Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2562/08.5TBLRA-C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ADMINISTRADOR
Data do Acordão: 11/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA 5 JC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1154, 1156, 1430, 1436, 1437 CC
Sumário: 1. A iniciativa da instauração de uma acção judicial visando a eliminação de defeitos de construção das partes comuns de um edifício é mais do que um acto de administração ordinária, não estando, por isso, no âmbito das funções que pertencem ao administrador do respectivo condomínio.

2. É da competência da assembleia de condóminos a decisão sobre a oportunidade de instaurar ou não a acção judicial contra o vendedor do prédio para a reparação de defeitos de construção neste existentes.

3. Não há incumprimento contratual por parte do administrador do condomínio pela não instauração da acção judicial contra o vendedor do prédio para a reparação de defeitos de construção existentes no mesmo se não se provar que a assembleia de condóminos lhe atribuiu essa incumbência.

Decisão Texto Integral: Acordam do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

        

1. O Condomínio do Edifício (…), sito na Avenida (...), Leiria, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário contra N (…) Ldª, com estabelecimento a girar com o nome Loja do Condomínio, sito na Rua (...), Leiria, pedindo a condenação desta no pagamento do montante de € 30.239,81, a título de indemnização para reparação dos defeitos das partes comuns, acrescido de juros à taxa legal desde a citação, até efectivo pagamento, bem como procuradoria, custas e demais encargos.

Para tanto alegou, em síntese, que no dia 1 de Fevereiro de 2005 assinou um contrato de prestação de serviços com a ré pelo qual esta se obrigava a administrar o condomínio autor na modalidade de plano de administração e limpeza, mediante pagamento da quantia mensal de € 305,06.

Na assembleia de condóminos de 28 de Fevereiro de 2005, em que a ora ré foi eleita administradora, deliberou-se que a mesma deveria reclamar junto da empresa vendedora alguns defeitos das partes comuns.

Em 24 de Outubro de 2005 a ré sugeriu aos condóminos que fizessem uma lista das obras a realizar e informou os mesmos que esperava uma resposta concreta da empresa VA (…) ( empresa que comercializou todas as fracções ) até ao final da primeira semana de Novembro de 2005.

Após a denúncia dos defeitos a ré sabia que tinha um ano a contar da dessa denúncia para intentar uma acção judicial contra a empresa responsável, incumbindo-lhe apresentar em assembleia de condóminos a proposta de instauração de acção judicial contra a empresa responsável pelas reparações dos defeitos.

A ré, interpelada pelos condóminos para que procedesse à apresentação da respectiva acção judicial contra a empresa devedora das fracções, sempre disse que tinha prazo para apresentar essa acção judicial.

 A ré teve uma atitude negligente e não só não apresentou na assembleia do condomínio qualquer proposta de acção judicial, como não instaurou essa acção judicial, deixando passar o prazo de um ano para intentar acção judicial e o prazo de garantia de 5 anos para reparação dos defeitos das partes comuns.

 Assim, terá que ser o condomínio autor a suportar tais despesas de reparação, ficando prejudicado no valor de € 30.239,81 a que ascendem as mesmas.

        

2. Regularmente citada, contestou a ré começando por invocar a falta de legitimidade activa, fundamentando a mesma na circunstância de não ter sido junta com a petição inicial qualquer acta da assembleia de condóminos a conferir poderes ao autor para instaurar a presente acção judicial.

Em tal contestação, aceitou, ainda, a ré ter celebrado com o autor em Fevereiro de 2005 um contrato de administração do condomínio edifício VF (...) e que na assembleia tida lugar em 28 desse mês, na qual se procedeu formalmente à sua eleição, lhe foi solicitado que diligenciasse junto da empresa vendedora pela reparação do telhado, do muro lateral e das pedras do chão em frente ao edifício

Mais impugnou os factos em que o autor estriba a responsabilidade que lhe assaca, aduzindo que em cumprimento do assim deliberado, a ré, de imediato, contactou tal empresa solicitando-lhe que procedesse a tais reparações, tendo tal empresa assumido a responsabilidade pelas mesmas e informado, também, que já tinha incumbido a sociedade construtora do edifício, (…) Ldª, para proceder às mesmas.

Muito antes da celebração do contrato de administração com a ré, os condóminos já haviam denunciado os defeitos supra mencionados junto da sociedade vendedora, tendo-o feito, designadamente em 15 de Outubro de 2001, 16 de Dezembro de 2002 e 13 de Janeiro de 2003, significativo de que à data em que a ré assumiu a administração do condomínio já havia caducado o direito do autor propor acção judicial com vista a exigir a eliminação dos defeitos.

Não obstante tal facto, em cumprimento do deliberado, a ré contactou a sociedade vendedora das fracções para que procedesse à eliminação dos defeitos, designadamente através da comunicação enviada à mesma em 5 de Dezembro de 2005, depois de ter solicitado aos condóminos na assembleia geral de 24 de Outubro de 2005, no intuito de resolver os problemas em causa, que elaborassem uma lista de obras necessárias à sua eliminação e de também ter solicitado à sociedade P (...) a elaboração de um relatório contendo o levantamento exaustivo de todos os defeitos de construção do edifício em causa, relatório este que foi enviado pela ré à sociedade vendedora por comunicação datada de 19 de Março de 2007.

Na resposta a tal comunicação da ré, a empresa vendedora das fracções informou aquela de que já tinha pedido a reparação dos defeitos à sociedade construtora do prédio, enviando cópia da carta contendo tal pedido datada de 9 de Abril de 2007, sendo inequívoco que os defeitos de construção - denunciados pelo autor em 15 de Outubro de 2001 e em datas posteriores - sempre foram assumidos pela sociedade vendedora das fracções e também pela sociedade construtora do edifício em questão.

