Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
618/17.2T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: ANULAÇÃO DO ACORDO DE CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
DEVERES DAÍ RESULTANTES
Data do Acordão: 09/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 289º/1 C. CIVIL
Sumário: A anulação do acordo de cessação do contrato de trabalho implica para o empregador o dever de reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho, assim como o dever de lhe pagar as retribuições vencidas a contar da data da celebração do acordo anulado, sendo que tais deveres não emergem do efeito repristinatório da anulação previsto no artº 289º/1 do C. Civil.
Decisão Texto Integral:





Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

A autora propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, deduzindo os pedidos seguidamente transcritos:

I- Ser declarado ANULADO o “ACORDO DE REVOGAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO” assinado pela Autora em 29 de julho de 2016, em consequência do Erro- vicio da A. acerca das circunstancias que motivaram tal acordo, nos termos do artigo 251.º; 247.º e 289.º do Código Civil, com as legais consequências;

II- Ser a Ré condenada reintegrar a A. no posto de trabalho e na função que esta detinha à data do despedimento e a pagar à A. todas as retribuições vencidas e vincendas até à efetiva reintegração da A.

III- Ser a Ré condenada a pagar à A. as retribuições vencidas e não pagas desde 7/07/2014 a 24/11/2015, incluindo subsídio de férias e subsídios de Natal, uma vez que a A. não esteve a trabalhar porque a Ré não o permitiu;

IV- Ser a Ré condenada finalmente a pagar à Segurança social todas as contribuições em falta, desde julho de 2014 até à data da reintegração da A. na empresa, como é de lei.”.

Alegou, em resumo, que sendo trabalhadora da ré, celebrou com esta um acordo de cessação do contrato de trabalho, anulável, por erro essencial em que foi induzida pela ré com vista à celebração desse acordo que, assim, deve ser anulado; por consequência da anulação, a ré deve reintegrar a autora, pagar-lhe as retribuições devidas por causa da anulação, assim como outras retribuições que a ré lhe não pagou relativas a períodos anteriores à data do acordo de cessação e que identifica na petição inicial.

A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Alegou em resumo, que não se verifica a anulabilidade invocada pela autora e que a mesma não é titular de nenhum dos créditos a que se arroga.

O processo prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência:

a) Declaro anulado o “acordo de revogação de contrato de trabalho” assinado pela A. A... e pela R. “ B..., Lda.” em 29 de julho de 2016, devendo a A. A... devolver à R. “ B..., Lda.” a quantia recebida em resultado da assinatura desse “acordo” a título de “compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho”;

b) Condeno a R. “ B..., Lda.” a reintegrar a A. A... no posto de trabalho e na função que esta detinha à data referida em a) e a pagar à A. A... todas as retribuições vencidas e vincendas desde essa data e até à efetiva reintegração da A., bem como as retribuições vencidas e não pagas desde 7/7/2014 a 24/11/2015, incluindo subsídio de férias e subsídios de Natal, tudo a liquidar futuramente;

c) Absolvo a R. “ B..., Lda.” do demais peticionado pela A. A....


