Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
64/09.1 PTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: ESCOLHA DA PENA
MEDIDA DA PENA
SUBSTITUIÇÃO DE PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 09/08/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40.43º, 45º,50º, 70º,E 71º DO CP
Sumário: 1.A lei não impõe um afastamento discriminado e específico de todas as penas substitutivas. Antes o que releva, nos termos da lei, é a fundamentação da espécie (e medida) da pena aplicada, e, nos casos em que tratando-se de pena de prisão, tal substituição é possível, das razões que determinaram a não aplicação de pena substitutiva.
2. Pese embora a inserção social do delinquente, o desrespeito pelo aviso contido em diversas condenações anteriores, por factos de idêntica natureza, constituem factores impeditivos de que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, protejam de forma adequada a segurança da Colectividade, no seu todo, ou constituam suficiente dissuasor para a recorrência do condenado em actividades criminosas de idêntica, ou de outra natureza.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. A, já identificado nos autos, depois de submetido a julgamento sob a aludida forma de processo sumário, porquanto alegadamente incurso, segundo acusação deduzida pelo Ministério Público, na prática indiciária de factos consubstanciadores da autoria material, consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, acabou condenado, enquanto agente efectivo da infracção assacada, e além do demais por ora irrelevante, na pena principal de seis meses de prisão, a cumprir em trinta e seis fins de semana, por períodos de trinta e seis horas, compreendidos entre as 8 horas de Sábado e as 20 horas de Domingo, com início no segundo fim-de-semana após o trânsito do decidido, bem como, ainda, na pena acessória de cinco meses de inibição da faculdade de conduzir veículos com motor.

1.2. Dissentido com o teor do assim sentenciado, interpôs o recurso presente, extraindo da respectiva motivação a formulação das conclusões seguintes:

1.2.1. A M.ma Juiz a quo optou por sancionar o arguido com uma pena de substituição – de prisão por dias livres –, sem, no entanto, ponderar especificadamente cada uma das penas de substituição que em abstracto poderiam ter aplicação ao caso concreto – o regime de permanência na habitação; prisão por dias livres; o regime de semidetenção; a pena de multa; a suspensão da pena de prisão nas suas várias modalidades e a prestação de trabalho à comunidade –.

1.2.2. Por tal forma, deixando de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, cominou a decisão recorrida com o vício de nulidade, atentas as disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, alínea c) e 410.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, e que o recorrente ora argúi.

1.2.3. Para a hipótese de serem várias as penas de substituição das quais o Tribunal pode lançar mão, e podendo estas ser ou não privativas da liberdade, sem que o artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, forneça um critério de preferência por qualquer uma delas, certo é dever entender-se que o juiz há de optar por aquela que melhor se adeqúe aos objectivos de prevenção especial.

1.2.4. Acrescendo que só deve aplicar-se uma pena de substituição privativa da liberdade, se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (dito normativo).

1.2.5. Ora, na hipótese vertente, não foi esse o entendimento do Tribunal recorrido que, após formular um juízo de prognose favorável relativamente à conformação da conduta do arguido face ao dever-ser jurídico – o que equivale a dizer que é de esperar que o arguido não cometa no futuro novos crimes –,

1.2.6. Sustentou depois que “a pena não privativa da liberdade já não acautela suficientemente as necessidades de prevenção e que o cumprimento da pena de prisão aplicada é exigível para evitar a prática pelo arguido de novos crimes.”

1.2.7. Todavia, ou o arguido denota necessidades de prevenção especial ou não denota; isto é, ou conforma a sua conduta de acordo com o dever-ser jurídico e desta forma não denota necessidades de prevenção especial negativa, ou, não o fazendo, manifesta propensão para o cometimento de novos crimes, sendo portanto necessário evitar que tal suceda.

1.2.8. Como, in casu, existe “um juízo de prognose favorável relativamente à conformação da conduta do arguido face ao dever-ser jurídico”, forçosa será a conclusão segundo a qual deve ser-lhe aplicada uma pena de substituição não privativa da liberdade, conforme indicado artigo 43.º, n.º 1.

