Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1732/09.3PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONCURSO DE CRIMES
CÚMULO JURÍDICO
Data do Acordão: 10/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 77º E 78º CP
Sumário: 1.- O pressuposto para o conhecimento superveniente do concurso e o cúmulo jurídico das penas, é a prática pelo agente de diversos crimes antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, como consta da primeira parte do n.º1 do art.77.º do Código Penal;

2.- O trânsito em julgado da primeira das condenações é o pressuposto temporal do concurso de penas, o que se compreende, porque só depois do trânsito a condenação adquire a sua função de solene advertência ao arguido.

3.- O trânsito em julgado da primeira condenação é o momento determinante em que se fixa a data a partir da qual os crimes não estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico; só se podem cumular juridicamente penas relativas a infrações que estejam em concurso e tenham sido praticadas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, só sendo cumuláveis penas em concurso, pois o artº.78º não pode ser interpretado cindido do artº. 77º do Código Penal.

4.- Os crimes praticados depois do trânsito em julgado da primeira condenação ficam excluídos do cúmulo realizado antes daquele trânsito, havendo lugar nestes casos a execução sucessiva de penas.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

      Relatório

            Por despacho proferido a 8 de Março de 2013, a Ex.ma Juíza da Vara de Competência Mista – 1.ª secção, de Coimbra, indeferiu a douta promoção do Ministério Público para realização de um cúmulo jurídico que englobasse as penas aplicadas ao arguido A... nos processos n.º144/09.3GGCBR, n.º216/09.4GDCNT, n.º 1827/09.3PCCBR e n.º1732/09.3PCCBR, por considerar que não é este o lugar, nem o momento para se pronunciar quanto ao conjunto de processos que deverão ser englobados em cada um dos cúmulos e, declarando-se incompetente para proceder nestes autos à realização do cúmulo jurídico proposto ou qualquer outro, atribui essa competência ao processo comum colectivo n.º 22/08.3GGCBR, da 1ª secção da Vara Mista de Coimbra, por ser o da última condenação.

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1- A realização de cúmulo jurídico de penas - observados os respectivos pressupostos - não é uma faculdade do Tribunal, mas uma imperatividade legal.

2- O arguido condenado não tem apenas a expectativa de que lhe seja operado cúmulo jurídico dos penas, mas, como aliás se afirma também no despacho recorrido, tem direito “a que lhe seja realizado o cúmulo jurídico (ou tantos quantos se imponham)”.

3- Ora, é isso que não tem sido feito, uma vez que, mais do que simplesmente omitido, o cúmulo jurídico de penas tem vindo e está aqui a ser expressamente recusado.

4- Concordando que, «na situação em apreço, atenta a data em que o arguido praticou os ilícitos pelos quais foi condenado e o trânsito de cada uma das decisões condenatórias, não há lugar a um único cúmulo jurídico», o despacho recorrido sustentou que, nos termos do disposto no artigo 471.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), “sem prejuízo do disposto no número anterior, é territorialmente competente o tribunal da última condenação”, competência essa para proceder à realização de tantos cúmulos jurídicos quantos os necessários, nesse mesmo processo.

5- Desse modo e ainda na linha de sustentação desse douto despacho, tendo a mais recente decisão condenatória sido proferida no processo n.º 22/08.3GGCBR, também desta 1.ª secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, será nesses autos que competirá proceder a esse conjunto de cúmulos jurídicos de penas.

6- O disposto no artigo 471.º, n.º2, do CPP, atribui, é certo, ao «tribunal da última condenação», a competência territorial para “efeito do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º do Código Penal”. Mas apenas isso.

7- Essa atribuída competência não vai para além do disposto nesse artigo 78.º, cujos pressupostos se mantêm de verificação imperativa. O que até, contraria a tese do douto despacho recorrido, quando ali se pretende alargada, «ao tribunal da última condenação», a competência territorial para a realização de uma pluralidade de cúmulos jurídicos de penas, incluindo (necessariamente, em tais situações) penas respeitantes a crimes que se não encontram em relação de concurso com aquele ou aqueles que determinaram a pena imposta nesse processo territorialmente competente.

8- Por outro lado, entendendo-se - entende a «jurisprudência mais recente» e sublinha-se no despacho recorrido - que “o cúmulo por arrastamento” contraria expressamente a lei (...)», não seria, caso se admitisse a competência territorial (para a realização plúrima de cúmulos jurídicos), com a abrangência pretendida naquela douta decisão, deixar entrar pela janela o que se quis impedir de entrar pela porta?

9- A questão que está na base da decisão recorrida e que torna divergente da pretensão previamente manifestada pelo Ministério público e ora motivadora deste recurso é, como inicialmente já aqui assinalada, a da competência territorial para a realização dos múltiplos cúmulos jurídicos de penas: essa competência não é de um só processo, daquele onde foi proferida a última condenação - como se pretende no despacho recorrido - mas é daquele processo que, de entre os relativos aos crimes em relação de cúmulo jurídico, serviu de suporte à condenação mais recente.

10- Por isso e no que respeita às penas respectivamente proferidos nos Processos n.º  144/09.3GGCBR., n.º 216/09.4GDCNT, n.º 1827/09.3PCCBR e neste PCC n.º 1732/09.3PCCBR - todas estas juridicamente cumuláveis entre si - é nestes autos que, tendo sido proferido, de entre estas, a última condenação, deverá ser efectuado o cúmulo jurídico deste conjunto de penas.

11- Assim o não havendo decidido, antes havendo declarado a incompetência e recusado a realização do cúmulo jurídico dessas penas, atribuindo essa competência a outros autos - cuja pena se não encontra em relação de cúmulo com as respectivamente decididas nos processos aqui

referenciados - a decisão recorrida interpretou deficientemente e ofendeu o disposto nos artigos  77.º e 78.º, do  Código Penal, e 19.º e 471.º, do Código de Processo Penal.

Nestes termos e pelo mais que, Vossos Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, concedendo-se provimento ao presente recurso e, consequente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se a sua substituição por uma outra que proceda ao promovido cúmulo jurídico de penas far-se-á Justiça.

O arguido não respondeu ao recurso.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá proceder.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

        Fundamentação

         O Despacho recorrido tem o seguinte teor:

« A Sr.ª Procuradora promoveu nos presentes autos a realização de um cúmulo jurídico que englobasse o conjunto de processos que indica, no contexto do juízo que efectua sobre o modo como deverão ser efectuados os vários cúmulos jurídicos que propõe.

Nesse sentido e porque considera para o efeito o trânsito ocorrido em 4 de Agosto de 2009, no Processo Sumário n.º 144/09.3GGCBR, do 3.º Juízo Criminal (factos de 13.06.2009) defende que deverão ser consideradas no cúmulo jurídico a efectuar nos presentes autos as penas aplicadas nos processos n.º 216/09.4GDCNT, n.º 1827/09.3PCCBR e n.º 1732/09.3PCCBR, por ser este o processo daquilo que designa como “ciclo de infracções criminais”.

Cumpre, então, proferir pronuncia quanto à realização ou não de um cúmulo jurídico (parcial) das penas aplicadas ao arguido nos mencionados processos.

