Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE LOUREIRO | ||
Descritores: | REMISSÃO DE PENSÃO ACIDENTE DE TRABALHO | ||
Data do Acordão: | 11/21/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA – 2º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 37º, Nº 2 DA LEI Nº 100/97, DE 13/09; ARTºS 56ºE 57º DO DEC.143/99, DE 30/04. | ||
Sumário: | I – O carácter unitário das pensões por acidente de trabalho, devidas ao trabalhador sinistrado ou ao seu cônjuge, ainda que por duas entidades (seguradora e entidade patronal), não permite uma apreciação individualizada de cada quota-parte da pensão devida por cada um dos obrigados ao seu pagamento para efeitos de se saber se essa pensão é ou não remível e, na afirmativa, em que condições. II – As pensões desta natureza constituem um todo único, ainda que a responsabilidade pelo seu pagamento esteja distruída por mais de uma pessoa ou entidade. III – Só no caso do seu montante global não exceder o limite fixado nos artºs 56 e 57º do Dec.Lei nº 143/99, de 30/04 é que a sua remição será possível. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - Relatório No dia 15/6/2011, a ré patronal apresentou o seguinte requerimento: “ - Por acordo doutamente homologado, a Entidade ora Requerente responsabilizou-se pelo pagamento à viúva do sinistrado falecido do montante anual de € 963,00, com início em 20-10-2009, correspondente à quota-parte da sua responsabilidade na pensão anual vitalícia, no valor global de € 6.326,83; - No referido acordo, a Seguradora ficou responsável pelo pagamento do montante anual de € 5.363,83, correspondente à quota-parte da sua responsabilidade na pensão anual vitalícia, no valor global de € 6.326,83; - Pelo que, a quota-parte da pensão cujo pagamento compete à Seguradora é superior a seis vezes a Remuneração Mínima Mensal Garantida mais elevada, sendo que o capital cujo pagamento compete à entidade Patronal, ora Requerente, é inferior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%. Assim, e uma vez que se encontram verificados os requisitos previstos n.º 2 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, Requer-se a V/a Exa. se digne autorizar a remição da quota-parte da responsabilidade da Entidade Patronal na pensão anual vitalícia a pagar à viúva do sinistrado, no montante resultante do cálculo a efectuar nos termos do disposto no artigo 57.º do mesmo diploma.”. Ouvidos a ré seguradora, o Ministério Público e a beneficiária: a) a primeira veio responder não se opor à remição pretendida desde que cumprisse todos os requisitos legais; b) o segundo não se opôs à remição pretendida, na medida do legalmente possível e na percentagem da quota-parte da responsabilidade da sociedade requerente; c) a terceira não se pronunciou. Logo após, foi proferida a seguinte decisão: “Pelos fundamentos expostos, julgo procedente o presente incidente de remição facultativa de pensão e, consequentemente, autorizo a remição do valor de € 3.806,17 (três mil oitocentos e seis euros e dezassete cêntimos) da pensão anual e vitalícia a ser paga à Beneficiária A... pelas Entidades Responsáveis “Companhia de Seguros B..., S.A.” e “ C..., Lda.”, sendo o capital de remição pago à Beneficiária pelas Entidades Responsáveis “Companhia de Seguros B..., S.A.” e “ C..., Lda.”, respetivamente, nas proporções de 84,78 % e 15,22 % e nos valores de € 3.226,87 (três mil duzentos e vinte e seis euros e oitenta e sete cêntimos) e de 579,30 (quinhentos e setenta e nove euros e trinta cêntimos), após o que as Entidades Responsáveis “Companhia de Seguros B..., S.A.” e “ C..., Lda.” continuarão, nessa mesma proporção, a pagar à Beneficiária o remanescente da sua pensão anual e vitalícia, no valor atual de € 2.910 (dois mil novecentos e dez euros), nos valores, respetivamente, de € 2.467,10 (dois mil quatrocentos e sessenta e sete euros e dez cêntimos) e de € 442,90 (quatrocentos e quarenta e dois euros e noventa cêntimos).”. É desta decisão que interpôs recurso a responsável patronal. Apresentou as conclusões a seguir transcritas: […] Contra alegou o Ministério Público junto da primeira instância, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir. * II - Principais questões a decidirSendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir: 1ª) se pode ser totalmente remida a quota-parte da pensão da beneficiária da responsabilidade da ré patronal; 2ª) se ao deferir a remição meramente parcial da quota-parte da pensão da beneficiária da responsabilidade da ré patronal, o tribunal recorrido violou o princípio do pedido. * III – FundamentaçãoA) De facto Os factos relevantes para efeitos desta decisão estão descritos no relatório que antecede. * B) De direitoPrimeira questão: se pode ser totalmente remida a quota-parte da pensão da beneficiária da responsabilidade da ré patronal. É ponto assente e indiscutido nos autos que o acidente que neles está em causa ocorreu no âmbito de vigência da Lei 100/97, de 13 de Setembro, e do correspondente regulamento (DL 143/99, de 30/4), devendo ser esse o regime infortunístico a aplicar (cfr. art. 187º/1 da Lei 98/09, de 4/9). Tinha aplicação, pois, o art. 37º/2 da LAT/97, nos termos do qual “Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição. A entidade empregadora responderá, neste caso, pela diferença e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transporte, na respectiva proporção.”