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Custas, provisoriamente (a corrigir depois de um eventual incidente de liquidação) e na proporção de ½, a cargo de A. e R., (Art. 527º, n.os 1 e 2 e 528º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, aderindo-se à posição expressa no Acórdão da Relação do Porto de 27 de junho de 1996, CJ III, p. 243, e por ABRANTES GERALDES, Temas Judiciários I, Coimbra, 1998, p. 240-242, uma vez que ambas as partes devem ser consideradas, neste momento, como parcialmente vencidas), sem prejuízo do benefício de proteção jurídica conferido à A., fixando-se o valor da presente ação, nos termos do Art. 306º, n.os 1 e 2 do Novo Código de Processo Civil e à falta também de elementos para o fixar num montante diverso, no valor indicado pela A. para a ação, atento o disposto nos Arts. 296º, 297º, n.os 1 e 2 e 299º do mesmo diploma legal.”.
Não se conformando com o assim decidido, apelou a ré, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
I
Salvo o devido e merecido respeito, não nos parece correcta a apreciação e determinação de certos factos dados provados na douta sentença recorrida, assim como não concordamos com a interpretação realizada pelo Tribunal a quo, nomeadamente no sentido de que a recorrente actuou de forma consciente e reprovável, induzindo em erro a autora, levando assim à anulação do acordo celebrado entre ambas, nos termos dos artigos 251.º e 247.º do Código Civil.
II
Assim, consta do facto provado 6 que “A A. apresentou-se ao trabalho, como ordenado pela “ C...”, e não conseguiu exercer a sua função habitual e por isso a R. mandou-a embora, por entender que a mesma não podia trabalhar, mantendo-se a A. sem trabalhar e estando de baixa, tendo entregue na R. os atestados e certificados médicos juntos aos autos (e aqui dados por reproduzidos na sua totalidade), recebendo o subsídio por doença da Segurança Social, até 6/7/2014. (Respostas aos Artigos 14º a 16º da Petição Inicial e aos Artigos 16º e 17º da Contestação)”.
III
Ora, os referidos certificados médicos (CIT) entregues à recorrente compreendem os períodos temporais de 30/01/2014 a 23/10/2014 e de 26/08/2015 a 05/11/2015, sendo que não consta dos autos, mormente em qualquer prova documental, assim como não se fundamenta na sentença recorrida a razão que levou a considerar-se como provado que o respectivo subsídio de doença devido à autora apenas lhe tenha sido pago até 06/07/2014, e muito menos que a recorrente tivesse conhecimento de tal situação, ou seja, não se provou ou sequer se demonstrou que a recorrente sabia que a autora não recebia subsídio de doença desde a referida data; muito pelo contrário, consta do Documento 13 junto pela autora na sua petição inicial que a 06/07/2014 ainda subsistia a sua incapacidade temporária para o trabalho, pelo que naturalmente se deve concluir que a autora continuou a receber o respectivo subsídio por doença.
IV
Não se encontra, portanto, suficientemente fundamentada a decisão que levou a considera-se como provado que a autora apenas recebeu subsídio de doença da parte da Segurança Social até 06/07/2014 e, pelo contrário, provando-se antes que a autora recebeu tal subsídio durante todo o período temporal correspondente às baixas entregues à recorrente, deveria o Tribunal a quo ter antes dado este facto como provado, em detrimento daquele.
V
Para além disso, consta ainda do facto provado 8 que “Durante todo o período em que correu o processo referido no número anterior e até dezembro de 2015, a A. esteve sem trabalhar e sem receber qualquer salário ou subsídio por doença, à exceção dos meses de fevereiro, março, abril, maio, junho e seis dias do mês de julho de 2014, nos quais recebeu da Segurança Social, subsídio de Doença. (Resposta ao Artigo 19º da Petição Inicial)”.
VI
Ora, no facto provado 15, o Tribunal a quo dá como provado o artigo 25.º da contestação, o qual refere que “não obstante, durante o tempo em que esteve nas instalações da ré sem uma actividade laboral atribuída e definida, designadamente entre 26 a 30 de Novembro de 2015, a autora foi devidamente remunerada (vide Doc. 25, que ora se junta (…)”; não tendo o referido Doc. 25 (recibo de vencimento da autora de Novembro de 2015) sido por esta impugnado.
VII
Assim, deveria o Tribunal a quo igualmente ter dado como provado que a autora recebeu efectivamente salário entre os dias 26 e 30 de Novembro de 2015.
VIII
É ainda referido no facto provado 19 que “A A. aceitou a sugestão da R. de deixar de trabalhar na R., indo para o desemprego e recebendo o subsídio de desemprego até atingir a idade da reforma, tendo a R. comunicado à A. que a Ré lhe pagaria uma indemnização e lhe daria todos os papéis para receber o subsídio de desemprego, tendo a A. aceite essa proposta na convicção de que receberia a indemnização devida, todas as retribuições em divida e que iria receber o subsídio de desemprego, como lhe foi garantido pela R., sendo que a R. sabia que se a A. soubesse que não tinha direito a receber as prestações de desemprego, nunca aceitaria tal acordo. (Respostas aos Artigos 44º a 48º e 56º a 58º e 61º da Petição Inicial)” e no facto provado 24 que “A R. sabia que a A. não iria receber quaisquer contribuições de desemprego, uma vez que, durante os meses que a A. esteve impedida de trabalhar por ordem da R. esta não fez quaisquer descontos para a Segurança Social. (Resposta ao Artigo 55º da Petição Inicial)”.
IX
Ora, não se demonstrou ou provou no decorrer do julgamento que a recorrente garantiu à autora que esta receberia subsídio de desemprego, pois que nem sequer tem legitimidade ou poder para conferir tal subsídio, sendo que nunca a autora comunicou à recorrente que não se encontrava a receber da Segurança Social o subsídio de doença.
X
Por sua vez, a autora também não podia ignorar que, se realmente não havia recebido subsídio de doença durante a totalidade do período em que lhe foi conferida baixa médica (de 30/01/2014 a 23/10/2014 e de 26/08/2015 a 05/11/2015), então não teria preenchido o prazo de garantia necessário para ter acesso ao subsídio de desemprego, nos termos do artigo 22.º do Decreto-Lei nº 220/2006.
XI
Assim, e por falta de fundamentação, não podia o Tribunal a quo ter dado como provado que a recorrente sabia que a autora não tinha direito a receber as prestações de desemprego, por não ter feitos quaisquer descontos para a Segurança Social no período em que esta não trabalhou, e que, ainda assim, garantiu à recorrente o pagamento das mesmas (factos provados 19 e 24).
Assim,
XII
Não obstante o conhecimento da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante (a necessidade de acesso ao subsídio de desemprego), a verdade é que a recorrente laborou igualmente em erro quando celebrou o negócio jurídico em questão, porquanto estava convencida – convencimento este provocado pela referida actuação da autora – que esta tinha o prazo de garantia necessário, previsto no citado normativo legal.
XIII
Nestes termos, não se verifica qualquer erro – ou sequer dolo – da parte da recorrente, pelo que o negócio celebrado – acordo de revogação do contrato de trabalho – não poderá ser anulado, devendo assim a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a acção totalmente improcedente.
Sem prescindir ou conceder,
XIV
Não obstante o supra alegado, ainda que se entenda que o negócio jurídico foi devida e justamente anulado pela sentença recorrida, não pode a recorrente concordar com as consequências pela mesma determinadas, por entender que as mesmas não correspondem a uma restituição de tudo o que foi prestado, mas antes a uma penalização da recorrente, com consequente benefício da autora, violando o artigo 289.º, nº 1 do Código Civil.
XV
Ora, nos termos do artigo 289.º do Código Civil, a anulação do negócio tem “efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição não for possível em espécie, o valor correspondente”. Assim, se por um lado a reintegração da autora e a devolução pela mesma da quantia recebida a título da cessação do vínculo laboral configura uma verdadeira repristinação da situação jurídica existente à data da celebração do negócio jurídico anulado, por outro lado o pagamento de todos os salários vencidos desde então, assim como aqueles correspondentes ao período de baixa médica da autora, sem qualquer trabalho efectivamente prestado pela mesma, não corresponde a uma verdadeira restituição do que foi prestado, pois tal trabalho não foi, efectivamente, prestado.
XVI
Assim, não poderá a recorrente ser condenada a pagar à autora as “retribuições que deveria ter recebido após a celebração desse “acordo” e das retribuições que não recebeu por a R. a ter mandado indevidamente para casa sem lhe atribuir trabalho e sem que tivesse recebido qualquer subsídio por doença por parte da Segurança Social”, porquanto é manifestamente impossível à autora prestar o seu trabalho referente a tais períodos temporais, não sendo assim dessa forma respeitada a restituição de tudo o que foi prestado, pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a acção parcialmente improcedente, absolvendo-se a recorrente de tais pedidos.
No seguimento do raciocínio expendido, e sem prescindir ou conceder,
XVII
Ainda assim, entende a recorrente que, ao ser condenada no pagamento à autora de todas “as retribuições vencidas e não pagas desde 7/7/2014 a 24/11/2015, incluindo subsídio de férias e subsídios de Natal”, a sentença recorrida violou definitivamente o disposto artigo 289.º, nº 1 do Código Civil, pois que tal condenação não configura uma consequência da anulabilidade do acordo de revogação do contrato de trabalho celebrado entre a autora e a recorrente, tendo a anulação do mesmo como consequência a reposição da situação existente em tal data, 29 de Julho de 2016, pelo que, e sem prescindir, a autora deveria apenas voltar a trabalhar para a recorrente e a recorrente deveria apenas voltar a pagar-lhe o respectivo salário.
XVIII
Assim, a condenação da recorrente no pagamento das retribuições vencidas e não pagas desde 7/7/2014 a 24/11/2015, incluindo subsídio de férias e subsídios de Natal, é manifestamente ilegal, pelo que deverá a sentença recorrida ser devidamente alterada no sentido de se excluir da mesma tal condenação, absolvendo-se a recorrente de tal pedido.
Por fim, sem prescindir ou conceder,
XIX
Caso se entenda que a condenação da recorrente no pagamento das retribuições vencidas e não pagas desde 7/7/2014 a 24/11/2015, incluindo subsídio de férias e subsídios de Natal, decorre automaticamente da anulabilidade do negócio jurídico celebrado, sempre se dirá que tal pedido deverá ser improcedente, porquanto viola o disposto nos artigos 249.º e 255.º do Código do Trabalho.
XX
Ora, nos termos do artigo 249.º, nº 2, alínea d) do Código do Trabalho, “São consideradas faltas justificadas (…) a motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de (…) doença”.
Por sua vez, o artigo 255.º, nº 2, alíneas a) e b) do Código do Trabalho refere que determinam a perda de remuneração as faltas justificadas “por motivo de doença, desde que o trabalhador beneficie de um regime de segurança social de protecção na doença” ou “por motivo de acidente de trabalho, desde que o trabalhador tenha direito a qualquer subsídio ou seguro”.
XXI
Assim, considerando-se como justificadas as faltas da autora ao trabalho de 30/01/2014 a 23/10/2014 e de 26/08/2015 a 05/11/2015, com correspondente perda de remuneração, não poderá a recorrente ser condenada ao pagamento das retribuições correspondentes ao referido período temporal, pelo que deverá a sentença recorrida ser devidamente alterada no sentido de se excluir da mesma tal condenação, absolvendo-se a recorrente de tal pedido.
XXII
Por fim, considerando a sentença recorrida provado que até 06/07/2014 a autora recebeu da Segurança Social o respectivo subsídio de doença, não poderá a recorrente ser condenada no pagamento àquela dos salários vencidos de 30/01/2014 a 06/07/2014, e respectivos subsídios de férias e de Natal, pelo que deverá a sentença recorrida ser devidamente alterada no sentido de se excluir da mesma tal condenação, absolvendo-se a recorrente de tal pedido.”.
Contra-alegou a autora, pugnando pela improcedência da apelação.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada nos termos propugnados pela apelante;

