Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
364/12.3TALRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: INQUÉRITO
ESCUTA TELEFÓNICA
SUSPEITO
Data do Acordão: 03/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 187.º E 189.º DO CPP
Sumário: I - A transcrição da gravação de conversações ou comunicações telefónicas obtidas no decurso de um inquérito, conquanto não possam valer como meio de prova no âmbito de outro, quando o suspeito neste não integra qualquer alvo e não detém a referida qualidade naquele, têm sempre, na descrita situação, um valor residual para efeitos de notícia de outro crime a investigar, que é salvaguardado pelo primeiro segmento do n.º 7 do artigo 187.º do CPP (“Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º (…)”.

II - Assim, tendo o Ministério Público requerido, no âmbito do “outro” inquérito, autorização para a realização de escutas, com vista à obtenção de meios de prova no apuramento de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1, do Código Penal, no qual é suspeito pessoa sem esta qualidade no inquérito de onde proveio a gravação referida no ponto I., o JIC, ao invés de indeferir o requerimento, deveria ter pautado a sua actuação tão-só no sentido de apreciar e decidir se as escutas requeridas podiam (ou não) ser feitas à luz das exigências/requisitos previstos no n.º 1 do artigo 187.º do CPP e se a pessoa visada se inseria no leque dos sujeitos mencionados nas alíneas do n.º 4 desse artigo.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

Nos autos Inquérito com o nº 364/12.3TALRA, a correr termos na 2ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Leiria, por despacho ali constante de fls. 76 e 77, proferido em 02/07/2012, e depois de mencionar que em tal inquérito se investigam factos eventualmente integradores do cometimento de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo art°. 373° n° 1 do Código Penal em que é suspeito A... o digno magistrado do Ministério Público requereu ao Mmo Juiz de Instrução que se digne ordenar a realização das seguintes diligências:

• interceção pela TMN e gravação das comunicações de e para o cartão n°., assim como ao IMEI que lhe estiver associado e a todos os números que este venha a utilizar a partir desta data, pelo período mínimo de 30 dias

• interceção pela TMN e gravação das comunicações de e para o cartão n°., assim como ao IMEI que lhe estiver associado e a todos os números que este venha a utilizar a partir desta data, pelo período mínimo de 30 dias

• disponibilização pela TMN do registo de “trace-back”, da localização celular e de listagens das chamadas recebidas e efectuadas relativas a todas as interceções, no mesmo período de tempo.

                                                    *

Depois de entretanto terem sido juntos aos autos os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram intercepções telefónicas ocorridas no âmbito do Inquérito nº 130/11.3JALRA, o Mmo Juiz de Instrução, em 15/12/2012, proferiu despacho (constante de fls. 281 a 284 destes autos - certidão) a indeferir a realização das requeridas diligências.

                                         *

Inconformado com tal despacho, dele interpõe o Ministério Público o presente recurso (constante de fls. 286 a 291), do qual se retiram as seguintes conclusões (transcrição):

CONCLUSÕES:

1. O inquérito n°. 364/12.3TALRA foi instaurado com base numa certidão extraída do inquérito n°. 130/11.3JALRA da Procuradoria do Circulo de Leiria em ordem a investigar factos eventualmente integradores da prática de um crime de corrupção passiva, p.p. pelo art°. 373°.n°. 1 CP, em que é suspeito A...,.

2. Consubstanciado esse ilícito na imputada prestação de informações privilegiadas por um elemento da área do ambiente da GNR a um individuo cuja conduta ia ser alvo de acções policiais de fiscalização ambiental, programadas então para ter lugar em datas próximas, com possibilidade de angariação por parte do referido elemento da GNR de contrapartidas de natureza patrimonial.

3. Constando aquela certidão, na essência, das transcrições das gravações de três conversações efectuadas no âmbito do inquérito no. 130/11.3JALRA pelo ali suspeito … , as quais correspondem às sessões n°s. 10991, 10992 e 26341, e respectivos despachos judiciais de validação.

4. Entretanto, foi requerida no âmbito do inquérito n°. 364/12.3TALRA, a fls. 76 a 77, a realização pela TMN de novas intercepções telefónicas e a prestação de diversos elementos relacionados com as mesmas, tendo por base os cartões n°s …. e …, utilizados por A... e mulher.

