Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
271/16.0T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÕES
CAUCIONAMENTO OBRIGATÓRIO
Data do Acordão: 04/02/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU –JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 84º E 89º DA LAT (LEI Nº 98/2009, DE 4/09).
Sumário: I – Nos termos do artº 89º da LAT (Lei nº 98/2009, de 4/9):
“1- O empregador é obrigado a caucionar o pagamento de pensões por acidente de trabalho em que tenha sido condenado, ou a que se tenha obrigado por acordo homologado, quando não haja ou seja insuficiente o seguro, salvo se celebrar com uma seguradora um contrato específico de seguro de pensões.

2 - A caução pode ser feita por depósito de numerário, títulos da dívida pública, afectação ou hipoteca de imóveis ou garantia bancária”.

II - A garantia do crédito à pensão por acidente de trabalho é legalmente assegurada ou através da constituição de reservas matemáticas, quando a devedora é uma companhia de seguros, ou pela prestação de caução, quando a responsável é uma entidade empregadora.

III - Não existindo seguro ou sendo insuficiente o existente em matéria de responsabilidade emergente de acidente de trabalho, o credor da respectiva pensão ficaria sujeito ao risco de incumprimento da obrigação por parte da entidade empregadora devedora, se inexistisse a obrigação de prestar caução. Daí que a lei imponha à entidade empregadora a obrigação de prestar caução nessas situações.

IV - Esta obrigação está prevista no referido artº 84º da LAT, no qual se estabelece que as entidades empregadoras são obrigadas a caucionar o pagamento das pensões de acidentes de trabalho em que tenham sido condenadas, ou a que se tenham obrigado por acordo homologado, quando não haja ou seja insuficiente o seguro, salvo se celebrarem junto da empresa de seguros um contrato específico de seguro de pensões.

V - Essa caução, nos termos do nº 2 deste mesmo artigo, pode ser feita por depósito em numerário, títulos da dívida pública, por afectação ou hipoteca de imóveis ou garantia bancária.

Decisão Texto Integral:                     Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                    Correu termos a presente acção emergente de acidente de trabalho, em que é, com o patrocínio do MºPº, Autora A..., por si e em representação do seu filho menor M..., e entidade responsável P..., Companhia de Seguros, S.A.

            Foi proferida sentença, cujo dispositivo é o seguinte:

              “Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas:

                        A- Julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência:

              I- Condena-se a Ré P... – Companhia de Seguros, S.A e a Interveniente J..., Lda a pagarem aos Autores as seguintes quantias:

              a) à Autora A... a pensão anual e vitalícia no montante de €3.796,00 (três mil setecentos e noventa e seis euros), devida desde 10-01-2016, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €3.303,00 e da interveniente entidade patronal o montante de €493,00, actualizada para €3.814,98, desde 01-01-2017, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €3.319,51 e da interveniente entidade patronal o montante de €495,47; para €3.883,65, desde 01-01-2018, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €3.379,26 e da interveniente entidade patronal o montante de €504,39; e para €3.945,79, desde 01-01-2019, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €3.433,33 e da interveniente entidade patronal o montante de €512,46, sendo tal pensão devida até a Autora atingir a idade da reforma, passando para 40% da retribuição do sinistrado após a idade da reforma

              Às prestações vencidas no período de 02/2016 a 10/201 será deduzida a quantia pela pelo ISS,IP/Centro Nacional de Pensões no montante de €6.146,34, pelo que nesse período é devida à Autora a diferença no valor de €3.967,46, sendo da responsabilidade da Ré seguradora a quantia de €3.452,09 e da interveniente entidade patronal a quantia de €515,37.

              Nas prestações vincendas desde 11/2018 até ao trânsito em julgado da presente sentença deverão ser deduzidas as quantias que venham a ser pagas pelo ISS,IP a título de pensão por sobrevivência.

              A pensão deverá ser pagar adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, são, respectivamente pagos nos meses de Junho e Novembro.

              b) Ao Autor M... a pensão anual e temporária no montante de €2.530,67 (dois mil quinhentos e trinta euros e sessenta e sete cêntimos) devida desde 10-01-2016, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €2.202,00 e da interveniente entidade patronal o montante de €328,67, actualizada para €2.543,32, desde 01-01-2017, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €2.213,01 e da interveniente entidade patronal o montante de €330,31; para €2.589,10, desde 01-01-2018, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €2.252,84 e da interveniente entidade patronal o montante de €336,26; e para €2.630,53, desde 01-01-2019, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €2.288,89 e da interveniente entidade patronal o montante de €341,64. Tal pensão é devida até o menor perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior.

              Às prestações vencidas no período de 02/2016 a 10/2018, será deduzida a quantia pela pelo ISS,IP/Centro Nacional de Pensões no montante de €2.129,29, pelo que nesse período é devida ao Autor menor diferença no valor de €4.613,31, sendo da responsabilidade da Ré seguradora a quantia de €4.014,04 e da interveniente entidade patronal a quantia de €599,27.