Mais alega que, uma vez que estas sociedades tardavam em proceder às reparações necessárias, a ré convocou uma assembleia geral, que se realizou em Março de 2007, com vista a deliberar a propositura de uma acção judicial contra aquelas empresas.

Na referida assembleia esteve presente o legal representante da sociedade vendedora das fracções - VA (…)SA - que, perante todos os condóminos, se comprometeu, uma vez mais, a diligenciar pela realização das obras de reparação/eliminação dos defeitos de construção.

Face a tal compromisso, os condóminos entenderam ser desnecessária a propositura de uma acção judicial.

E, por último, defende-se adiantando que quer a sociedade vendedora, quer a sociedade construtora, sempre aceitaram os defeitos e se comprometeram inclusivamente a eliminá-los, o que significa que o autor pode ainda validamente instaurar qualquer acção judicial nesse sentido.

Termina, concluindo pela procedência da excepção da ilegitimidade processual e pela improcedência da petição inicial, pedindo, ainda, a condenação do autor como litigante de má fé, em consequência do que deve indemnizar a ré por todos os prejuízos resultantes da presente acção, mormente despesas judiciais, extrajudiciais e honorários do seu advogado.

3. Replicou o autor, pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade invocada pela ré, por entender que o condomínio não carece de deliberar em assembleia de condóminos para conferir poderes ao respectivo administrador para intentar acção contra terceiros relativamente à partes comuns, e, por mera cautela, junta aos autos a Acta Nº 20 da assembleia de condóminos na qual se tal assembleia decide mover acção judicial contra a ora ré conferindo poderes aos administradores para outorgar procuração ao mandatário que representa o autor na presente acção, concluindo, assim pela sua legitimidade.

Em tal articulado, impugna, ainda, o autor os factos alegados pela ré referentes à assunção da responsabilidade pela reparação dos defeitos por banda das sociedades vendedora e construtora do edifício, em relação ao que diz nunca ter acontecido, invocando, ainda, que os defeitos reclamados na presente acção nunca foram reclamados pelo autor a tais sociedades em data anterior à da administração do condomínio autor assumida pela ré, pelo que a data a ter em consideração para efeitos de denúncia dos defeitos em causa nos presentes autos é a de 28 de Fevereiro de 2005 e não qualquer outra data anterior a esta, não podendo, por isso operar a caducidade invocada pela ré.

Mais refere que na assembleia realizada em 17 de Março de 2007 não esteve presente nenhum representante da sociedade vendedora das fracções nem este ali se comprometeu a diligenciar pela realização das obras de reparação e eliminação dos defeitos de construção nem os condóminos nela entenderam ser desnecessária a propositura de uma acção contra tal empresa e contra a empresa construtora, pois, sempre os condóminos quiseram a propositura dessa acção, cuja necessidade sempre a própria ré reconheceu, chegando a referir nessa assembleia que estavam em prazo para o efeito.

Porque nunca as sociedades vendedora ( V.A (…) S.A. ) e construtora ( (…) ) aceitaram os defeitos ou se comprometeram a eliminar os mesmos, o autor já não está em tempo de validamente propor uma acção judicial contra tais sociedades, bem sabendo a ré que o prazo para o efeito terminou em 28 de Fevereiro de 2006, e, por isso, deduziu oposição sem qualquer fundamento, litigando de má-fé.

Termina o autor pugnando pela improcedência das excepções invocadas, pela procedência da acção conforme requerido na p.i. e pela condenação da ré como litigante de má-fé em indemnização a arbitrar em execução de sentença.     

4. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual foi decidida a excepção da ilegitimidade do autor, no sentido da sua improcedência, e, ainda, apreciados os pressupostos processuais, no sentido da sua regularidade, nele tendo também sido alinhados os factos assentes e controvertidos, selecção essa em relação à qual não foi apresentada qualquer reclamação.

        

5. Procedeu-se ao julgamento que decorreu com observância do legal formalismo, não tendo a decisão da matéria de facto sofrido qualquer reclamação.

6. Não foram apresentadas alegações de direito.

7. Proferida sentença veio nela a decidir-se a improcedência da acção e a consequente absolvição da ré do pedido, com custas a cargo do autor.

8. Inconformado com o assim decidido, recorreu o autor para esta Relação, encerrando o recurso de apelação interposto com as conclusões que, assim, se sintetizam:

- a acta de 17 de Março de 2007 que foi escrita pela apelada prova que os condóminos estavam à espera que a administração do condomínio tivesse apresentado uma acção judicial contra a empresa vendedora do edifício,VA (…) SA.;

- tendo sido referido pela ora apelada nessa acta, “ o Administrador referiu que os prazos de reclamação se encontravam em vigor, relativa a garantia “, é porque os condóminos teriam solicitado à apelada a apresentação de tal acção judicial contra a VA (…) SA., e nessa sequência, os condóminos estariam na expectativa de saber se a acção já teria entrado em tribunal, e, nesse sentido, então é porque os condóminos pediram à apelada para intentar a acção judicial contra a empresa vendedora do prédio; 

- as passagens dos depoimentos das testemunhas (…) que escalpeliza e transcreve nas alegações do recurso e a conclusão do Tribunal que igualmente refere e transcreve ( proferida pela Sra. Juiz que presidiu ao julgamento ) permitem concluir que se na acta ficou escrita a referida frase é porque provavelmente alguém perguntou “ então como é que é da acção ?“;