5. Requerimento esse que, por despacho de 307 a 311, citando o disposto no art°. 187°.n°s. 4 e 7 CPP, foi indeferido pelo Mm°. Juiz de Instrução, que considerou que:

• A... e esposa não figuram na qualidade de suspeitos, arguidos, intermediários ou vitimas

• valendo as supra mencionadas intercepções telefónicas extraídas do inquérito n°. 130/11.3JALRA apenas como notícia de crime, não podem as mesmas determinar a realização de novas intercepções telefónicas.

6. Discorda-se, porém, do teor do citado despacho, atento o previsto no aludido art°. 187°.n°s. 4 e 7 CPP.

7. Com efeito, as gravações das três conversações em causa podem ser utilizadas no âmbito dos presentes autos, dado que:

• resultaram da intercepção de um meio de comunicação utilizado por um individuo considerado suspeito no inquérito n°. 130/11.3JALRA, a saber … .

• e visam investigar a actuação de uma pessoa igualmente tida por suspeita, desta feita no âmbito do inquérito n°. 364/12.3TALRA, ou seja A...

• sendo tais gravações indispensáveis à prova da eventual prática de um crime previsto no número um do citado art°. 187°. CPP (corrupção passiva).

8. Mas mesmo que assim não se entenda, há que ter em conta a ressalva contida no art°. 187°.n°. 7 CPP, segundo a qual as referidas gravações de conversações sempre valem como noticia de crime.

9. Podendo as mesmas, enquanto tal, legitimar o deferimento da requerida realização de novas intercepções telefónicas no âmbito do inquérito n°. 364/12.3TALRA, com disponibilização dos demais elementos requeridos.

10. Por tais gravações conterem em si a indiciação da prática de um crime, estando ao caso reunidos todos os demais pressupostos legais previstos no art°. 187°. CPP para a realização das requeridas diligências.

11. Assim, por tal se revelar indispensável quer para a descoberta da verdade quer para a prova, e por ter sido violado o estatuído no art°. 187°. CPP, requer-se que seja ordenada a revogação do despacho do Mm°. Juiz de Instrução proferido em 15.12.2012, a fls. 307 a 311 do inquérito n°. 364/12.3TALRA, e a sua substituição por um outro que determine a realização das diligências promovidas pelo Ministério Público a fls. 76 a 77 dos referidos autos. A saber:

• a interceção pela TMN e a gravação das comunicações de e para os cartões n°s. …., utilizados por A... e mulher, assim como aos IMEI’s que lhes estiverem associados e a todos os números que estes venham a utilizar, pelo período mínimo de 30 dias

• com disponibilização pela TMN do registo de “trace-back”, da localização celular e de listagens das chamadas recebidas e efetuadas relativas a todas as interceções, no mesmo período de tempo.

*

Nestes termos e nos mais de Direito deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho proferido pela Mm°. Juiz de Instrução do Tribunal “a quo” a fls. 307 a 311 do inquérito n°. 364/12.3TALRA, e substituindo-se o mesmo por outro que determine a realização das diligências promovidas pelo Ministério Público a fls. 76 a 77 dos mesmos autos.

NO ENTANTO, VEXªS. FARÃO A NECESSÁRIA E COSTUMADA JUSTIÇA! “

                                         *

Ao admitir do recurso, o Mmo Juiz a quo sustentou o despacho recorrido.

                                         *

Nesta instância o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da procedência do recurso.

Corridos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO
Vejamos o que é dito no despacho recorrido que passaremos a transcrever na íntegra:

 “Veio o DM do MP, a fls. 76 ss dos autos, requerer os meios de obtenção de prova que aqui dou por reproduzidos, com os fundamentos de que se trata de diligência imprescindível para a investigação em curso.

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Só agora se encontram preenchidos os requisitos previstos no art.° 187°, n.° 8 do Código P. Penal com a junção dos suportes técnicos e de todos os despachos que fundamentam as respectivas intercepções e que constitui questão prévia quanto ao promovido.

Nos termos do art.° 187°, n.° 1 do CPP na redacção introduzida pela Lei n.° 48/07 , de 29 de Agosto a intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser ordenadas ou autorizadas durante o inquérito , se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria , de outra forma , impossível ou muito difícil de obter , por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do MP quanto aos crimes referidos nas al. b) , c) , d) , e) , f) e g) do citado preceito, ou no geral em crimes puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;

No caso concreto dos autos reportam-se os presentes autos de inquérito à prática, do crime de corrupção passiva p. e p. pelo art.° 373°, n.° 1 do Código Penal

Sucede que os presentes tiveram início através de certidão dos autos 130/11.3 JALRA relativa a intercepções das comunicações telefónicas pelo que há que trazer à colação o disposto no art.° 187°, n.° 7 do CPP que dispõe que sem prejuízo do disposto no art.° 248° do CPP relativo à comunicação da natureza do crime a gravação de conversações telefónicas ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo em curso ou a instaurar se tiver resultado da intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.° 4 do citado diploma e na medida que for indispensável à prova de crime previsto no n.° 1.

