Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2082/11.0TBPBL-O.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: DECISÃO DE FACTO
RELAÇÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
PODER DE DIRECÇÃO DO PROCESSO
ECONOMIA PROCESSUAL
Data do Acordão: 06/24/2014
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: POMBAL - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NOVOS MEIOS DE PROVA
Legislação Nacional: ARTS.6, 607, 652 Nº1 D), 662 Nº2 B) CPC
Sumário: 1 - O actual artigo 662.º do CPC configura uma clara evolução do sentido conferido pela lei à reapreciação da matéria de facto, tendo claramente consagrado a autonomia decisória dos Tribunais da Relação, aos quais compete formar e formular a sua própria convicção e, bem assim, conferindo-lhes a possibilidade de renovação de certos meios de prova e mesmo a produção de novos meios de prova, em casos de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.

2- Esta medida não significa a possibilidade de realização de um novo julgamento, destinando-se antes a servir para firmar uma convicção mais segura sobre determinado facto controvertido, devendo a Relação avaliar a prova que foi ou deveria ter sido produzida, mediante critérios objectivos que, atentas as circunstâncias, revelem a imprescindibilidade ou não de uma tal diligência complementar, visando sempre a superação de dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada.

3- Verificando-se a existência de tal dúvida fundada sobre o alcance da prova produzida, e não tendo sido determinada oficiosamente em primeira instância diligência reputada absolutamente essencial à formação da convicção quanto à prova ou não prova daquele facto cuja reapreciação é pedida pela recorrente, em obediência aos princípios da celeridade e da economia processual, é função do relator ordenar as diligências que considere necessárias, nos termos do artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que concretiza o poder de direcção do processo pelo juiz genericamente consagrado no artigo 6.º da referida codificação, tornando desnecessário que o processo baixe à primeira instância para recolha de uma prova essencial nos termos sobreditos e que o tribunal da Relação pode, por si mesmo, obter.

Decisão Texto Integral: Recurso próprio, tempestivo e recebido no efeito devido.

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Compulsados os autos entende-se necessária a produção de novos meios de prova, a determinar pela ora Relatora nos termos do disposto nos artigos 652.º, n.º 1, alínea d), e 662.º, n.º 2, alínea b), ambos do Código de Processo Civil[1].

I – RELATÓRIO

1. Nos autos de insolvência pendentes no Tribunal Judicial de Pombal, em que , A (...) Ld.ª, foi declarada insolvente, B (...) veio arguir nulidade processual decorrente de não ter sido incluída na lista dos credores apresentada a reclamação de créditos que invocou ter remetido ao Senhor Administrador de Insolvência, em 24/06/2012.

Para o efeito juntou o talão de aceitação de correspondências de correio registado (fls. 78 destes autos), com a referência RC 2618 5133 3 PT, do qual consta como destinatário o Senhor Administrador de Insolvência, e o carimbo da estação dos CTT de Abrantes, com a data de 2012.06.24.

A C (...), CRL, na qualidade de Presidente da Comissão de Credores, pronunciou-se invocando que a crer na data referida pela requerente como sendo a data da reclamação de créditos, a mesma terá sido apresentada fora de prazo.

Notificado o Senhor Administrador de Insolvência para esclarecer se lhe foi endereçada reclamação de créditos por parte da requerente e, em caso de resposta afirmativa, em que data tal sucedeu, veio o mesmo informar nos autos (fls. 74 do presente recurso em separado) que, «pese embora o facto de a requerente juntar comprovativo de remessa de reclamação de créditos em 24/06/2012 (fora do prazo legal fixado para a reclamação de créditos), o ora signatário não recepcionou a comunicação em apreço, conforme atesta com o print retirado do site dos CTT.

Face à resposta apresentada pelo Senhor Administrador de insolvência, a requerente veio então invocar não compreender por que razão aquele afirma que a reclamação foi intempestiva quando o anúncio do DR que dá causa ao início do prazo foi publicado em 30/03/2012 (DR 2.ª Série, n.º 65, p. 11840 (2)) aí se fixando uma dilação de 5 dias, tendo a expedição da reclamação de créditos sido efectuada em 24 de Abril de 2012, e sido recebida em 26 de Abril de 2012, conforme cópia do aviso de recepção correspondente, reconhecendo ter havido lapso de escrita nos seus anteriores requerimentos quanto à data da expedição da reclamação (24/06 em lugar de 24/04).

