Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2236/11.0TBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
RESPONSABILIDADE CIVIL
OBRAS URGENTES
Data do Acordão: 03/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE LEIRIA - CALDAS DA RAINHA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 483, 562, 563, 1436, 1437 CC
Sumário: 1.- O administrador pode responder civilmente perante os condóminos, nos termos gerais da responsabilidade civil (arts. 483.°, 562.° e 563.º do Cód. Civil). O administrador responde quando excede os limites das suas atribuições, quando usa mal os poderes-deveres conferidos pela lei, ou quando não realiza aquilo que a lei ou regulamento impõem.
2.- As reparações extraordinárias urgentes, porque excedem a administração ordinária, não fazem parte da competência normal do administrador, o qual tem, no entanto, o dever de avisar e expor a necessidade da urgente reparação.

3.- O administrador não pode, por si só, executar obras nas partes comuns do condomínio se para tal não for mandatado pela assembleia uma vez que tal constituiu um acto de administração que extravasa o âmbito das funções que a lei lhe atribui.

4.- Quando há impugnação da matéria de facto e ao tribunal de recurso é solicitada uma decisão à luz do disposto no actual art. 662 do nono CPC, a “Fundamentação”/”Motivação” do tribunal a quo vai ser o objecto precípuo da atenção do tribunal de recurso, pois que o labor deste se orienta para a detecção de qualquer “erro de julgamento” naquela decisão da matéria de facto, em termos da apreciação e valoração da prova produzida (não podendo obviamente limitar-se à análise da coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto operada pelo tribunal a quo).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

Autora:

- S (….), casada, contribuinte fiscal nº (...) , residente na Rua (...) -Óbidos;

Réus:

1 – Condomínio (…) contribuinte fiscal nº (...) , como sede na Rua (...) Caldas da Rainha

2 – J (….), administrador do Condomínio (….), como domicílio profissional na Rua (...) Caldas da Rainha.

1.2. Objecto do litígio

- Condenação dos Réus no pagamento à Autora duma indemnização por responsabilidade civil extra-contratual, por via da prática de factos ilícitos impeditivos da concessão de licença de utilização ao Centro Comercial, no qual a Autora é proprietária duma fracção e da qual não pode tirar rendimento, por vida da falta da referida licença de utilização.

- O Abuso de Direito por parte da Autora.

*

Oportunamente, foi proferida a seguinte decisão:

«Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, considera-se a acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência absolvem-se os Réus Condomínio (…) e J (…)  na qualidade de administrador do Condomínio (…) dos pedidos deduzidos pela Autora S (...) .

Custas pela Autora - cfr artº 527º do CPC».

*

S (…) Autora nos autos à margem referenciados e neles melhor identificada, tendo sido notificada da sentença que considerou improcedente o pedido formulado, e não se conformando com o conteúdo da mesma, dela veio interpor Recurso de Apelação, com reapreciação da matéria de facto, alegando e concluindo que:

(…)

Condomínio (…) e J (…) nos presentes autos, vieram apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, por sua vez concluindo que

(…)

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

2.1.1. A Autora é proprietária da fracção V, do “Centro Comercial (...) ”, sito na Rua (...) , em Caldas da Rainha, correspondente ao artigo U-06256-V, composto por estabelecimento comercial, destinado a Café Snack Bar, restauração e bebidas, denominado por “(…)” [Factualidade incluída na alínea A) dos Factos Assentes]

2.1.2. A Autora adquiriu a fracção autónoma V por morte de seu pai, (…), ocorrida a 1 de Janeiro de 2010. [Factualidade incluída na alínea B) dos Factos Assentes]

2.1.3. O estabelecimento da Autora situa-se no 2º piso do prédio, o qual corresponde a um centro comercial, vulgarmente designado Centro Comercial (...) , constituído em propriedade horizontal. [Factualidade incluída na alínea D) dos Factos Assentes]

2.1.4. O centro tem 5 andares: no rés-do-chão, no 1º andar e no piso intermédio denominado sobre-loja, as fracções estão destinadas a comércio, duas salas de cinema e recepção da Residencial Europeia; o 2º andar (denominado 3º piso no Regulamento) é composto por 17 fracções destinadas a escritório e restaurante; os 3º, 4º e 5º andares, denominados 4º, 5º e 6º piso no Regulamento, são todos parte integrante de uma única fracção (BF) correspondente à Residencial Europeia. [Factualidade incluída na alínea E) dos Factos Assentes] 1986

