Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2374/19.0T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO
HONORÁRIOS
Data do Acordão: 06/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 542, 543 CPC
Sumário: I - No que respeita à fixação da indemnização por litigância de má fé, nos termos do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 543.º do C.P.C., o juiz «com prudente arbítrio», «opta pela indemnização que julgue mais adequada», segundo «o que parecer razoável», depois de «ouvidas as partes», o que implica que não se exija produção formal de provas como ocorre na audiência de julgamento.

II - O prudente arbítrio, a razoabilidade, arrancam de uma correspondência entre o que se tem por razoável e a realidade histórica e esta, na falta de produção de provas, obtém-se apelando aos dados que constam do processo, às alegações das partes, ao que é comum acontecer na vida quotidiana, às regras da experiência.

III – Se o mesmo interesse económico for suscetível de ser tutelado por mais que uma norma, o titular do interesse/direito pode optar por qualquer delas, ficando precludida a outra via.

IV - A indemnização originada pela litigância de má fé não está limitada ao valor fixado para a respetiva multa.

V – Os honorários de advogado são fixados tendo em consideração os critérios estabelecidos no Estatuto da Ordem dos Advogados (artigo 105.º) e não se acordo com os montantes estabelecidos na Portaria n.º 1386/2004 de 10 de novembro para o apoio judiciário.

Decisão Texto Integral:


Recorrente…………………... G (…), Lda;

Recorridos…………………...J (…) e O (…)


*

I. Relatório

a) O presente recurso respeita ao montante de indemnização por litigância de má fé em que a recorrente foi condenada nos autos, os quais respeitam a uma providência cautelar de arresto.

 A decisão tomada foi esta:

«Nos presentes autos de providência cautelar instaurados pela requerente “G (…), Lda.” contra os requeridos J (…) e O (…), foi proferida a decisão de fls. 216 e ss. Nessa decisão, foi ordenado o levantamento do arresto anteriormente ordenado, e a requerente foi condenada como litigante de má fé, na multa de 8 UC, e numa indemnização a favor dos requeridos, a liquidar em momento posterior.

Com vista à liquidação de tal indemnização, os requeridos vieram apresentar o requerimento com a referência 27026998 (fls. 249), no qual, no essencial, alegaram ter suportado com encargos do processo (taxa de justiça e encargos com perícia) a quantia de €702,01, a que acresce o valor de € 2.535,00 de honorários a pagar ao respetivo mandatário, €100,00 relativos a despesas com as deslocações ao tribunal e € 1.000,00 relativos a danos morais que sofreram com a instauração da presente providência.

Exercendo contraditório relativamente a tal requerimento, a requerida pronunciou-se (ref. 27163709 – fls 314 e ss) considerando, desde logo, que a liquidação da indemnização não deveria ser efetuada de imediato, dado que interpôs recurso de apelação, com efeito suspensivo da decisão proferida quanto à litigância de má fé. Mais defendeu que os requeridos devem ser ressarcidos das taxas de justiça por via do mecanismo das custas de parte e que à indemnização não deve ser atribuído um valor superior ao da multa fixada, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso. Defendeu ainda que não devem ser incluídas na indemnização as despesas com a deslocação das testemunhas e perda de salários, dado que podem lançar mão dos mecanismos legais previstos para o efeito.

A requerente considerou ainda que relativamente a honorários deverá ter-se por base a Portaria 1386/2004, de 10 de novembro, pelo que a esse título deverá ser fixada a quantia indemnizatória de € 204,00. A requerida impugnou ainda a matéria alegada quanto aos danos morais considerando que, caso se entenda serem os mesmos ressarcíveis, a respetiva parcela indemnizatória nunca deve ultrapassar os €150,00.

Foi proferido despacho que relegou a fixação da indemnização devida à contraparte por litigância de má fé para momento ulterior ao da decisão do recurso que havia sido interposto da decisão final (referência 909/17.2T8VIS – fls. 346).

Por ter sido julgado improcedente o recurso interposto da decisão final, esta transitou em julgado.

Cumpre agora liquidar a indemnização devida por força da condenação da requerente “G (…), Ldª” como litigante de má fé.