              Nas prestações vincendas desde 11/2018 até ao trânsito em julgado da presente sentença deverão ser deduzidas as quantias que venham a ser pagas pelo ISS,IP a título de pensão por sobrevivência.

              A pensão deverá ser pagar adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, são, respectivamente pagos nos meses de Junho e Novembro.

              II- Condena-se ainda a Ré P... – Companhia de Seguros, S.A. a pagar a título de subsídio por morte, à Autora A... a quantia €1.509,19 (mil quinhentos e nove euros e dezanove cêntimos) e ao Autor M... a quantia de €2.766,85 (dois mil setecentos e sessenta e seis euros de oitenta e cinco cêntimos).

              III- Condena-se ainda a Ré P... – Companhia de Seguros, S.A. a pagar a título de subsídio de despesas de funeral, à Autora A... a quantia €1.570,00 (mil quinhentos e setenta euros).

              IV- Sobre as quantias relativas ao subsídio por morte e subsídio por despesas de funeral acrescem juros de mora à taxa legal de 4% desde o dia seguinte ao da morte 10-01-2016 (data a partir da qual eram devidos) e sobre a pensão anual acrescem juros de mora desde o vencimento de cada prestação mensal até efectivo e integral pagamento, condenando-se a Ré e interveniente no seu pagamento

              B- Julga-se o pedido de reembolso procedente por provado e em consequência condenam-se a Ré P... – Companhia de Seguros, S.A. e a Interveniente J..., Lda a pagarem ao Instituto de Segurança Social, IP/Centro Nacional de Pensões a quantia global de €9.533,29 (nove mil quinhentos e trinta e três euros e vinte e nove cêntimos), sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de € 8.458,29 e da interveniente entidade patronal o montante de € 1.075,00, a que acrescem as prestações vincendas desde 11/2018 até ao trânsito em julgado da presente sentença, na proporção de 87,01% para a Ré seguradora e de 12,99% para a interveniente.

              Sobre as quantias devidas ao ISS,IP acrescem juros de mora á taxa legal desde a notificação do pedido de reembolso quanto às prestações vencidas e desde a data de vencimento de cada uma das prestações relativamente às prestações vincendas

              As prestações já vencidas serão pagas de uma só vez.

              Custas da acção e pedido de reembolso pela Ré seguradora e interveniente na medida das suas responsabilidades.”

                    Interposto recurso para esta Relação, foi proferido acórdão a confirmar tal sentença.

            A interveniente - J..., Ldª foi, então, notificada para, no prazo de 10 dias, prestar a caução, no valor de €10.394,74, em conformidade com o disposto no artº 84º da Lei nº 98/2009, de 4/9.

            Tal interveniente apresentou requerimento, no qual invocou que, por já ter antecipadamente liquidado, na íntegra e por excesso, directamente à Autora, por si e em representação do seu filho menor, o pagamento das pensões em que foi condenada, por conta do acidente de trabalho em discussão nos autos, não está assim mais obrigada a prestar tal caução.

                    Que mereceu o seguinte despacho:

                        “Conforme refere o Exmo Magistrado do Ministério Público a Ré empregadora foi condenada a pagar à Autora A... uma pensão anual e vitalícia e ao Autor M... uma pensão anual e temporária, não tendo havido lugar a qualquer remição, pelo que não há lugar a qualquer liquidação antecipada e na íntegra de tais pensões, motivo pelo pelo a entidade patronal deverá prestar a caução determinada em conformidade com o disposto no 84º da Lei nº 98/2009 de 04/09.

                        Assim, indefere-se o requerido pela Ré J..., Lda a fls. 354 a 355 dos autos, devendo a mesma prestar a caução pelo valor de €10.394,74 no prazo de 10 dias”.

                    Inconformada com tal despacho, veio a J..., Ldª, interpor recurso de apelação, onde formulou as seguintes conclusões:

                        ...
                        Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada, porque violadora da norma acima referida e, consequentemente, ser a entidade patronal dispensada da prestação de caução que visava “caucionar o pagamento de pensões por acidente de trabalho em que foi condenado”, porquanto a obrigação a caucionar já foi liquidada.

                    O MºPº contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.

                    Foram colhidos os vistos legais. 

                    Definindo-se o âmbito do recurso  pelas suas conclusões, temos, como única questão a apreciar, a de saber se, por já ter antecipadamente liquidado aos beneficiários a quantia de €15.000,00, a apelante se encontra dispensada de prestar a caução a que se refere o artº 84º da Lei nº 98/2009, de 4/9.

                    Como factualidade relevante temos a descrita no relatório do presente acórdão.

                    O direito:
                    Veio a interveniente argumentar que já liquidou antecipadamente, na íntegra e por excesso, directamente à Autora, por si e em representação do seu filho menor, o pagamento das pensões em que foi condenada, por conta do acidente de trabalho em discussão nos autos, pelo que não está assim mais obrigada a prestar tal caução.
                    Sem razão, contudo.

          A sentença condenou, com trânsito em julgado, a interveniente J..., Ld.ª, a pagar à Autora A... uma pensão anual e vitalícia e ao Autor M... uma pensão anual e temporária, devida até este perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior.