. Foi justamente ao abrigo do estatuído neste dispositivo legal que à beneficiária foi atribuída uma pensão anual e vitalícia que, devidamente actualizada, ascendeu € 6.716,17, sendo € 5.693,91 da responsabilidade da seguradora e os restantes € 1.022,26 da responsabilidade da empregadora. Resulta claro de quanto acabou de referir-se que a beneficiária não tem direito a duas pensões, antes tem direito a uma única pensão por cujo pagamento são conjunta e proporcionalmente responsáveis duas entidades. Assim, a entidade empregadora não é, designadamente para efeitos da remição de pensões, responsável autónoma de uma pensão de € 1.022,26, do mesmo modo que a seguradora não é responsável autónoma por uma pensão de € 5.693,91. Ao invés, seguradora e patronal são responsáveis conjuntas por uma pensão de € 6.716,17, cabendo à primeira uma quota de responsabilidade de 84,77912262% e à segunda uma quota correspondente aos remanescentes 15,22087738%. Ora, como se verá, este carácter unitário da pensão devida à beneficiária legal, ainda que por duas entidades, não permite uma apreciação individualizada de cada quota-parte da pensão devida por cada um dos obrigados para efeitos de se saber se a pensão é ou não remível e, na afirmativa, em que condições. Com efeito, como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 19/12/05, proferido no âmbito do processo JTRP00038627, “…sendo a pensão uma só, mas sendo duas ou mais as entidades responsáveis pelo seu pagamento, a remição, sendo uma forma de extinção da obrigação, impõe a intervenção conjunta dos sujeitos passivos ou, pelo menos, que se trate o interesse de cada um deles na mesma proporção em que aceitaram - ou foram condenados a - pagar a pensão. Tal significa que, como no caso em apreço, não é possível remir a totalidade da quota da pensão - parcial - da responsabilidade de uma entidade com o argumento de que a parte remível da pensão - global - é superior. Na verdade, como refere o Tribunal a quo no despacho de sustentação, tal entendimento levaria a impossibilitar a outra entidade – a seguradora – de exercer o seu direito a remir, pelo menos na amplitude legalmente admissível. (…) Assim, sendo a quota da pensão da responsabilidade da entidade empregadora do montante de …, ela poderia – na tese dela – ser remida na totalidade. Mas não é assim. Estabelecida na proporção a responsabilidade das entidades - seguradora e patronal - na formação da pensão, igual proporção tem de ser observada na remição [extinção] dela, sob pena de se poder postergar o direito de remir daquela que – ainda – não exerceu o direito correspondente.”. No mesmo sentido pode invocar-se José Augusto Cruz de Carvalho (ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS, 1980, p. 223) que ensina o seguinte: “As pensões constituem um todo único ainda que a responsabilidade pelo seu pagamento esteja distribuída por mais de uma pessoa ou entidade. Só no caso do seu montante global não exceder o limite fixado neste artigo, a sua remição será possível. É lícita a remição de pensões dentro dos limites estabelecidos na lei. No caso de uma pensão exceder os limites ali fixados, embora a responsabilidade pelo seu quantitativo esteja repartida por mais de uma pessoa não é possível a remição das fracções (Parecer Inspector Jud., Henrique Parreira, in Bol. INTP, X, págs. 12 e 375).”. Como assim, sem necessidade de outras considerações, teria necessariamente que ser indeferida a pretensão da recorrente no sentido da remição total da sua quota-parte de pensão. * Segunda questão: se ao deferir a remição meramente parcial da quota-parte da pensão da beneficiária da responsabilidade da ré patronal, o tribunal recorrido violou o princípio do pedido.Cabe agora determinar se tendo a patronal requerido a remição total da sua quota-parte da pensão, poderia o tribunal ter deferido a remição tão-só parcial dessa mesma quota, sem violação do princípio do pedido. A resposta tem de ser afirmativa. Com efeito, o que a recorrente pretendeu exercer através do seu requerimento de 15/6/2011 (REFª: 7493055), foi o direito que legalmente lhe assiste de requerer a remição facultativa da pensão a que estava conjuntamente obrigada; para lá disso, na base de uma dada interpretação que sustentou do art. 56º/2 do DL 143/99, de 30/4, para aquelas situações, como a dos autos, em que existem duas entidades conjuntamente obrigadas ao pagamento de uma dada pensão, mas em proporções distintas, considerou que lhe assistia o direito à remição integral da sua quota-parte da pensão devida à beneficiária. Cabia ao tribunal, pois, apreciar se estavam preenchidos os pressupostos factuais de que a lei fazia depender a remição facultativa que foi requerida pela recorrente e, na afirmativa, deferir essa remição de acordo com as condições legalmente previstas para o efeito e de modo imperativo, sem a mínima vinculação do tribunal à interpretação jurídica sustentada pela recorrente e acima aludida. Foi justamente assim que operou o tribunal recorrido, concluindo que estavam verificados os pressupostos de facto de que a lei fazia depender a remição facultativa de pensões (pensão anual actualizada de € 6.716,17; capital de remição parcial de € 3.806,17, não superior ao capital que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade permanente parcial de 30 % - € 4.428,78; pensão sobrante de € 2.910, justamente igual a seis vezes a actual remuneração mínima mensal garantida), após o que a deferiu de acordo com o regime legal e imperativo aplicável, interpretado no sentido que a nosso ver e como resulta do supra exposto é o correcto, ainda que divergente do sustentado pela recorrente, acabando por deferir aquela remição, no que à recorrente respeita, em termos mais restritos do que os por ela pretendidos. Por outras palavras: concedeu-se-lhe quantitativamente algo diverso do que tinha peticionado (uma remição em medida inferior à pretendia), mas qualitativamente deferiu-se-lhe o que pretendia (a remissão facultativa da pensão), assim se respeitando, a nosso ver e integralmente, o princípio do pedido (art. 661º/1 do CPC vigente à data da prolação da decisão recorrida). * IV – DecisãoAcordam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido julgar o recurso improcedente, confirmando-se integralmente a decisão recorrida. Custas pela recorrente Coimbra, 21/11/2013. (Jorge Manuel Loureiro - Relator) (Ramalho Pinto) (Azevedo Mendes) |