Em causa está a realização de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso, que será de realizar quando posteriormente à condenação no processo de que se trata, o da última condenação, se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes.

Estabelece o artigo 77º, nº 1, do Código Penal que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única.”.

E o artº 78º do Código Penal: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”.

Para o efeito importa considerar as seguintes decisões condenatórias, sendo as mesmas enumeradas de acordo com a sequência cronológica da prática dos factos.

ProcessoData factosData

decisão

Data

trânsito

Crime e pena
1. 90/08.8PCCBR15.1.200820.5.20089.6.2008Crime de roubo - 2 anos de prisão, suspensa por 2 anos.
A suspensão da pena de prisão veio a ser revogada.
2. 921/08.2PCCBR29.9.200718.2.200912.3.2009Três crimes de roubo - 1 ano e 6 meses de prisão em cada um deles
Crime de furto qualificado - 2 anos e 2 meses de prisão
Dois crimes de furto simples - 8 meses de prisão
Pena única de 3 anos e 6 meses, suspensa com regime de prova A suspensão da pena de prisão veio a ser revogada.
3. 10/09.2PFCBR27.3.20093.4.20098.6.2009Crime de condução ilegal - pena de 10 meses de prisão, suspensa com regime de prova A suspensão da pena de prisão veio a ser revogada.
4. 144/09.3GGCBR13.6.20093.7.20094.8.2009Crime de furto qualificado tentado - pena de 1 ano de prisão suspensa por 1 ano, sob condição do arguido se submeter a tratamento A suspensão da pena de prisão veio a ser revogada.
5. 348/09.9PECBR15.10.200922.10.200923.11.2009Crime de condução ilegal - pena de 1 ano de prisão A pena foi extinta por ter sido cumprida
6. 999/09.1 PCCBR17.4.20098.1.20108.2.2010Crime de condução sem habilitação legal - 1 ano de prisão
7. 216/09.4GDCNT26.7.200911.1.201010.2.2010Crime de furto e uso veículo - pena de 4 meses de prisão
8. 485/08.7PCCBR29.2.20085.2.20108.3.2010Crime de roubo - pena de 3 anos e 6 meses Crime de furto simples -10 meses de prisão Pena única de 3anos e 10 meses de prisão, suspensa com regime de prova
9. 1827/09.3PCCBR6.7.200922.4.201024.5.2010Crime de condução ilegal - pena de 12 meses de prisão
Crime de furto qualificado -

■ .. - t ' •r'~r ■pena de 20 meses de prisão
Pena única de 2 anos de prisão
10. 1732/09.3PCCBR24.6.200929.4.201020.5.2010Crime de condução ilegal - 1 ano de prisão Crime de furto simples - 1 ano e 3 meses de prisão Crime de furto simples - 1 ano e 3 meses de prisão Pena única de 2 anos e 3 meses de prisão
11. 151/09.6GGCBR2.6.200825.5.201024.6.2010Crime de furto simples - pena de 200 dias de multa
12. 2201/09.7PCCBR

(ao qual foi apensado na fase de julgamento 0
processol 03/09.6GBP CV)

17.8.200914.6.201014.7.2010Dois crimes de condução ilegal - 6 meses de prisão por cada um dos crimes Crime de roubo - 2 anos de prisão
Crime de furto simples - 1 ano de prisão Pena única de 3 anos de prisão
13. 2220/09.3PCCBR

(ao qual foi apensado na fase de julgamento o processo 2065/09.0PBCBR, 2715/09.9PCCBR, 291/09.1 JDCNT, 714/09.0PBCBR)

5.4.2009

12.10.2009

13.10.2009

22.10.201011.11.2010Dois crimes de furto qualificado - 3 anos de prisão por cada um Dois crimes de furto simples -1 ano de prisão e 1 ano e 3 meses Crime de condução perigosa - 2 anos de prisão Três crimes de condução ilegal -10 meses por cada um deles
Pena única de 5 anos e 6 meses de prisão
14. 2451/09.6PBCBR

(ao qual foi apensado na fase de julgamento o processo 382/09.9PECÔR)

7.12.20092.12.20104.1.2011Dois crimes de condução ilegal -10 meses de prisão por cada um deles Pena única de 12 meses de prisão
15. 358/09.6PECBR26.10.200910.11.201014.1.2011Crime de condução ilegal - 10 meses de prisão

16. 2495/09.8PCCBR24.9.200913.1.20112.2.2011Crime de condução ilegal - 8 meses de prisão Crime de furto simples - 1 ano
Pena única de 16 meses
17. 1942/09.3PCCBR

(ao qual foi apensado na fase de julgamento 0
processol 92/09.3GD CNT,
2017/09.0PCCBR,
2511/09.3PBCBR, 315/09.2PECBR, 3338/09.8TACBR, 859/09.6PCCBR, 9109/09.9PECBR, 923/10.9TACBR, 93/09.5PECBR, 989/09.4PCCBR)

15.2.2009
27.7.2009
18.7.2009
7.4.2009
11.7.2009
30.7.2009
6.10.2009 í
18.1.201110.2.2011Crime de condução perigosa - 2 anos de prisão

Crime de burla informática -16 meses de prisão Três crimes qualificado - 2 anos de prisão por cada um dos crimes Três crimes de condução ilegal - 9 meses de prisão por cada um dos crimes Crime de furto simples - 1 ano de prisão
Crime de abuso de designação ou uniforme - 3 meses de prisão Crime de evasão - 9 meses
Pena única de 5 anos

18. 357/09.8PECBR3.11.200922.2.201111.4.2011Crime de condução ilegal - 10 meses de prisão
19. 1704/09.8PBCBR22.8.200923.3.20119.5.2011Crime de condução ilegal - 11 meses de prisão
20. 2267/09.07CCBR24.8.200914.4.201113.5.2011Crime de furto qualificado - 2 anos e 5 meses de prisão
21. 2369/09.2PCCBR10.9.2009
10.8.2009
6.6.2009 _
2.5.201123.5.2011Dois crimes de furto qualificado - 2 anos e 2 meses
30.8.2009
10.9.2009
25.10.2009
30.8.2009
30.8.2009
22.10.2009
Dois crimes de furto qualificado - 2 anos Três crimes de furto qualificado - 2 anos e 3 meses
Dois crimes de furto qualificado - 2 anos e 4 meses
Crime de furto qualificado na forma tentada - 10 meses de prisão Dois crimes de furto qualificado - 13 meses de prisão

Crime de furto qualificado - 2 anos e 8 meses Sete crimes de condução ilegal - 7 meses de prisão por cada um dos crimes Crime de dano simples - 1 ano de prisão

Crime de detenção de arma proibida - 13 meses de prisão
Pena única de 7 anos meses de prisão