- o tribunal recorrido julgou incorrectamente tal ponto da matéria de facto, pois, face a tais elementos probatórios, impunha-se dar como provado que foi solicitado à apelada a apresentação de uma acção judicial contra a empresa vendedora do prédio VA (…) S.A., e que esta não o fez;

- a apelada contratou com a apelante uma contrato de prestação de serviços de administração de condomínio na modalidade de plano de administração e limpeza;

- a apelada, na qualidade de administradora do condomínio, faltou culposamente ao cumprimento das suas funções tornando-se responsável pelos prejuízos que causou à apelante, pelo que o tribunal a quo devia ter condenado a apelada no pedido contra ela formulado, e, não o fazendo, violou o disposto nos Arts. 1436º f) e 798º do C.C.;

- não é necessário a existência de uma deliberação da Assembleia de Condóminos para o administrador instaurar a acção judicial contra a empresa vendedora do prédio com o objectivo de reparar os defeitos das partes comuns, no caso concreto, no telhado, no muro lateral e nas pedras do chão em frente ao edifício;

- a propositura dessa acção integra-se na âmbito da administração ordinária e constitui um acto conservatório exigível ao administrador do condomínio, por ter por fim a conservação ou frutificação normal, sem alteração do património;

- resulta do disposto no Art. 1437º Nº1 do C. C. que o administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro na execução das funções que lhe pertencem, sendo entendimento de variada jurisprudência o de que não é necessário prévia autorização da Assembleia de Condóminos para o administrador intentar acção judicial contra a empresa vendedora para reparação dos defeitos nas partes comuns;

- é entendimento da doutrina e da jurisprudência que para o efeito cita, que são actos conservatórios, por exemplo, a interrupção dos prazos de prescrição ou de usucapião, por se tratarem de actos que nada resolvem em definitivo e que não comprometem o futuro e que apenas visam manter uma coisa ou um direito numa dada situação, ou, aqueles que, sem alterar a integridade do património, se destinam à sua manutenção, frutificação e melhoramento, reconhecendo-se ao administrador do condomínio o poder de interpor uma acção judicial contra a empresa vendedora do prédio para a reparação dos defeitos das partes comuns;

- a apresentação de uma acção judicial, sem prévia autorização da Assembleia de Condóminos, para a reparação dos defeitos das partes comuns constitui um dever de conservação dos direitos relativos aos bens comuns e, portanto, um acto de administração ordinária, competindo tal função ao administrador;

- foi dado como provado que a ré não intentou qualquer acção judicial contra a empresa vendedora das fracções para que esta procedesse à reparação dos defeitos detectados no telhado, no muro lateral, as pedras do chão em frente do edifício ( facto 32 ) e que a ré não apresentou em assembleia de condomínio a proposta de acção judicial ( facto 33 );

- a primeira reunião da Assembleia de Condóminos do edifício VF (...)composta pelos proprietários das fracções ocorreu no dia 10 de Março de 2001, pelo que o prazo de garantia para a reparação dos defeitos terminaria no dia 9 de Março de 2006, ou seja, 5 anos depois da primeira reunião da Assembleia dos Condóminos dos proprietários das fracções, nos termos do disposto nos Arts. 1225 Nº1 e 916º Nº3 do C.C.;

- os defeitos de construção, nomeadamente no telhado, no muro lateral e nas pedras do chão do edifício, foram denunciados na reunião de 28 de Fevereiro de 2005, na data da eleição da ré como administradora, e, portanto, haveria 1 ano para intentar a respectiva acção judicial contra a sociedade vendedora do edifício, VA (…) S.A., prazo esse que terminaria no dia 1 de Março de 2006;

- a recorrida não intentou nenhuma acção judicial contra a empresa vendedora das fracções até ter cessado as funções de administradora do condomínio  - o que ocorreu na data de 21 de Abril de 2007 -, deixando, assim, prescrever  o direito do condomínio exigir da VA (…), S.A. a reparação dos defeitos no telhado, no muro lateral e nas pedras do chão do edifício, e não impediu a caducidade face aos defeitos denunciados, deixando passar o prazo de 1 ano, podendo tê-lo feito sem ter necessidade de uma deliberação da assembleia de condóminos para intentar essa acção.   

- o tribunal a quo interpretou incorrectamente os Arts. 1436º f) e 1437º Nº1 do C.C. ao decidir, como decidiu, que era necessário uma deliberação da Assembleia de Condóminos para intentar a acção judicial contra a empresa vendedora das fracções e do edifício, violando, por isso, o disposto em tais normativo legais e ainda o estatuído nos Arts. 1225º Nº1, 916º Nº3 e 798º do C.C.;

- o tribunal  a quo devia ter-se pronunciado, e não se pronunciou, quando foi ultrapassado o prazo previsto no Art. 1225º nº1 ou o previsto no Art. 916º Nº3 do C.C., isto é, o prazo de 5 anos, e se também já havia decorrido o prazo previsto nos Arts. 916º Nº3 e 1225º Nº2 do C.C., isto é, o prazo de 1 ano para a denúncia dos defeitos e respectivo pedido de indemnização, violando, por isso, a decisão do tribunal a quo tais normativos legais;

- se se entendesse que era necessária uma deliberação da Assembleia de Condóminos para intentar uma acção judicial contra a empresa vendedora do edifício para reparar os defeitos das partes comuns, esta devia ter sido convocada pelo administrador, nos termos dos Arts. 1431º nº2, 1436º f) e 483º do C.C.;

- a informação que a apelada deu no dia 17 de Março de 2007 está errada, pois, os prazos já tinham sido ultrapassados e não se podia já accionar a empresa vendedora do edifício, encontrando-se tal informação escrita na acta e que diz “ os prazos de reclamação se encontram em vigor relativa a garantia “ e induziu em erro os condóminos;

- a apelada assinou um contrato de prestação de serviços de administração de condomínio e está obrigada a indemnizar o condomínio pelos danos a este causados, nos termos do disposto no Art. 485º nº 2 do C.C., os quais ascendem ao valor de 30.239,81 euros;

- o tribunal a quo devia ter condenado a apelada a indemnizar a apelante pelos danos sofridos pela informação errada prestada pela apelada.

