Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
247/08.1GTLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: PENA DE MULTA
EXECUÇÃO
SUBSTITUIÇÃO DA PENA
DIAS DE TRABALHO
PRAZO
Data do Acordão: 01/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS (2.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 489.º, N.º 2, E 490.º, N.º 1, DO CPP
Sumário: Salvo no caso de provar justo impedimento, o condenado não pode apresentar o requerimento para substituição da pena de multa por dias de trabalho para além do prazo (peremptório) de 15 dias previsto no art. 489.º, n.º 2 do CPP, aplicável por remissão do art. 490.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

No processo supra identificado, foi submetido a julgamento A..., completamente identificado nos autos, e condenado por sentença de 3 de Maio de 2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo artº 3º nº2, do DL 2/98, de 03 de Janeiro, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros).

*

Em 12 de Julho de 2011, foi o arguido notificado via postal para proceder ao pagamento da multa, no prazo constante da respectiva guia, até 15-09-2011, constando da respectiva notificação, a “bold” a seguinte menção “A falta de pagamento da multa implica da substituição por dias de prisão subsidiária”.

O arguido não pagou a multa no prazo assinalado, e nada requereu.

Alegando a sua situação de desempregado, documentada com a inscrição em 11.01.2013 no centro de emprego, veio o arguido requerer a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade.

Sobre este requerimento incidiu o despacho de fls. 9, proferido em 12 de Março de 2013, ora recorrido, que a seguir se transcreve:

“O arguido foi condenado nestes autos, por sentença transitada em julgado em 29/04/2010, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros).

Uma vez que o condenado não pagou voluntariamente a multa em que foi condenado, sendo inviável o seu cumprimento coercivo, o Ministério Público promoveu a conversão da multa não paga em 133 dias de prisão subsidiária.

Notificado dessa promoção para, querendo, exercer o respectivo direito de contraditório, o arguido requereu a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade alegando, em síntese, que se encontra desempregado, não auferindo qualquer remuneração ou rendimento social, fazendo apenas biscates de mecânica, e que vive em casa dos pais, com eles, a sua companheira, a irmã e uma sobrinha.

O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerimento apresentado pelo arguido, uma vez que dos autos não resulta que durante o prazo para pagamento voluntário da multa, ocorresse uma situação económica e financeira que impossibilitasse o cumprimento da pena.

Nos termos do artigo 48º, nº1 do Código Penal, a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho.

Não obstante ter decorrido já o prazo de 15 dias previsto no artº 489º do Código de Processo Penal, considera-se que o pedido de substituição da pena de multa por dias de trabalho pode ser feito para além do prazo estabelecido para o pagamento voluntário da multa[1].

Na verdade, tal entendimento coaduna-se com o princípio subjacente às normas relativas à aplicação e execução da pena, o qual traduz o pensamento legislativo e a perspectiva político-criminal da prevalência das sanções não detentivas em relação às penas de prisão de curta duração, quando se asseguram ainda as finalidades da punição.

Nesta medida, considerando que o arguido requereu a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade antes de ser determinada a conversão em prisão subsidiária, deverá esse requerimento ser objecto de apreciação judicial.

Assim, antes de mais, com cópia da sentença (fls. 104) e do requerimento em referência, solicite à Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais a elaboração de relatório para efeitos de prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 490º nº2 do Código de Processo Penal.

Notifique”.

