dois articuladores, um alicate Orto de meia cana, um alicate Orto de pontas, quatro ponteiros infra-orbitários e dois tubos de cola.
Em 26 de Dezembro de 2007, no Bairro da Rosa, os arguidos L S e LL foram interceptados na posse de material dentário furtado na noite de 6 para 7 de Dezembro e de um flash "Canon MR-14EX" furtado em Novembro, objectos que transportavam no veículo Volkswagen Golf de matrícula 19-…VQ, conduzido pelo primeiro, e que pretendiam vender.
Em 1 de Abril de 2008 os arguidos LL e V entregaram à PSP diverso material proveniente destes dois furtos.
4. No dia 7 de Janeiro de 2008, entre as 9 e as 19.00 horas, na Avenida João das Regras, indivíduo desconhecido subtraiu o veículo de matrícula UA-91-.. pertencente a Maria M e que se encontrava estacionado em Santa Clara.
No dia 12.01.08, pelas 14.42 horas, o arguido LL dirigiu-se com o referido veículo até ao posto de abastecimento de combustível da "Galo", sito na Rua Dr. Manuel Almeida e Sousa e pertença da firma "Centripneus, Centro de Manutenção Auto, SA" e aí abasteceu o veículo com combustível no valor de €20,01 mas não efectuou o respectivo pagamento, pondo-se em fuga do local, como era sua intenção.
5. No dia 17 de Janeiro de 2008, pelas 14.40 horas, na companhia de um outro individuo que não se logrou identificar e que conduzia o veículo de matricula UH-43-.., que furtara dois dias antes, o arguido LL dirigiu-se ao posto de abastecimento de combustível da Galp si to no Loreto e pertença da firma "Centripneus, Centro de Manutenção Auto, SA" e aí, de comum acordo com o condutor, abasteceu o veículo com combustível no valor de 17,46 €, mas não efectuou o respectivo pagamento, pondo-se em fuga do local, como quis.
6. Finalmente em dia e hora não exactamente apurados. entre 26 e 28 de Janeiro de 2008 no Bairro do Ingote, o arguido L L apropriou-se do veículo de matrícula XV-81.., pertencente a CM, que o avaliou em 400 €, e que ali fora abandonado, depois de ter sido subtraído ao seu proprietário, no dia 26, quando estava estacionado na via pública; o arguido L L, apesar de saber que o veículo era furtado e que fora abandonado por outro que não o proprietário, apoderou-se do mesmo, dali o retirando e passando a utilizá-lo como se fosse seu, como quis.
7. No dia 28 de Janeiro, o arguido L L encontrou o arguido C. e os dois passaram circular no referido veículo, conduzido pelo primeiro; depois, pelas 12.50 horas, quando circulavam na Rua da Liberdade, no Bordalo, nesta cidade, os arguidos abordaram na via pública Maria J. e de forma inesperada, com força, o arguido C,puxou-lhe a mala que a mesma usava, e que avaliou em 150 €, assim logrando subtrair-lha a fazê-la deles, com todo o seu conteúdo: um telemóvel avaliado em 50 €, uma carteira avaliada em 60 €, a quantia de 30 € em dinheiro, documentos pessoais, um cartão Multibanco e as chaves do seu automóvel.
Os arguidos vieram ser detidos pouco tempo depois, quando na sequência de uma perseguição pela PSP, abandonaram o veículo no Bairro António Sérgio e foram interceptados já na Estrada de Eiras, sendo que o arguido C tinha na sua posse o dinheiro, o telemóvel e cartão multibanco da ofendida e que o próprio levou a PSP ao local onde antes abandonara a mala e o restante conteúdo: na Rua do Moinho de Vento, na Cruz dos Morouços; o arguido L L vestia o blusão que usou nos dias em que se deslocou ao posto de abastecimento de combustível nos dois dias referidos e não pagou.