2.1.5. O estabelecimento comercial da Autora tem Alvará de Saneamento de Licenciamento Sanitário desde 1986. [Factualidade incluída na alínea C) dos Factos assentes]

2.1.6. O estabelecimento não dispunha, nem dispõe de licença de utilização. [Factualidade incluída no quesito 3º da Base Instrutória]

2.1.7. O pai da Autora explorou sempre o estabelecimento apenas com o alvará de 1986.[Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória] 2003

2.1.8. Na assembleia de condóminos realizada em 21.05.2003, na qual esteve presente o pai da Autora, foi transmitido por um dos condóminos, representante dos titulares dos cinemas, que era necessário o edifício do Centro Comercial adaptar-se às exigências legais, através de obras nas partes comuns, nomeadamente nas casas de banho e acessibilidades. Foi manifestado pela maioria dos condóminos que, quando as obras “arrancassem” o Centro Comercial deveria fechar ao público. Foi ainda mandatado o administrador de então (…), para falar com um arquitecto sobre essa questão. [Factualidade incluída na alínea R) dos Factos Assentes] 2004

2.1.9. Na assembleia de condóminos de 18.02.2004 esteve presente o Eng. (…), que prestou esclarecimentos sobre a proposta que apresentou para elaborar o projecto de segurança e “sobre as fases necessárias a ultrapassar para que o centro comercial se encontre como mandam as normas” [Factualidade incluída na alínea S) dos Factos assentes]

2.1.10. (…) o qual alertou a assembleia para a obrigatoriedade do cumprimento das regras de segurança e protecção contra incêndios. [Factualidade incluída no quesito 38º da Base Instrutória]

2.1.11. Como à data dessa assembleia existiam apenas dois orçamentos, foi decidido, pelos condóminos, que iriam ser recolhidos mais orçamentos (tarefa que ficaria a cargo do administrador(a) que viesse a ser eleito nessa assembleia). [Factualidade incluída na alínea T) dos Factos Assentes]

2.1.12. Nessa mesma assembleia foi eleita (….) como administradora. [Factualidade incluída na alínea U) dos Factos Assentes]

2.1.13. E uma vez que a administradora não era condómina, foi também eleita uma comissão, composta por dois condóminos, entre os quais o pai da Autora, para “acompanharem de perto a actividade da administradora”, tudo com efeitos a partir de 01.03.2004. [Factualidade incluída na alínea V) dos Factos Assentes]

2.1.14. Nesta assembleia esteve presente, participou nos trabalhos e votou, o pai da Autora. [Alínea W) dos Factos Assentes]

2.1.15. No assembleia que teve lugar no dia 23.03.2004 e na qual o pai da Autora esteve presente, participou nos trabalhos e votou, foi decidido que as propostas apresentadas até à data não contemplavam na globalidade as necessidades do centro comercial e que não estava, reunidas as condições necessárias para uma tomada de decisão. [Factualidade incluída na alínea X) dos Factos Assentes]

2.1.16. Nessa assembleia foi mandatada a administração para reunir com o Eng. (…) a fim de este apresentar a sua proposta englobando na elaboração do projecto de segurança todas as alterações necessárias, nomeadamente de arquitectura a fim de legalizar o centro não só no que respeita à segurança contra incêndio e sua prevenção, assim como a supressão das barreiras arquitectónicas de modo a tornar acessível todo o centro comercial a indivíduos diminuídos fisicamente, incluindo alteração de algumas casas de banho existentes no centro. [Factualidade incluída na alínea Y) dos Factos Assentes]

2.1.17. Tal assembleia foi suspensa e teve continuação no dia 30.03.2004 tendo sido apresentadas duas das três propostas anteriores e tendo sido decidido pelos condóminos pedir mais orçamentos e suspender novamente a assembleia. [Factualidade incluída na alínea Z) dos Factos Assentes]

2.1.18. Na continuação da assembleia, a 15.04.2004, sempre com a presença do pai da Autora, foi a assembleia informada dos nomes dos vários técnicos contactados para elaborarem orçamentos, os quais não manifestaram interesse, alegando a enorme complexidade do projecto. [Factualidade incluída na alínea AA) dos Factos Assentes]

2.1.19. Nessa assembleia foi aprovada por unanimidade a proposta do Eng. (...) , pelo preço final de € 6.700,00, acrescido de IVA, tendo-lhe sido adjudicado o projecto de obras de adaptação nas partes comuns do Centro Comercial. [Alínea BB) dos Factos Assentes]