1.2.9. Não o fazendo, a sentença recorrida incorreu no vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, tal como definido pelo artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.

1.2.10. Bem como em preterição ao citado artigo 43.º, n.º 1, já que considerando existir um juízo de prognose relativamente à conformação da conduta do recorrente perante o dever-ser jurídico, ainda assim lhe impõe a execução da prisão por dias livres.

1.2.11. Também sufraga o arguido que a pena cominada, por se encontrarem preenchidos os pressupostos, quer formais, quer materiais, exigidos pelo artigo 50.º do Código Penal, deveria ter sido substituída pela pena de suspensão da execução da pena prisão, eventualmente condicionada a regime de prova.

1.2.12. Com efeito, igualmente se encontram acauteladas quer as exigências de prevenção geral sob a forma de satisfação do “sentimento jurídico da comunidade”, quer as necessidades de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização,

1.2.13. Pois esta pena, não deixando de ser sentida pelo arguido enquanto tal – uma vez que pode ser a todo tempo revogada –, permite evitar os efeitos negativos da pena de prisão efectiva (ainda que não contínua), ao mesmo tempo que lhe faculta a prossecução da sua actividade profissional e a manutenção dos estreitos laços familiares com as duas filhas que apenas vê aos fins de semana.

1.2.14. Decidindo pela forma em que o fez, o Tribunal a quo infringiu o estatuído nos mencionados artigos 374.º, n.º 1; 379.º, n.º 1; 375.º, n.º 3 (também do Código Processo Penal); 43.º, n.º 1 e 50.º.

Terminou pedindo, consequentemente, a revogação parcelar e, como dito, da sentença impugnada.

1.3. Cumprido o disposto no artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público, sustentando a manutenção do sentenciado.

1.4. Proferido despacho de admissão do recurso, e remetidos os autos a esta instância, com vista respectiva, atento o artigo 416.º do mencionado diploma adjectivo, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntico improvimento.

Observada agora a disciplina elencada no subsequente artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nada replicou o arguido.

Aquando do exame preliminar a que se reporta o n.º 6 do mesmo inciso legal, no entendimento de que não se verificava fundamento determinante à apreciação sumária do recurso; de que inexistiam provas a renovar e, nada obstava ao respectivo conhecimento de meritis, ordenou-se o prosseguimento dos autos, com recolha dos vistos legais, e submissão à presente conferência.

Urge, então, ponderar e decidir.


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II – Fundamentação de facto.

2.1. Na decisão recorrida tiveram-se por provados os factos seguintes:

1. No dia 19 de ….de 2009, pelas 03.17 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca … com a matrícula …-..-60, na Rua de São Miguel das Palmeiras, área da comarca de em Castelo Branco, com uma taxa de álcool no sangue de 2,11 g/l.

2. O arguido quis conduzir o referido veículo na via pública, como fez, bem sabendo que não o podia fazer em virtude de ter ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução em quantidade que determinaria uma taxa superior a 1,2 g/l de álcool no sangue.

3. O arguido agiu livre e conscientemente.

4. Mais sabia o arguido que a sua actuação era proibida e punida pela lei penal.

Mais de provou que:

5. Nas circunstâncias referidas em 1), o arguido provinha da Zona Medieval e percorreu cerca de um quilómetro.

6. O arguido é produtor de radiodifusão e encontra-se desempregado mas produz espectáculos aos fins-de-semana.

7. O arguido aufere o subsídio de desemprego, no montante de € 180,00, acrescido da quantia de € 150,00, a título das aulas de música que lecciona.

8. O arguido reside sozinho em casa arrendada, pela qual paga € 200,00 mensais de renda, despesa à qual acresce o montante de € 150,00 pela aquisição do veículo automóvel.