8. Os arguidos LL e V quanto aos factos referidos nos pontos 1,2 e 3 agiram com prévio e comum acordo e também em comunhão de esforços, com intenção de fazerem seus aqueles objectos, apesar de saberem que não lhes pertenciam e que estavam a actuar sem e contra a vontade dos seus donos.
O arguido L S agiu com intenção de obter para si uma vantagem patrimonial que sabia ser ilícita, pois que conhecia a proveniência ilícita do objecto que vendeu e dos que posteriormente transportava com o mesmo fim.
Os arguidos L L e C quanto aos factos referidos no ponto 7 agiram com prévio e comum acordo e também em comunhão de esforços, com intenção de fazerem seus, ainda que pela violência, os objectos e valores que a ofendida Maria J. levava com ela, apesar de saberem que não lhes pertenciam e que estavam a actuar sem e contra a vontade da sua dona.
Todos os arguidos agiram de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
9. O arguido L L sofreu as seguintes condenações:
- 100 dias de multa, pela prática de um crime de furto simples, ocorrido em 28….2008, por sentença proferida em 30.5.2008;
- 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por 1 ano e 6 meses, pela prática de um crime de roubo, ocorrido em 14…..2008, por sentença proferida em 17.11.2008;
- 2 anos e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo, ocorrido em 5….2008, por sentença proferida em 2.12.2008.
- 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, pela prática de um crime de roubo, ocorrido em 25…..2008, por sentença proferida em 3.4.2009.
É consumidor desde os seus 22/24 anos, tendo já estado dois períodos de tempo sem consumir.
No período em que praticou os factos havia abandonado o trabalho e família; desde que foi preso (Maio de 2008) entrou num programa para deixar de consumir drogas. No EP trabalha na serração.
É técnico de prótese dentária, actividade que desenvolve desde os seus 15 anos de idade.
Tem dois filhos que vivem com as respectivas mães.
10. O arguido V sofreu as seguintes condenações:
- 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa por 3 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, ocorrido em 23….98, por sentença proferida em 16.2.2000;
- 2 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, ocorrido em 1998, por sentença proferida em 17.5.2000;
- 6 anos de prisão pela prática de um crime de roubo, ocorrido em 26….99, por sentença proferida em 13.6.2000;
- 2 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, ocorrido em 23….99, por sentença proferida em 10.10.2002; em cumulo jurídico foi-lhe aplicada a pena de 7 anos de prisão;
- foi-lhe concedida a liberdade condicional em 25.5.2006;
- 10 meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de desobediência qualificada, ocorrido em 4.12.2007, por sentença proferida em 13.12.2007;
- 6 meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de simulação de crime, ocorrido em 24. 2006, por sentença proferida em 13.2.2008; foi-lhe revogada a pena de trabalho a favor da comunidade;
- 180 dias de multa pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, ocorrido em 5….2005, por sentença proferida em 21.10.2008; foi determinado o cumprimento da pena de prisão subsidiária;
- 1 ano de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de furto simples, ocorrido em 18….2006, por sentença proferida em 25.11 .2008;
- 1 ano de prisão, suspensa por um ano, pela prática de um crime de furto simples, ocorrido em 11…. 2008, por sentença proferida em 19.12.2008.
O arguido completou o 6º ano de escolaridade.
Começou a consumir drogas com 35/36 anos de idade
Trabalhou numa oficina de reparação de automóveis durante cerca de 3 anos, que deixou de fazer em virtude dos consumos de droga, período no qual praticou os factos.
À data dos factos vivia com os seus pais.
Actualmente encontra-se a efectuar tratamento para não consumir.