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Inconformado com o assim decidido, veio o Magistrado do Ministério Público recorrer, extraindo da respectiva motivação as seguintes

Conclusões:
1. In casu, o arguido A... foi condenado por sentença preferida a fls. 71-73 na pena de 200 dias de multa à razão diária de €6,00, transitada em julgado em 29.04.2010 (cf. fls. 82).
2. A guia de pagamento da pena de multa, pagável até 15.09.2011 (cf. fls. 84), foi remetida ao condenado por via postal registada expedita em 12.07.2011 (cf. fls. 88), mas este não requereu o pagamento da pena de multa em prestações ou o seu pagamento dentro de um prazo que não exceda um ano, dentro do prazo geral de 10 dias, previsto no artigo 105º do Código de Processo Penal.
3. Também não requereu a substituição da pena de multa por trabalho no prazo de 15 dias após a respectiva notificação para pagamento, previsto no artigo 489º /2 do CPP.
4. O referido prazo de 15 dias tem natureza peremptória e o seu decurso extingue o direito de praticar o acto, como decorre expressamente das normas previstas nos números 1, 2 e 3 do artigo 145° do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 104º/1 do CPP. [Expressamente neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.06.2012, proferido no processo n. 202/10.1GBOBR.C1 (Orlando Gonçalves), publicado em www.dgsi.pt: «1. o prazo para requerer a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade é peremptório; 2. Essa substituição deve ser requerida no prazo do pagamento voluntário da pena de multa»].
 5. Consequentemente, ao requerer a substituição da pena de multa por trabalho apenas em 11.01.2013, muito para além do 3º dia após o termo do respectivo prazo de 15 dias e sem invocar nem demonstrar justo impedimento à respectiva prática, o condenado praticou um acto manifestamente extemporâneo, que deveria ter sido indeferido.
6. Na falta de pagamento da pena de multa, a consequência jurídica é a prevista no artigo 49º/1 do Código Penal: «se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão [… ]»
7. Assim, ao aceitar a prática extemporânea de tal acto e ao solicitar à DGRSP a realização de relatório para efeitos de prestação de trabalho em substituição da pena de multa, em vez de determinar a conversão da pena de multa por prisão subsidiária nos termos previstos no artigo 49º/1 do CP, o despacho recorrido desconsiderou a natureza peremptória do prazo de 15 dias previsto no artigo 489°/2 do CPP e, consequentemente, infringiu as disposições combinadas dos supra mencionados preceitos legais.
8. Consequentemente, o despacho recorrido deve ser substituído por outro que indefira a substituição da pena de multa por trabalho e determine a respectiva, conversão e prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, nos termos impostos pelo artigo 49º/1 do Código Penal.

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O arguido respondeu ao recurso, defendendo por um lado, que o recurso interposto não é admissível por não ter cabimento no artº 399º do CPP, por ser interposto de uma decisão para elaboração de relatórios sociais do arguido. E, por outro, defendendo a posição plasmada no despacho recorrido a propósito do prazo para pedir a substituição da multa por dias de trabalho, apontou em abono da sua tese os Ac. desta Relação de 02.02.2011, proc. 510/07 e Ac. Rel. Évora de 08.01.2013 e de 11.09.2012 in Proc. 179/07 e 457/07.

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O recurso foi recebido

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Depois de instruído, foi remetido a esta Relação onde foi continuado Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, louvando-se nas alegações do Ministério Público em primeira instância, acrescentando um aresto a favor da posição aí assumida, Rel. Porto de 11.07.2007, citado no CPP, Comentário e Notas Práticas, edição dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, pág. 1165, emitiu Parecer, no sentido do improvimento.

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O arguido respondeu reiterando tudo o que já havia aduzido na resposta.

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Corridos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir

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I – FUNDAMENTAÇÃO

 No despacho liminar a relatora pronunciou-se no sentido da admissibilidade do recurso.

Apesar de o recorrido ter invocado que o despacho não se integra no artº 399º do CPP, por ser, ao que se entende, um despacho de expediente que manda efectuar em relatório, não lhe assiste razão.

Com efeito, como resulta, aliás, da sua resposta, não é esta “não decisão” que fundamenta o recurso, mas aquela outra, da qual esta depende, e que se traduz na admissibilidade de substituição da multa por trabalho a favor da comunidade para além do prazo estipulado para o pagamento voluntário da multa.

Ora, este despacho, que como resulta dos autos tem sido objecto de decisões desencontradas por parte dos tribunais superiores, e tem por objecto direitos fundamentais dos arguidos não pode deixar de ser passível de impugnação nos termos do mencionado artº 399º do C.P.Penal.