Termina o recorrente concluindo pela revogação da decisão do tribunal a quo, e, em consequência, pela procedência da acção com a consequente condenação da apelada conforme pedido formulado.

9. Proferido despacho a admitir o recurso interposto, não foram apresentadas contra-alegações.


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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), são as seguintes as questões a decidir:

- saber se foi julgada incorrectamente a matéria de facto;

- apurar se dentro das funções que incumbem ao administrador do condomínio se conta a da instauração de acção judicial contra o vendedor do prédio por defeitos existentes nas partes comuns deste;

- apurar se para a para instauração da referida acção carece ou não o mencionado administrador de deliberação para o efeito por parte da Assembleia de Condóminos;

- apurar se o administrador do condomínio incumpriu o contrato celebrado entre o mesmo e o autor por não ter instaurado a referida acção judicial dentro do prazo legal previsto para o efeito e suas consequências jurídicas.


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III – FUNDAMENTAÇÃO

A) OS FACTOS

Da 1ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:

1. A sociedade S (…), Lda e V.A. (…) S.A. eram donas do prédio urbano formado por lote de terreno para construção com a área de 2.546 metros quadrados, situado na Avenida (...), freguesia e concelho de Leiria, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o número (...) da freguesia de Leiria.

2. No lote mencionado, encontra-se construído um edifício formado por cave e sub cave, rés do chão, primeiro, segundo e terceiro andares.

3. As cave e sub caves destinam-se a garagens.

4. O rés do chão é composto por quatro lojas destinadas a comércio.

5. Os primeiro, segundos e terceiros andares destinam-se a habitação e são compostos por dezasseis fogos.

6. O referido prédio tem a área coberta de 960 metros quadrados com um logradouro com a área de 1.586 metros quadrados.

7. A propriedade horizontal deste prédio foi constituída em 19 de Setembro de 2000.

8. No dia oito de Maio de 2000 foi realizada uma assembleia de condóminos do condomínio do Edifício (…) constituída pelas empresas construtoras e vendedoras, V.A (…) Ida, à data possuidora de 3/4 do prédio e a firma S (…) Lda , à data possuidora de 1/4 do prédio, proprietárias do edifício, onde elegeram como administrador o senhor (…) à data , sócio gerente da empresa V.A.(…) SA.

9. No dia 10 de Março de 2001 reuniu a assembleia de condóminos do edifício VF (...), onde entre o mais foi deliberado que a nova administração seria formada por dois administradores: (…) que desde logo assumiram na íntegra a administração do condomínio do mesmo prédio.

10. Por carta datada de 15 de Outubro de 2001, o autor informou a sociedade V.A. (…)SA, entre o mais, da provável derrocada do muro de suporte de terras do lado nascente do edifício, ficando a aguardar resposta ao assunto.

11. Por carta datada de 16 de Dezembro de 2002, o autor solicitou à sociedade V.A (…) SA a reparação do azulejo das paredes do átrio de acesso às escadas, ao nível da subcave que se encontrava danificado devido a inundação ocorrida.

12. O autor em 13 de Janeiro de 2003 enviou duas comunicações à sociedade V.A. (…) SA do seguinte teor:

Assunto: Reclamação, defeitos nas fracções que compõem este condomínio.

Exmºs Senhores,

Como é do vosso conhecimento, foi entregue pessoalmente pelo administrador deste condomínio no passado mês de Março, listagem individual por fracção dos defeitos de construção encontrados na vigência da garantia de construção.

Esta listagem foi entregue por mão à vossa funcionária Srª (…) que nos havia solicitado para que fosse mais fácil ao construtor “(…)” contratado pela vossa firma para a construção deste edifício, identificar estes defeitos e assim proceder à devida reparação em tempo útil. Contudo até hoje nada nos foi oficialmente dito, tendo a vossa funcionária mostrado boa vontade, mas insucesso junto do tal construtor, isto a fazer fé no que nos tem dito. Como o tempo urge e os prazo têm início e fim, não gostaríamos de pensar que V.Ex.as estão a deixar correr o tempo para depois nada fazerem relativamente às vossas obrigações, pois a ser assim, pensamos em mudar de tom e iremos tratar deste assunto em moldes diferentes.

Mais uma vez solicitamos a vossa melhor atenção para no que diz respeito aos muros de suporte de terras dos lados Norte e Nascente que se encontram em débeis condições de segurança e poderão entrar em derrocada. Pelo o que mais uma vez, avisamos que, toda e qualquer responsabilidade será inteiramente vossa.

Assunto: Reclamação, muros de suporte e pedido de plantas

Exmos Senhores,

Como é do vosso conhecimento, tendo nós solicitado, pessoalmente em tempo útil sem que, contudo tivéssemos obtido qualquer resultado prático ou resposta concreta de V.Ex.as, vimos mais uma vez desta forma, solicitar a gentileza de nos facultarem os seguintes documentos, que de resto como saberão nos deveria ter sido entregues quando da primeira reunião de condóminos presidida pelo Sr. Carlos Cardoso administrador dessa empresa, e que passamos a enumerar.

- Plantas de pormenor do edifício (finais) com descritivo de passagem de canos de esgoto de água, electricidade, gás, etc.