Juntou aviso de recepção (fls. 83 destes autos) com a referência RC 2618 5133 3 PT inserta em registo informático de leitura do código de barras, do qual consta a data “2012-04-24 15:18:11”, sendo destinatário o Senhor Administrador de Insolvência, constando o nome da requerente como pessoa à qual o aviso de recepção deve ser devolvido, e constando ainda no lugar destinado à identificação do receptor da correspondência um carimbo profissional, com o nome D (...), Solicitadora n.º (...), e aposta manuscrita uma rubrica e a data de 26/04/2012.

            Nessa sequência, foi proferido despacho (fls. 84 destes autos), que considerou que a decisão do incidente suscitado pela requerente carecia de produção de prova, notificando-a, bem como à comissão de credores, para indicarem os meios de prova.

            A requerente, para além do mais que ora não importa à decisão, remeteu para os dois supra referidos documentos.

            Após, na parte que ora importa, foi proferida a seguinte decisão:

            «(…) [N]ão resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão do presente incidente:

a) B (...) remeteu ao Sr. administrador da insolvência, em 24 de Abril de 2012, a peça processual cuja cópia se encontra a fls. 195 a 196 (aqui dada por integralmente reproduzida).

b) B (...) remeteu ao Sr. administrador da insolvência, em 24 de Junho de 2012, a peça processual cuja cópia se encontra a fls. 195 a 196 (aqui dada por integralmente reproduzida)

(…)

No mais, soçobrou a prova dos demais factos com relevância para a decisão do incidente alegados por B (...) (nomeadamente, da remessa, em 24 de Abril ou em 24 de Junho de 2012, da reclamação de créditos ao Sr. administrador da insolvência), visto que quanto a eles não foi produzida qualquer prova, não possuindo os documentos por ela apresentados força probatória suficiente para, por si sós, desacompanhados de quaisquer outras provas, conduzirem à demonstração da referida remessa da reclamação de créditos nas sobreditas circunstâncias de tempo, as quais foram transpostas com diferentes datas para a matéria de facto não provada, tendo em conta a duplicidade dos momentos temporais arguida a fls. 202.

(…) Ora, não logrou B (...) demonstrar, como lhe competia, a remessa ao Sr. administrador da insolvência da sua reclamação de créditos, quer em 24 de Abril de 2012, quer em 24 de Junho do mesmo ano.

Como tal, não se verifica a preterição de qualquer acto legalmente prescrito, mormente, a inclusão de B (...) na lista de credores a que alude o art.º 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.(…)

Pelo exposto, indefere-se o requerido a fls. 169 a 171 por B (...)».

             

2. Inconformada com esta decisão, a requerente apresentou o presente recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:     

«1ª A fls. 197 dos presentes autos foi junto o registo postal com a referência “RC 2618 5133 3 PT” que ostenta a aposição de carimbo mecânico com a seguinte data “2012-06-24”. (requerimento da ora recorrente de 17 de Abril de 2013, com a referência 13119793, ref.ªs Citius: 1056831 e 1056834).

2ª Por requerimento da ora recorrente de 16 de Outubro de 2013 (com a referência 14735379 e ref.ª Citius: 1145577) foi junto Aviso de Recepção referente ao registo postal constante de fls. 197, ou seja, o registo postal com a referência “RC 2618 5133 3 PT”, com o seguinte registo informático relativo à data e hora de entrega na estação dos correios de Abrantes, registo esse decorrente da leitura óptica do código de barras: “2012-04-24 15:18:11”. Ainda no mesmo Aviso de Recepção, na parte destinada a comprovar a recepção pelo destinatário, encontra-se manuscrito no lugar destinado à data “26/4/2012”, no lugar destinado à assinatura uma rúbrica e no lugar destinado à identificação do receptor o carimbo profissional da Dr.ª D (...), distinta solicitadora, com a cédula n.º (...).

3ª Nos artigos 16º e 17º do requerimento da ora recorrente de 16 de Outubro de 2013 (com a referência 14735379 e ref.ª Citius: 1145577) foi referido ter existido lapso de escrita em anteriores requerimentos quanto à data de expedição da reclamação (24/06 em lugar de 24/04).

4ª O erro provém do carimbo mecânico empregue pela estação de correios de Abrantes no talão de registo postal. Ou seja, certamente por lapso de algum seu funcionário, os CTT de Abrantes naquele dia e hora configuraram (rodaram) mal os números referentes ao mês, de tal sorte que, em lugar do número “04” referente ao mês de Abril em que ocorreu o registo, figurou o número “06” (parecendo, pois, que tudo se passaria em Junho).