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Delimitação do recurso

É jurisprudência constante e uniforme que são as conclusões extraídas pelo recorrente que delimitam os poderes de cognição do tribunal “ad quem” .

Assim, a questão posta à nossa consideração resume-se a saber se o prazo a que se reporta o artº 49º do Código Penal é um prazo peremptório, ou se a substituição da multa pode ser requerida até á execução da prisão subsidiária.

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Conhecimento do recurso:

Como resulta do despacho recorrido, das conclusões de recurso e respectiva resposta, e Parecer do Ex.mo PGA, a questão a decidir não tem sido pacífica na nossa jurisprudência, sendo objecto de decisões desencontradas, partindo uns, como fizeram o tribunal a quo e o arguido, do que entendem ser o espírito da lei e as garantias de defesa do arguido, evitar a todo o custo o cumprimento das penas de prisão, e outros escorados na letra da lei e interpretação do sistema visto no seu conjunto, caso do Ministério Público em ambas as instâncias, para chegarem a soluções diametralmente opostas.

Tanto quanto sabemos, a posição seguida de forma maioritária por esta Relação, encontra-se plasmada no Ac. de 13.06.2012, proferido no Proc. 202/10.1GBOBR.C1, relatado pelo Sr. Des. Orlando Gonçalves, aliás citado pelo recorrente, que por merecer a nossa inteira concordância nos limitamos a transcrever, na parte que aqui releva, anotando-se apenas que no citado aresto o tribunal a quo assumiu a posição aqui defendida pelo recorrente MºPº, o que lá motivou recurso por parte do arguido, aqui recorrido.