22. 1053/09.1 PCCBR29.4.20093.6.201124.6.20,11Crime de burla informática -1 ano e 6 meses
23. 2665/09.9PCCBR24.11.2009
13.10.2009
13.10.2009
26.11.2009
13.10.2009
12.7.201119.9.2011Crime de furto qualificado Crime de condução perigosa
Crime de furto simples Crime de condução ilegal Crime de furto qualificado Pena única de 3 anos de prisão
24. 91/09.9GASRE7.4.200921.6.201122.9.2011Crime de furto qualificado - 3 anos de prisão
25. 1771/09.4PBCBR2.9.200927.9.201127.10.2011Crime de furto qualificado -
2 anos de prisão
Crime de burla informát1 ~
-1 ano de prisão
Pena única de 2 anos e 5
meses de prisão de prisão
26. 3184/09.9PCCBR13.12.200927.9.201117.10.2011Crime de furto qualificado - 18 meses de prisão Crime de condução ilegal - 1 ano de prisão Crime de resistência e coação - 2 anos de prisão Pena única de 3 anos
27. 19/09.6PFCBR30.10.200913.10.201111.11.2011Crime de burla informática - 18 meses de prisão Crime de furto simples -12 meses de prisão Pena única de 2 anos de prisão
28. 330/09.6PECBR11.9.20093.11.20115.12.2011Crime de furto simples - 3 meses

29. 406/09.0GDCBR9.12.200917.11.20117.12.2011Crime de furto qualificado - 2 anos e 11 meses de prisão
30. 2844/09.9PCCBR2.11.20092.2.201222.2.2012Crime de dano - 3 meses de prisão
Crime de condução ilegal - 10 meses de prisão Crime de furto simples -12 meses de prisão Pena única de 18 meses de prisão
31. 191/09.5GAMIR23.10.200913.1.201115.3.2012Crime de furto qualificado - 3 anos
32. 1034/09.5PBCBR8.5.2009

18.5.2009

8.3.201228.3.2012Crime de falsificação - 1 ano e 2 meses de prisão Crime de burla simples - 10 meses de prisão Pena única de 1 ano e 8 meses de prisão
33. 1944/09.0PBCBR secção Vara Mista de Coimbra27.9.200927.1.20123.12.2012Crime de condução ilegal - 9 meses de prisão
34. 22/08.3GGCBR22.1.2008

26.1.2008

21.3.201217.12.2012Crime de roubo -18 meses de prisão
Crime de condução ilegal - 7 meses de prisão Pena única de 20 meses de prisão
35. 192/11.3TACBR 1Q juízo criminal de Coimbra28.9.201018.1.201225.6.2012Crime de dano - 7 meses de prisão

Em face dos elementos que acabamos de plasmar nos autos, e tendo em consideração a data em que o arguido praticou os factos, aquela em que foram proferidas as decisões condenatórias e em que ocorreu o respectivo transito, é inviável efectuar um único cúmulo jurídico, sob pena de estarmos a realizar o designado “cúmulo por arrastamento”.

A este respeito será despiciendo efectuar grandes considerações, por se tratar de uma questão longamente debatida na doutrina e na jurisprudência e já pacífica.

De todo o modo, citando o acórdão de 17-03-2004 (in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 229), dir-se-á: “A punição do concurso de crimes com uma «única pena» pressupõe a existência de uma pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que tenham de comum um determinado período de tempo, delimitado por um ponto de referência ad quem estabelecido na norma - o trânsito em julgado da condenação por qualquer deles; todos os crimes praticados antes de transitar em julgado a condenação por um deles devem determinar a aplicação de uma pena única, independentemente do momento em que seja conhecida a situação de concurso, que poderá só ocorrer supervenientemente por facto de simples contingências processuais. As regras de punição do concurso, estabelecidas nos arts. 77.º e 78.º do C. Penal … têm como finalidade permitir apenas que em determinado momento se possa conhecer da responsabilidade quanto a factos do passado, no sentido em que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual, apreciados e avaliados, em conjunto, num dado momento. Na realização desta finalidade, o momento determinante só pode ser, no critério objectivado da lei, referido à primeira condenação que ocorrer, e que seja (quando seja) definitiva, valendo, por isso, por certeza de objectividade, o trânsito em julgado.”

E acórdão do STJ de 10-01-2007, onde se explica: “A posterioridade do conhecimento «do concurso», que é a circunstância que introduz as dúvidas, não pode ter a virtualidade de modificar a natureza dos pressupostos da pena única, que são de ordem substancial. O conhecimento posterior (art. 78.º, n.º 1, do CP) apenas define o momento de apreciação, processual e contingente. A superveniência do conhecimento não pode, no âmbito material, produzir uma decisão que não pudesse ter sido proferida no momento da primeira apreciação da responsabilidade penal do agente (cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 293-294).

Há, assim, para a determinação da pena única, como que uma ficção de contemporaneidade. A decisão proferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso deve sê-lo nos mesmos termos e com os mesmos pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados; a decisão posterior projecta-se no passado, como se fosse tomada a esse tempo, relativamente a um crime que poderia ser trazido à colação no primeiro processo para a determinação da pena única, se o tribunal tivesse tido, nesse momento, conhecimento da prática desse crime”. (in www.dgsi.pt).

Na doutrina, Vera Lúcia Raposo escreveu: “o cúmulo por arrastamento aniquila a teleologia e coerência internas do ordenamento jurídico-penal, ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência.(…) ao cometer crimes após uma condenação judicial, o arguido manifesta maior desconsideração para com a ordem jurídica do que nos casos de inexistência de condenação prévia. (…) Este comportamento desrespeitoso do arguido deverá denegar-lhe a condenação em pena única conjunta quanto aos vários crimes em jogo, resultado que, em regra, se revelaria mais favorável do que o cumprimento sucessivo de penas.” (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13, n.º 4, Outubro/Dezembro de 2003, págs. 583 a 599).

Concluindo, o momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões.

Tal trânsito inviabiliza que com os crimes cometidos até ao trânsito se cumulem ilícitos que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito.

Na situação em apreço, atenta data em que o arguido praticou os ilícitos pelos quais foi condenado e o trânsito de cada uma das decisões condenatórias não há lugar a um único cúmulo jurídico, tal como dissemos.

Porém, também não temos grupos de decisões condenatórias que se separem entre si em razão de um momento temporal inequívoco ditado pelo trânsito de uma das decisões. Isso aconteceria, por exemplo, se o arguido tivesse praticado parte dos crimes antes do trânsito da primeira decisão condenatória e se tivesse praticado todos os demais depois desse trânsito, mas sempre antes do primeiro trânsito deste segundo grupo de condenações.

Logo, a decisão quanto ao modo de realizar os vários cúmulos impõe uma análise cuidada e comparativa, já que se colocam várias opções. Muitas das decisões condenatórias podem entrar num ou noutro cúmulo, em função do marco temporal que se escolher, leia-se, em função do trânsito que se escolher como barreira temporal.

Por outro lado e no contexto da multiplicidade de decisões condenatórias que o arguido sofreu e da data em que praticou as mesmas pode mesmo equacionar-se que algumas das penas não sejam englobadas em nenhum dos cúmulos jurídicos a efectuar se tal vier a permitir que esses cúmulos abranjam um maior leque de condenações.

O que acabamos de referir procura concretizar o fundamento da figura do cúmulo jurídico, que impõe uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência. A questão complica-se quando entre a data da prática dos factos e data da condenação medeia um período temporal significativo, no qual o arguido praticou e veio a ser condenado por outros ilícitos.