11. O arguido C sofreu as seguintes condenações:
- três anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos pela ocorrido de um crime de furto praticado em 15..93, tendo-lhe sido revogada a suspensão da pena (decisão proferida em 28.4.94),
- 3 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado ocorrido em 25….1995 (decisão proferida em 10.7.95),
- 7 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado ocorrido em 11….1994 (decisão proferida em 28.9.95),
- 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, ocorrido em 3….1994 (decisão proferida em 27.1.97),
- foi-lhe concedida a liberdade condicional em 16.7.97, mas foi-lhe revogada em 23.4.1999,
- 14 meses de prisão pela prática de um crime tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por acórdão proferido em 21.5.2001,
- 15 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado ocorrido em 1…01 (decisão proferida em 4.3.2002),
- 25 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado ocorrido em 3…01 (decisão proferida em 11.4.2002),
- 3 anos de prisão pela prática de um crime tráfico de estupefacientes de menor gravidade, ocorrido em 2001 por acórdão proferido em 27.5.2002,
- 20 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado ocorrido em 14..2001 (decisão proferida em 19.11.2002), em cumulo jurídico foi-lhe aplicada a pena de 5 anos e 9 meses,
- foi-lhe concedida a liberdade condicional em 16.4.2007, mas foi-lhe revogada em 23.4.1999,
- 7 meses de prisão pela prática de um crime de furto simples ocorrido em 8.1.2008 (decisão proferida em 17.1.2008),
- 6 meses de prisão pela prática de um crime de violação de domicilio e perturbação da vida privada ocorrido em 23…007 (decisão proferida em 2.7.2008), em cúmulo jurídico foi-lhe aplicada a pena de 10 meses de prisão.
O arguido à data da prática dos factos andava a efectuar um tratamento com metadona e vivia no alojamento temporário do Farol.
É consumidor há mais de 20 anos de idade, tendo efectuado várias tentativas de desintoxicação. Tem o 6° ano de escolaridade.
Não tem apoio familiar, na medida em que não tem pais vivos e não contactos com as suas três irmãs.
12. O arguido L não regista antecedentes criminais.
O arguido L completou o 9° ano de escolaridade.
Foi consumidor de estupefacientes, tendo-se submetido a vários tratamentos. Apesar de ter tido uma recaída em Dezembro de 2008, retomou de imediato o apoio clínico encontrando-se desde essa época em programa de subutex, actualmente com dose reduzida e sem recaídas.
Reside com a sua mulher e com os dois filhos, de 9 e 13 anos de idade. Os rendimentos da família consistem no subsídio de desemprego da sua mulher e no abono pelos dois filhos (470 euros). Suportam despesas mensais fixas de 120 euros, para além da prestação ao banco pela aquisição de habitação, que actualmente não pagam, estando a renegociar com o banco a dívida. Tem ajuda económica por parte dos familiares.
13. Os arguidos L, V e C reconheceram a prática dos factos e revelaram arrependimento.”.
Factos não provados:
Que os arguidos na situação referida em 1. tenham forçado uma porta para entrarem no interior.
Que os bens furtados ascendessem a 7.000 €.
Que na situação referida em 2. os arguidos tenham arrombado uma porta do Serviço de Estomatologia.
O valor dos bens de que os arguidos se apropriaram (situação 2.).
Que na situação mencionada em 2. tivesse sido o arguido L a entregar a objectiva ao arguido LS e que este a tivesse vendido de comum acordo com aquele.
Que os arguidos, na situação referida em 3., tivessem entrado por arrombamento de uma janela e que tenham subtraído material no valor de 7.000 €. “.

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As questões objecto do presente recurso, aferidas pelo teor das conclusões do recorrente, são as seguintes:
- Nulidade;
- Saber se existe continuação criminosa entre os crimes de furto qualificado e os crimes de furto simples;
- Inconstitucionalidade;
- Medida da pena.
Passemos então à sua apreciação.
A) Da nulidade
Alega o recorrente ter invocado na contestação a aplicação da atenuação especial, não se tendo o tribunal pronunciado quanto a essa matéria, pelo que nessa medida estaria preenchida a nulidade prevista no artº 379º c) CPP.
Pois bem analisada a contestação e o acórdão recorrido, dúvidas não há de que neste não foi apreciada expressamente a possibilidade de poder ser aplicada ao arguido aquela figura jurídica alegada na referida peça processual.
Mas teria o tribunal que abordar tal questão de forma expressa, só porque a mesma havia sido suscitada na contestação?