2.1.20. Em 30/12/2004 deu entrada na Câmara Municipal de Caldas da Rainha (Processo nº489/04 da Câmara Municipal de Caldas da Rainha – fls.74 a 75) um projecto de remodelação do Centro Comercial (...) nas Caldas da Rainha.[Factualidade incluída na alínea AAA) dos Factos Assentes melhore explicitado no decorrer da instrução]2005

2.1.21. Na assembleia que teve lugar no dia 16.03.2005, o pai da Autora esteve presente e foi novamente nomeado como assessor da administradora (….), a fim de “ajudar na tomada de algumas decisões”. [Factualidade incluída na alínea CC) dos Factos Assentes] 2006

2.1.22. Em 2006 o pai da Autora desenvolveu obras de adaptação do seu estabelecimento à legislação aplicável, tendo encomendado o projecto ao Engenheiro (…), de forma a compatibilizar as obras com o projecto do centro comercial. [Factualidade incluída na alínea GGG) dos Factos Assentes]

2.1.23. Após ter efectuado as referidas obras de adaptação do estabelecimento requereu a licença de utilização [Factualidade incluída no quesito 4º da Base Instrutória] 2006

2.1.24. Na assembleia de 29.04.2006 esteve presente o Eng. (…), a pedido do condomínio e a fim de prestar esclarecimentos sobre o projecto de segurança, que fez o ponto da situação, tendo ficado agendada nova reunião sobre o assunto. [Alínea DD) dos Factos Assentes]

2.1.25. Nessa mesma assembleia foi deliberado renomear (….) como representante da “A (...) ”, para administradora do condomínio e uma comissão destinada a assessorar a administradora, constituída por três membros, sendo um deles o pai da Autora. [Factualidade incluída na alínea EE) dos Factos Assentes] 2007

2.1.26. Na assembleia de 21.02.2007 foi deliberado eleger como administradores por um período de seis meses, os condóminos (…). [Factualidade incluída na alínea FF) dos Factos Assentes]

2.1.27. O projecto que deu entrada em 30/12/2004 (processo nº 489/04)foi aprovado por despacho do Presidente da Câmara Municipal de 12.07.2007. [Factualidade incluída na alínea BBB) dos Factos Assentes, melhor explicitada no decorrer da instrução]

2.1.28. Na assembleia de 13.09.2007, na qual o pai da Autora esteve presente, participou nos trabalhos e votou, o assunto foi novamente abordado, e “o Sr. (…) comunicou à assembleia os resultados da reunião tida com o Engenheiro (…), responsável pela elaboração do projecto de segurança. Assim, resulta que a Câmara Municipal de Caldas da Rainha considerou que, atenta a idade do Centro Comercial iria facilitar em alguns aspectos a execução do projecto de segurança. Uma das questões é o acesso, permitindo que a acessibilidade se processe pelo beco. Ainda assim mantém-se a necessidade de executar uma rampa de acesso ao elevador. Em relação ao elevador o administrador alertou para a necessidade de proceder à reparação do mesmo. Mais sugeriu que se desse início de imediato a algumas das obras, como por exemplo as casas de banho. Também em relação a esta obra a Câmara Municipal exige apenas que as alterações e adaptações nas casas de banho sejam efectuadas nas casas de banho do 1º andar. Foi presente orçamento para esta obra, no valor de € 22.000,00. O Sr. (…) justificou a necessidade de iniciar as obras urgentemente de modo a evitar o efeito (negativo) surpresa de uma fiscalização da ASAE.

Existe ainda um orçamento relativo às obras do sistema de detecção de incêndios, com um completo sistema de bocas de incêndio (em todos os andares, incluindo sub-loja), tudo num valor que ronda os € 80.000”. [Factualidade incluída na alínea GG) dos Factos Assentes e no quesito 33º da Base Instrutória no que diz respeito ao valor do orçamento]

2.1.29. Na assembleia de 27.09.2007 foi eleita para a administração do condomínio, com o voto a favor do pai da Autora, a empresa “Loja do Condomínio”. [Factualidade incluída na alínea HH) dos Factos Assentes]

2.1.30. Por carta datada de 24.10.2007, a Câmara Municipal de Caldas da Rainha comunicou a (….) (pai da Autora) que, apenas poderia ser concedida a licença de utilização quando for feita prova da aprovação do projecto de segurança do centro comercial e o cumprimento das normas de acessibilidade de pessoas com mobilidade condicionada.[Factualidade incluída na alínea III) dos Factos Assentes]