Ora, a proposta ou requerimento apresentada pelo MºPº nos presentes autos, a ser acolhida, levaria a que tivéssemos que tomar posição, não só sobre o cúmulo a efectuar nos presentes autos, como também sobre aqueles que deveriam se efectuados noutros processos. E, caso tal entendimento não viesse a ser aceite nos demais processos (como aliás já se veio a verificar num dos processos) chegaríamos a resultado, no mínimo, sinistro.

O arguido veria realizado um cúmulo jurídico com um conjunto parcelar de condenações (nos presentes autos, por exemplo) e não veria nenhum outro cúmulo jurídico efectuado, porque os respectivos magistrados titulares dos demais processos recusariam a respectiva competência para esse efeito ou optariam pela realização de um cúmulo jurídico a englobar penas distintas daquelas que a Digna Magistrada do Ministério Público aqui indicou, por exclusão de partes (admitindo-se que tais decisões não fossem sequer objecto de recurso, por nem o arguido, nem o magistrado do MºPº titular desses outros autos discordar da decisão negatória da competência para realizar concretos cúmulos jurídicos parciais).

A dificuldade, ou melhor, a multiplicidade de opções para realizar os vários cúmulos das penas que este arguido sofreu estão patentes, desde logo, na circunstância do Ministério Público ter aqui promovido a realização de cumulo das penas aplicadas nos processos 144/09.3GGCBR, 216/09.4GDCNT, 1827/09.3PCCBR e 1732/09.3PCCBR, tendo por referência a data do primeiro dos trânsitos, a saber 4.8.2010.

Porém, se se realizasse o cúmulo jurídico nos presentes autos, tendo por referência a mencionada data de transito (4.8.2010) poderiam ainda ser consideradas as penas aplicadas ao arguido nos processos nº 999/09.1PCCBR, nº 2220/09.3PCCBR (relativamente aos factos praticados em 6.4.2009), nº 1942/09.3PCCBR (com excepção dos factos/crime praticado em 6.10.2009), nº 2369/09.2PCCBR (relativamente aos factos praticados em 6.6.2009), nº 1053/09.1PCCBR, nº 91/09.9GASRE, nº 1034/09.5PBCBR, uma vez que em todos eles foram os factos praticados antes do indicado transito (o primeiro deste conjunto de processos).

O que acabamos de referir espelha a circunstância de em alguns (vários) dos processos e num mesmo processo o arguido ter sido condenado por factos que praticou em períodos temporais distintos, circunstância essa que terá que conduzir a que tais condenações parcelares tenham que ser consideradas, apesar de terem sido englobadas nos cúmulos jurídicos então efectuados (veja-se os proc. nºs 2220/09, 1942/09, 2369/09 e 2225/09).

No sentido que acabamos de nos pronunciar tem sido pacífica a jurisprudência, quer no Tribunal da Relação, que no Supremo Tribunal de Justiça, que passaremos a citar de seguida.

“Porém, não existe fundamento legal para a restrição do concurso, sendo incompatível com sistema vigente a divisão do concurso em várias parcelas e distintos tribunais, e notória a omissão de pronúncia.

De acordo com o disposto no artº 77º do CP, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Este preceito conexiona-se com aquele que se lhe segue, pois estabelece as regras do conhecimento superveniente do concurso, ou seja, as situações em que, após o trânsito em julgado, se mostrar que o arguido praticou anteriormente à condenação outro ou outros crimes, sendo que, nos termos da revisão operada pela Lei 59/2007, de 4/9, também as penas cumpridas devem ser absorvidas no concurso. Por outro lado, apenas as condenações transitadas em julgado podem ser abrangidas, o que significa que, por regra, o conhecimento superveniente conduz à prolação de decisão cumulatória autónoma, ao invés do que acontecia anteriormente, em que sobre o Tribunal da condenação recaía o poder-dever de apreciar logo na sentença condenatória na nova pena parcelar o concurso já demonstrado.

No plano processual, importa sublinhar que a decisão cumulatória constitui não só um novo julgamento, como corresponde ao momento em que o legislador pretende ver reunido o conjunto de elementos caracterizadores mais completo possível do arguido e dos «pedaços de vida» que integram as condenações sofridas pelo mesmo. Afinal, será essa a pena final, o «fim da linha» e, na maior parte das vezes, a decisão aguardada com maior ansiedade pelo arguido. Por isso mesmo escolheu o legislador conferir competência territorial ao tribunal da última condenação (artº 471º, nº2, do CPP), na medida em que constitui o último elo na cadeia das condenações e aquele que dispõe dos elementos mais completos e actualizados, seja quanto aos factos, seja quanto ao percurso de vida do arguido.

Feito este excurso, verifica-se com nitidez que o legislador impõe a prolação de uma decisão cumulatória que abranja todas condenações transitadas e todas as penas em concurso, nos termos dos arts. 77º e 78º do CP. Esta conclusão impõe-se mesmo que haja lugar à ponderação de diversos concursos distintos e sucessivos, mas sempre confluindo numa única decisão que defina a reacção penal global (Veja-se, como exemplo de situação em que se destacam vários concursos, mas não se deixa de conhecer de todos, o Ac. do STJ de 02-10-2002, Processo nº 02P4410, relator Cons. Pereira Madeira, www.dgsi.pt).

Com efeito, não pode o tribunal a quo afirmar que existem «três situações de concurso» e depois só conhecer de uma delas, deixando o arguido sujeito a várias decisões cumulatórias autónomas, nem mesmo com a reserva inscrita na parte final da decisão «outros cumprimentos serão tidos em consideração no próximo cúmulo, noutro processo».” (Ac. da RC de 22-10-2008, relatado pelo Desemb. Fernando Ventura, que pode ser consultado em www.dgsi.pt).

Assim, independentemente do entendimento que se tenha sobre qual o momento a atender para afirmar a verificação da situação prevista no artº 78º, nº 1, do CP, se a data da condenação, se a do seu trânsito em julgado [neste último sentido tem decidido maioritariamente o STJ (….) a solução que se impunha, como bem refere o senhor procurador-geral-adjunto no parecer que emitiu, era a de operar dois cúmulos: (…)

A razão da escolha da data da condenação proferida no processo … como ponto de definição das penas do primeiro cúmulo está no facto de ser em relação a ela que existe em primeiro lugar o pressuposto exigido pelo artº 78º, nº 1, do CP da anterioridade de vários crimes, exactamente os dos processos … Se estes crimes fossem conhecidos naquele primeiro processo poderiam ter sido ali considerados, aplicando-se então uma pena conjunta. No fundo, o que agora há a fazer é repor a situação que se verificaria se o recorrente houvesse sido condenado por todos estes crimes logo no primeiro momento em que isso podia acontecer, ou seja, na sentença proferida no processo ….