- Projectos de: Electricidade, águas, esgotos, águas pluviais, rede de gás, instalações telefónicas, projecto R.I.T.A. e televisão.

Mais, no que diz respeito aos muros de suporte de terras dos lados Norte e nascente que se encontram em débeis condições de segurança e poderão entrar em derrocada, somos outra vez e da mesma forma a reclamar, para além de já o termos comunicado quer por telefone quer pessoalmente, a última destas pelo telemóvel com o Sr. (…) que prometeu visitar o local para se inteirar deste assunto, mas ao que parece não teve tempo e, ao fim de dois anos ainda não reparou o que lhe cabe em responsabilidade, pelo que mais uma vez, avisamos que, toda e qualquer responsabilidade será inteiramente vossa.

Agradecemos também que mandem reparar as lages do pavimento defronte à loja D, reparação esta que ficou como promessa da referida reunião.

13. A sociedade V.A. (…), em 15 de Setembro de 2003 enviou ao autor missiva do seguinte teor:

Assunto: Resposta á vossa carta datada de 2003.01.13 (recebida a 09.09.2003)

Conforme vossa carta datada de 2003/01/13, que mereceu a nossa melhor atenção, vimos junto enviar a V.Exªs a n/carta datada de 12/09/2003 enviada à Firma (…) Ldª, como podem analisar temos feito o possível junto dessa mesma firma para que solucionem as anomalias que já sabemos na construção vão surgindo à medida que o tempo passa.

A que juntou cópia da carta enviada, com data de 12 de Setembro de 2003, do seguinte teor:

Como é do vosso conhecimento foi enviado por via fax dia 15/02/03 e 20/02/03 uma listagem de deficiências existentes no edifício VF (...)e que sendo da vossa responsabilidade nada ainda foi feito.

Assim sendo, voltamos a anexar todas as deficiências reclamadas pelos proprietários que esperamos que sejam reparadas o mais breve possível, pois não gostaríamos de seguir outros caminhos devido à nossa boa relação.

14. A sociedade construtora (…) Ldª, enviou à sociedade V.A. (…)fax datado de 19 de Setembro de 2003 do seguinte teor:

Somos a acusar a vossa reclamação datada de 12 de Setembro de 2003 e a informar que procederemos ás diligências necessárias para a resolução dos problemas.

Para tal propomos que a VA (…)SA proceda de modo a que na terça feira, dia 23 de Setembro, os técnicos da (…) Ldª possam visitar as áreas objecto da reclamação, para que de imediato se tomem as acções necessárias para eliminar as não conformidades.

15. A sociedade construtora chegou a executar alguns trabalhos de reparação.

16. No dia 1 de Fevereiro de 2005 o Condomínio VF (...)assinou um contrato de Prestação de Serviços de administração de condomínio com a ora ré, no qual a ré se obrigava a administrar o condomínio do Edifício VF (...), na modalidade de plano de administração e Limpeza, e em contrapartida o condomínio Edifício VF (...)pagava à Ré pelo serviço de administração do condomínio VF (...)a quantia mensal de 305,06 euros.

17. No dia 28 do mês de Fevereiro de 2005 reuniu-se a assembleia de condóminos onde foi eleita a administração que passou a ser a empresa "N (…), Lda, ora ré, cujo estabelecimento era conhecido por loja do condomínio e foi reeleita em 21 de Fevereiro de 2006 até 21 de Abril de 2007.

18. No dia 28 de Fevereiro de 2005 reuniu a assembleia de condóminos do edifício VF (...), onde entre o mais foi deliberado que junto da empresa V.A. (…)SA fosse reparado o telhado, o muro lateral e as pedras do chão situadas na parte da frente do edifício.

19. No dia 24 de Outubro de 2005 reuniu a assembleia de condóminos do edifício VF (...), onde a ré informou o ponto da situação referente aos problemas das obras, tendo ficado aprovado por unanimidade a entrega das reclamações existentes ao administrador até 31 de Outubro, por parte dos condóminos, aguardando-se uma resposta concreta da parte da V.A. (…)até ao final da primeira semana de Novembro.

20. A ré enviou comunicação à sociedade V.A. (…) SA, em 5 de Dezembro de 2005 do seguinte teor:

No seguimento da assembleia de condóminos realizada no dia 24 de Outubro de 2005, no edifício VF (...), Avenida (...), nº (...), Leiria, informamos o seguinte:

Foram apresentadas pelos condóminos várias reclamações quando às deficiência do edifício acima indicado, nomeadamente em relação aos pisos superiores, onde a quantidade de água e por consequência humidade afectam a grande maioria das fracções. Por se tratar de um assunto que se arrasta há muito tempo, tendo V. Exª já tentado reparar algumas anomalias sem sucesso, informamos da necessidade urgente de proceder às necessárias reparações, caso contrário o condomínio ver-se-á obrigado a recorrer a outras vias para a resolução do mesmo.

21. Foi com o intuito de resolver o problema, que a Ré, na assembleia geral de 24 de Outubro de 2005, solicitou aos condóminos que elaborassem uma lista das obras que eram necessárias realizar para a eliminação dos defeitos.

22. Em Fevereiro de 2007 no terraço de cobertura do edifício referido em 2. alguns mosaicos encontravam-se levantados e algumas das respectivas juntas encontravam-se abertas.

23. As pendentes do terraço de cobertura do edifício referido em 2. apresentavam-se mal executadas, acarretando acumulação de água em vários locais.

24. Em Fevereiro de 2007 os muretes do terraço de cobertura do edifício referido em 2. encontravam-se fissurados, assim como as paredes das chaminés.