2.1.31. A “Loja do Condomínio” nunca mostrou interesse na administração do condomínio e nunca agendou reunião com a administração anterior para passagem dos documentos e assuntos pendentes, pelo que se manteve como administrador (….I, contando com a colaboração de (…) a partir de Dezembro de 2007. [Factualidade incluída na alínea II) dos Factos Assentes] 2008

2.1.32. Na assembleia de 24.01.2008, foi eleita, por unanimidade de votos, a nova administração composta por (…)e o pai da Autora. [Factualidade incluída na alínea JJ) dos Factos Assentes]

2.1.33. Naquela assembleia foi decidido que se iria levantar a licença de obras já emitida pela Câmara, e contactar um construtor civil que ficaria responsável pela obra, e contactar um técnico especializado para emitir um parecer sobre quais as obras obrigatórias à luz da legislação em vigor naquele momento. [Factualidade incluída na alínea KK) dos Factos Assentes]

2.1.34. Em 19.02.2008 foi emitido o respectivo Alvará de obra com início em 19.02.2008 e fim em 19.05.2008. [Factualidade incluída na alínea CCC) dos Factos Assentes]

2.1.35. Na assembleia de 05.05.2008 foi aprovado, por unanimidade dos presentes, entre eles o pai da Autora, o orçamento para pintura das paredes exteriores do edifício pelo valor de €35.000,00, acrescido de IVA. [Factualidade incluída na alínea LL) dos Factos Assentes]

2.1.36. Na mesma assembleia foi deliberado, por unanimidade, requerer uma prorrogação do prazo da licença de obras emitida pela Câmara Municipal, bem como solicitar parecer técnico para apresentar junto da Câmara Municipal, invocando a não necessidade de proceder às obras. [Factualidade incluída na alínea MM) dos Factos Assentes]

2.1.37. Em 14.05.2008 foi requerida pelo Réu (….) a prorrogação do prazo de licença de obra, o que foi deferido por 45 dias, terminando em 05.07.2008. [Factualidade incluída na alínea DDD) dos Factos Assentes]

2.1.38. Em 01.08.2008 o Réu (….) requereu a prorrogação do prazo para execução das obras por período não inferior a quatro anos. [Factualidade incluída na alínea EEE) dos Factos Assentes]

2.1.39. Por deliberação de 10.11.2008 da Câmara Municipal foi reconhecido o interesse na conclusão das obras, devendo o requerente solicitar a emissão da respectiva licença para obras inacabadas, por um prazo razoável à sua efectiva conclusão. [Factualidade incluída na alínea FFF) dos Factos Assentes] 2009

2.1.40. Na assembleia de 04.03.2009 a anterior administração foi reconduzida para mais um mandato, por unanimidade dos presentes. [Factualidade incluída na alínea NN) dos Factos Assentes] 2010

2.1.41. A Autora dirigiu, em 25.02.2010, carta à administração do condomínio, requerendo a resolução do problema, solicitando a introdução do assunto na ordem de trabalhos de uma próxima reunião e solicitando a presença do autor do projecto. [Factualidade incluída na alínea JJJ) dos Factos Assentes]

2.1.42. A Autora através do seu mandatário, enviou à administração do condomínio carta em 01.04.2010, 05.07.2010 e 09.08.2010, a reclamar a resolução do problema dentro de determinados prazos e a apresentar os prejuízos que a situação lhe estava a causar. [Factualidade incluída na alínea KKK) dos Factos Assentes]

2.1.43. A Autora formulou novo pedido de concessão de autorização de utilização à Câmara Municipal em 25.03.2010. [Factualidade incluída na alínea LLL) dos Factos Assentes]

2.1.44. Na assembleia que teve lugar no dia 25.03.2010, na qual esteve presente, em representação da Autora, (….), foram os membros sobrevivos da administração (….) o reeleitos. [Factualidade incluída na alínea OO) dos Factos Assentes]

2.1.45. Nessa assembleia (….) informou que a Câmara Municipal não emite alvará para o estabelecimento instalado na fracção da Autora, por falta de implementação do projecto de acessibilidades, tendo este sido informado pela assembleia que havia sido requerido uma parecer a uma entidade técnica em Leiria sobre a possibilidade de aplicação do regime de excepção legal de implementação do projecto de acessibilidades, parecer esse que serviria para pedir a isenção à Câmara Municipal. [Factualidade incluída na alínea PP) dos Factos Assentes]