                    Nos termos do artº 89º da LAT (Lei nº 98/2009, de 4/9):

                                 “1- O empregador é obrigado a caucionar o pagamento de pensões por acidente de trabalho em que tenha sido condenado, ou a que se tenha obrigado por acordo homologado, quando não haja ou seja insuficiente o seguro, salvo se celebrar com uma seguradora um contrato específico de seguro de pensões.

                    2 - A caução pode ser feita por depósito de numerário, títulos da dívida pública, afectação ou hipoteca de imóveis ou garantia bancária”.

                    A garantia do crédito à pensão por acidente de trabalho é legalmente assegurada ou através da constituição de reservas matemáticas, quando a devedora é uma companhia de seguros, ou pela prestação de caução, quando a responsável é uma entidade empregadora.

                    Não existindo seguro ou sendo insuficiente o existente em matéria de responsabilidade emergente de acidente de trabalho, o credor da respectiva pensão ficaria sujeito ao risco de incumprimento da obrigação por parte da entidade empregadora devedora, se inexistisse a obrigação de prestar caução. Daí que a lei imponha à entidade empregadora a obrigação de prestar caução nessas situações.

                    Esta obrigação está prevista no referido artº 84º da LAT, no qual se estabelece que as entidades empregadoras são obrigadas a caucionar o pagamento das pensões de acidentes de trabalho em que tenham sido condenadas, ou a que se tenham obrigado por acordo homologado, quando não haja ou seja insuficiente o seguro, salvo se celebrarem junto da empresa de seguros um contrato específico de seguro de pensões.

                    Essa caução, nos termos do nº 2 deste mesmo artigo, pode ser feita por depósito em numerário, títulos da dívida pública, por afectação ou hipoteca de imóveis ou garantia bancária.

                    A enumeração constante dessa disposição legal deve ser considerada taxativa e não meramente exemplificativa. Como se escreveu no Ac. da Rel. de Lisboa de 20/05/2009, in www.dgsi.pt, resulta do disposto no artº 623º, nº 1, do Cod. Civil, que se alguém for obrigado ou autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve revestir, pode a garantia ser prestada por qualquer das formas aí referidas, ou seja, por meio de depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária.

                    Se, pelo contrário, alguém for obrigado a prestar caução e a lei designar a espécie que a mesma deve revestir, só essa espécie pode ser admitida e ser considerada idónea.

                    É o que sucede com o artº 84º da LAT.

                    Isto para dizer que a liquidação antecipada das pensões devidas por acidente de trabalho, a ter existido no caso concreto (e não foi feita prova da mesma), não constitui uma forma de prestar caução nem a pode substituir.

                    Acresce que, e isto é também decisivo, que as consequências de um acidente de trabalho por morte, em termos reparatórios, estão fixadas nos artºs 56º, 57º, 59º e 60º da LAT:

                    “Artigo 56.º

                    Modo de fixação da pensão

                    1 - A pensão por morte é fixada em montante anual.

                    (...)

                    Artigo 57.º

                    Titulares do direito à pensão por morte

                    1 - Em caso de morte, a pensão é devida aos seguintes familiares e equiparados do sinistrado:

                    a) Cônjuge ou pessoa que com ele vivia em união de facto;

                    b) Ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado à data da morte do sinistrado e com direito a alimentos;

                    c) Filhos, ainda que nascituros, e os adoptados, à data da morte do sinistrado, se estiverem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 60.º;

                    (...)

                    Artigo 59.º

                    Pensão ao cônjuge, ex-cônjuge e pessoa que vivia em união de facto com o sinistrado

                    1 - Se do acidente resultar a morte do sinistrado, a pensão é a seguinte:

                    a) Ao cônjuge ou a pessoa que com ele vivia em união de facto - 30 % da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40 % a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;

                        (...)

                    Artigo 60.º

                    Pensão aos filhos

                    1 - Se do acidente resultar a morte, têm direito à pensão os filhos que se encontrem nas seguintes condições:

                    a) Idade inferior a 18 anos;

                    b) Entre os 18 e os 22 anos, enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado;

                    c) Entre os 18 e os 25 anos, enquanto frequentarem curso de nível superior ou equiparado;

                    d) Sem limite de idade, quando afectados por deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho”.

                    Trata-se de normas imperativas, já que estamos no domínio dos direitos indisponíveis:  nos termos do 78.º da LAT “os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho”
                    Assim, as prestações são taxativa e imperativamente fixadas na lei, não estando abrangida a liquidação antecipada, nos moldes pretendidos pela recorrente. E, como se refere no despacho recorrido, não houve lugar a qualquer remição, nos termos do também taxativamente fixado nos artºs 75º e ss da LAT.
                    Pelas mesmas razões, nunca a alegada “confissão” dos beneficiários poderia ter qualquer eficácia ou relevância.
                    Improcede, assim, o recurso.

                    Decisão:

                    Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.

                    Custas do recurso pela apelante.

                                                 Coimbra, 02/04/2020