2ª) se o negócio jurídico de cessação do contrato de trabalho não era anulável por não ocorrer o conhecimento ou a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro invocado na sentença recorrida para decretar a anulação daquele negócio;

3ª) se o tribunal recorrido violou o art. 289º/1 do CC ao incluir no efeito repristinatório consagrado naquela norma a condenação da ré a pagar à autora as retribuições vencidas e vincendas desde 29/7/2016 até à efectiva reintegração da autora, bem como as retribuições vencidas e não pagas desde 7/7/2014 a 24/11/2015, incluindo subsídio de férias e subsídios de Natal;
4ª) se a autora incorreu em situação de faltas justificadas ao trabalho por doença entre 7/7/2014 e 24/11/2015, com a consequente perda do direito à retribuição nesse período;
5ª) se a condenação da ré a pagar à autora as retribuições referentes ao período compreendido entre 30/01/2014 e 6/07/2014, incluindo subsídios de férias e de Natal, cumulada com o recebimento pela autora de subsídio de doença pago pela Segurança Social relativamente a esse mesmo período, gera uma situação de enriquecimento sem causa da autora à custa da ré.

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III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:

1º. A A. desde o ano de 1999 até ao dia 29 de julho de 2016 exerceu, de forma ininterrupta e sob as ordens e direção da R., a função/ categoria profissional de serralheira de Construção de estruturas metálicas - 2º escalão. (Resposta ao Artigo 1º da Petição Inicial)

2º. No dia 18 de setembro de 2013, cerca das 10 horas, sob as ordens e instruções da R. e na sede da mesma, a A. descarregava placas de vidro de uma camioneta e sentiu uma dor, sendo que nessa data a A. auferia o vencimento mensal de € 585 de subsídio de alimentação no valor de € 4,40/ dia, tendo passado, a partir do dia 1 de Janeiro de 2014, a auferir o salário de € 615 mensais, acrescido de subsídio de alimentação no valor de € 4,40, sendo que, desde então a A. não mais conseguiu fazer o trabalho habitual com o braço esquerdo, por serem tantas as dores, disso dando conhecimento imediato à R.. (Respostas aos Artigos 2º a 4º da Petição Inicial)

3º. No dia 19 de setembro de 2013, a A. foi observada pelo médico que, no âmbito da medicina do trabalho, prestava serviços à R., o qual recomendou à A. que evitasse qualquer tipo de esforço com o braço esquerdo, sendo que a A. continuou a sofrer muitas dores, tendo sido colocada a fazer trabalhos mais leves. (Respostas aos Artigos 5º a 8º da Petição Inicial)

4º. Em 30 de janeiro de 2014, foi diagnosticada à A., pelo seu médico de família, uma “rotura parcial intra-substância do tendão do supra-espinhoso com 6,7mm de extensão”, resultante do facto ocorrido no dia 18 de Setembro de 2013, mandando-a ficar em repouso absoluto e de baixa médica, sendo que desde 30 de janeiro de 2014, a A. ficou de baixa médica. (Respostas aos Artigos 9º a 10º da Petição Inicial)

5º. A R., em 6 de fevereiro de 2014, participou o acidente de trabalho à companhia de seguros “ C...”, para quem havia transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho da A., sendo que a A. foi avaliada pelo médico da “ C...”, no dia 3 de março de 2014, que a mandou ir trabalhar. (Respostas aos Artigos 11º a 13º da Petição Inicial e ao Artigo 12º da Contestação)

6º. A A. apresentou-se ao trabalho, como ordenado pela “ C...”, e não conseguiu exercer a sua função habitual e por isso a R. mandou-a embora, por entender que a mesma não podia trabalhar, mantendo-se a A. sem trabalhar e estando de baixa, tendo entregue na R. os atestados e certificados médicos juntos aos autos (e aqui dados por reproduzidos na sua totalidade), recebendo o subsídio por doença da Segurança Social, até 6/7/2014. (Respostas aos Artigos 14º a 16º da Petição Inicial e aos Artigos 16º e 17º da Contestação)

7º. Por carta datada de 13 de março de 2014, a “ C...” comunicou à R. que “ (…) as lesões apresentadas/reclamadas, não são atribuíveis ao acidente de trabalho participado”, pelo que não aceitava a responsabilidade pelo acidente, tendo o acidente sido participado pela A. a este Juízo, a qual deu origem ao Processo Especial por Acidente de Trabalho com o n.º 184/14.0TTFIG, (fase contenciosa), cuja sentença transitou em julgado em 25 de julho de 2016. (Respostas aos Artigos 17º e 18º da Petição Inicial)