Ora, como se postula no artigo 542º, nº 1, do Código de Processo Civil, “tendo

litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”.

Sucede que a requerente foi como se referiu, condenada como litigante de má fé, e os requeridos solicitaram a sua condenação em indemnização a favor deles.

Assim, deve recorrer-se ao preceituado no artigo 543º, n.º 1, CPC, segundo o qual a referida indemnização pode traduzir-se “no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos” (al. a), ou “no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária consequência direta ou indireta da má fé” (al. b). Em qualquer caso, “o juiz optará pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa”, “com prudente arbítrio, (…) podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte” – nº 2 da citada norma legal.

Assim, no caso em apreço, julgamos que a má fé da requerente obrigou os requeridos a litigar na presente providência, assim realizando despesas com os honorários do ilustre mandatário que tiveram de constituir, aí se incluindo também as despesas inerentes ao mandato. Tais honorários e despesas suportadas pelo mandatário, liquidados no valor de €2.535,00, são naturalmente devidos, não se revelando, na nossa perspetiva, exagerados.

Também as restantes despesas reclamadas no valor de €702,01, relativas aos presentes autos, reportam-se a taxas de justiça e pagamento antecipado de encargos, que se mostram documentadas e que correspondem a despesas assumidas pelos requeridos no âmbito dos presentes autos. Nada obsta pois ao seu ressarcimento por via da indemnização a fixar por força da litigância de má fé. Salienta-se que o facto de tal ressarcimento também poder ser obtido por via do regime das custas de parte não inviabiliza a sua inclusão na indemnização a fixar nesta sede, apenas se exigindo que o pagamento de tal parcela, quando for efetuado por qualquer das vias, libere o devedor, por forma a que não tenha que indemnizar a parte vencedora da taxa de justiça e dos encargos em duplicado.

As despesas de deslocação e de alimentação dos requeridos e das testemunhas são atendíveis dado que apenas foram suportadas em consequência da litigância com má fé da requerente. O facto de tais danos poderem ser (parcialmente) atendíveis por via diversa, por requerimento a apresentar pelas próprias testemunhas, com vista à compensação das despesas de deslocação que suportaram (não tendo sido suscitada nos autos qualquer questão quanto à respetiva perda salarial), não desobriga a requerente do pedido formulado.

E o certo é que os autos evidenciam que tais deslocações ocorreram nos dias 15 de maio de 2017 (ata de fls. 155), data em que compareceram cinco testemunhas dos requeridos, e em 5 de setembro de 2017 (ata de fls. 209), data em que compareceram quatro testemunhas dos requeridos. Assim, o montante de € 100,00 peticionado afigura-se equilibrado e equitativo.

No que se reporta aos danos morais, compulsada a decisão proferida, afigura-se que aí foram exarados factos que permitem concluir pela verificação de danos dessa natureza, mas tendo como facto ilícito o próprio comportamento contratual da requerente e não a sua litigância nesta providência. Efetivamente, mesmo ponderando a indemnização mais abrangente consagrada no artigo 543º, nº 1, alínea b), CPC, ter-se-á presente que não estão em causa todos os danos que a parte a quem será atribuída a indemnização possa ter sofrido em consequência do processo, mas apenas os que se produziram posteriormente à litigância de má fé e a ela são imputáveis - Lebre de Freitas, CPC anotado, Vol 2, pág. 200 (a propósito do CPC anterior à revisão mas com atualidade).

Ora, os danos morais apurados na decisão, foram reportados à própria atuação contratual da requerente e não à instauração da presente providência.

Para o caso de assim não se entender, sempre se salienta que uma litigância de má fé é sempre causadora de incómodos à contraparte. No entanto, sempre haverá que considerar que a tutela indemnizatória por danos morais, nos termos do artigo 496º, CC, apenas poderá ser conferida relativamente a danos dessa natureza de grau significativo - Capelo dos Santos, O direito Geral de Personalidade, Coimbra 1995, pág. 555 e 556. Ora, logo na oposição deduzida os requeridos, embora requerendo a condenação da requerente como litigante de má fé, não invocaram expressamente danos dessa natureza, que, não tendo resultado apurados, não poderão justificar nesta fase a produção de prova que sempre visaria a mera liquidação de danos já apurados.