Nestes casos não há espaço para critérios aleatórios ou de maior favor para o arguido. O que há a fazer, nos termos apontados, é identificar a primeira condenação em relação à qual o arguido tenha cometido anteriormente crimes, operando-se então um primeiro cúmulo jurídico englobando as penas dessa condenação e as aplicadas pelos crimes que lhe são anteriores. Em relação às penas dos crimes cometidos posteriormente àquela primeira condenação procede-se de modo idêntico, podendo ser todas englobadas num segundo cúmulo, se, identificada a primeira deste segundo grupo de condenações, todos os crimes das restantes lhe forem anteriores, ou, se assim não for, ter de operar-se outro ou outros cúmulos, seguindo sempre a referida metodologia.

Não tendo o tribunal recorrido assim procedido, cabe fazê-lo a este tribunal de recurso, no âmbito dos seus poderes de modificação ou revogação da decisão sob recurso, aplicando correctamente o direito, sem esquecer que daí não poderá resultar violação da regra estabelecida no artº 409º, nº 1, do CPP – proibição de reformatio in pejus – uma vez que apenas foi interposto recurso pelo arguido.” (ac. do STJ de 23 de Novembro de 2011, relatado por Manuel Braz).

“Vista na sua globalidade, a conduta do arguido espelhada nos processos supra referidos, sendo descontínua, face aos “compassos de espera”, desencadeia-se ao longo de pouco mais de dois anos e cinco meses (…).

No presente caso o elemento separador impeditivo de um efectivo concurso entre todas essas infracções, que obsta à aglutinação de todas as penas aplicadas a estes diversos crimes é a primeira condenação que teve lugar no (…). A primeira decisão transitada é, assim, o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando-os em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação.

A partir desta barreira inultrapassável afastada fica a unificação, formando-se outras penas autónomas, de execução sucessiva, que poderão integrar outros cúmulos.(…)

Estamos perante uma pluralidade de crimes praticados pelo recorrente, sendo de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles, pois como vimos, o trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, até onde se pode formar um conjunto de infracções em que seja possível unificar as respectivas penas.

A não aceitação do cúmulo por arrastamento obsta a que a pena do citado processo seja integrada no cúmulo com as penas das duas últimas condenações.”

E em jeito de conclusão, “Em substituição do cúmulo efectuado deverão ser realizados, não dois, como pretende o recorrente, nas conclusões 12ª, 13ª e 21ª, mas três cúmulos jurídicos sucessivos, cuja realização demandará necessariamente prévia recolha dos elementos indispensáveis, como as indicações sobre cumprimento de pena, atento o disposto no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, nos termos seguintes: (…)” (ac. do STJ de 17 de Dezembro de 2009, relatado pelo Cons. Raul Borges).

“No concurso superveniente de infracções, citando, com a devida vénia, o acórdão do STJ de 2.06.2004 In, C.J. STJ, Tomo II, pág.221., “tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente”. Isto porque o nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes, instituindo a pena conjunta, ou única, como a sanção ajustada à unidade relacional de ilícito e de culpa, numa ponderação do conjunto dos crimes e da relação da personalidade com o conjunto dos factos.

Em matéria de cúmulo jurídico, e tendo em vista a questão suscitada, importa distinguir duas realidades distintas:

a) uma é o momento temporal que se deve considerar para o estabelecimento de uma relação de concurso superveniente, e, ocorrendo uma situação de cúmulos sucessivos, saber as penas parcelares que hão-de integrar os respectivos cúmulos.

b) outra, diversa, é a determinação do tribunal competente para realizar o cúmulo jurídico.

Quanto à primeira questão (…)

Importa ainda considerar, que depois de uma primeira situação de concurso, pode bem ocorrer nova situação de concurso subsequente ao primeiro e, consequentemente, haver que realizar outro cúmulo que nada tem que ver com o primeiro. No fundo, hão-de realizar-se tantos cúmulos quantas as situações de concurso.

Apenas uma nota para dizer que a jurisprudência mais recente, mas já consolidada, afastou a ideia de uma só pena conjunta, através da realização do que ficou designado por “cúmulo por arrastamento, ou seja, a acumulação de todas as penas quando existe uma “pena charneira” entre dois ou mais concursos de penas.

Entendeu-se, pois, que o “cúmulo por arrastamento” contraria expressamente a lei e não se adequa ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência.

Aqui chegados, e ocorrendo uma situação de cúmulos sucessivos de modo a evitar o cúmulo por arrastamento, a questão que pode surgir é a de saber que penas hão-de integrar os respectivos cúmulos?

Como parece ser evidente, havendo duas penas únicas de cumprimento sucessivo, a escolha das penas que hão-de integrar cada um dos cúmulos não pode ser aleatória ou arbitrária, já que o resultado difere consoante as penas parcelares.

A escolha tem de ser feita de acordo com os artigos 77º e 78º do CP, e o resultado a que se chegar com a inclusão daquelas penas terá de ser o mais favorável para o arguido.

Quanto à segunda questão da determinação do tribunal competente para realizar o cúmulo jurídico, dir-se-á: Nesta matéria, o artº 471º, nº 1, do CPP, no que tange ao conhecimento superveniente do concurso, estipula que “…é competente, conforme os casos, o tribunal colectivo ou o tribunal singular, sendo correspondentemente aplicável o artº 14º, nº 2, al. b)”.

E o nº 2 estipula que “Sem prejuízo do disposto no número anterior, é territorialmente competente o tribunal da última condenação”. (…)

Quanto à fixação da competência territorial, se atentarmos que a efectivação da operação de cúmulo jurídico se traduz na realização de um “novo julgamento”  (cfr. artº 472º, do CPP) faz todo o sentido que o legislador tivesse imposto essa tarefa ao foro da “última condenação” [O tribunal da última condenação é aquele que por último efectivamente condenou o arguido e não a condenação que por último transitou em julgado, sendo aqui o trânsito um acontecimento aleatório e imprevisível.], por ser este tribunal o que tem a melhor e mais actualizada visão do conjunto dos factos e da personalidade do agente.

A este propósito, refere-se em recente acórdão do STJ, de 6.01.2010 [Ac. STJ de 6.01.2010, P. nº 98/04.2, 3ª secção, Relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira, publicado no sítio dgsi.pt.], que “…teve (o legislador) em mente implicar nele o tribunal que, justamente por ser o último a intervir em tempo e na cadeia das condenações, dispõe dos elementos de ponderação mais completos e actualizados, nomeadamente, quanto aos factos (…) e que, portanto, a todas as luzes, é o que está em melhor plano para colher a visão que se quer de panorâmica completa e actual do trajecto de vida do arguido, circunstância que, manifestamente, arreda qualquer interpretação restritiva daquela disposição processual”. (ac. da RL de 2-11-2011, relatado pela Desemb. Conceição Gonçalves, que pode ser consultado em www.dgsi.pt).

Da jurisprudência acabada de citar sobressai com clara nitidez que em situações como aquela que os autos versam há lugar a realização de vários cúmulos jurídicos, que a decisão sobre os processos a englobar em cada um dos cúmulos jurídicos deverá ser efectuada num único processo, e que esse processo será o processo da última condenação.