9. O arguido tem o 12.º ano de escolaridade.

10. Por sentença proferida em 17…..2002, pelo Tribunal Judicial de Castelo Branco, no âmbito do processo sumário n.º ../02, do 2.º juízo, foi o arguido condenado pela prática, em 01.01.2002, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 450$00, o que perfez o montante de 27.000$00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de três meses, as quais foram declaradas extintas pelo cumprimento, por decisão de 06.12.2007.

11. Por sentença proferida em 29….2003, pelo Tribunal Judicial de Castelo Branco, no âmbito do processo sumário n.º …/03.9GTCTB, do 1.º juízo, foi o arguido condenado pela prática, em 14.04.2003, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, o que perfez o montante de € 480,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de cinco meses, as quais foram declaradas extintas pelo cumprimento, por decisão de 06.11.2003.

12. Por sentença proferida em 20…..2004, pelo Tribunal Judicial de Castelo Branco, no âmbito do processo sumário n.º …/04.9GELSB, do 3.º juízo, foi o arguido condenado pela prática, em 25.04.2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de oito meses, as quais foram declaradas extintas pelo cumprimento, por decisão de 13.03.2007.

13. Confessou integralmente e sem reservas os factos imputados.

2.2. Já no que concerne a factos não provados, precisou-se na dita decisão que:

Da prova produzida e discussão da causa não resultaram factos não provados.

2.3. Por fim, tem o teor que se reproduz a motivação probatória inserta em tal sentença:

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do com junto da prova produzida em audiência de julgamento, segundo o critério da livre apreciação e regras da experiência, designadamente nas declarações do arguido que confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados no libelo acusatório, referentes às circunstâncias de tempo e lugar da comissão dos factos, conjugados com o talão expedido pelo alcoolímetro Dräger, modelo Alcotest 7110 MKIIIP, junto aos autos a fls. 5, cuja autenticidade e veracidade de conteúdo não foram postos em causa.

As condições socio-económicas do arguido resultam das suas declarações, as quais foram tidas como reveladoras de factos verídicos, tanto mais que não são factos excluídos pelas regras da experiência comum e inexistem elementos nos autos que as infirmem.

No que concerne aos antecedentes criminais do arguido o tribunal valorou o certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 23/26.


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III – Fundamentação de Direito.

3.1. Como é consabido, o âmbito do recurso define-se através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação[1], mas isto sem prejuízo do conhecimento, inclusive oficioso, dos vícios ou das nulidades insanáveis referidos/as, respectivamente, nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, do mesmo diploma[2].

In casu, sendo certo que se nos não antolha emergir quaisquer um de tais vícios ou nulidades determinantes à apontada intervenção oficiosa – como infra se precisará relativamente a um daqueles primeiros, alegado pelo recorrente –, lendo-se as conclusões extraídas pelo arguido da respectiva motivação, resulta serem três os temas submetidos a ponderação, quais sejam:

- Da pretensa nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia relativamente a todas as penas de substituição ora legalmente tipificadas no Código Penal.

- Da eventual emergência na dita decisão do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a mesma.

- Da indevida opção no Tribunal a quo pela imposição de uma pena detentiva ao recorrente e não opção pela suspensão da sua execução.

Vejamos.

3.2. Nas duas primeiras conclusões apresentadas, esgrime o arguido que a M.ma Juiz a quo, após haver optado por o sancionar com uma pena de substituição – de prisão por dias livres –, em ponto algum ponderou, como mister, de cada uma das demais penas de igual natureza que, em abstracto, poderiam ter aplicação ao caso concreto.

Tal argumentação, ressalvado o devido respeito, mostra-se destituída de qualquer validade.

Com efeito, em lugar algum, a Lei impõe um afastamento discriminado e específico de todas as penas substitutivas (cuja panóplia é, hoje, bastante alargada); isso constituiria uma exigência de fundamentação excessiva e desproporcionada [num contexto em que as decisões já padecem (por mais simples que o caso se apresente) de enorme complexidade na sua redacção, em detrimento da sua clareza e – por vezes – ajustamento à verdade material].