Assim, com base nos fundamentos expostos, o pedido indemnizatório formulado pelos requeridos relativamente a danos morais será julgado improcedente.

Consequentemente, opta-se por fixar a indemnização devida ponderando o valor dos honorários (€ 2.535,00), das taxas de justiça e pagamento antecipado de encargos (€ 702,01), das despesas de deslocação e alimentação suportadas pelos requeridos (€ 100,00).

Desta forma, e concluindo, a requerente deverá ser condenada no pagamento aos requeridos da indemnização global de € 3.337,01.

Pelo exposto, e decidindo, condeno a requerente “G (…)Ldª” no pagamento aos requeridos J (…) e O (…)de € 3.337,01 (três mil, trezentos e trinta e sete euros e um cêntimo), devida pela sua litigância de má fé. Notifique».

b) É desta decisão que vem interposto recurso cujas conclusões são as seguintes:

«…2. Com o presente recurso pretende a Recorrente ver reapreciada a decisão recorrida no que concerne à determinação do conteúdo da indemnização derivada de litigância de má-fé, em especial, do valor a arbitrar em sede de compensação de honorários ao mandatário, ao valor peticionado a título de compensação para pagamento de despesas de deslocação e alimentação das testemunhas e bem assim a indemnização final global que o caso reclama.

3. Na determinação do conteúdo da indemnização derivada de litigância de má-fé só serão indemnizáveis as despesas e os demais prejuízos em que se tenha incorrido em virtude de um comportamento negligente ou doloso da outra parte, ou seja, não cabe nesta indemnização tudo aquilo que a contra-parte e a seu belo prazer entenda quantificar.

4. Não são todas as indemnizações peticionadas que integram o conteúdo da indemnização por má-fé, pois que, cabe ao juiz optar pela indemnização mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.

5. Nessa ponderação a levar a cabo pelo Tribunal, não pode ser esquecido o que foi exarado em sede de sentença, mormente o de adequar a indemnização ao valor concreto da multa fixada, tendo em conta, entre outros, critérios de proporcionalidade.

6. Independentemente da indemnização que venha a ser optada pelo Julgador, a mesma, por critérios de proporcionalidade e razoabilidade, não pode ser superior ao montante da multa que foi fixada em 8 UCs, sob pena de se violar o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, o que não foi alcançado pela sentença sob escrutínio.

7. No que à compensação de deslocação de testemunhas diz respeito, o valor não é devido, porquanto as testemunhas têm direito à satisfação das despesas resultantes da deslocação ao Tribunal e à indemnização derivada da perda de salários, devendo as mesmas fazê-lo valer perante o Tribunal, mas a parte que as indicou e, eventualmente suportou as referidas despesas (já que inexiste qualquer prova nesse sentido) não tem direito a ressarcimento - cfr. n.º 5 do art. 17.º do RCP e tabela IV anexa, pelo que, por falta de fundamento legal, tal quantia, não é devida.

8. Quanto aos honorários do ilustre causídico, temos a parte final do n.º 3 do art. 543.º do Cód. de Proc. Civ., segundo o qual a indemnização é fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal, no que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e honorários apresentados pela parte.

9. Não é integralmente atendível tudo o que é reclamado pela parte a este respeito, não cabendo na previsão do citado normativo legal, o pagamento integral de despesas e honorários apresentados, podendo e devendo a indemnização restringir-se a uma compensação de parte desse valor.

10. Tem entendido diversa jurisprudência que o valor base dos honorários a ter em linha de conta para este efeito, tem por base a tabela dos honorários praticados no âmbito do Acesso ao Direito, matéria esta que é regulada pela Portaria 1386/2004.

11. Assim, seguindo os critérios dessa Portaria, tendo presente que a providência cautelar contou com dois recursos ordinários, um de apelação e outro de revista, o valor para efeitos de honorários, nos termos daquela seriam: €204,00 pela providência propriamente dita; €229,50 pelo recurso de apelação e €229,50 pelo recurso de revista, tudo num total de €663,00, que acrescido de IVA perfazia o valor de €815,49.