(…)
“A Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe no seu artigo 32.º,epigrafado «Garantias de processo criminal», na parte que ora interessa:
« 1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. (..)
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.».
Observam, a este respeito, os Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira, que a fórmula do n.º 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes do art. 32.º da lei fundamental, uma vez que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. No entanto serve ainda de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal.
Quanto à «densificação» semântica da estrutura acusatória a que alude o n.º 5, 1.ª parte, ainda do art.32.º da C.R.P., ela faz-se através da articulação de uma dimensão material (fases do processo) com uma dimensão orgânico-subjectiva (entidades competentes). Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjectivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e o órgão acusador (Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, Vol I, 2007, pág., 516 a 523).
Sendo objecto do recurso a classificação do prazo para apresentação de requerimento para substituição da multa por trabalho a que alude o art. 490.º, n.º 1 do C.P.P., importa consignar que de acordo com classificação dos prazos, no que atende à sua eficácia, estes podem ser dilatórios, peremptórios ou meramente ordenadores.
Os prazos dilatórios marcam o momento a partir do qual o acto processual pode ser praticado ou ter início a sua execução, a qual se encontra, de certo modo, suspensa no decurso do prazo.
Os prazos peremptórios estabelecem o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado ( terminus intra quem).
Se o acto não for praticado no prazo peremptório, também chamado preclusivo, não poderá mais, em regra, ser praticado, como resulta do art. 145.º, n.º 3, do C.P.C. ao dispor que “O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.”
Os prazos meramente ordenadores estabelecem um limite de tempo para a prática dos actos, mas nem por isso se praticados após o decurso desse prazo perdem validade. A generalidade dos prazos processuais para a prática de actos pelo tribunal, pelo Ministério Público, na fase do inquérito, e pela secretaria são prazos meramente ordenadores. A sua prática para além do prazo máximo não os torna inválidos (conf. Prof. Germano Marques da Silva  in “Curso de Processo Penal”, verbo, 5ª ed. págs. 83 e 84)
O artigo 107.º, n.º 2, do C.P.P.., ao prescrever que «os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade (...), desde que se prove justo impedimento», esclarece, por um lado, que a natureza peremptória dos prazos é a regra e, por lado, estabelece uma verdadeira válvula de segurança de todo o sistema, ao permitir a prática do acto fora do prazo, desde que o interessado tenha sido impedido de o fazer no tempo devido. Os requisitos do justo impedimento serão:
- a normal imprevisibilidade do evento (exige-se às partes que procedam com a diligência normal prevendo ocorrências que a experiência comum teve como razoavelmente previsíveis); que o evento seja estranho à vontade da parte (não se pode venire contra factum proprium); e que determine a impossibilidade da prática do acto no prazo legal pela parte ou mandatário (deve verificar-se entre o evento imprevisível e a impossibilidade da prática tempestiva do acto uma relação de causa e efeito).
A lei permite a prática extemporânea de actos processuais, independentemente do justo impedimento, no prazo dos 3 dias a que aludem os n.ºs 5 a 7 do art.145.º do C.P.C., através do pagamento de multa ( art.107.º-A. do C.P.P.).
O art.48.º do C.P., a que alude o recorrente, integra-se no capítulo das penas de prisão e de multa.
No que respeita ao cumprimento da pena de multa, o regime não foi sempre o mesmo.
O art.47.º, n.º2 do Código Penal, na versão inicial de 1982, estatuía o seguinte:
«Se, porém, a multa não for paga voluntária ou coercivamente, mas o condenado estiver em condições de trabalhar, será total ou parcialmente substituída pelo número correspondente de dias de trabalho em obras ou oficinas do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público».
O regime de execução da pena de multa era, assim, o seguinte:
- haveria, num primeiro momento, lugar ao seu pagamento voluntário;
- na falta deste, seguir-se-ia o pagamento coercivo; e
- num terceiro momento, não tendo sido efectuado o pagamento voluntário, nem tendo sido possível efectuar o pagamento coercivo, o Tribunal substituía a multa pelo número correspondente de dias de trabalho.
É na base nesta redacção do art.47.º Código Penal, que o Prof. Figueiredo Dias escreve na sua obra “Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime” ( edição 1993, pág. 140) , que a sanção de dias de trabalho “ justifica-se como uma última forma de evitar que ao condenado, que não pagou a multa nem voluntária, nem coercivamente, seja aplicada uma pena privativa da liberdade”.
Na sequência desta redacção primitiva do art.47.º, n.º 2, do Código Penal, o C.P.P. de 1987, também na primitiva redacção, limitava-se a estabelecer, no seu art.489.º, as diligências que o tribunal deveria desenvolver, junto do condenado e dos serviços de reinserção social, para proferir decisão a substituir a multa por dias de trabalho.
Este regime de execução da pena de multa modificou-se com o DL n.º 48/95, de 15 de Março, que procedeu a uma das várias alterações do Código Penal.
Um das mais significativas, a respeito da substituição da multa por trabalho, é a introduzida no art.48.º do Código Penal, que passou a ter a seguinte redacção:
«1. A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 58º e no nº 1 do artigo 59º».
Exigindo-se agora o acordo do condenado para a substituição da multa por trabalho, passou a condicionar-se a substituição a um requerimento do condenado.