8º. Durante todo o período em que correu o processo referido no número anterior e até dezembro de 2015, a A. esteve sem trabalhar e sem receber qualquer salário ou subsídio por doença, à exceção dos meses de fevereiro, março, abril, maio, junho e seis dias do mês de julho de 2014, nos quais recebeu da Segurança Social, subsídio de Doença. (Resposta ao Artigo 19º da Petição Inicial)

9º. No termo do último período de baixa médica – 28/4/204 a 6/7/2014 – a A., no dia 7/7/2014 apresentou-se nas instalações da R. a fim de retomar a sua atividade laboral, mas o gerente da R. disse-lhe para ir para casa, devendo entregar atestados médicos para justificar as suas faltas, e entregou-lhe uma declaração (junta ao processo e aqui dada por totalmente reproduzida), onde menciona que a A. se apresentou ao trabalho no dia 7 de julho de 2014, mas não estava em condições de trabalhar na sua função. (Respostas aos Artigos 20º e 21º da Petição Inicial)

10º. A A., desde então, ficou sem trabalhar e sem receber qualquer retribuição e ao longo dos meses foi solicitando ao seu médico de família atestados médicos (também juntos aos autos e igualmente dados por reproduzidos) que entregava na empresa, como solicitado pelo seu patrão. (Respostas aos Artigos 22º, 23º e 24º da Petição Inicial e ao Artigo 20º da Contestação)

11º. Na tentativa de conciliação no processo do acidente de trabalho que teve lugar no dia 4 de dezembro de 2014, não foi obtido acordo com a Seguradora, quer quanto à existência de acidente de trabalho, quer quanto à incapacidade, pelo que o processo seguiu para a fase contenciosa, factos que sempre foram do conhecimento da R.. (Resposta ao Artigo 25º da Petição Inicial)

12º. No apenso de Fixação da Incapacidade para o trabalho, foi proferida sentença em 9 de junho de 2015, decidindo que a A. estava afetada com uma IPP de 9% com Incapacidade Permanente para o Trabalho Habitual, o que também foi transmitido à R.. (Resposta ao Artigo 26º da Petição Inicial)

13º. Na sequência desta decisão, a A. apresentou-se para trabalhar e foi mandada embora pelos representantes da Ré, com a alegação de que a A. não estava capaz de exercer a sua função habitual, o que sucedeu mais vezes. (Respostas aos Artigos 27º e 28º da Petição Inicial e ao Artigo 22º da Contestação)

14º. No dia 25 de novembro de 2015, a R. marcou uma consulta no médico da Medicina do Trabalho da R., para que o médico avaliasse a A., sendo que, nesse mesmo dia a A., acompanhada pelo funcionário da R. D..., deslocou-se a ..... à Clinica que prestava serviços à Ré, onde o médico Dr. E... – viu os documentos do tribunal e emitiu a ficha de aptidão que enviou para a R. e que está junta aos autos (também dada por totalmente reproduzida). (Respostas aos Artigos 29º e 30º da Petição Inicial e ao Artigo 23º da Contestação)

15º. A R. não atribuiu qualquer função à A., que esteve na R. sem fazer qualquer trabalho. (Resposta ao Artigo 31º da Petição Inicial e ao Artigo 25º da Contestação)

16º. A mandatária da A., em 2/12/2015, enviou à R. a carta junta ao processo (cujo teor se dá por integralmente reproduzido, sendo que, na sequência desta carta, a R. mandou a A. de férias. (Respostas aos Artigos 32º e 33º da Petição Inicial e ao Artigo 26º da Contestação)

17º. Após o regresso da A. ao trabalho, em 4 de janeiro de 2016, a R. determinou que exercesse as funções de “ASSISTENTE DE LOGISTICA INDUSTRIAL”, passando a A. a realizar várias tarefas, como limpezas, nas instalações da R.. (Respostas aos Artigos 35º a 37º da Petição Inicial e ao Artigo 24º da Contestação)

18º. O gerente da R., M.... , deixou de falar à A. (que muitas vezes chorava enquanto trabalhava e sentia-se muito triste) e escreveu pelo seu próprio punho e fez afixar num placard que existe no refeitório da empresa um papel com os seguintes dizeres: “ TODA A PESSOA QUE TIVER 55 ANOS E 30 ANOS DE DESCONTOS TEM DIREITO À PRÉ-REFORMA” e que era dirigido à A.. (Respostas aos Artigos 38º a 43º da Petição Inicial)

19º. A A. aceitou a sugestão da R. de deixar de trabalhar na R., indo para o desemprego e recebendo o subsídio de desemprego até atingir a idade da reforma, tendo a R. comunicado à A. que a Ré lhe pagaria uma indemnização e lhe daria todos os papéis para receber o subsídio de desemprego, tendo a A. aceite essa proposta na convicção de que receberia a indemnização devida, todas as retribuições em divida e que iria receber o subsídio de desemprego, como lhe foi garantido pela R., sendo que a R. sabia que se a A. soubesse que não tinha direito a receber as prestações de desemprego, nunca aceitaria tal acordo. (Respostas aos Artigos 44º a 48º e 56º a 58º e 61º da Petição Inicial)

20º. A R. elaborou os documentos necessários para efetivar a revogação do contrato por extinção do posto de trabalho e entregou à A. o modelo RP 5044/2012, para que esta recebesse as prestações de desemprego a que teria direito até entrar na reforma, acordo que foi assinado com efeitos a partir do dia 29 de julho de 2016 (dando-se por totalmente reproduzido esses documentos), sendo que nessa data a Ré pagou à A. a quantia líquida de € 7.341,56, a título de créditos vencidos e compensação pelo despedimento, o que a A. aceitou, na convicção de que iria receber o subsídio de desemprego a que tinha direito, até atingir a idade da reforma. (Respostas aos Artigos 49º e 50º da Petição Inicial)

21º. Na sequência do despedimento, a A., com todos os documentos que lhe foram entregues pela R., requereu nos Serviços da Segurança Social e Centro de Emprego, os referidos benefícios, o que fez logo no dia 1 de agosto de 2016. (Resposta ao Artigo 51º da Petição Inicial)

22º. No dia 8 de agosto de 2016 a A. recebeu da Segurança Social a decisão de indeferimento, com fundamento em “Não ter prazo de garantia de 360 dias por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses, imediatamente anterior à data do desemprego, para atribuição de subsídio de desemprego (n.º1 do art.º22 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, alterado pelo Decreto Lei n.º 64/2012)”. (Respostas aos Artigos 52º e 53º da Petição Inicial)

23º. A A. ficou desesperada e concluiu que tinha sido enganada pela R., que para a despedir lhe prometera coisa que bem sabia a A. não iria obter. (Resposta ao Artigo 54º da Petição Inicial)

24º. A R. sabia que a A. não iria receber quaisquer contribuições de desemprego, uma vez que, durante os 16 meses que a A. esteve impedida de trabalhar por ordem da R. esta não fez quaisquer descontos para a Segurança Social. (Resposta ao Artigo 55º da Petição Inicial).”.