Parece-nos que não.
Na verdade o uso da faculdade da atenuação especial da pena só se coloca em casos verdadeiramente excepcionais, quando face à facticidade provada, se conclua pela existência de circunstâncias que, em princípio, indiciam uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, conduzindo assim à substituição da moldura penal original por uma mais leve (cfr. artº 72º nº 1 CP).
Ora conforme se alcança da leitura do acórdão, e designadamente da sua fundamentação jurídica, o quadro factual objectivamente adquirido para os autos de modo algum abria brecha que justificasse a ponderação da atenuação especial, antes pelo contrário, como aí se refere a ilicitude e a culpa são elevadas.
Assim perante tal constatação do tribunal, estava liminarmente afastada essa possibilidade, não havia por isso razão que justificasse a sua apreciação expressa, ou por outras palavras, o seu afastamento está claramente implícito.
Improcede por isso o recurso neste ponto.
B) Da continuação criminosa
Na perspectiva do recorrente os factos integradores dos crimes de furto qualificado praticados no Departamento de Medicina Dentária dos HUC e os dois crimes de furto simples, preenchem a figura do crime continuado, pois foram executados de forma homogénea e no quadro de uma mesma solicitação exterior.
Discordamos completamente de tal entendimento.
Estabelece o artº 30º nº 2 CP que:
“ Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Resulta pois que esta norma vai buscar o seu fundamento à diminuição da culpa do agente, em virtude da facilidade criada por determinadas circunstâncias para a prática de novos actos da mesma natureza.
Como escreve Eduardo Correia Direito Criminal, Vol. II, pág. 209. “ Pois, quando bem se atente, ver-se-á que certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime – ou mesmo diversos tipos legais de crime, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico -, e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que, portanto, em princípio atiraria a situação para o campo da pluralidade de infracções), todavia devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente.
E quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se, como pela primeira vez claramente o formulou Kraushaar, no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. Pelo pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.”.
E avança ainda o referido autor com algumas situações exteriores que, preparando as coisas para a repetição da actividade criminosa, poderão diminuir consideravelmente a culpa do agente:
“a) assim, desde logo, a circunstância de se ter criado, através da primeira actividade criminosa, uma certa relação, um acordo entre os seus sujeitos;
b) a circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime, que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa;
c) a circunstância da perduração do meio apto para realizar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa;
d) a circunstância de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa. “.
Assim temos que os pressupostos do crime continuado são os seguintes:
1º.- Realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico.
2º.- A execução por forma essencialmente homogénea.
3º.- Que essa execução seja levada a cabo no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Vejamos então se a conduta do arguido se enquadra nos referidos critérios, pois a não verificação de um deles, impõe o seu afastamento, fazendo-os assim recair no concurso real.
No que concerne ao primeiro dos pressupostos, dúvidas não há de que o mesmo se encontra preenchido já que com a actuação do arguido foi violado o mesmo bem jurídico – a propriedade.
E não nos repugna igualmente aceitar a homogeneidade das condutas, já que esta supõe a existência de similitude entre o modus operandi adoptado, pois as acções entre os crimes de furto qualificado, por um lado e os furtos simples do combustível, por outro foram idênticas (cfr. pontos 2, 3, 4 e 5 da matéria de facto provada).
Porém já o mesmo não acontece relativamente ao terceiro pressuposto - o quadro de solicitação do agente que diminui consideravelmente a sua culpa.
É que para que essa solicitação possa relevar terá de ser de um grau considerável, a ponto que constitua quase que um estímulo, face ao sucesso anterior, para a repetição da actividade criminosa, e tornando por isso cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente.
Sucede que, face à facticidade provada, nada exteriormente facilitou a repetição da actividade criminosa.
Desde logo a actuação do arguido verificou-se em locais diferentes: Departamento de Medicina Dentária dos HUC - Serviço de Medicina Maxilo-Facial daquele Departamento - postos de combustíveis da Galp situados em ruas diversas. E igualmente essa actuação ocorreu em datas diferentes, o que lhe conferia a possibilidade do arguido poder avaliar a sua anterior conduta, distanciando-se dela e comportando-se de acordo com o Direito. A actuação do arguido teve assim subjacente resoluções criminosas distintas.