12. Pese embora a discrepância entre o valor da nota e o valor de compensação em casos análogos no âmbito do acesso ao Direito, o certo é que, como já dissemos a indemnização não se destina a indemnizar todas as despesas e honorários havidos com o processo, mas antes aquelas em que a parte tenha incorrido em virtude de um comportamento negligente ou doloso da outra parte.

13. A Recorrente não se rebela contra o valor das taxas de justiça e encargos fixados na decisão recorrida, no valor de € 702,01.

14. A Recorrente insurge-se, nos moldes supra alegados, quanto ao valor dos honorários peticcionados e em que acabou por ser condenada, pelo que, foi a mesma condenada a este respeito na quantia de € 2.535,00, quando entende que, à luz dos critérios acima citados e que têm assento jurisprudência, tal quantia não deveria ultrapassar o montante de €663,00, que acrescido do respectivo IVA resultaria na quantia de €815,49.

15. Mais se insurge a Recorrente contra o valor de €100,00 em que foi condenada derivado das despesas de deslocação e alimentação das testemunhas, porquanto, não foi apresentada qualquer prova nesse sentido.

16. Na óptica da Recorrente e usando de proporcionalidade (e, acima de tudo, tendo por base o valor da multa a favor do Estado que foi determinada – 8 UC’s), adequação e não olvidando a este respeito as considerações que foram efectuadas na sentença em que a litigância foi arbitrada, o valor global da indeminização não deve ultrapassar a quantia de €1.517,50 (mil quinhentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos), traduzido este valor no justo limite a que o art. 543.º do Cód. de Proc. Civ. preceitua.

17. Ocorreu incorrecta interpretação e aplicação dos comandos legais do art. 543.º do Cód. de Proc. Civ.

Termos em que deve merecer provimento o presente recurso e por via do mesmo ser reduzida aos justos limites, nos moldes supra alegados, a indemnização arbitrada aos recorridos derivada da litigância de má-fé (…)».

c) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – A primeira questão colocada pelo recurso respeita à determinação do valor a arbitrar em sede de compensação de honorários ao mandatário

2 – A segunda questão respeita à determinação do valor a atribuir a título de compensação com despesas de deslocação e alimentação das testemunhas.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

A matéria a apreciar é a que resulta do relatório que antecede e que consta da sequência de atos que constituem o processo aos quais se fará referência particularizada se for necessário.

2. Apreciação das questões objeto do recurso

Antes de analisar as questões, cumpre tecer algumas considerações gerais que as envolvem.

Os recorrentes argumentam que na indemnização relativa à litigância de má-fé só cabem as despesas e prejuízos causados pelo comportamento negligente ou doloso da outra parte e que a indemnização deve ser moldada por critérios de   proporcionalidade e razoabilidade, não devendo ser superior ao montante da multa, o qual foi fixado, no caso, em 8 UCs, sob pena de se violar o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso.

Sem dúvida que tem de existir uma relação de causalidade entre a indemnização pedida e o dano gerado pela litigância de má fé, o que implica que qualquer despesa que seja feita com anterioridade não deva, em regra, ser considerada para este efeito.

São indemnizáveis, por conseguinte, apenas os danos produzidos posteriormente ao exercício da má fé – José Lebre de Freitas – Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, Coimbra Editora / 2001, pág. 200.

A jurisprudência tem seguido o mesmo caminho:

Acórdão do TRL de 31-5-2007, no processo n.º 3490/2007-2 (Américo Marcelino) considerou que «A indemnização devida na sequência da condenação por litigância de má fé tem de ligar-se por um nexo de causalidade adequada aos danos que não existiriam se não tivesse existido a litigância dolosa».

Acórdão do TRL de 31-10-2002, no processo n.º 0074658 (Moreira Camilo), «A condenação como litigante de má fé em indemnização devida à parte contrária abrange, nos termos do art. 457.º n.º 1 al. a) do Cód. de Proc. Civil, os honorários do mandatário da parte contrária, mas apenas na parte destes que tiverem sido determinados pela má fé e não, em regra, na totalidade daqueles honorários».