5ª Como anteriormente se demonstrou o registo e o aviso de recepção respeitam ao mesmo objecto postal e, por isso, têm a mesma referência “RC 2618 5133 3 PT”. E, como parece não oferecer dúvidas, não só o registo informático relativo à data e hora de entrega na estação dos correios de Abrantes, registo esse decorrente da leitura óptica do código de barras ostenta: “2012-04-24 15:18:11”, como dúvidas também não existem quanto à data da recepção de tal correspondência: “26/4/2012”

6ª Tendo, pois, a reclamação de créditos sido enviada ao Sr. Administrador de Insolvência em 24 de Abril de 2012 e sido por este recebida em 26 de Abril de 2012, remessa essa efectuada sob registo com Aviso de Recepção com a referência “RC 2618 5133 3 PT”, sempre se imporia ter dado como provado que:

B (...) remeteu ao Sr. administrador da insolvência, em 24 de Abril de 2012, a peça processual cuja cópia se encontra a fls. 195 a 196.

O que se requer, nos termos do disposto no actual art. 662º, 1 CPC.

7ª E a tanto não obsta o facto de o Sr. Administrador da Insolvência referir nos autos que nada recebeu. Como a recorrente o demonstrou, enviou a reclamação de créditos, em tempo (24 de Abril de 2012), sob registo postal (referência “RC 2618 5133 3 PT”) e com aviso de recepção (com a mesma referência “RC 2618 5133 3 PT”). Tem, pois, a sua pretensão respaldo no disposto nos arts. 150º, 2, al. b) do anterior CPC e 364º CC.

8ª Não há, pois, quaisquer sucessivas (e diferentes, diga-se) versões trazidas ao processo. Há é, como se demonstrou, lapso de escrita inicial da ora recorrente, decorrente de errada configuração de um carimbo mecânico na Estação dos CTT de Abrantes que a induziu em erro. E só.

9ª O erro anteriormente demonstrado é, refira-se, subtil. De facto, apenas a constatação da identidade de referência entre o registo e o aviso de recepção (no caso “RC 2618 5133 3 PT”) permite a sua cabal demonstração. Ora, não se pode humanamente exigir a alguém a quem se entrega a função de julgar, no mesmo período de tempo, 1270 processos que esteja atento a pormenores subtis. O erro é, pois, absolutamente compreensível. Mas existe. E ao existir conduziu, com referência ao registo e aviso de recepção supra mencionados à violação do disposto nos arts. 150º, 2, al. b) do anterior CPC e 364º CC

10ª O mesmo erro determinou que, na decisão recorrida, não se tenha, nos termos do disposto no art. 201º do anterior CPC (actual art. 195º, 1), declarado a nulidade processual correspondente à não inclusão da ora recorrente ou na lista dos credores reconhecidos, ou na lista dos credores não reconhecidos, assim como dos actos processuais subsequentes a tal omissão.

11ª E tal inclusão, numa ou outra listas, decorreria, salvo melhor opinião, do necessário e prévio reconhecimento da apresentação tempestiva, pela ora recorrente, da sua reclamação de créditos junto do Sr. Administrador de Insolvência.

12ª Foram, pois, também violadas as normas dos arts. 195º, 1 e 2 CPC e 128º e 129º CIRE.

TERMOS EM QUE:

Deve a decisão em matéria de facto ser alterada nos termos expostos na precedente conclusão 6ª.

Deve, outrossim, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo o envio tempestivo da reclamação de créditos pela recorrente, declare nulo o processado posterior à elaboração das listas de credores reconhecidos e não reconhecidos, ordenando a inclusão da recorrente numa de tais duas listas.

Vossas Excelências, porém, farão a costumada JUSTIÇA!».

3. Pela credora/reclamante C (...) foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida em virtude de a ora recorrente não ter apresentado prova de ter enviado a reclamação de créditos, como lhe competia.

II. O objecto do recurso.

Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha.

O âmbito deste recurso respeita primordialmente à questão de saber se o Tribunal recorrido fixou ou não devidamente os factos não provados, designadamente se deve ou não alterar-se de não provado para provado, o facto de “que B (...) remeteu ao Sr. Administrador da Insolvência, em 24 de Abril de 2012, a peça processual cuja cópia se encontra a fls. 195 a 196”, porquanto só este poderia determinar a procedência do seu pedido posto ser pacífico que, caso a mesma tivesse expedido a reclamação de créditos em 24 de Junho de 2012, como inicialmente invocara, a reclamação seria claramente intempestiva (em face da data da publicação no DR), não determinando qualquer alteração à tramitação processual havida nos autos.