25. Em Fevereiro de 2007 algumas das chapas de fibrocimento da cobertura do edifício referido em 2. encontravam-se partidas, mostrando sinais de terem sido reparadas e a tela asfáltica colada no murete estava a descolar.

26. Em Fevereiro de 2007, a parede junto à janela da escada do edifício referido em 2. apresentava manchas de humidade, fungos e tinta solta, como consequência do deficiente isolamento da parede exterior, apresentando esta fissuras e manchas de humidade.

27. Na reunião da assembleia de condóminos do edifício VF (...)ocorrida em17 de Março de 2007 a ré referiu que os prazos de reclamação se encontravam em vigor relativa à garantia.

28. A Ré solicitou ainda à sociedade P(…), Lda., a elaboração de um relatório, contendo o levantamento exaustivo de todos os defeitos de construção do edifício.

29. Por comunicação datada de 19 de Março de 2007, enviada por correio registado, a Ré enviou o relatório supra mencionado à sociedade V. A. Cardoso, S.A.

30. Em resposta à missiva enviada pela ré, referida no facto 29., a sociedade V.A. (…) SA enviou em 9 de Abril de 2007 carta à ré juntando cópia de carta enviada à sociedade (…) com a mesma data, do seguinte teor:

Vimos por este meio enviar o relatório da vistoria requerido pela administração do condomínio VF (...), Avenida (...), em Leiria, onde constam todos os defeitos de construção e os locais que necessitam urgentemente de intervenção, pois existem situações que põem em causa a boa habitabilidade das pessoas e até pondo em perigo a sua integridade física no caso de curcicuitos eléctricos como podem constar do mesmo relatório.

Assim sendo e mais uma vez pedimos uma rápida acção, pois a última vez que tentaram resolver as anomalias do momento não só não as terminaram como deixaram inclusivamente material e ferramentas de trabalho nos espaços comuns do prédio devido ao seu abandono.

31. Na assembleia de condóminos realizada em 17 de Março de 2007, após apresentação do relatório de vistoria mandado elaborar a uma empresa especializada, a ré explicou o procedimento jurídico a levar em conta, bem como os custos associados a uma possível situação em tribunal.

32. A Ré não intentou qualquer acção judicial contra a empresa vendedora das fracções para que esta procedesse à reparação dos defeitos detectados no telhado, no muro lateral e as pedras do chão em frente ao edifício.

33. A Ré não apresentou em assembleia de condomínio a proposta de acção judicial.


*

         B ) O DIREITO

I- Impugnação da decisão da matéria de facto.

(…)

         Improcedem, pois, as respectivas conclusões do apelante a respeito da impugnação da decisão sobre matéria de facto.


*

         II- Do incumprimento do contrato de prestação de serviços pela ré pelo facto da mesma não ter intentado acção judicial contra a vendedora do prédio com vista à sua condenação a reparar os defeitos das partes comuns.

         Decidindo-se, como acaba de decidir-se, que não resultou provado que a ré tenha sido interpelada pelos condóminos para que procedesse à apresentação da respectiva acção judicial contra a empresa vendedora das fracções e que sempre tenha dito que tinha prazo para apresentar a referida acção judicial, cumpre, então analisar, se mesmo assim poderá a presente acção proceder considerando apenas a panóplia fáctica apurada, que, conforme decidido, se mantém inalterada.

Entende o recorrente que não é necessário a existência de uma deliberação da Assembleia de Condóminos para o administrador instaurar a acção judicial contra a empresa vendedora do prédio com o objectivo de reparar os defeitos das partes comuns, no caso concreto, no telhado, no muro lateral e nas pedras do chão em frente ao edifício, por considerar que a propositura dessa acção se integra na âmbito da administração ordinária e constitui um acto conservatório exigível ao administrador do condomínio, por ter por fim a conservação ou frutificação normal, sem alteração do património, pelo que, não tendo a ré, enquanto administradora do condomínio, instaurado tal acção judicial atempadamente incumpriu o contrato de prestação de serviços que celebrou com o autor, estando por isso, obrigada a indemnizar este pelos prejuízos que lhe causou referentes ao montante que o condomínio autor vai ter de desembolsar para reparação de tais defeitos que computa em € 30.239,81.

         Discorreu-se na sentença recorrida a respeito da qualificação do contrato celebrado entre autor e ré, que o mesmo se trata de um contrato de prestação de serviços de administração de condomínio, previsto no Art. 1154º do Código Civil, através do qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, ao qual, se aplica, na falta de regulamentação específica, o regime do mandato, por força do preceituado no Artº 1156º.

         Não sendo, embora, motivo de dissonância entre o autor e a ré, sempre diremos que o Tribunal de 1ª instância considerou, com acerto, a qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes.

         Com efeito, assim defende Aragão Seia, in Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios, 2001, pág. 186), ao referir que ao administrador se aplicam por analogia as normas do mandato, de acordo com o estabelecido no Art. 987º do C.C., na medida em que estas sejam compatíveis com as disposições específicas da propriedade horizontal .

         Estipula-se no Art. 1430º Nº1 do C.C. que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.

         De acordo com o ensinamentos de Mota Pinto, in Direitos Reais, 1970/71, pag. 284, « a assembleia de condóminos é um órgão colegial constituído por todos os condóminos, com carácter deliberativo, que tem poderes de controle, de aprovação e decisão final sobre todos os actos de administração.

         O administrador é o órgão executivo. É um órgão de execução, nomeado e exonerado pela assembleia de condóminos, a quem tem de prestar contas da sua actividade. Procede, portanto à execução das decisões daquela e á adopção das medidas necessárias à conservação e vida do edifício ».