Relativamente à alegação da recorrente no sentido de existir uma relação de proporcionalidade e razoabilidade entre a fixação da multa e a indemnização, nada há a objetar, mas desta relação assim composta não se segue que a indemnização não possa ser superior ao montante da multa que foi fixada.

Com efeito, sendo a ação dos litigantes de má fé uma e única as suas caraterísticas devem refletir-se com igualdade na fixação da multa e da indemnização.

Porém, os interesses tutelados num caso e outro são diversos, assim como os destinatários dos fluxos monetários.

A multa visa sancionar e reverte para o Estado (as aplicadas em 1.ª instância, constituem receita do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I. P - artigo 36.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, relativa a custas processuais, multas e outras penalidades).

A indemnização visa ressarcir prejuízos da parte contrária originados pela litigância.

Como os fins e os interesses tutelados são diversos, logicamente que a quantia destinada à indemnização tanto pode ser inferior como superior ou até coincidir com o quantitativo da multa.

(Como se referiu no acórdão do S.T.J. de 10-07-2007, no processo identificado com o n.º 07B2413, «Na fixação do valor da indemnização por litigância de má fé, deve ter-se em consideração, essencialmente o grau de culpabilidade do litigante de má fé, as despesas efectuadas pelos ofendidos, mas apenas as consequentes dos factos que caracterizam a má fé e não a quaisquer outros danos invocados no processo, ocorridos antes dos actos que caracterizam a litigância de má fé.

A punição por litigância de má fé prevê duas sanções, uma de natureza criminal a multa e outra de natureza civil, a indemnização.

Ambas visam punir o litigante, mas não se podem confundir nem aferir em função uma da outra, como pretendem os recorridos nas contra alegações. Só a primeira visa castigar o litigante em termos criminais, a segunda tem em vista ressarcir os ofendidos dos danos por eles sofridos com os factos que caracterizam a litigância de má fé» - in www/dgsi.pt).

No que concerne ao facto das taxas de justiça e da compensação atribuída às testemunhas poderem ser obtidas, no primeiro caso através do mecanismo das custas de parte e no segundo caso através de pedido formulado pelas próprias testemunhas ao tribunal, cumpre referir a lei por vezes concede meios de tutela concorrentes para satisfazer o mesmo interesse e quando tal acorre uma vez satisfeito o interesse através de um deles, fica precludida a outra via, porque o interesse foi satisfeito e já não o pode ser uma segunda vez.

Assim, se a parte reclama na indemnização por litigância de má fé o pagamento das quantias que despendeu em taxas de justiça, pode fazê-lo, porquanto se trata de uma despesa efetiva originada pela litigância, mas não pode obter a mesma quantia uma segunda vez através do mecanismo das custas de parte.

O mesmo ocorre com a compensação devida às testemunhas.

Se esta pedirem essa compensação ao tribunal, claro está que a parte já não a pode reclamar porque tem de se entender que aquilo a que a testemunha tinha direito foi satisfeito. Mas se a testemunha nada pede ao tribunal e a parte teve despesas com ela por causa do processo e da litigância, trata-se de um dano que cabe na indemnização em causa, dado o nexo de causalidade que existe entre a litigância e esse dano.

Vejamos então.

1 – A primeira questão colocada respeita à determinação do valor a arbitrar em sede de compensação de honorários ao mandatário.

O Código de Processo Civil determina nos seus n.º 2 e 3 do artigo 543.º o seguinte:

«2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.

3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte».

A indemnização é fixada, por conseguinte, segundo o prudente arbítrio do tribunal, segundo um juízo de razoabilidade.

Não se trata, pois, de indemnizar os danos segundo os critérios civilísticos consagrados no artigo 562.º do Código Civil, onde se dispõe que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

A recorrente argumenta que o valor base dos honorários a ter em linha de conta para este efeito, tem por base a tabela dos honorários praticados no âmbito do Acesso ao Direito, matéria esta que é regulada pela Portaria n.º 1386/2004 e segundo estes critérios os honorários seriam de €204,00 pela providência propriamente dita; €229,50 pelo recurso de apelação e €229,50 pelo recurso de revista, tudo num total de €663,00, que acrescido de IVA perfazia o valor de €815,49.