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B) De Direito


Primeira questão: se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada nos termos propugnados pela apelante.

Consta do ponto 6º) dos factos descritos como provados o seguinte: “A A. apresentou-se ao trabalho, como ordenado pela “ C...”, e não conseguiu exercer a sua função habitual e por isso a R. mandou-a embora, por entender que a mesma não podia trabalhar, mantendo-se a A. sem trabalhar e estando de baixa, tendo entregue na R. os atestados e certificados médicos juntos aos autos (e aqui dados por reproduzidos na sua totalidade), recebendo o subsídio por doença da Segurança Social, até 6/7/2014. (Respostas aos Artigos 14º a 16º da Petição Inicial e aos Artigos 16º e 17º da Contestação)”.
Pretende a apelante que seja alterada o ponto de facto, consignando-se a esse respeito e na conclusão IV que “Não se encontra, portanto, suficientemente fundamentada a decisão que levou a considera-se como provado que a autora apenas recebeu subsídio de doença da parte da Segurança Social até 06/07/2014 e, pelo contrário, provando-se antes que a autora recebeu tal subsídio durante todo o período temporal correspondente às baixas entregues à recorrente, deveria o Tribunal a quo ter antes dado este facto como provado, em detrimento daquele.”.
Não existe nos autos prova com força probatória vinculativa  no sentido de que a apelada tenha recebido da Segurança Social qualquer subsídio por doença refente a períodos subsequentes à data limite de 6/7/2014 assinalada na decisão fáctica recorrida.
Por outro lado, o simples facto de um médico de família ter emitido Certificados de Incapacidade para o Trabalho referentes a períodos posteriores a 6/7/2014 não implica necessariamente que a Segurança Social tenha pago subsídios de doença referentes a esse período, tanto mais que, como resulta do documento nº 13 junto com a petição inicial, a autora foi sujeita a Comissão de Reavaliação dos Serviços de Verificação de Incapacidade Temporárias da Segurança Social, sendo que à autora apenas foi reconhecida incapacidade temporária até 6/7/2014.
A prova oral que foi produzida no decurso da audiência de julgamento não foi objecto de gravação, tendo alguma dessa prova incidido sobre a temática que ora está em apreciação, como melhor resulta das actas da audiência de julgamento e da identificação da matéria sobre a qual a mesma se produziu.

Ora, como explicitado por este Tribunal da Relação no seu acórdão de 12/7/2017, proferido o processo 21/14.6TTGRD.C1, “Como também já referimos, a audiência não foi objecto de gravação, já que em nenhuma das partes o requereu nem a Srª Juíza assim o determinou.
Importa ter sempre presente que um dos princípios basilares, em termos de apreciação de prova, é o da liberdade de julgamento, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e decide apenas com base na sua prudente convicção acerca de cada facto, não se exigindo, portanto, a este Tribunal da Relação que, no âmbito de uma reapreciação da prova produzida na audiência de discussão e julgamento levada a cabo na 1ª instância, procure formar uma nova convicção em termos de matéria de facto, circunstância que, pela própria natureza das coisas, levaria a que se devesse proceder a uma sistemática e global apreciação de toda a prova produzida em audiência, mas apenas a detecção e correcção de eventuais mas concretos erros de julgamento.
Na verdade, o que este Tribunal da Relação é chamado a fazer é verificar se a convicção expressa pelo Tribunal de 1ª instância na prolação de decisão sobre matéria de facto, e em relação aos pontos concretos objecto de impugnação, tem suporte razoável nos elementos de prova apresentados nos autos e produzidos em audiência, e, consequentemente, se uma tal decisão não deriva de erro de julgamento.
O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deixar de respeitar a livre apreciação da prova obtida, na 1ª Instância, com base nos princípios da imediação e da oralidade.
A prova testemunhal é apreciada livremente pelo juiz (artºs 396º do C.C. e 607º, nº 5, do CPC) e que, como é sabido, a convicção do julgador forma-se em função da credibilidade que os depoimentos lhe merecem. Quem está em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência é, atento o imediatismo impossível de obter na análise da matéria de facto na Relação,  o julgador de 1ª instância, que, por ser quem presencialmente conduz a audiência de julgamento, se encontra numa posição privilegiada para avaliar o depoimento em concreto, captando pormenores, reacções, hesitações, expressões e gestos, impossíveis de transparecer pela simples audição das gravações dos depoimentos.
(…)
Infere-se, sem qualquer dificuldade, do exposto que, para que este Tribunal de recurso possa exercer tal análise crítica quando são invocados depoimentos, os mesmos têm que ser objecto de gravação.
O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tem, nestes casos, por base a audição da gravação dos depoimentos prestados em audiência.
Só assim se pode dar cumprimento ao disposto no nº 1 do artº 662º do C.P.C., que refere que a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nas situações aí contempladas.
Com o objectivo de assegurar o duplo grau de jurisdição no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, torna-se necessário obter o integral registo da audiência, pois que só desse modo é possível que o processo contenha todos os elementos de prova que serviram de base àquela decisão.
Daí que o artº 155º do CPC estipule um conjunto de formalidades, indispensáveis à concretização daquele desiderato.
Uma regra a observar é a de que a gravação deve ser efectuada de modo a que facilmente se apure a autoria dos depoimentos gravados ou das intervenções e o momento em que os mesmos se iniciaram e cessaram - nº 1.
Outra regra é a de que a gravação deve ser integral, de modo que se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição, sempre que for essencial ao apuramento da verdade – nº 4.
O registo das provas produzidas ao longo da audiência de julgamento tem em vista ampliar as garantias das partes no processo, que, deste modo, podem, através do recurso, conseguir a correcção de erro de julgamento relativo à matéria de facto.
Só o registo magnético efectuado permite percepcionar ao  tribunal de recurso tudo o que foi dito pelas testemunhas ou por outros intervenientes processuais, designadamente juiz e advogados.
Na hipótese de não se ter sido procedido à gravação dos depoimentos, é completamente impossível, ao tribunal de recurso, sindicar, com o rigor e precisão que se impõem, a convicção do juiz no que toca à matéria de facto, precisamente porque não tem à sua disposição, com a necessária certeza e clareza, a totalidade dos elementos ou depoimentos relevantes para esse efeito.
E as declarações das testemunhas, incluindo as respostas dadas ao juiz e aos advogados, não podem ser descontextualizadas das perguntas por aqueles feitas, porque só assim se adquire plena percepção da prova testemunhal produzida.
Como tal, a não gravação não pode ser suprida, em termos de alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, pelo apelo à fundamentação exarada pelo juiz no despacho de fixação da matéria de facto, incluindo a referência expressa ao que terá sido dito pelas testemunhas, e às eventuais incorrecções lógico-dedutivas do raciocínio do mesmo.
Sem entramos na análise desta temática, no caso concreto, porque a tal o impede todas as considerações expendidas, diremos que tal método acarretaria a completa subversão do regime legal de reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, admitindo-se um claramente não previsto na lei sistema de depoimentos escritos, substituindo-se por este as indispensáveis oralidade e imediação dos depoimentos.
Além de que- e não quer dizer que tenha sido este o caso, na hipótese dos autos – poderá dar-se a situação de, tendo o juiz apreciado correctamente os depoimentos e toda a outra prova, designadamente documental, produzida, tenha, por qualquer motivo, usada de incorrecção na transmissão, para a respetiva fundamentação, da sua convicção. Mas isso, repete-se, só é sindicável com a audição dos depoimentos gravados.
Nestes termos, … sendo certo que os documentos invocados, desacompanhados dos depoimentos das testemunhas, só por si não são decisivos, como, aliás, decorre das alegações de recurso, improcede a impugnação da matéria de facto.”.
Coerentemente com o acabado de transcrever, mais não resta do que concluir no sentido de que este tribunal está impedido de sindicar a decisão fáctica do tribunal recorrido em termos de alterar o descrito no ponto 6º) dos factos enunciados como provados nos termos propugnados pela apelante, o qual, por isso, deve subsistir intocado.