           De entre as funções que a lei atribui ao administrador, cujo elenco consta do Art.1436º do C.C., conta-se a de realizar os actos conservatórios dos direitos relativos a bens comuns, a que se alude na alínea f) de tal normativo legal.

         Já sobre a legitimidade do administrador para agir em juízo, estatui-se no Art. 1437º Nº1 do C.C. que o mesmo tem legitimidade para o efeito, quer contra qualquer condómino, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.

         Cabem no elenco de tais actos conservatórios, aqueles que, conforme defende Henrique Mesquita, in RDES XXIII, nota 124, nada resolvem em definitivo, que não comprometem o futuro e que apenas visam manter uma coisa ou um direito numa dada situação, nestes se compreendendo as acções possessórias e a interrupção dos prazos de prescrição ou de usucapião.

         Reconhecendo, embora, que a jurisprudência dos nosso tribunais não é pacífica a respeito da questão, temos para nós que a instauração de uma acção judicial visando a eliminação de defeitos das partes comuns de um edifício é mais do que um acto de administração ordinária, não estando, por isso, a mesma no âmbito das funções que pertencem ao administrador, como, da mesma forma, foi considerado na decisão recorrida.

         Efectivamente, afigura-se-nos que em situações como a dos autos - em que ficou por apurar se os condóminos manifestaram ou não vontade de recorrer à via judicial para demandar o vendedor do prédio por defeitos de construção existentes nas partes comuns deste – não poderá considerar-se que constitui uma função pertença do administrador do condomínio a de decidir, por sua única e exclusiva iniciativa, a propositura da respectiva acção judicial.

         A este próposito, salientam Pires de Lima/Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, pag. 455-456, em anotação ao citado Art. 1437º do C.C. que há assuntos respeitantes à gestão dos bens comuns que exorbitam da competência do administrador, mas que cabem na da assembleia, carecendo o administrador de autorização desta para intentar as competentes acções judiciais. O mesmo dizendo tais autores relativamente a todos os actos que, excedendo embora o âmbito da gestão normal, a lei inclui na esfera de competência da assembleia, exemplificando com situações em que seja necessária a propositura de uma acção que tenha por objecto direitos referentes às partes comuns, para as quais defendem não assistir ao administrador competência para tomar tal iniciativa.

         No caso equacionado nos autos o recorrente condomínio fundamenta o incumprimento contratual que imputa à ré enquanto administradora do condomínio na circunstância desta não ter instaurado a acção judicial com vista à condenação do vendedor do prédio a reparar os defeitos de construção neste existentes dentro dos cinco anos de garantia legalmente previstos para o efeito.

         Atribuindo o apelante condomínio à ré um comportamento omissivo, que acarretou um imperfeito cumprimento ou um cumprimento defeituoso do contrato, recaía sobre o mesmo o ónus de alegação e prova da densificação dos elementos consubstanciadores da falta de diligência da ré na execução da prestação a que estava vinculada, que, segundo alega, se traduziu na não instauração da acção judicial contra o vendedor do prédio por defeitos existentes neste dentro dos cinco anos de garantia.

         Pelas razões que se deixaram expostas a respeito de não ser da competência do administrador a iniciativa da propositura dessa acção judicial e de não ter resultado provado que a assembleia lhe atribuiu tal incumbência - sendo este o órgão competente para decidir, deliberar, sobre a oportunidade de intentar esta acção era a assembleia de condóminos - não está, pois, demonstrada a prática, por parte da ré, de actos repreensíveis ou atentatórios das funções que desempenhou como administradora do condomínio autor e, como tais, violadores da lei.

         Mas, ainda que se entendesse que a instauração da referida acção judicial se compreende dentro das funções do administrador e que o mesmo tem competência para tomar a iniciativa para a instauração da mesma, cremos que em face do acervo fáctico apurado não seria possível, ainda, assim, concluir pela falta de diligência da ré por não ter instaurado a mesma.

             É que, o intentar de uma acção judicial implica considerar várias vertentes: escolha de mandatário judicial, ponderar os honorários e despesas judicias a pagar, interesse em ter uma disputa judicial com o vendedor do prédio em causa, quanto tempo demorará a ter a questão definitivamente decidida, etc, etc, circunstâncias estas que, todas elas, carecem da devida ponderação.

         Defluindo da factualidade provada que após ter celebrado o contrato de prestação de serviços com o autor ( em 1 de Fevereiro de 2005) e de ter sido eleita administradora do condomínio autor ( em 28 de Fevereiro de 2005 ) a ré deu andamento aos contactos já encetados pelo autor junto da empresa vendedora do prédio para a reparação dos defeitos que este apresentava, informando os condóminos na assembleia ocorrida no dia 24 de Outubro de 2005 do ponto da situação - na qual a administradora, ré na presente acção, com o intuito de resolver o problema, solicitou aos condóminos que elaborassem uma lista das obras que eram necessárias para a eliminação dos defeitos e na qual foi aprovado por unanimidade a entrega de reclamações existentes ao administrador até 31 de Outubro de 2005 ( pontos 16. a 19. e 21. da factualidade provada ) e também que por comunicação enviada á empresa vendedora do prédio, em 5 de Dezembro de 2005, informou esta das reclamações apresentadas pelos condóminos a respeito das deficiências do prédio e também da necessidade urgente de proceder à necessárias reparações ( ponto 20. da factualidade provada ) -, temos para nós que não resultou provado, como pretende o autor nas suas alegações de recurso, que a ré agiu com falta de diligência porque, tendo exercido funções como administradora até ao dia 21 de Abril de 2007, não instaurou a acção judicial contra a empresa vendedora do prédio até ao dia 1 de Março de 2006, data esta em que, segundo a mesma, expirou o prazo para a instauração dessa acção, por decurso do prazo de garantia para a reclamação de tais defeitos, e também a partir da qual, segundo refere, prescreveu o direito do autor para a instauração dessa mesma acção.