Tudo isto a revelar, por um lado a inexistência de culpa sensivelmente diminuída e por outro uma personalidade fortemente inclinada para a prática do crime.
E, assim sendo concluímos que não se verificam no caso sub judice os requisitos do crime continuado, pelo que, nesta parte, o recurso deve ser julgado improcedente.
C) Da inconstitucionalidade
Invoca o arguido a inconstitucionalidade do entendimento do acórdão no sentido de se poderem ter em consideração, simultaneamente, para efeitos quer de escolha e determinação da pena, quer de aplicação da suspensão da pena, factos posteriores aos da prática dos crimes pelos quais foi condenado, não obstante o conteúdo dos artºs 71º nº 2 e 50 nº 1 CP., o que contende na sua perspectiva com o disposto no artº 32º nº 2 da Constituição.
Na verdade o artº 71º nº 2 e) CP, prevê:
“Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente a conduta anterior ao facto e posterior a este…”
Por sua vez o artº 50º nº 1 CP prevê igualmente a ponderação da conduta posterior aos factos, nos seguintes termos:
“ O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a amaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”
Ora da análise de tais normas não se enxerga como é que a interpretação feita pelo tribunal recorrido ao ponderar a conduta posterior do arguido pode ser taxada de inconstitucional por violação do artº 32º da CRP ou de qualquer outra norma constitucional.
Mas diz-nos o arguido o porquê: Os factos posteriores foram ponderados por ter havido morosidade processual.
Mas essa é uma contingência natural da investigação e julgamento dos processos-crime.
E se queria que assim não fosse deveria ter-se comportado de acordo com as normas que regem a vida em sociedade.
Optando pela continuação da sua actividade criminosa, é evidente que essa conduta, para segurança da própria sociedade tem de ser ponderada quer para efeitos de medida concreta da pena, quer para opção de pena de substituição, e isso não se viola qualquer norma constitucional.
E não se invoque como o faz o recorrente a violação do princípio non bis in idem.
É que tal figura jurídica não tem nada a ver com esta matéria, não se entendendo mesmo a que propósito é aqui chamada.
Na verdade esse princípio constante do artº 29º nº 5 da Constituição estabelece que “ ninguém pode ser julgado mais que uma vez pela prática do mesmo crime”, o que claramente não acontece no caso em análise.
Daí que, sem outras considerações se julgue improcedente também este fundamento do recurso.
D) Da medida da pena
Neste âmbito começa o recorrente por questionar a opção pela pena de prisão relativamente aos crimes de furto qualificado, furto simples e furto de uso, pois na sua perspectiva o recorrente interiorizou a ilicitude das suas condutas e à data era primário.
Vejamos.
O artº 70º CP fornece ao juiz o critério geral que deve presidir à escolha das penas.
Assim, de acordo com a referida disposição legal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja “ a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (artº 40º nº 1 CP).
Como escreve, a propósito, Maria Fernanda Palma Casos e Materiais de Direito Penal, pág. 32. “ A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva).
A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial “.
E no que concerne à reintegração social a que alude o referido artº 40º CP, diz ainda a referida autora que tal “ significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena.
E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.”.
Assim sendo, diremos que à escolha da pena apenas presidem razões ou exigências de prevenção.
Por isso afastada está a relevância da culpa na escolha da pena.
Ora no caso dos autos justifica-se plenamente a preferência pela pena de prisão, atento o montante global de que se apropriou o arguido, as circunstâncias em que o fez e o curto período em que durou a sua actuação, mas que teve depois forte desenvolvimento como o demonstra as várias condenações sofridas posteriormente e que constam do ponto 9 da matéria de facto provada.
Daí que a aplicação agora de uma pena de multa jamais promoveria a recuperação da delinquente e reprovaria suficientemente a sua conduta.