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No ponto 8º) dos factos descritos como provados, consta que “Durante todo o período em que correu o processo referido no número anterior e até dezembro de 2015, a A. esteve sem trabalhar e sem receber qualquer salário ou subsídio por doença, à exceção dos meses de fevereiro, março, abril, maio, junho e seis dias do mês de julho de 2014, nos quais recebeu da Segurança Social, subsídio de Doença. (Resposta ao Artigo 19º da Petição Inicial)”; no ponto 15º) dos mesmos factos consta que “A R. não atribuiu qualquer função à A., que esteve na R. sem fazer qualquer trabalho. (Resposta ao Artigo 31º da Petição Inicial e ao Artigo 25º da Contestação)”.

Assim, ao contrário do que sustenta a apelante, no referido ponto 15º não foi dado como provado o teor do artigo 25º da contestação[1], mas apenas o que nele explicitamente se descreveu de entre o alegado nos artigos 31 da petição inicial e 25º da contestação.

Não se verifica, assim, a incongruência entre o descrito nos pontos 8º) e 15º) supra transcritos e que constitui o pressuposto racional de que parte a apelante para propor uma nova redacção desse ponto 8º), o que bastaria para que não procedesse a pretensão da apelante em análise.

Por outro lado, o documento nº 25 referenciado naquele artigo 25º da contestação não se encontra escrito, nem assinado, pela apelada, não tendo por isso força probatória vinculada que o extraia ao princípio da livre apreciação da prova documental destituída daquele tipo de força; do mesmo não resulta qualquer pagamento efectivo da quantia líquida nele aposta como sendo devida à apelada; dele não consta, igualmente, a referência concreta aos dias 26 a 30 de Novembro.

Por consequência, improcede a pretensão recursiva fáctica da apelante que está em apreciação.


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Pretende a apelante que se altere a matéria descrita nos pontos 19º) e 24º dos factos enunciados como provados, em termos de se retirar da materialidade provada que “…a recorrente sabia que a autora não tinha direito a receber as prestações de desemprego, por não ter feitos quaisquer descontos para a Segurança Social no período em que esta não trabalhou, e que, ainda assim, garantiu à recorrente o pagamento das mesmas (factos provados 19 e 24).” – conclusão XI.
Trata-se de matéria sobre a qual incidiu prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento, como claramente decorre das actas dessa audiência, sendo que tal prova não foi objecto de gravação.
Assim, dando-se aqui por reproduzido o acima transcrito relativamente ao acórdão deste Tribunal da Relação de 12/7/2017, proferido o processo 21/14.6TTGRD.C1, na ausência de outros elementos de prova a que tenha de reconhecer-se valor probatório vinculado e que contrariem o que ali se deu como provado, está este tribunal impedido de censurar a decisão fáctica recorrida nos segmentos que estão em análise e nos termos propugnados pela apelante.

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Segunda questão: se o negócio jurídico de cessação do contrato de trabalho não era anulável por não ocorrer o conhecimento ou a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro invocado na sentença recorrida para decretar a anulação daquele negócio.

A sentença recorrida decretou a anulação do acordo de cessação do contrato de trabalho com o fundamento principal de que a autora incorreu em erro sobre o objecto do negócio jurídico globalmente considerado (acordo de cessação do contrato de trabalho e condições que motivaram a adesão a esse acordo por parte da autora, entre as quais releva principalmente o acesso ao subsídio de desemprego na sequência da cessação do contrato de trabalho), conhecendo a ré a essencialidade do elemento do negócio jurídico sobre o qual tal erro incidiu e que consistia na pretensão da autora aceder ao subsídio de desemprego até à data da reforma, pretensão essa que veria declinada pela entidade pública com competência nessa matéria.

Na apelação, a ré não coloca em causa que a apelante incorreu numa situação de erro[2] e que tal erro deva ser configurada como incidindo sobre o objecto do negócio jurídico; tais conclusões também não foram postas em causa pela apelada.

Como assim, nesse segmento nada há a conhecer e decidir que contrarie o decidido na sentença recorrida sem impugnação das partes.
Porém, sustenta a apelante que tal erro não gera anulabilidade do negócio jurídico impugnado, pois não se verifica o duplo pressuposto fáctico em que a sentença recorrida fez assentar a essencialidade do erro e o seu conhecimento pela apelada sem os quais aquela anulabilidade não poderia ser afirmada, a saber: i) o conhecimento que a ré tinha de que a autora não tinha direito a receber subsídio de desemprego; ii) a garantia prestada à autora pela ré de que iria receber tal subsídio, assim a enganando.
É o que se depreende do seguinte trecho das alegações: “Acontece que, o Tribunal a quo assenta a essencialidade do negócio jurídico celebrado em dois momentos distintos: o primeiro, que a recorrente tinha perfeito conhecimento de que a autora não tinha direito a receber da Segurança Social quaisquer prestações a título de subsídio de desemprego; o segundo, que a recorrente, mesmo sabendo de tal impossibilidade, garantiu à autora que a mesma iria receber tal subsídio, enganando-a.”.
Não acompanhamos a apelante.