Antes o que releva, nos termos da Lei, é a fundamentação da espécie (e medida) da pena aplicada e – nos casos em que, tratando-se de pena de prisão, tal substituição é possível – das razões da não adequação de pena substitutiva, o que se encontra feito, e de forma clara (permitindo a sua impugnação).

Na verdade, lendo-se a decisão recorrida, decorre, á exuberância, que sendo aplicável ao crime cometido pena detentiva ou pena não detentiva, começou a M.ma Juiz sindicada por optar (fundamentadamente) pela necessidade de escolha de uma pena da natureza da primeira (fls. 34); após, precisou da sua medida concreta, concluindo dever ser arbitrada em 6 meses de prisão (fls. 34, in fine/35); por tal circunstância, e visto o regime plasmado no artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, ponderou, acto contínuo, da possibilidade da sua substituição por uma das ditas penas de substituição elencadas nos artigos 44.º e segs, do mesmo diploma substantivo, rematando pelo apelo ao regime estabelecido no artigo 45.º (prisão por dias livres).

Seja, em síntese conclusiva, da observância dos normativos aplicáveis, e, daí, não se vislumbrar um qualquer atropelo ao citado artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

3.3. Ponto subsequente de discórdia do recorrente (conclusões 3.ª a 10.ª), o que contende com a “contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, tal como definida pelo artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal”, isto no justo ponto em que a decisão impugnada tanto considera que o mesmo apresenta “um juízo de prognose favorável relativamente à conformação da conduta… face ao dever-ser jurídico”, quanto, ao arrepio do assim consignado, bem como do regime tipificado pelo encimado artigo 43.º, n.º 1, lhe não aplicou uma pena não detentiva.

Mais uma vez, mostra-se infundada esta argumentação.

Primeira tarefa cometida ao Tribunal a quo e que ele perfectibilizou o de, de acordo com o critério estabelecido no artigo 70.º, do Código Penal, escolher da espécie de pena justificada ao caso concreto.

Depois, trabalho imposto com observância dos factores elencados, exemplificativamente, no artigo 71.º, do Código Penal, o apurar da medida concreta da pena, igualmente acatado, sublinhe-se.

Constatando-se que a mesma não era superior a um ano, tempo então de apurar-se, em obediência ao aludido artigo 43.º, n.º 1, se devia socorrer-se o tribunal da 1.ª instância de uma das penas de substituição legalmente previstas, “excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.”

Critério pois aferidor da substituição ou, em forma negativa, capaz de possibilitar o recurso à pena de substituição, o de a pena detentiva se mostrar exigível à realização de forma adequada e suficiente das finalidades da punição, e à necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (cfr. art.ºs 40.º, n.º 1 e 43.º, n.º 1, ambos do Código Penal).

As finalidades da punição encontram-se no Código Penal, apenas enunciadas sob a genérica expressão (cfr. dito artigo 40.º, n.º 1) “protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo claro que o Legislador atribuiu à Jurisprudência (com o apoio da Doutrina), o papel de as concretizar, perante as circunstâncias de cada caso (a elas se alude, sem qualquer outra concretização, a propósito de penas substitutivas p. ex. nos art.ºs 44.º e 50.º do Código Penal).

Não se mostra, assim, desadequado referir (até pela mudança de paradigma que implica) o que o autor francês Frédéric Gros (Punir em Democracia, Ed. Instituto Piaget, págs. 15 a 109), denominando-os de “centros de sentido da pena”, a esse respeito escreve e que se pode sintetizar no seguinte:

- Punir é recordar a Lei (no sentido retributivo e expiatório da pena);

- Punir é defender a Colectividade (protecção da segurança da Colectividade no seu todo, da liberdade, integridade física de cada um dos cidadãos, e da sua propriedade);
- Punir é educar o indivíduo (feição psico-pedagógica da pena, em que se pretende obter pela pena a transformação do condenado).