O preceito em causa aborda o aproveitamento extraprocessual dos chamados conhecimentos fortuitos que se logra obter através de escutas telefónicas em determinado processo.

O caso insere-se na questão relativa à distinção entre os conhecimentos fortuitos / investigação - concordando-se com a definição jurisprudencial de que se desataca do douto Acórdão da Relação de Lisboa de 11/10/2007 proferido no processo n° 3577 07 9), como sendo conhecimentos da investigação os factos obtidos através de uma escuta telefónica legalmente efectuada que se reportam ou ao crime cuja investigação legitimou as escutas ou a um outro delito que esteja baseado “na mesma situação histórica de vida”, sendo que os conhecimentos fortuitos já serão todos aqueles que exorbitam o núcleo de fontes de informação previstas no meio de obtenção da prova em causa, atingindo a esfera jurídica de terceiros, bem como aqueles que, atendendo ao seu conteúdo, não se prendem com a factualidade que motivou o recurso a tal meio.

No caso dos autos verifica-se em conformidade com os despachos do JIC proferidos no processo 130/11.3JALRA e juntos aos autos — v. fls. 96 que em tais autos se investigavam factos susceptíveis de integrar a prática dos crimes de burla qualificada p. e p. pelo art.° 218°, n.° 2 alínea a) , de receptação qualificada p. e p. pelo art.° 231°, n.° 4 , e ainda o crime de peculato p. e p. pelo art.° 375° todos do Código Penal.

Ora o regime legal consagrado quanto aos conhecimentos fortuitos em relação às escutas telefónicas com vista a serem utilizados como meio de prova em outro processo, como nos presentes autos, depende de se estar perante um crime do catálogo legal e em relação a pessoa que possa ser incluída no catálogo legal de alvos.

Verifica-se dos despachos de fls. 81 a 293 que os indivíduos A... e  esposa nunca figuraram como suspeitos, arguidos,  intermediários ou vitimas em conformidade com o disposto no art.° 187°, n.° 4 do CPP.

Em conformidade, embora se esteja perante um crime do catálogo, verifica-se que as intercepções telefónicas apenas podem ser valoradas para efeito de noticia de crime não podendo ser utilizadas como meio de prova para determinar a sustentação de um juízo de suspeita contra os visados, e por sua vez determinar novas intercepções telefónicas. Sucede que sem o uso das intercepções telefónicas não é possível sustentar o juízo de suspeita de crime de corrupção quanto aos visados.

Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário do Código de Processo Penal, 2008, p. 506 e Germano Marques da Silva , Curso de Direito Penal ano 2002 p. 225. Também ainda o Acórdão do STJ de 4-5-2006 , in CJ , XIV, tomo 2, 175.

Por força do disposto no art.° 189 ° do CPP verifica-se que o disposto nos artigos 187° e 188° são extensíveis a pretensão do registo de trace-back , da localização celular e de listagens de chamadas e recebidas e efectuadas relativas a todas as intercepções, no mesmo período de tempo.

Pelo exposto, e em conformidade com as considerações que antecedem indefere-se as requeridas intercepções telefónicas e dados de tráfego em relação aos visados A... e … .

Registe e notifique o MP.”

                                                                      *

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (arts 403º e 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

No caso vertente, e vistas as conclusões do recurso em afronta com o despacho recorrido que acabámos de transcrever, o objecto do presente recurso consiste em saber se - a partir do que resulta das gravações de conversações telefónicas provenientes de um outro inquérito e que deram início ao presente inquérito - no âmbito do presente inquérito se pode enveredar por novas intercepções de comunicações telefónicas sobre uma pessoa diversa daquelas que naquele inquérito tinha sido alvo de intercepção de comunicações telefónicas.

Apreciemos.

Tal como já decorre mencionado no antecedente relatório, no âmbito do presente Inquérito (que tem o nº 364/12.3TALRA), em 02/07/2012 - e depois de mencionar que “nos presentes autos investigam-se factos eventualmente integradores do cometimento de um crime de corrupção passiva, p.p. pelo artº 373º. nº 1 CP, em que é suspeito A..., casado com  … – o Ministério Público requereu ao Mmo Juiz de Instrução que se digne ordenar a realização das seguintes diligências já supra referidas  no início do relatório que antecede.