Não podemos, de todo o modo, deixar de chamar à colação o iter processual que conduziu a que se imponha a realização de vários cúmulos jurídicos ao arguido, de cuja análise se perceberá a surpresa com que foi recebida a promoção do MºPº, quando requereu a realização de vários cúmulos jurídicos em vários processos. Tal posição, a ser acolhida, iria conduzir a uma análise parcelar da conduta do arguido, susceptível de gerar equívocos, de dar azo a declarações de incompetência e, em última análise, ao prolongar da situação de indefinição jurídica por parte do arguido.

Todas estas eventuais consequências podem e devem ser evitadas.

Aliás, quando esta temática tem sido levada ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação o que está na origem do recurso atém-se, na maioria dos casos, com a circunstancia de em primeira instancia não ter sido elaborada uma decisão cumulatória por forma a contemplar todos os processos em que o arguido sofreu condenações, ainda que isso implique a realização de vários cúmulos jurídicos.

Na situação dos autos veríamos com algum pesar que o arguido continuasse a aguardar a realização dos vários cúmulos jurídicos parcelares em processos distintos, quando os grupos de processos a cumular não se apresentam de forma indiscutível e evidente, como já dissemos.

Por outro lado, também não partilhamos da posição, de acordo com a qual o arguido praticou os factos em períodos temporais definidos e localizáveis, já que a conduta criminosa do arguido se prolongou no tempo, sem hiatos de relevo. Aquilo que agora se chama de “ciclo de infracções criminais” foi uma realidade desconhecida dos Magistrados titulares da investigação penal, que nunca encontraram esses ciclos, pois se assim tivesse ocorrido certamente teriam apensado os inquéritos respectivos e deduzido uma só acusação.

Assim, não terá sido certamente por essa razão que o MºPº, em sede de investigação, não procedeu à apensação de processos. Mas, também não podemos deixar de repudiar que a este resultado se tenha chegado por uma qualquer razão de gestão processual em fase de inquérito, com tão significativos prejuízos para o erário público e ao arrepio do ordenamento jurídico-penal.

Passamos a explicar.

- O MºPº deduziu 58 acusações contra o arguido (em oito desses processos o arguido veio a ser absolvido e 15 foram apensados aos demais, como se constata do quadro supra apresentado), quando a quase totalidade da investigação, senão mesmo a totalidade, foi efectuada pelo mesmo Departamento (DIAP de Coimbra);

- Apesar de ter conhecimento do conjunto de ilícitos que o arguido praticou e que estavam em investigação deduziu as referidas acusações de forma parcelar, mencionando em muitas delas os demais inquéritos pendentes e aqueles em que tinha já sido deduzida acusação, algumas das quais nos dias imediatamente antecedentes (como o comprova o facto de nas acusações vierem identificados os processos pendentes, bem como aqueles onde havia sido deduzida acusação – cfr. proc. nº 1942/09.3PBCBR, 2065/09.0PBCBR, 2715/09.9PCCBR, a título de exemplo);

- A circunstância de terem sido deduzidas 58 acusações teve como consequência que o arguido tivesse sido submetido a julgamento 43 vezes (menos do que as acusações deduzidas, já que em sede de julgamento se procedeu à apensação de 15 processos), tendo sido transportado do respectivo EP (a partir do momento em que foi detido), acompanhado necessariamente por dois guardas prisionais;

- Admitindo que todos os julgamentos tenham tido apenas uma sessão significa que o arguido para realização do julgamento e respectiva leitura foi conduzido ao tribunal 86 vezes;

- E porque foram deduzidas 58 acusações foram-lhe nomeados 58 defensores, número esse que nem sequer terá expressão na qualidade de defesa do arguido, uma vez que não foi nomeado o mesmo defensor em todos os processos.

Em síntese, no período de tempo indicado, realizaram-se 58 julgamentos, muitos dos quais com intervenção do Tribunal Colectivo, afectando-se para esse efeito os respectivos meios humanos, Magistrados Judiciais, Magistrados do MºPº e funcionários de justiça.

Do que acabamos de expor sobressai, no que ora nos interessa, que o arguido viu a sua conduta analisada separadamente em cada um dos processos, por opção dos titulares dos processos na fase de investigação. Mas tem direito, nos termos das disposições legais já citadas, a que lhe seja realizado o cúmulo jurídico (ou tantos quantos se imponham), vendo a seu percurso criminal analisado e valorado conjuntamente.

Não se pretende com o que se acaba de referir branquear o percurso criminoso do arguido, que praticou os mencionados ilícitos e foi por eles já condenado. Porém, não se nos afigura já como liquido e isento de qualquer reparo que, apesar de ter praticado tais ilícitos, devesse ser esta a resposta do sistema judiciário. Quer porque não é esta a melhor forma de acautelar os direitos de defesa do arguido. Quer porque não se vislumbra qual possa ser o superior interesse da investigação, que menospreza o custo que envolve para o erário público a submissão de um arguido 58 vezes a julgamento.

Concluímos, portanto, que se impõe realizar vários cúmulos jurídicos, não sendo este o lugar, nem o momento para nos pronunciarmos quanto ao conjunto de processos que deverão ser englobados em cada um dos cúmulos.

Essa decisão deverá ser tomada no processo da última condenação (22/08.3GGCBR da 1ª secção da Vara Mista de Coimbra), processo esse que é o competente para a realização de todos os cúmulos jurídicos que contemplem as várias condenações sofridas pelo arguido.

Em face do exposto, declaramo-nos incompetentes para, nos presentes autos, proceder à realização do cúmulo jurídico proposto ou de qualquer outro, atribuindo essa competência ao PCC 22/08.3GGCBR da 1ª secção da Vara Mista de Coimbra.

Notifique. (…)»

*
                                                                       *

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:

- se o despacho recorrido violou o disposto nos artigos  77.º e 78.º, do  Código Penal, e 19.º e 471.º, do Código de Processo Penal não realizar um cúmulo jurídico parcial de penas, atribuindo essa competência ao processo de uma última condenação, cuja pena se não encontra em relação de cúmulo com as penas respeitantes àquele cúmulo jurídico parcial.


-

            Passemos ao conhecimento da questão.

O despacho recorrido fundamentou a recusa de realização do cúmulo jurídicos de penas proposto pelo Ministério Público essencialmente com os seguintes argumentos:

Nos termos dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, o momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões.

Em face dos elementos plasmados nos autos, e tendo em consideração a data em que o arguido praticou os factos, aquela em que foram proferidas as decisões condenatórias e em que ocorreu o respectivo transito, é inviável efectuar um único cúmulo jurídico, sob pena de estarmos a realizar o designado “cúmulo por arrastamento”;

Porém, também não temos grupos de decisões condenatórias que se separem entre si em razão de um momento temporal inequívoco ditado pelo trânsito de uma das decisões. Isso aconteceria, por exemplo, se o arguido tivesse praticado parte dos crimes antes do trânsito da primeira decisão condenatória e se tivesse praticado todos os demais depois desse trânsito, mas sempre antes do primeiro trânsito deste segundo grupo de condenações.