         Com efeito, analisada a conduta da ré pela diligência de um bom pai de família, não se vislumbra que, de acordo com o contexto fáctico que se deixa exposto, a actuação da ré em tais circunstâncias tenha violado deveres gerais de diligência ou prudência resultantes do disposto no Art. 798º do C.C., pois, espelhando tal factualidade que se encontravam em curso diligências com vista à resolução extrajudicial da questão que dividia os condóminos e a empresa vendedora do prédio a respeito dos defeitos existentes no prédio que eram do conhecimento e que tinham a anuência dos condóminos, não lhe era exigível que, por sua única e exclusiva iniciativa, invertesse o curso dessas negociações com a instauração de uma acção judicial contra a vendedora do prédio, a qual, até, poderia revelar-se frustradora das expectativas dos condóminos de verem essa questão resolvida amigavelmente.

         Igualmente não se vislumbra que o facto, que efectivamente resultou apurado, a respeito de na reunião da assembleia de condóminos do edifício VF (...)ocorrida em17 de Março de 2007 a ré ter referido que os prazos de reclamação se encontravam em vigor relativa à garantia, possa traduzir um comportamento menos diligente por parte da ré, enquanto administradora do condomínio, desde logo, porque da factualidade assim provada – ponto 27. da mesma – se desconhece em que contexto e/ou com que significado a ré se referiu aos prazos de garantia.

         Para além disso, mesmo que se entendesse que a actuação da ré é susceptível de configurar uma actuação menos diligente do que seria exigível, a verdade é que, em nossa modesta opinião, nem sequer está demonstrado que daí tenha advindo ou possa advir qualquer dano para o autor condomínio em virtude dessa eventual falta de diligência da ré.

         Na verdade, no seu discurso recursivo o autor estriba a indemnização que pretende obter da ré através da presente acção no facto de esta, por virtude da sua inércia, ter deixado prescrever o prazo para, através da competente acção judicial, o condomínio demandar a empresa vendedora do prédio com vista à reparação dos desfeitos neste existente, alegando que o direito do condomínio para o efeito se encontra prescrito desde 1 de Março de 2006, e, por via isso, ter de ser o condomínio a suportar, a expensas suas, os custos dessas obras de reparação que computa em € 30.239,81.

         Sem prejuízo de, objectivamente, os prazos de 1 ano e de 5 anos para a denúncia e para a propositura da acção por parte dos compradores das fracções do prédio contra a vendedora ( que não é a construtora do mesmo ) previstos no Art. 916º do C.C., se mostrarem decorridos à data em que a ré deixou de exercer as funções de administradora, o certo é que é duvidoso que o autor condomínio não possa, com êxito, exigir judicialmente da empresa vendedora do prédio a reparação dos aludidos defeitos numa acção judicial para o efeito por ele intentada, tendo em conta o comportamento que relativamente às reclamações apresentadas pelo ora recorrente aquela empresa vendedora do prédio assumiu em relação às mesmas já depois do decurso desses prazos, comportamentos esses que resultam da factualidade provada e que poderiam ser feitos valer nessa acção judicial, mormente como consubstanciadores de abuso de direito no caso de tal empresa vendedora do prédio nela invocar a caducidade, por ter criado no condomínio autor, através dos referidos comportamentos, a expectativa de que aqueles iriam ser reparados, promovendo até junto do construtor do prédio, diligências nesse sentido – veja-se  este propósito o Ac. do STJ, de 19-01-2012, disponível em www.dgsi.pt.

            Para além disso, não resulta sequer das alegações contidas nos articulados da acção e no discurso recursivo que a dita empresa vendedora do prédio se tenha já definitivamente negado a reparar tais defeitos.

         Assim sendo, há que concluir que também o autor não logrou provar a existência de qualquer dano por si sofrido com a conduta da ré.
Visto que a responsabilidade por factos ilícitos é condicionada, tendo em conta o disposto no Art. 483º do C. Civil, aos pressupostos ali referidos:
- a existência de um facto  voluntário cometido pelo agente;
- que tal facto voluntário por ele cometido seja ilícito;
- que haja um nexo de imputação do facto ao agente;
- que se verifique um dano; e, por último,
- que haja um nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado.

         A inverificação, pelas razões supra adiantadas, quer do facto ilícito praticado pela ré, quer do dano sofrido pelo autor, cujo ónus da prova impendia sobre o autor ( Art. 342º Nº1 do C.C ), conduz inelutavelmente à improcedência da acção, conforme decidido.


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         IV- Sumário ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

         1. A iniciativa da instauração de uma acção judicial visando a eliminação de defeitos de construção das partes comuns de um edifício é mais do que um acto de administração ordinária, não estando, por isso, no âmbito das funções que pertencem ao administrador do respectivo condomínio.

         2. É da competência da assembleia de condóminos a decisão sobre a oportunidade de instaurar ou não a acção judicial contra o vendedor do prédio para a reparação de defeitos de construção neste existentes.

         3. Não há incumprimento contratual por parte do administrador do condomínio pela não instauração da acção judicial contra o vendedor do prédio para a reparação de defeitos de construção existentes no mesmo se não se provar que a assembleia de condóminos lhe atribuiu essa incumbência.


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         V- Decisão

         Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo apelante, confirmando-se a decisão recorrida

         Custas pelo autor.

                                                

                            Maria José Guerra ( Relatora)

                            Albertina Pedroso

                            Virgílio Mateus