Considerando que a impugnação da matéria de facto foi efectuada pela ora Recorrente em obediência ao preceituado no n.º 1 do artigo 640.º do CPC, mostram-se reunidos os requisitos formais de admissibilidade do recurso nesta parte, interposto com vista à alteração da decisão de facto pela Relação.

Conforme é consabido, já no domínio da redacção do CPC anteriormente vigente devia entender-se que, na reapreciação da matéria de facto, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da livre apreciação da prova actualmente consagrado no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, (antes previsto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC), têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo Juiz a quo[2].

Porém, o actual artigo 662.º do CPC configura uma clara evolução do sentido conferido pela lei à reapreciação da matéria de facto, tendo claramente consagrado a autonomia decisória dos Tribunais da Relação, aos quais compete formar e formular a sua própria convicção e, bem assim, conferindo-lhe a possibilidade de renovação de certos meios de prova e mesmo a produção de novos meios de prova, em casos de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.

Esta medida não significa a possibilidade de realização de um novo julgamento, destinando-se antes a servir para firmar uma convicção mais segura sobre determinado facto controvertido, designadamente quando para tal baste a apreciação de algum documento cuja junção pudesse ser oficiosamente decretada ou a determinação de alguma perícia, devendo a Relação avaliar a prova que foi ou deveria ter sido produzida, mediante critérios objectivos que, atentas as circunstâncias, revelem a imprescindibilidade ou não de uma tal diligência complementar, visando sempre a superação de dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada[3].

Ora, no caso em apreço, se no momento do primeiro requerimento apresentado nos autos pela ora recorrente o Senhor Juiz adoptou uma postura compatível com o preceituado no artigo 411.º do CPC, ordenando oficiosamente a notificação do Senhor Administrador de Insolvência para esclarecer se havia recebido a reclamação de créditos que aquela invocara ter enviado em 24/06/2012, já aquando da apresentação do segundo requerimento, quando a mesma, notificada da resposta daquele e juntando documento correspondente a aviso de recepção de correspondência dirigida ao Senhor Administrador, com data de expedição de 24/04/2012 e de recepção a 26/04/2012, invocou ter havido lapso na data indicada, não foi actuado o mesmo princípio do inquisitório.

Ora, de acordo com este princípio, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. E a notificação do Senhor Administrador de insolvência para os fins constantes da primeira notificação efectuada, desta feita com referência à data constante do aviso de recepção junto pela requerente aos autos, constituía, sem duvida, a primeira diligência necessária ao apuramento da verdade, que devia ter sido praticada nos autos, conforme acertadamente se havia feito relativamente ao primeiro requerimento.

Tal não ocorreu e, mercê da remissão da requerente para os documentos juntos aos autos - que efectivamente não nos dizem qual a correspondência expedida pela requerente em 24/04/2012 e recebida pelo Senhor Administrador em 26/04/2012 -, veio o Senhor Juiz a considerar não provado tal facto.

Acontece, porém, que os dois documentos a que nos reportamos têm efectivamente o mesmo número de registo, e apresentam datas de expedição diferentes (24/06/2012 no carimbo mecânico e 24/04/2012 no carimbo electrónico), tendo o Senhor Administrador efectuado a verificação solicitada por via da notificação para o efeito enviada apenas relativamente à data do primeiro documento, único que então constava nos autos, e não se tendo pronunciado quanto ao facto de ter ou não recebido no dia 26/04/2012 a reclamação de créditos que a requerente invoca ter enviado no dia 24/04/2012.

Ora, atenta esta prova documental e o supra referido princípio, com vista ao apuramento da verdade sobre o requerimento apresentado pela ora Recorrente, impunha-se ao Senhor Juiz, antes até de determinar a apresentação de outros meios de prova, ter actuação semelhante à primeiramente adoptada, notificando o Senhor Administrador de Insolvência, com cópia do aviso de recepção apresentado pela requerente, para esclarecer qual a correspondência que lhe foi remetida por B (...) no dia 24/04/2012, e recebida pela Senhora Solicitadora, no dia 26/04/2012, e designadamente se a mesma coincidia ou não com a reclamação de créditos apresentada pela requerente nos autos como sendo a correspondência então remetida, diligência absolutamente essencial à formação da convicção quanto à prova ou não prova daquele envio.