A dificuldade, ou melhor, a multiplicidade de opções para realizar os vários cúmulos das penas que este arguido sofreu estão patentes, desde logo, na circunstância do Ministério Público ter aqui promovido a realização de cúmulo das penas aplicadas nos processos 144/09.3GGCBR, 216/09.4GDCNT, 1827/09.3PCCBR e 1732/09.3PCCBR, tendo por referência a data do primeiro dos trânsitos, a saber 4.8.2010. Porém, se se realizasse o cúmulo jurídico nos presentes autos, tendo por referência a mencionada data de transito (4.8.2010) poderiam ainda ser consideradas as penas aplicadas ao arguido nos processos nº 999/09.1PCCBR, nº 2220/09.3PCCBR (relativamente aos factos praticados em 6.4.2009), nº 1942/09.3PCCBR (com excepção dos factos/crime praticado em 6.10.2009), nº 2369/09.2PCCBR (relativamente aos factos praticados em 6.6.2009), nº 1053/09.1PCCBR, nº 91/09.9GASRE, nº 1034/09.5PBCBR, uma vez que em todos eles foram os factos praticados antes do indicado trânsito (o primeiro deste conjunto de processos);

Havendo lugar à realização de vários cúmulos jurídicos, a decisão sobre os processos a englobar em cada um dos cúmulos jurídicos deverá ser efectuada num único processo;

O tribunal competente para realizar o cúmulo jurídico, nos termos do art.471.º, do C.P.P., é o tribunal colectivo ou singular, conforme os casos e o territorialmente competente é o tribunal da última condenação; 

O processo da última condenação, proc. n.º 22/08.3GGCBR da 1ª secção da Vara Mista de Coimbra, é o competente para a realização de todos os cúmulos jurídicos que contemplem as várias condenações sofridas pelo arguido;

Impondo-se a realização de vários cúmulos jurídicos, este não é o lugar, nem o momento para o Tribunal dos presentes autos se pronunciar quanto ao conjunto de processos que deverão ser englobados em cada um dos cúmulos, pelo que se declara o Tribunal dos presentes autos incompetente para realização do cúmulo jurídico proposto ou de qualquer outro e se atribui essa competência ao proc. n.º 22/08.3GGCBR.

O Ministério Público, defende, por sua vez, que a competência territorial para a realização dos múltiplos cúmulos jurídicos de penas não é de um só processo, daquele onde foi proferida a última condenação, mas é do processo que, de entre os relativos aos crimes em relação de cúmulo jurídico, serviu de suporte à condenação mais recente.

As penas aplicadas nos processos n.ºs 144/09.3GGCBR, 216/09.4GDCNT, 1827/09.3PCCBR e nos presentes autos n.º 1732/09.3PCCBR, são juridicamente cumuláveis entre si, e não são cumuláveis com penas aplicáveis noutros processos, uma vez que está afastada actualmente a figura do “cúmulo por arrastamento”.

Tendo sido proferida nestes autos n.º 1732/09.3PCCBR a última condenação por crimes que integram este cúmulo jurídico, é este o Tribunal territorialmente competente e o momento de se proceder àquele cúmulo jurídico, em obediência ao disposto nos artigos 77.º e 78.º  do  Código Penal e 471.º e 19.º, n.º1 do  Código de Processo Penal.

Realizando-se este cúmulo jurídico de penas e os que promoveu para realização nos processos n.ºs 1034/09.5PBCBR, 1942/09.3PCCBR e 2267/09.0PCCBR, todos também da 1.ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, terminará a indefinição da situação jurídico-processual do arguido, que se encontra em cumprimento de pena desde 16 de Outubro de 2010.

Vejamos.

O art.77.º, n.º 1, do Código Penal, estatui que « Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. (…)».

Por sua vez, o art. 78.º, do mesmo Código, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007, dispõe, designadamente, o seguinte:

« 1. Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

   2. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.». 

Cremos ser hoje pacífico que os artigos 77.º e 78.º do Código Penal têm de ser interpretados conjugadamente.

Daqui resulta que o pressuposto para o conhecimento superveniente do concurso e o cúmulo jurídico das penas, é a prática pelo agente de diversos crimes antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, como consta da primeira parte do n.º1 do art.77.º do Código Penal.

As regras de punição do concurso, estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal têm como finalidade permitir avaliar em conjunto todos os factos que, num dado momento poderiam ter sido apreciados e avaliados, em conjunto, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual.

Na realização desta finalidade, o momento temporal decisivo só pode a primeira condenação que ocorrer, que seja definitiva, valendo, por isso, por certeza de objectividade, o trânsito em julgado.

O trânsito em julgado da primeira das condenações é o pressuposto temporal do concurso de penas, o que se compreende, porque só depois do trânsito a condenação adquire a sua função de solene advertência ao arguido.

O trânsito em julgado da primeira condenação é o momento determinante em que se fixa a data a partir da qual os crimes não estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico; só se podem cumular juridicamente penas relativas a infracções que estejam em concurso e tenham sido praticadas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, só sendo cumuláveis penas em concurso, pois o art. 78.º não pode ser interpretado cindido do art. 77.º do Código Penal.[4]

Os crimes praticados depois do trânsito em julgado da primeira condenação ficam excluídos do cúmulo realizado antes daquele trânsito, havendo lugar nestes casos a execução sucessiva de penas.

Esta interpretação das normas afasta o chamado “cúmulo por arrastamento”, que conheceu alguma aplicação na jurisprudência, especialmente da 1.ª instância, e que se revelava teleologicamente infundada por ignorar a relevância da condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido, pondo em causa a “coerência interna” do sistema, designadamente, a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência.[5]

A recusa de realização do chamado «cúmulo por arrastamento» cremos ser hoje pacífica a nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações.[6]

As razões por que a pena aplicada depois do trânsito em julgado, à partida, não deve ser englobada no cúmulo, resulta do facto de ao assim proceder o arguido revelar maior inconsideração para com a ordem jurídica do que nos casos de inexistência de condenação prévia, deixando de ser possível proceder à avaliação conjunta dos factos e da personalidade, circunstância óbvia para afastar a benesse que representa o cúmulo.

É evidente que, para averiguar se existe lugar ou não ao cúmulo jurídico de penas, e em caso afirmativo os termos em que deverá ser efectuado, temos de analisar os vários processos em que o arguido foi condenado, designadamente, as datas dos factos e da sentença e o respectivo trânsito, bem como as penas aplicadas.

No caso em apreciação, analisando os quadros das decisões condenatórias verificamos que a primeira sentença condenatória, a transitar em julgado, foi em 9 de Junho de 2008, por factos de 15-1-2008, proferida no âmbito do proc. n.º 90/08.8PCCBR.

O Tribunal deveria ter tido em consideração nessa sentença, para efeitos de pena conjunta, os crimes praticados anteriormente a 9 de Junho de 2008, se deles tivesse tido conhecimento ( e que são os relativos aos processos 921/08.2PCCBR, 485/08.7 PCCBR, 151/09.6GGCBR e 22/08.3GGCBR, mencionados no quadro do despacho recorrido sob os n.ºs 2, 8, 11 e 34).

Não o tendo feito, impõe-se a realização de um cúmulo jurídico dessas penas.