- Punir é restaurar os elos colectivos e individuais feridos pelo crime, apaziguando o sofrimento da vítima e regenerando a sociedade (feição restaurativa da pena).

No caso, como bem se acentuou na decisão da 1.ª instância, pese embora a actual inserção social do recorrente, o desrespeito pelo aviso contido nas três condenações anteriores, por factos de idêntica natureza, constituem factores impeditivos de que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizem, de forma adequada e suficiente, as supra assinaladas finalidades da punição, protejam de forma adequada a segurança da Colectividade, no seu todo, ou constituam suficiente dissuasor para a recorrência do condenado em actividades criminosas de idêntica, ou de outra natureza.

Inserção aquela porém não descurada e a possibilitar o apelo agora à pena de substituição prevista no artigo 45.º, qual seja, de “prisão por dias livres”, sem incongruência que se possa apontar à decisão impugnada.

3.4. Tempo de aquilatarmos, assim, da última das questões (e correspectivas conclusões) colocadas.

Parte dela já se mostra justificada ao que acabámos de consignar, pois acertada a manutenção e opção pela pena de prisão.

Mas, porque não suspensa na respectiva execução?

Dispõe a Lei Penal substantiva, relativamente à suspensão da execução da pena de prisão, que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” (cfr. artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal).

Conjugando tal dispositivo com os princípios já ao de leve acima referidos relativos à pena, dir-se-á que a pena concreta deverá corresponder a uma intervenção penal inteiramente enformada pelos seguintes princípios político-criminais: i) princípio da prevenção geral positiva ou de integração; ii) princípio da culpa; iii) princípio da prevenção especial positiva ou de socialização; iiii) complexivamente, princípio da humanidade.

Prevenção geral de integração ou dizer – na formulação de Günther Jakobs – estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, na ideia de que primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto. Tutela não num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, ou, dizer ainda, do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.

É neste sentido que importa ter em particular consideração que se à justiça compete o “estatuto de primeiro garante da consolidação dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade, com especial destaque para a dignidade da pessoa humana”, incumbe-lhe, então, no momento da iuris dictio, preservar a função de referência que a pena em concreto assume para a mesma comunidade no pressuposto de que, perante esta, “mais do que a moldura penal abstractamente cominada na lei, é a concretização da sanção que traduz a medida da violação dos valores pressupostos na norma.”[3]

Exigências de prevenção especial (ou, como parecerá ainda legitimo dizê-lo, prevenção da reincidência):

i) positiva ou de socialização, se privilegiado o propósito da reinserção social, a ressocialização e/ou a socialização de um de-socializado;

ii) negativa ou de inocuização quando, por pura exigência de defesa social se privilegie e procure a neutralização da perigosidade social do delinquente através da sua separação ou segregação[4].

Especificamente na referência à formulação do juízo de conformação prática sobre a aplicação da suspensão da execução, aquele mestre de Coimbra refere que “A finalidade político-criminal que a lei visa… é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo”. “…decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».

Todavia, não deixa o mesmo autor de alertar no sentido de que mesmo que o Tribunal conclua “… por um prognóstico favorável – à luz, …, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização”, “a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime».”

E justifica com a razão de que “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”[5]

Concluindo:
Para a decisão da questão relativa à suspensão, relevarão, nos termos citado artigo 50.º, os factos atinentes i) à personalidade do agente, ii) às condições da sua vida, iii) à sua conduta anterior ao crime, iiii) à sua conduta posterior ao crime, iiiii) às circunstâncias deste.

Em última instância, porque a aplicação desta pena de substituição não é de aplicação automática, ao actuar neste campo magnético em que os interesses a prosseguir, seja da prevenção geral de integração seja da prevenção especial de socialização, interagem em verdadeira tensão dialéctica, compete ao tribunal respectivamente:
i. Na atenção aos primeiros, na ponderação do grau de ilicitude e gravidade dos factos em causa, definir a exigência mínima, indispensável e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico;

ii. Relativamente aos segundos – num juízo de conformação que leve em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta ante e post-facto, enfim as circunstâncias da prática deste – determinar, dentro dos limites daquela exigência, se é adequada ao propósito de ‘prevenção da reincidência’ a aplicação de uma tal pena de substituição de conteúdo eminentemente pedagógico e reeducativo.