Complementando esta norma penal, o DL n.º 317/95, de 28 de Novembro, introduziu uma nova redacção ao art.490.º do Código de Processo Penal. Actualmente, após uma alteração introduzida no seu n.º4, pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o art.490.º do Código de Processo Penal, tem a seguinte redacção:
«1. O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior, devendo o condenado indicar as habilitações profissionais e literárias, a situação profissional e familiar e o tempo disponível, bem como, se possível, mencionar alguma instituição em que pretenda prestar trabalho.
2. O tribunal pode solicitar informações complementares aos serviços de reinserção social, nomeadamente sobre o local e horário de trabalho e a remuneração.
3. A decisão de substituição indica o número de horas de trabalho e é comunicada ao condenado, aos serviços de reinserção social e à entidade a quem o trabalho deva ser prestado.
4 . Em caso de não substituição da multa por dias de trabalho, o prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação da decisão».
Os n.ºs 2 e 3 do art. 489.º do C.P.P., para que remete o n.º 1 deste art.490.º, determinam que o prazo de pagamento da pena de multa é de 15 dias, contados da notificação para o efeito, não sendo este prazo aplicável em caso de pagamento em prestações.
Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços ( art.49.º, n.º1 do C.P.). Mas se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser-lhe suspensa ( art.49.º, n.º 2 do C.P.).
Posto isto, começamos por anotar que o recorrente centra a argumentação, para afastar a classificação do prazo do art.490.º do C.P.P. como peremptório, na natureza jurídica da substituição da multa por dias de trabalho como forma de reacção contra penas curtas de prisão.
Salvo o devido respeito, o arguido não foi condenado numa pena de trabalho a favor da comunidade, mas sim numa pena de multa.
A pena de multa é uma verdadeira pena alternativa aos casos em que a pena de prisão se apresenta desproporcionada, designadamente pelos efeitos colaterais que pode desencadear e devendo comportar um sacrifício, mesmo para os economicamente mais favorecidos, com efeitos suficientemente dissuasores, impõe-se que a mesma seja cumprida.
A primeira notificação que o arguido recebe é para pagamento voluntário da multa.
A prestação de trabalho em substituição da pena de multa é uma possibilidade, que o Tribunal equacionará se no prazo de pagamento voluntário da pena de multa o arguido fizer um requerimento a pedir a substituição. E só deferirá tal requerimento se concluir, nos termos do art.48.º, n.º1 do Código Penal, que a substituição não põe em causa as exigências da punição.
Se no prazo processual concedido ao condenado em pena de multa não requerer a substituição desta por dias de trabalho, a pena em que o arguido foi condenado mantém a sua natureza de pena alternativa à pena de prisão, designadamente às curtas penas de prisão. Querendo o legislador que o condenado cumpra a pena, impõe-se passar à execução da multa para pagamento coercivo.
Se o pagamento coercivo não for possível, procede-se à conversão da multa em prisão subsidiária.
Sendo claro que esta conversão visa determinar o arguido, que o possa fazer, a cumprir a pena de multa em que foi condenado, o n.º2 do art.49.º do Código Penal, permite-lhe o seu pagamento a todo o tempo, como forma de obstar ao cumprimento da prisão subsidiária.
A prisão subsidiária poderá ainda não ser cumprida, sendo-lhe suspensa, se o arguido provar que a razão do não pagamento não lhe é imputável.
Não tendo o arguido sido condenado em pena de trabalho a favor da comunidade, mas em pena de multa, não há razão racional para que o condenado possa poder requerer a substituição desta por dias de trabalho a todo o tempo, como acontece com o pagamento da multa.
Se o condenado não pede a substituição da pena de multa por dias de trabalho durante o pagamento voluntário daquela vê precludido o direito de o fazer mais tarde. Se assim não fosse, a seguir-se o entendimento do recorrente o arguido, também o arguido já a cumprir prisão subsidiária, poderia ainda requerer, não só o imediato pagamento da multa como a substituição por dias de trabalho como forma de obstar à prisão subsidiária. O que manifestamente não está nem na letra nem no espírito da lei.
O recorrente alega que o prazo do art.490.º, n.º1 do Código de Processo Penal não é um prazo peremptório, mas não diz que outro tipo de prazo é.
Sendo este um prazo processual estabelecido na lei, como tantos outros em que se estabelece um período de tempo em que o arguido pode exercer um direito se o entender fazer, não temos qualquer dúvida em o considerar, atento o disposto no art.107.º, n.º 2, do mesmo Código, como um prazo peremptório (Nesta sentido, entre outros, podem mencionar –se os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23.06.2011, proc. 510/07.9PAMGR-A.C1; da Relação do Porto, de 23.06.2010, proc. nº 95/06.3GAMUR-B.P1 e de 21.03.2012, proc. 141/10.6PDVNG-A.P1; e da Relação de Guimarães de 12.01.2007, proc. nº 1995/07-1, todos in www.dgsi.pt).
Sendo o mesmo um acto peremptório, e tendo o arguido um defensor, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode apresentar o requerimento para substituição da pena de multa por dias de trabalho para além do prazo de 15 dias que lhe é concedido no art.489.º, n.º2 do C.P.P., aplicável por remissão do art.490.º, n.º1, do mesmo Código, e que coincide com o prazo para fazer o pagamento voluntário na multa.
Se o arguido, não foi diligente na apresentação do requerimento no prazo expressamente definido na lei, o que parece ter acontecido, uma vez que não invoca a válvula de segurança de todo o sistema que é a invocação do justo impedimento, perdeu o direito de praticar o acto”.