Após a advertência para o arguido, que foi a condenação transitada em julgado em 9 de Junho de 2008, voltou o mesmo a praticar novos factos criminosos, sendo que a primeira sentença condenatória relativa aos mesmos, a transitar em julgado, foi em 8 de Junho de 2009, por factos de  27-3-2009, proferida no âmbito do proc. n.º 10/09.2PFCBR ( n.º 3 do citado quadro).

Depois desta sentença transitada em julgado o arguido praticou novos factos nos processos mencionados no quadro do despacho recorrido sob os n.ºs 6 , 13 (parte dos factos), 17 ( parte dos factos), 21 (parte dos factos), 22, 24 e 32, pelo que se deve proceder a um outro cúmulo jurídico que integrem estas penas.

 Por fim, e para a questão em apreciação, importa considerar que após nova advertência para o arguido que foi a condenação transitada em julgado em 8 de Junho de 2009, voltou a praticar novos factos criminosos, sendo que a primeira sentença condenatória relativa aos mesmos a transitar em julgado foi em 4 de Agosto de 2009, por factos de 13-6-2009, proferida no âmbito do proc. n.º 114/09.3GGCBR ( n.º 3 do citado quadro).

Anteriormente ao trânsito em julgado, em 4 de Agosto de 2009, da sentença proferida no âmbito do proc. n.º 114/09.3GGCBR, o arguido praticou factos nos processos mencionados no quadro do despacho recorrido sob os n.ºs 7 , 9, 10 e 17 ( factos de 11, 18, 27 e 30 de Julho ), ou seja, respectivamente, nos processos n.ºs 216/09.4GDCNT, 1827/09.3PCCBR, presentes autos n.º 1732/09.3PCCBR e 1942/09.3PCCBR.

As penas aplicadas nestes processos, pelos factos descritos, encontram-se em concurso, sendo  cumuláveis juridicamente entre si, pelo que deve dar lugar a um autónomo cúmulo jurídico.

Outros cúmulos autónomos se impõe ainda realizar em face do trânsito em julgado de sentença em 23 de Novembro de 2009, no proc. n.º 348/09.9PECBR e ao trânsito em julgado de sentença , em 4 de Janeiro de 2011, no proc. n.º 2451/09.6PBCBR.

Salvo o devido respeito, não existe uma multiplicidade de opções para realizar os vários cúmulos das penas que este arguido sofreu.

Os momentos temporais que marcam os concursos supervenientes são inequívocos e a escolha das penas que deve integrar os vários cúmulos jurídicos de penas não é aleatória.

No caso, atento o disposto nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal os momentos temporais que marcam os concursos supervenientes e as penas que devem integrar os concursos são as ora mencionadas e não outras.

Para efeitos do cúmulo promovido pelo Ministério Público no presente processo, anotamos aqui o lapso do Tribunal a quo traduzido na menção de que a data do trânsito da sentença no processo n.º 144/09.3GGCBR é 4-8-2010, quando a data desse trânsito é de 4-8-2009, ou seja, de um ano antes.

O cúmulo que tem como ponto de partida esta data, de 4-8-2009, apenas abrange as penas desse processo, as dos presentes autos n.º 1732/09.3PCCBR, e as penas aplicadas nos processos n.ºs 216/09.4GDCNT, 1827/09.3PCCBR e 1942/09.3PCCBR (parte).

Decidido que o trânsito da sentença proferida no proc. n.º 144/09.3GGCBR, em 4 de Agosto de 2009, marca um momento temporal para a realização do cúmulo jurídico de penas onde se integram as aplicadas ao arguido nos presentes autos n.º 1732/09.3PCCBR, importa agora decidir qual é , nos termos do n.º 2 do art.471.º do  Código de Processo Penal, o tribunal territorialmente competente para a realização do cúmulo, como “tribunal da última condenação”.

A este respeito, escreve-se no acórdão da Relação do Porto, de 27 de Outubro de 2010, que « Esta afirmação necessita de uma pequena precisão: Competente para a realização do cúmulo jurídico é o tribunal da última condenação de cada concurso de penas; estender a competência do tribunal da última condenação para a realização de todos os cúmulos é inconsequente e legalmente infundado. Depois de se ter afastado o cúmulo por arrastamento, tal constituiria o seu resquício sob a forma de “competência por arrastamento”. Se é de afastar o cúmulo por arrastamento, do mesmo modo, também, se deve afastar essa competência por arrastamento do tribunal da última condenação para realizar, v.g. os diversos cúmulos jurídicos. ». [7]

Concordando nós com esta posição, entendemos que a 1ª secção da Vara Mista de Coimbra é o Tribunal competente, no processo n.º 22/08.3GGCBR, para realizar o cúmulo jurídico das penas dos processos que se integram no citado primeiro concurso de penas que verifica, por ser o da última condenação, proferida em 1.ª instância.

Mas não para realizar o cúmulo jurídico das penas que integram o concurso cujo momento temporal inicial é o proc. n.º 114/09.3GGCBR e onde se integram ainda os processos n.ºs 216/09.4GDCNT, 1827/09.3PCCBR, 1942/09.3PCCBR (parte dos factos) e 1732/09.3PCCBR.

O Tribunal competente para realizar o cúmulo jurídico de penas destes processos é a 1ª secção da Vara Mista de Coimbra, agora enquanto Tribunal da última condenação em 1.ª instância, neste concurso de penas, proferida nos presentes autos n.º1732/09.3PCCBR.

Assim se permitirá definir minimamente a situação jurídica e processual do arguido, que tendo um elevado número de processos pendentes se encontra há mais de três anos e meio em cumprimento sucessivo de penas, e obstar aos prejuízos que, de acordo com o TEP, lhe advêm da não realização dos cúmulos ou cúmulo de penas, mesmo que provisórios, para verificação dos pressupostos para a concessão de medidas de flexibilização das penas.

Do exposto resulta que há que proceder ao cúmulo das penas que estão em relação de concurso com a que foi aplicada nos presentes autos e que o Tribunal competente para o efeito é o dos presentes autos, procedendo nestes termos o recurso do Ministério Público.

            Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, revogando o douto despacho recorrido, determina-se que o mesmo seja substituído por um outro que determine a realização do cúmulo jurídico promovido pelo Ministério Público, englobando as penas relativas aos processos que deixámos mencionados.

            Sem custas.

                                                                         *

Orlando Gonçalves (Relator)

Alice Santos


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] Cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 4-12-1997, CJ, ASTJ, ano V, tomo 3, pág. 246 e de 19-12-2007, proc. n.º 3400/07, 3.ª Secção, in www.dgsi.pt ; e Dr. Paulo Dá Mesquita, in “O Concurso de Penas”, Coimbra Ed., 1997, págs. 45 e 64.
[5] Cfr. Vera Lúcia Raposo, in RPCC , Ano 13, n.° 4 , 592

[6] - cfr. a título exemplificativo,  os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 27 de Janeiro de 2009, 23 de Novembro de 2010 e 13 de Outubro de 2010, disponíveis in www.dgsi.jsti.pt.

[7] Cfr. proc. n.º 988/04.2PRPRT.P2,  in www.dgsi.pt