O primeiro argumento em apreciação cede perante o descrito no ponto 24º) dos factos descritos como provados e que permaneceu inalterado, onde se refere explicitamente que “A R. sabia que a A. não iria receber quaisquer contribuições de desemprego,…”.

A garantia e o engano que a ré nega no segundo argumento resultam à evidência do que se enunciou nos pontos 19º), 23º) e 24º) dos factos descritos como provados.
Alega a ré, ainda, que a anulabilidade do negócio impugnado também não poderia ter sido declarada porque “…a recorrente laborou igualmente em erro quando celebrou o negócio jurídico em questão, porquanto estava convencida – convencimento este provocado pela referida actuação da autora – que esta tinha o prazo de garantia necessário, previsto no artigo 22.º do Decreto-Lei nº 220/2006.”.
Trata-se de matéria de facto alegada na contestação (v.g. arts. 43º, 47º e 50º) e que explicitamente foi dada como não provada na decisão fáctica que consta da sentença recorrida.
Não se verifica, assim, o pressuposto fáctico em que assenta o argumento jurídico da apelante que está em apreciação.
Em face do antecedente exposto, responde-se negativamente à questão que está em apreciação.


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Terceira questão: se o tribunal recorrido violou o art. 289º/1 do CC ao incluir no efeito repristinatório consagrado naquela norma a condenação da ré a pagar à autora as retribuições vencidas e vincendas desde 29/7/2016 até à efectiva reintegração da autora, bem como as retribuições vencidas e não pagas desde 7/7/2014 a 24/11/2015, incluindo subsídio de férias e subsídios de Natal.


A questão ora em apreciação é suscitada pela apelante no pressuposto de que a condenação nela identificada foi imposta com o fundamento de que as correspondentes obrigações pecuniárias derivavam da anulação do negócio jurídico de cessação do contrato de trabalho e do efeito repristinatório imposto no art. 289º/1 do CC.
Assim sendo, como é, importa referir que a ré parte de pressuposto inexistente.
Na verdade, a sentença recorrida não impôs tal condenação com fundamento naquele efeito repristinatório.
Com esse fundamento apenas determinou a condenação da autora a restituir à ré a quantia que a primeira recebeu da segunda em resultado da celebração do negócio anulado.
A condenação da ré a pagar as demais quantias referidas na questão em análise[3] fundaram-se no entendimento de que: i) o acordo de cessação do contrato de trabalho deixou de produzir quaisquer efeitos, daí resultando que tudo se deveria passar como se o contrato de trabalho se mantivesse perfeitamente válido e eficaz desde 29/7/2016 até à sua cessação, mantendo-se todos os deveres decorrentes desse contrato de trabalho entre os quais se inclui o dever de pagamento da retribuição à trabalhadora, a qual não prestou efectivamente o seu trabalho por facto imputável à ré que a induziu em erro com vista à celebração do negócio anulado, bem assim como a obrigação da ré reintegrar a autora no seu posto de trabalho com data reportada a 29/7/2016; ii) a ré obstou indevidamente à prestação de trabalho por parte da autora entre 7/7/2014 a 24/11/2015, razão pela qual deve satisfazer em relação a esse período as retribuições correspondentes à disponibilidade para a prestação de trabalho por parte da autora e que esta apenas não prestou devido àquela indevida obstaculização.
A separação entre a condenação que resulta do efeito repristinatório de declaração de anulação do negócio de cessação do contrato de trabalho e as demais condenação não fundadas nesse efeito repristinatório resultam, a nosso ver e com clareza, do seguinte trecho da decisão recorrida: “Em suma, temos que é anulável esse acordo de revogação do contrato de trabalho, o que se declarará, com as consequências previstas no Art. 289º, n.º 1 do Código Civil (“Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”, pelo que a A., como esta o aceita, deverá restituir à R. a quantia que recebeu em resultado da celebração do “acordo” anulado),[4] tendo a A. direito também, uma vez que esse acordo deixou de ter qualquer validade, à sua reintegração na R. e ao pagamento das retribuições que deveria ter recebido após a celebração desse “acordo” e das retribuições que não recebeu por a R. a ter mandado indevidamente para casa sem lhe atribuir trabalho e sem que tivesse recebido qualquer subsídio de doença por parte da Segurança Social[5].
Assim, não se verificando o pressuposto de que a apelante parte para dirigir à sentença recorrida a crítica assente em tal pressuposto[6], fica prejudicada qualquer possibilidade de ser acolhida a pretensão da ré que está em apreço a respeito da questão ora em análise, questão essa a que, por isso, deve responder-se negativamente.

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Quarta questão: se a autora incorreu em situação de faltas justificadas ao trabalho por doença entre 7/7/2014 e 24/11/2015, com a consequente perda do direito à retribuição nesse período.