Por isso nada há a censurar à opção pela pena de prisão.
Entende ainda o arguido dever beneficiar da atenuação especial da pena, dada a dependência de estupefacientes à data dos factos, o arrependimento e a devolução e a reparação dos danos até onde lhe era possível.
Mas também aqui sem razão.
Na verdade os factos provados não permitem de modo algum concluir que “ diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, a que alude o artº 72º nº 1 CP.
E o facto do arguido ser consumidor de estupefacientes, só por si não releva neste domínio.
É certo que a prática de crimes por toxicodependentes está frequentemente ligada ao consumo, repercutindo-se no auto-controlo, o que tem a sua reflexão a nível da culpa, a qual de algum modo fica mitigada.
Porém tal facto tem igualmente uma outra importante consequência, que é precisamente a de aumentar exponencialmente não só as exigências de prevenção especial, como também as de prevenção geral, pois ninguém ignora e muito menos os tribunais, face à frequência com que lidam com estas situações, que a prática de crimes tem em muitos casos associada a toxicodependência.
Quanto aos objectos que foram recuperados, estes foram-no devido ao facto do recorrente ter sido interceptado com os mesmos (cfr. pontos 1, 2, 3 e 7).
Como refere Figueiredo Dias Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 306. “A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da (s) circunstância (s) atenuante (s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios”.
Ora no vertente face à globalidade da facticidade provada e tudo quanto já anteriormente dissemos, nada justifica que se minimize a sua responsabilidade, sendo por isso de afastar a pretensa atenuação especial da pena.
Entende-se assim que a pena que foi aplicada pelo tribunal colectivo se considera ajustada e muito equilibrada, tendo em vista a culpa do arguido, os graves ilícitos cometidos e as necessidades de prevenção e de reprovação, constituindo o correctivo adequado.
É pois de afastar a pretendida atenuação especial.
E de igual forma inexistem razões que justifiquem a suspensão da execução da pena, como, aliás ficou bem expresso no acórdão recorrido.
É que de acordo com o disposto o artº 50º nº 1 CP, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Quer dizer a suspensão da execução da pena não se trata de uma mera faculdade de que o Tribunal pode lançar mão a seu bel-prazer, mas sim de um poder-dever, que o obriga a nos casos em que aplicar ao arguido pena de prisão não superior a cinco anos, dever sempre verificar se estão preenchidos os requisitos que lhe permitam suspender a execução dessa pena.
Trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico de que podem beneficiar os condenados em penas de prisão até 5 anos, desde que preencham os respectivos requisitos
Como referem Leal Henriques e Simas Santos Código Penal de 1982, Voo. I, pág. 291. “ Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao réu (como lhe chama JESCHECK), ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa”.
Ora no caso dos autos, pese embora o requisito formal da condenação esteja preenchido, já o requisito material está claramente afastado.
Com efeito ninguém entenderia que, tendo o arguido, após a prática dos factos que deram origem aos presentes autos, continuado a praticar crimes de furto e de roubo, por que foi condenado, o tribunal lhe suspendesse agora a pena, como se o arguido tivesse tido desde então conduta exemplar.
As exigências de prevenção geral e especial são manifestamente incompatíveis com a suspensão da pena, pondo em causa um qualquer juízo de prognose favorável àquela pretensão de ressocialização em liberdade.
Daí que se conclua que no caso concreto, a censura do facto e a ameaça da prisão só por si, de modo nenhum, se revelariam suficientes para se assegurarem as finalidades da punição.
Improcede pois também esta questão.
Não se mostram pois violados quaisquer preceitos legais, quer os invocados pelo recorrente quer quaisquer outros
Daí que se considere improcedente o recurso na sua totalidade.

DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando o douto acórdão recorrido.
Condena-se o recorrente na taxa de justiça de seis Ucs.
Honorários ao ilustre defensor oficioso.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (Artº 94º nº 2 CPP)
Tribunal da Relação de Coimbra, 28 de Abril de 2010.