2.1.46. Naquela mesma assembleia foi ainda decidido que a administração teria poder para negociar eventuais cortes nas despesas a pagar pela Autora. [Factualidade incluída na alínea QQ) dos Factos Assentes]

2.1.47. No âmbito dessa negociação foi proposto pelos administradores, ao representante da Autora uma redução de renda nos seguintes termos:

a) A titular da fracção V, para além da respectiva fracção ocupa dois espaços comuns, pelos quais paga €100,00;

b) Num desses espaços instalou a cozinha do estabelecimento, no outro, que não é contíguo à fracção uma esplanada;

c) No que se refere ao primeiro daqueles espaço, e não estando a titular disponível para desocupar o espaço, nada foi proposto pela administração;

d) Quanto ao segundo foi proposto pela administração que, enquanto o estabelecimento não voltasse a abrir ao público, a titular estaria isenta de metade da supra referida renda, ou seja, deixaria de pagar €50,00;

e) No entanto o condomínio comprometia-se a, logo que a proprietária pretendesse, voltaria a arrendar aquela parcela. [Factualidade incluída na alínea RR) dos Factos Assentes]

2.1.48. A proposta não foi aceite pela Autora que pretendia deixar de pagar a integralidade da renda estipulada para os dois espaços. [Factualidade incluída na alínea SS) dos Factos Assentes]

2.1.49. Na sequência do pedido formulado pela Autora, em 25/03/2010, a Câmara Municipal informou que iria ser efectuada vistoria ao estabelecimento comercial no dia 17.11.2010. [Factualidade incluída na alínea MMM) dos Factos Assentes, melhor explicitado durante a instrução da causa]

2.1.50. A vistoria concluiu que o estabelecimento da Autora está conforme com o projecto aprovado, excepto na ligação do sistema de detecção de incêndio existente na fracção não estar ligada ao sistema do centro comercial, pelo facto deste não existir nem estar instalado no espaço comum do centro comercial. [Factualidade incluída na alínea NNN) dos Factos Assentes]

2.1.51. O estabelecimento da Autora reúne, individualmente, todas as condições para funcionamento. [Factualidade incluída no quesito 12º da Base Instrutória]

2.1.52. Foi emitido parecer técnico pela Divisão de Projectos e Urbanismo, em 29.12.2010, no sentido de indeferimento do pedido de concessão de autorização de utilização. [Factualidade incluída na alínea OOO) dos Factos Assentes] 2011

2.1.53. O que foi comunicado à Autora, com a intenção de indeferimento, em 14.01.2011. [Factualidade incluída na alínea PPP) dos Factos Assentes]

2.1.54. Por despacho do Presidente da Câmara Municipal de 29.03.2011 foi indeferido o pedido de concessão de autorização de utilização do estabelecimento da Autora. [Factualidade incluída na alínea QQQ) dos Factos Assentes]

2.1.55. A Autora não obteve a autorização de utilização da sua fracção porque não foram executadas as obras de adaptação do centro comercial às regras de segurança contra incêndio. [Factualidade incluída no quesito 11º da Base Instrutória]

2.1.56. Na assembleia de 12.04.2011, o representante da Autora voltou a colocar a questão da isenção da renda até que o estabelecimento volte a abrir ao público, tendo a proposta sido rejeitada por unanimidade. [Factualidade incluída na alínea TT) dos Factos Assentes]

2.1.57. Na assembleia que teve lugar no dia 12.04.2011, na qual esteve representada a fracção V, foi decidido, por unanimidade, avançar com a implementação das obras para execução do projecto de detecção de incêndios, e obter mais orçamentos, convocando-se assembleia extraordinária para adjudicação das obras. [Factualidade incluída na alínea UU) dos Factos Assentes]

2.1.58. Na assembleia extraordinária do dia 20.07.2011, esteve presente o representante da Autora, (….), e foi aprovado um orçamento para aplicação de parte do sistema de detecção de incêndios. [Factualidade incluída na alínea VV) dos Factos Assentes]

2.1.59. Nessa assembleia foi decidido adquirir os extintores a diferentes fornecedores, ficando a administração incumbida, por unanimidade, dessa aquisição, até ao limite de € 708,00, o mesmo valendo para a sinaléctica, até ao limite de € 1.800,00. [Factualidade incluída na alínea WW) dos Factos Assentes]