Fundamentou o Ministério Público a sua pretensão no teor do relatório da Polícia Judiciária que antecedeu o seu requerimento, no disposto nos arts 187º nº 1 a) e 189º, ambos do Código de Processo Penal e por tal se revelar indispensável quer para a descoberta da verdade quer para a prova.

E tal requerimento/promoção foi indeferida pelo despacho recorrido que já atrás se transcreveu.

Vejamos o que estabelece o artigo 187º (na parte em que aqui interessa) e o artigo 189º, ambos do Código de Processo Penal.

Artigo 187.º

Admissibilidade

1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:

a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;

b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;

c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;

d) De contrabando;

e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;

f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou

g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.

(…)

4 - A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:

a) Suspeito ou arguido;

b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou

c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.

5 - É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.

6 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.

7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.

8 - Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito.

Por sua vez, dispõe o artigo 189º, sob a epígrafe “Extensão”:

1 - O disposto nos artigos 187.º e 188.º é correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e à intercepção das comunicações entre presentes.

2 - A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo.”

Ora, salvo o muito devido respeito por opinião contrária, o Mmo Juiz a quo ao trazer à colação o nº 7 do artigo 187º para recusar as requeridas intercepções telefónicas e as demais diligências, enveredou por um caminho que, concretamente, não tinha razão de ser no caso dos autos face ao que lhe tinha sido pedido pelo Ministério Público.

É certo que, pelos elementos trazidos aos presentes autos e também pelo que os presentes autos nos dão conta, o aqui suspeito A..., naquele Inquérito nº 130/11.3JALRA não se inclui na veste de um qualquer dos alvos ali escutados e a que aludem as alíneas do nº 4 do artigo 187º do Código de Processo Penal – ou seja, ali não figura como suspeito, arguido, intermediário ou vítima.

Por isso mesmo, e face ao que dispõe o nº 7 do artigo 187º do Código de Processo Penal, as gravações de intercepções telefónicas realizadas naquele inquérito não podem, nos presentes autos, ser utilizadas como meio de prova.

Mas no requerimento que esteve na origem do despacho recorrido, o Ministério Público não tinha requerido que valessem como meio de prova as gravações resultantes das intercepções telefónicas realizadas naquele originário Inquérito nº 130/11.3JALRA. Apenas e tão só, na sequência da abertura do presente inquérito com base na recepção de certidão de peças daquele originário Inquérito (nº 130/11) e depois de, já neste Inquérito (nº 364/12), terem sido colhidos outros elementos pelo inspector da Polícia Judiciária tendentes à concreta identificação do suspeito destes autos (o referido A...), o Ministério Público requereu a realização das escutas e a obtenção de outros meios de prova tendo em vista o apuramento da prática de um crime de corrupção passiva p. e p. 373º nº 1 do Código Penal, em relação ao qual, no nosso inquérito, é suspeito o referido A.... E a definição de suspeito consta do artigo 1º, al. e) do Código de Processo Penal, como “toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar”.

Sendo certo que, como já dissemos, as gravações resultantes daquele originário inquérito não valem como meio de prova no âmbito dos presentes autos, as mesmas sempre têm um valor residual, tal como tiveram, para efeitos de notícia do crime, a pontos de terem dado origem à abertura do presente Inquérito. E esse valor residual até é salvaguardo pelo primeiro segmento do nº 7 do artigo 187º do Código de Processo Penal quando menciona: “Sem prejuízo do disposto no artigo 248º, (…)”.