A recorrente parte do pressuposto, em relação à questão que suscita nas alegações e que ora está em apreciação, de que a apelada incorreu em faltas ao trabalho nos dias entre 7/7/2014 e 24/11/2015.
Ora, os factos provados não suportam tal pressuposto.
Com efeito, as faltas ao trabalho configuram uma forma de incumprimento contratual do dever do trabalhador se manter disponível para a prestação de trabalho e por motivo com ele relacionado.
Ora, como em relação a qualquer outra forma de incumprimento contratual, também as faltas[7] só podem ter-se por verificadas se em relação a elas puder ter-se por assente, entre outros que ao caso não importa, um dos elementos integrantes do conceito de incumprimento, a saber: o facto, entendido este como um comportamento voluntário e consciente do agente, activo ou omissivo, que redunde numa infracção ao dever de disponibilidade para a prestação do trabalho.
Ora, no caso dos autos, a não disponibilidade da apelada para a prestação de trabalho à apelante no período que está em consideração foi determinada por esta e não por qualquer comportamento voluntário da apelada.
Para assim concluir basta recordar que: i) no dia 7/7/2014, a autora apresentou-se nas instalações da apelante a fim de retomar a sua actividade laboral, mas o gerente da ré disse-lhe para ir para casa, devendo entregar atestados médicos para justificar as suas faltas (ponto 9º dos factos descritos como provados); ii) por causa disso e desde então a autora ficou sem trabalhar (ponto 10º dos factos provados); iii) na sequência da decisão proferida em 9/6/2015 no processo de acidente de trabalho, a autora apresentou-se para trabalhar e foi mandada embora pelos representantes da ré, com a alegação de que a autora não estava capaz de exercer a sua função habitual, o que sucedeu mais vezes (pontos 12º e 13º dos factos provados); iv) tal situação manteve-se, pelo menos, até 25/11/2015 (pontos 14º a 16º dos factos descritos como provados).
Do lastro factual acabado de resumir resulta, à evidência, que a apelada não faltou ao trabalho, pois que se apresentou por mais do que uma vez no seu posto de trabalho oferecendo a sua disponibilidade para cumprir a sua obrigação prestacional; foi a ré quem se recusou a receber a prestação da autora, a pretexto de que a mesma se encontrava incapaz de trabalhar, colocando-se, até, numa situação violação do dever de ocupação efectiva da autora que decorre das disposições conjugadas dos arts. 115º, 118º, 126º, 127º/1/a/c/2 e 129º/1/b do CT/2009, que impõem a obrigação à entidade empregadora de, no âmbito da relação laboral estabelecida e dentro dos limites estabelecidos por lei, atribuir funções efectivas e suficientes aos seus trabalhadores, estando-lhe vedado não o fazer de uma forma injustificada, ou seja, fora dos quadros legais que permitam ao empregador recusar a prestação laboral.
Com efeito, desconhecemos, e a apelante não se encarrega de a evidenciar, qualquer norma legal que legitimasse a recusa da ré em receber a prestação de trabalho que a autora lhe oferecia, mantendo-se a relação de trabalho entre ambas decorrente da não invocação pela ré de uma qualquer forma de cessação do contrato de trabalho da autora, designadamente por caducidade decorrente da eventual incapacidade definitiva da autora para prestar o seu trabalho.
Assim sendo, a ausência da autora do seu posto de trabalho determinada pela recusa da ré em receber a prestação de trabalho oferecida pela autora não pode qualificar-se como falta.
Não se verificando, assim, o pressuposto de que a recorrente parte no âmbito da questão em análise no sentido de que a autora faltou ao trabalho no período em causa, fica prejudicado discutir se as alegadas – mas não demonstradas – faltas da trabalhadora determinam ou não a perda de retribuição pela qual pugna a recorrente na sua apelação mas que não pode acolher-se nesta decisão.
Como assim, responde-se negativamente à questão em análise.
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Quinta questão: se a condenação da ré a pagar à autora as retribuições referentes ao período compreendido entre 30/01/2014 e 6/07/2014, incluindo subsídios de férias e de Natal, cumulada com o recebimento pela autora de subsídio de doença pago pela Segurança Social relativamente a esse mesmo período, gera uma situação de enriquecimento sem causa da autora à custa da ré.

Ao suscitar nas suas alegações esta questão, a apelante parte do princípio de que a sentença recorrida lhe impôs uma condenação a pagar as retribuições devidas entre 30/1/2014 e 6/7/2014, incluindo subsídios de férias e de Natal.
Simplesmente, tal condenação não foi imposta à recorrente.

Na verdade, como resulta do dispositivo da sentença recorrida, a ré apenas foi condenada a pagar à autora todas as retribuições vencidas e vincendas desde 29/7/2016, assim como as vencidas e não pagas desde 7/7/2014 a 24/11/2015, incluindo subsídio de férias e subsídios de Natal; nenhuma condenação foi imposta por referência ao período de 30/1/2014 a 6/7/2014 referenciado nas alegações.

Como assim, fica prejudicada qualquer discussão em torno da questão em apreço.

*
IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta 6ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pela apelante.
Coimbra, 14/9/2018
(Jorge Manuel Loureiro)

........................................
(Paula Maria Roberto)


..................................
(Ramalho Pinto)



[1] Em particular no que toca à alegada remuneração entre 26 e 30 de Novembro de 2015.
[2] A apelante aceita mesmo essa situação de erro ao explicitar, por exemplo, o seguinte: “… não obstante o conhecimento da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante (a necessidade de acesso ao subsídio de desemprego), …”.
[3] Repare-se que não estão em causa quaisquer quantias prestadas por causa do acordo de cessação do contrato de trabalho que foi declarado anulado, mas sim de prestações devidas pelo contrato de trabalho cuja validade e eficácia reportada a 29/7/2016 e tempo subsequente foi reposta por consequência da anulação do acordo de cessação.
Ora, só as prestações realizadas em cumprimento do acordo anulado é que estão abrangidas pela consequência repristinatória imposta pelo art. 289º/1 do CC; em relação às prestações que não tiverem sido realizadas em cumprimento do negócio anulado, como aquelas que estamos agora a considerar, não faz sentido invocar-se o art. 289º/1 do CC.
[4] Terminam aqui, pois e até pelo encerramento do parêntesis aberto com a transcrição da norma que explicita o efeito repristinatório que temos vindo a considerar, os efeitos condenatórios que a sentença recorrida extraiu da anulação do negócio jurídico de cessação do contrato de trabalho.
Concordantemente, no segmento decisório, foram autonomizadas a declaração de anulação do negócio jurídico e a única condenação de natureza pecuniária que dele se extraiu: “a) Declaro anulado o “acordo de revogação de contrato de trabalho” assinado pela A. A... e pela R. “ B..., Lda.” em 29 de julho de 2016, devendo a A. A... devolver à R. “ B..., Lda.” a quantia recebida em resultado da assinatura desse “acordo” a título de “compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho”;”.
[5] A condenação na reintegração da autora e no pagamento das retribuições em causa fundam-se, assim, na validade e subsistência do contrato de trabalho e no dever de pagamento da retribuição devida à autora que não prestou o seu trabalho por factos imputáveis à ré – o erro em que induziu a autora e o obstáculo à prestação de trabalho por parte da autora.

Concordantemente, a condenação ora em causa foi autonomizada do segmento decisório em que se declarada da anulação do negócio de cessação do contrato de trabalho e os efeitos pecuniários decorrentes do efeito repristinatório da anulação: “b) “Condeno a R. “ B..., Lda.” a reintegrar a A. A... no posto de trabalho e na função que esta detinha à data referida em a) e a pagar à A. A... todas as retribuições vencidas e vincendas desde essa data e até à efetiva reintegração da A., bem como as retribuições vencidas e não pagas desde 7/7/2014 a 24/11/2015, incluindo subsídio de férias e subsídios de Natal, tudo a liquidar futuramente;”.
[6] E não esgrimindo a apelante qualquer argumentação que coloque em causa os reais fundamentos em que a sentença recorrida assentou a condenação ora em análise e que estão identificados na antecedente nota.
[7] Enquanto formas de incumprimento contratual por parte do trabalhador.