Voltando ao caso concreto.

O facto em causa reconduz-se à condução de um automóvel ligeiro, levada a efeito pelo recorrente (que “agiu livre e conscientemente, mais sabendo que a sua actuação era proibida e punida pela lei penal), por uma avenida de uma cidade, pelas 03.17 horas, num estado de embriaguez em que o grau de alcoolemia se traduzia em uma TAS de 2,11 g/l.

Com este valor, pela perigosidade inerente, resulta óbvio o clamor para a comunidade utente das vias, sejam condutores, sejam simples peões.

Consabidamente, a exigência da “tolerância zero” tem subjacentes as fortes necessidades de prevenção geral deste tipo de crimes, dada, de uma parte, a importância que o consumo de álcool (e/ou substâncias psicotrópicas) assume como factor de risco na ocorrência de acidentes e, por outro, a elevada frequência com que são cometidos[6].

Dizer, então: um tal grau de ilicitude aponta, desde logo, no sentido de uma indispensável e irrenunciável defesa do ordenamento jurídico através de uma pena efectiva.

Acrescidamente, se consideradas as exigências de prevenção especial a apontarem, sobretudo elas, no sentido de uma necessidade prática de defesa social através da neutralização da perigosidade do Recorrente.

À colação, aqui, o seu pretérito criminal de repetente – esta é a 4.ª condenação – por prática de crime de condução sob estado de embriaguez.

Voltando à letra da lei, “o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada…. se, atendendo à personalidade do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime, às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Ora, não obstante os avisos solenes que ao Recorrente foram feitos, continua ele a revelar uma manifesta falta de preparação para manter uma conduta lícita, ou dizer, continua a revelar uma personalidade que não consente que o Tribunal possa formular a seu respeito um qualquer juízo de prognose favorável à sua reinserção em liberdade.

Como poder concluir-se que relativamente a um agente que delinqúi 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª vez, seja desta que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarão de forma adequada o propósito de “prevenção da reincidência”?!
Dizer, pois: nem as exigências de prevenção geral nem as exigências de prevenção especial saem compatíveis,
in casu, com a suspensão da execução da pena de prisão cominada.


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IV – Decisão.

São termos em que pelos fundamentos expostos, se nega provimento ao recurso interposto.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UCs a taxa de justiça devida.

Notifique.


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Coimbra, 8 de Setembro de 2010



[1] Cfr., o artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

[2] Cfr., ainda, o Ac. do STJ n.º 7/95, em interpretação obrigatória.



[3] Neste conspecto importa ter presente o propósito da correcção de tendências formulado pelo legislador quando ora alerta no sentido de que a pena de prisão deve “ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, designadamente a criminalidade violenta e ou organizada, bem como a acentuada inclinação para a prática de crimes revelada por certos agentes….” ora justifica que “não raro, a suspensão da execução da pena tem-se assumido como a verdadeira pena alternativa, …., gerando-se a ideia de uma ‘quase absolvição’ ou de impunidade do delinquente primário, com descrédito para a justiça penal.” - Preâmbulo do DL 48/95, de 15 de Março, Itens 1 e 4.
[4] Vide: Figueiredo Dias, ob. cit. fls. 78 segs, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993.
[5] Ob.cit. §§ 519 e 520.

[6] Como se pode ver, designadamente, do Relatório Anual em matéria de Segurança Interna de 2001, in Diário da Assembleia da República, II S-C, de 13/07/2002, bem como o mesmo Relatório relativo a 2003, in Diário da Assembleia da República, II S-C, n.º 23, de 03/04/2004.