E, como atrás referimos, tendo o Ministério Público requerido ao Mmo JIC a quo que se dignasse autorizar a realização das escutas e a realização de outras diligências com vista à obtenção de meios de prova no apuramento da prática de um crime de corrupção passiva p. e p. pelo 373º nº 1 do Código Penal, em relação ao qual, no nosso inquérito, é suspeito o referido A..., o Mmo Juiz apenas e tão só deveria ter pautado a sua actuação no sentido de apreciar e decidir se as escutas requeridas podiam ou não ser feitas à luz da exigências/requisitos a que alude o nº 1 do artigo 187º do Código de Processo Penal e se a pessoa a escutar se inseria no leque dos sujeitos a que aludem as alíneas do nº 4 de tal artigo.
E apesar de no despacho recorrido não ter posto em causa que o crime de corrupção passiva a que alude o artigo 373º nº 1 do Código de Processo Penal (porque punível com pena de prisão superior a 3 anos) seja um “crime de catálogo” incluído na alínea a) do nº 1 do artigo 187º, nem de ter posto em causa que o mencionado A..., nestes autos, é suspeito de tal crime, o Mmo Juiz a quo (enveredando por outro caminho que, tal como fizemos alusão, não fazia sentido perante o que lhe havia sido peticionado pelo Ministério Público) apenas não analisou se as intercepções telefónicas e a obtenção de outros meios de prova que lhe tinham sido requeridas se justificavam ou não e, nessa medida, se as poderia ou não autorizar.

Falha, pois, a apreciação das exigências estabelecidas no corpo do nº 1 do artigo 187º relacionadas com a observância dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade subjacentes à autorização das intercepções telefónicas e da obtenção dos dados de localização celular ou de registo da realização de conversações ou comunicações, exigências que deverão ser observadas por força do que estipula o artigo 189º do Código de Processo Penal (e já atrás transcrito).

Com efeito, o art. 34º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, acolhe no seu nº4 o princípio da inviolabilidade dos meios de comunicação privada – incluindo expressamente as telecomunicações que aqui nos ocupam – estabelecendo que as restrições a tal direito apenas podem ter lugar em matéria de processo criminal e desde que previstas na lei (reserva de lei), resultando do art. 18º da mesma Lei Fundamental que as restrições legalmente consagradas devem obedecer ainda aos requisitos ou pressupostos materiais da necessidade, adequação e proporcionalidade, cabendo, pois, em primeira linha ao legislador ordinário assegurar estes mesmos pressupostos ao legislar sobre a matéria.

E na matéria que nos ocupa, o legislador processual penal fá-lo ao estabelecer nas alíneas do nº1 do art. 187º do CPP um catálogo fechado de crimes em relação aos quais é admissível a escuta telefónica (grosso modo) e ao fixar no nº 4 do mesmo art. 187º um catálogo fechado de alvos da escuta ou da obtenção e junção dos registos de conversações telefónicas (no que aqui importa) a que se refere o art. 189º nº2 do CPP.

Para além do comando dirigido ao legislador, a Constituição da República Portuguesa impõe especificamente ao juiz (in casu ao JIC), enquanto agente de intervenção restritiva de direitos, liberdades e garantias, que respeite aqueles princípios (ou subprincípios) da necessidade, adequação e proporcionalidade, ao decidir no âmbito da reserva de juiz (art. 269º do CPP), se autoriza a escuta legalmente admissível à luz dos critérios materiais estabelecidos no nº 1 do art. 187º, ou seja, por considerar ser indispensável a diligência ou tratar-se de prova impossível ou muito difícil por outro meio, autorização essa que a ser concedida deverá revelar-se através de “despacho fundamentado” e na sequência de requerimento do Ministério Público onde peticiona tal autorização (cfr. corpo do nº 1 do artigo 187º).

Assim, e considerando que o crime em investigação neste Inquérito é um crime de catálogo enquadrável na alínea a) do nº 1 do artigo 187º e que está identificado/concretizado quem é o suspeito sobre quem foram requeridas as intercepções e gravações de comunicações e a obtenção dos demais dados de tráfego mencionadas no requerimento do Ministério Público, terá o Mmo Juiz a quo de, em conformidade com o que estabelece o corpo do nº 1 do artigo 187º, aplicável por força da extensão do artigo 189º ambos do Código de Processo Penal, tomar concreta posição, de forma fundamentada, quanto à autorização (e nesta hipótese se de âmbito total ou parcial) ou não das diligências que haviam sido requeridas pelo Ministério Público. E a prolação de tal despacho torna-se imperiosa por forma a não postergar a possibilidade de recurso sobre o despacho que vier a ser proferido.
                                                    *

III – DISPOSITIVO:

Nos termos e fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em, concedendo parcial provimento ao recurso, determinar o Mmo Juiz a quo, proceda à elaboração de novo despacho no sentido de autorizar ou não a realização das diligências que pelo Ministério Público haviam sido requeridas a fls. 76 e 77, depois de analisar criteriosamente as exigências plasmadas pelo corpo nº 1 do artigo 187º do Código de Processo Penal.

Sem custas.

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Luís Coimbra (Relator)
Cacilda Sena