Não tendo tal diligência sido levada a cabo pela primeira, e tendo sido pedida a reapreciação da prova pela Recorrente no sentido de que tal facto se considere provado, em nossa análise objectiva e crítica da prova produzida em primeira instância, considera-se a existência de dúvida fundada sobre a prova realizada, a que se refere o artigo 662.º, n.º 2, alínea b), do CPC, reputando-se absolutamente essencial, para formação da convicção neste Tribunal da Relação, a produção de prova nos termos sobreditos.

Ora, para que a mesma seja possível com todos os elementos reputados essenciais para o julgamento do recurso, é função do relator ordenar as diligências que considere necessárias, nos termos do artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que concretiza o poder de direcção do processo pelo juiz genericamente consagrado no artigo 6.º da referida codificação, permitindo revalorizar a função dos tribunais superiores, introduzindo um factor de eficiência que faça jus aos princípios da celeridade e da economia processual[4], e tornando desnecessário que o processo baixe à primeira instância para recolha de uma prova que o tribunal da Relação pode, por si mesmo, obter.

Nestas diligências a determinar pelo relator incluem-se, naturalmente, a produção de meios de prova que, como no caso dos autos, podem ser efectuadas por mera notificação, o que se ordenará previamente à decisão relativa à reapreciação da matéria de facto, nos termos dos supra citados normativos.


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III. - Síntese conclusiva

I - O actual artigo 662.º do CPC configura uma clara evolução do sentido conferido pela lei à reapreciação da matéria de facto, tendo claramente consagrado a autonomia decisória dos Tribunais da Relação, aos quais compete formar e formular a sua própria convicção e, bem assim, conferindo-lhes a possibilidade de renovação de certos meios de prova e mesmo a produção de novos meios de prova, em casos de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.

II - Esta medida não significa a possibilidade de realização de um novo julgamento, destinando-se antes a servir para firmar uma convicção mais segura sobre determinado facto controvertido, devendo a Relação avaliar a prova que foi ou deveria ter sido produzida, mediante critérios objectivos que, atentas as circunstâncias, revelem a imprescindibilidade ou não de uma tal diligência complementar, visando sempre a superação de dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada.

III – Verificando-se a existência de tal dúvida fundada sobre o alcance da prova produzida, e não tendo sido determinada oficiosamente em primeira instância diligência reputada absolutamente essencial à formação da convicção quanto à prova ou não prova daquele facto cuja reapreciação é pedida pela recorrente, em obediência aos princípios da celeridade e da economia processual, é função do relator ordenar as diligências que considere necessárias, nos termos do artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que concretiza o poder de direcção do processo pelo juiz genericamente consagrado no artigo 6.º da referida codificação, tornando desnecessário que o processo baixe à primeira instância para recolha de uma prova essencial nos termos sobreditos e que o tribunal da Relação pode, por si mesmo, obter.


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     IV - Decisão

     Pelo exposto e antes de mais, com cópia deste despacho e do aviso de recepção de fls. 83, notifique o Senhor Administrador de Insolvência (ali identificado), para esclarecer nestes autos qual a correspondência que lhe foi remetida por B (...) no dia 24/04/2012, e recebida pela Senhora Solicitadora (ali identificada) no dia 26/04/2012, e designadamente se a mesma coincide ou não com a reclamação de créditos apresentada pela requerente nos autos (fls. 76 e 77) como sendo a correspondência então remetida.

     Prazo: 10 dias, devendo com a resposta ser junta a cópia da correspondência recepcionada pela Senhora Solicitadora e dirigida ao Senhor Administrador de Insolvência.

     Notifiquem-se ainda a Recorrente e a C (...).


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                                                                         Coimbra, 24 de Junho de 2014

                                                                                            

                                                                      Albertina Maria Gomes Pedroso

[1] Doravante abreviadamente designado CPC, sendo aplicável aos termos do presente recurso o texto decorrente do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, por estar em causa decisão recorrida posterior a 1 de Setembro de 2013 – cfr. artigos 5.º, 7.º, n.º 1 e 8.º.

[2] Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista e Actualizada, págs. 311 e 313; e na jurisprudência, de forma meramente exemplificativa, Ac. STJ de 24-05-2012, processo n.º 850/07.7TVLSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt. 
[3] Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina 2013, págs. 225, 232 e 233.
[4] Cfr. Abrantes Geraldes, ob.cit. pág. 191.