Com efeito, além de não se vislumbrar razões para conferir ao prazo do artº 489º nº2 ex vi artº 490º nº1 do CPP, outra natureza que não a de prazo peremptório, como são em geral os prazos conferidos aos sujeitos processuais e designadamente aos arguidos para exercerem os seus direitos de defesa (contestar, recorrer, etc.), também se não vê que com a interpretação supra defendida se belisquem sequer o direitos de defesa do arguido.

Defender solução contrária, estar-se-ia a premiar o desinteresse e a inércia, bem patentes na atitude do arguido no caso sub judice, que passado mais de ano e meio após ter sido notificado para pagar a multa e sem apresentar qualquer justificação, vem pedir a substituição da multa, face aqueles condenados em pena de multa que diligentemente respondem às notificações que lhe são feitas, de harmonia com as condições de cada um.

Com efeito, só com a interpretação que defendemos se faz sentir ao condenado o sentido ético-penal da condenação, do mesmo passo que se garante a confiança da comunidade nas normas, assegurando-se assim, a vigência da norma violada e a confiança no sistema sancionatório.

A partir do momento em que o arguido não paga a multa no prazo que lhe foi concedido e pura e simplesmente silencia, nada dizendo ou requerendo, apesar de ter sido notificado para o efeito, e, inclusive, de que podia vir a cumprir prisão subsidiária, e se comporta como se não tivesse sido objecto de qualquer sanção penal, nem de qualquer advertência, não lhe é lícito, pensamos nós, invocar o seu direito de defesa para se opor à prisão subsidiária, direito que não curou de exercer no momento próprio, sob pena de se subverter todo o sistema jurídico-penal.

De resto, se bem entendemos a lógica do sistema de execução da multa, a prisão subsidiária foi pensada precisamente como instrumento para conferir credibilidade e exequibilidade à pena de multa, que consiste no direito penal moderno a sanção por excelência.

Citando o Prof. Figueiredo Dias - “A consagração de uma pena de prisão sucedânea, em alternativa de 2/3, em caso de multa não paga, é “tão pouco desejável como irrenunciável: sem ela seria a própria pena de multa a sofrer irreparavelmente, enquanto instrumento de actuação preferido da política criminal”, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime §553.

Destarte, outra solução não nos resta que não a de revogar o despacho recorrido.

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III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso e revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que indefira a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, seguindo o processo seus normais termos.

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Custas pelo arguido com a taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

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Coimbra, 22 de Janeiro de 2014

(Cacilda Sena - Relatora)

(Elisa Sales)


[1] Cf. acórdãos do tribunal da Relação do Porto de 28/09/2005, porc.0414867,05/07/2006, proc. 0612771, 30/09/2009, proc. 344/06.8, 06/06/2011, proc. 328/10.1GTBRg-A.G1 e 15/06/2011, proc. 422/08.9PIVNG-A.p1, do Tribunal da Relação de Évora, de 25/05/2011, proc. 2239/09.4PAPTM.E1, 12/07/2012, proc. 751/09.4PBSTR.E1 e 11/09/2012, proc. 459/07.9GBTVR.E1 do Tribunal da Relação de Guimarães de 06/06/2011, proc. 328/10.1GTBRG-A.G1, www.dgsi.pt.