Não se acompanha a recorrente, porquanto se esse fosse o critério querido pelo legislador, este tê-lo-ia dito no artigo 543.º do C.P.C. ou em outra disposição apropriada para o efeito, mas não o disse.

Tem-se entendido, sim, que os honorários aqui em questão são os honorários correntes, fixados nos termos do Estatuto da Ordem dos advogados (artigo 105.º do Estatuto, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro).

No acórdão do S.T.J. de 10-07-2007, acima já citado, onde o valor dos honorários foi fixado em valor da €2 500,00, considerou-se, seguindo esta linha de pensamento que «Quanto ao montante dos honorários a fixar, ambos os recorridos referem nas suas alegações que o montante estabelecido deve fazer-se segundo o critério estabelecido no art.º 100.º do E.O.A. (…). Consideramos por isso, como se deixa dito, que o valor dos honorários deve ser fixado em função do trabalho desenvolvido no processo, independentemente do número de advogados que neles intervêm (…)».

(No mesmo sentido cfr. acórdão do TRP de 13-02-2017, no processo 3006/05.0TBGDM.P3 (Manuel Domingos Fernandes).

Na decisão recorrida entendeu-se que «… a má fé da requerente obrigou os requeridos a litigar na presente providência, assim realizando despesas com os honorários do ilustre mandatário que tiveram de constituir, aí se incluindo também as despesas inerentes ao mandato. Tais honorários e despesas suportadas pelo mandatário, liquidados no valor de €2.535,00, são naturalmente devidos, não se revelando, na nossa perspetiva, exagerados».

Concorda-se com esta ponderação.

Com efeito, os requeridos foram demandados e para obterem o levantamento do arresto que foi decretado tiveram de deduzir oposição e participar na audiência de julgamento que se seguiu.

 Existiu aqui todo o trabalho que é próprio de uma contestação, que no caso ocupou 22 páginas, tendo-se tratado, dadas as particularidades do caso, de um trabalho de dificuldade mediana.

Posteriormente, a aposição foi sustentada com êxito em audiência contraditória perante o juiz, tendo ocorrido duas sessões de julgamento: a primeira no dia 15 de maio de 2017, altura em que foi realizada uma inspeção ao local e ordenada uma peritagem, e a segunda em 15 de setembro de 2017, no âmbito da qual foram inquiridas as testemunhas apresentadas com a oposição.

Tendo obtido ganho de causa, ou seja, o levantamento do arresto, os requeridos tiveram ainda que contra-alegar no âmbito do recurso interposto pela requerente para o Tribunal da Relação de Coimbra, tribunal que confirmou a decisão da 1.ª instância.

Posteriormente, os requeridos contra-alegaram no recurso que a requerente interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não conheceu do mérito da causa porquanto julgou o recurso inadmissível.

Posteriormente, a 1.ª instância fixou a indemnização relativa à indemnização dos danos gerados pela litigância de má fé.

Houve novo recurso, o presente, não tendo os requeridos apresentado alegações.

Verifica-se, pelo exposto, que os requeridos tiveram que desenvolver uma atividade processual relevante, com elaboração e três importantes peças processuais (oposição e contra-alegações para a Relação e Supremo Tribunal de Justiça), estiveram em duas sessões de julgamento.

[Esta Relação já fixou verba semelhante num caso em que houve recurso até ao STJ: «…4. - Os honorários, retribuição do contrato de mandato forense, que se presume oneroso, devem ser adequados à quantidade, complexidade e qualidade do concreto serviço prestado pelo mandatário judicial, um especialista em matérias jurídicas/processuais.

5. - Perante trabalho forense de algum relevo, seja em termos quantitativos, seja no âmbito qualitativo, em matérias com alguma complexidade (direitos reais), em que foram interpostos recursos, até ao STJ, o que não impediu a parte patrocinada de obter ganho de causa, com o respetivo advogado a acompanhar todas as fases do processo, é adequada, por prudente, razoável e proporcional, a fixação do montante indemnizatório por honorários forenses em €2.400,00, acrescidos de IVA» - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-11-2016, no processo 79/13.5TBTCS.C2, relatado pelo aqui 1.º adjunto].

Atendendo, pois, à dificuldade do assunto e trabalho desenvolvido, os honorários fixados não são excessivos, cumprindo manter nesta parte o decidido em 1.ª instância.

2 – Passando à determinação do valor a atribuir a título de compensação para pagamento de despesas de deslocação e alimentação das testemunhas.

Já acima se referiu que o mesmo interesse jurídico pode ser tutelado pelo direito através de normas ou institutos concorrentes, sucedendo apenas que satisfeita a pretensão através de uma via, não pode ser repetida, duplicada.

Assim, embora as testemunhas possam pedir o pagamento das despesas de deslocação e uma indemnização equitativa, como dispõe o artigo 525.º do C.P.C., isso não impede que a própria parte tome a iniciativa de resguardar as testemunhas que ela mesma indica da realização de despesas com a vinda a tribunal, como sejam as deslocações e refeições, se for caso disso.

Talvez não seja conveniente este modo de proceder, mas dada a frequência do pedido de reembolso deste tipo de despesas em situações como a dos autos, é de concluir que estaremos perante uma «tradição» ou hábito enraizado na sociedade e que é visto como adequado, ou seja, a parte que carece de indicar testemunhas para virem depor em tribunal contata-as e compromete-se tacita ou expressamente no sentido de estas não ficarem sujeitas a despesas com deslocações e alimentação.

Como se referiu, não será o procedimento mais saudável, mas será o habitual e considerado correto.

Dado que as testemunhas não pediram qualquer compensação, fica aberto o caminho para conceder essa compensação à parte que a pede por ter realizado tais despesas.

Claro que se colocam questões de prova no sentido de se mostrar que tais despesas foram feitas.

Neste aspeto, afigura-se que que o tribunal está autorizado a julgar segundo critérios de razoabilidade, de prudência, enfim de equidade, porquanto é isso que os n.º 2 e 3 do artigo 543.º do CPC pretendem, ao referirem que o juiz «opta pela indemnização que julgue mais adequada», «com prudente arbítrio», «o que parecer razoável», depois de serem «ouvidas as partes».

Ora, o prudente arbítrio e a razoabilidade para se tornarem efetivos carecem de arrancar de uma correspondência entre o que se tem por razoável  e a realidade histórica e esta, na falta de produção de provas, obtém-se apelando ao que é comum acontecer na vida quotidiana, às regras da experiência [Friedrich Stein definiu as regras de experiência deste modo: «São definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, desligados dos factos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram inferidas e que, para além destes casos, pretendem ter validade para outros casos novos» - El Conocimiento Privado del Juez (1893). Madrid: Editorial Centro de Estúdios Ramón Areces, 1990, pág. 22].

Ora, neste caso, como já se referiu, faz parte da experiência comum que a parte que contacta testemunhas para deporem em tribunal, não pretende que as testemunhas além de se disponibilizarem para auxiliar à realização da justiça ainda tenham que fazer despesas, nem as testemunhas, em regra, dependendo da situação económica, esperam fazê-las, pelo que é adequado que a parte providencie pela respetiva deslocação e alimentação e se supõe ser prática corrente.

Ora, no caso dos autos resulta que as testemunhas se deslocaram nos dias 15 de maio de 2017 (ata de fls. 155), data em que compareceram cinco testemunhas dos requeridos, às 9.30 horas, e em 15 de setembro de 2017 (ata de fls. 209), data em que compareceram quatro testemunhas dos requeridos, tendo a diligência terminado às 13:00 horas.

Considerando as deslocações nestes dois dias e o facto da segunda sessão ter terminado à hora de almoço, em Viseu, é de considerar como certo, como histórico, que as testemunhas almoçaram em algum estabelecimento de restauração e tenham sido os requeridos a suportar as despesas.

Por conseguinte, o montante de €100,00 pedido afigura-se razoável para cobrir as despesas de deslocação e alimentação dessas pessoas.

Cumpre, pelo exposto, julgar o recurso improcedente e manter a decisão da 1.ª instância.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes.


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Coimbra, 23 de junho de 2020

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luís Cravo