2.1.60. Foi também decidido por unanimidade que a administração ficaria responsável pela adjudicação directa para armaduras, até ao limite de € 6.000,00. [Factualidade incluída na alínea XX) dos Factos Assentes]

2.1.61. Na continuação dessa assembleia, no dia 27.07.2011, foi aprovado o orçamento para colocação de sensores e ligação à central. [Factualidade incluída na alínea YY) dos Factos Assentes]

2.1.62. Na mesma assembleia o administrador (…) comunicou que tinha recebido do representante da Autora, (…), uma carta, em face da qual decidia apresentar a sua demissão, o mesmo tendo feito a administradora (…), alegando falta de confiança dos condóminos nos administradores. [Factualidade incluída na alínea ZZ) dos Factos Assentes]

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2.1.63. As obras de adaptação do centro comercial às necessidades de segurança contra incêndios e de acessibilidades nunca foram iniciadas. [Factualidade incluída na alínea TTT) dos Factos Assentes]

2.1.64. Os Réus tinham consciência da obrigação de realizar as obras. [Factualidade incluída no quesito 14º da Base Instrutória]

2.1.65. Os Réus sabiam que a obtenção da autorização de utilização do estabelecimento da Autora dependia da realização de obras de adaptação e impossibilitam a Autora de arrendar a fracção. [Factualidade incluída nos quesito 15º, 16º e 21º da Base Instrutória]

2.1.66. Alguns lojistas conseguem ter os seus estabelecimentos a funcionar sem as obras. [Factualidade incluída no quesito 8º da Base Instrutória]

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2.1.67. Após a morte do pai a Autora não pretendeu prosseguir pessoalmente com a actividade daquele. [Factualidade incluída no quesito 1º da Base Instrutória]

2.1.68. A Autora pretendia arrendar a fracção, nunca o tendo feito [Factualidade incluída no quesito 2º e 28º da Base Instrutória]

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2.1.69. No 2º piso do prédio (1º andar), para além do estabelecimento da Autora, funcionaram, entre a fundação do centro comercial, em 1986, e Janeiro de 2009, duas salas de cinema, conhecidas como (…), as quais encerraram na sequência da abertura ao público de um outro centro comercial em Caldas da Rainha, em Novembro de 2008, denominado V (...) que têm várias salas de cinema. [Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória]

2.1.70. Após o fecho do cinema algumas lojas do 2º piso fecharam ao público. [Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória]

2.1.71. Com o encerramento dos cinemas o estabelecimento da Autora passou a ter menos clientes. [Factualidade incluída nos quesitos 32º e 35º da Base Instrutória]

2.1.72. Após o fecho do cinema o estabelecimento da Autora passou a estar períodos fechados. [Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória]

2.1.73. O pai da Autora também começou a abrir o estabelecimento cada vez mais tarde.

[Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória]

2.1.74. Há um número não concretamente apurado de fracções encerradas nos dois pisos.

[Factualidade incluída nos quesitos 37º da Base Instrutória]

2.1.75. No final de 2010, o estabelecimento da Autora apenas abria pontualmente. [Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória]

2.1.76. O piso onde se situa o estabelecimento da Autora não constitui uma zona de passagem. [Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória]

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2.1.77. Pelo menos até 2011, a Autora efectuou todos os meses o pagamento das despesas e encargos do condomínio.[Factualidade incluída no quesito 31º da Base Instrutória]

2.1.78. Desde 2007 a até ao ano de 2010 a administração do condomínio debateu-se com graves problemas financeiros herdados da anterior administração, nomeadamente dívidas à Segurança Social, sendo que até ao ano de 2010 o condomínio esteve a cumprir planos de pagamento. [Factualidade incluída no quesito 34º da Base Instrutória]

2.1.79. Muitos condóminos não pagam a mensalidade a que estão adstritos. [Factualidade incluída no que sito 36º da Base Instrutória]

2.1.80. Foram tomadas várias decisões no sentido de reduzir os custos do condomínio, como a extinção do posto de trabalho de uma das responsáveis pela limpeza e um vigilante.

[Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória]

2.1.81. Houve várias tentativas de aumentar a contribuição mensal de cada condómino, a fim de fazer face aos custos, mas sempre sem sucesso, pois os condóminos não retiram rentabilidade dos seus espaços. [Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória]

2.2 Matéria de facto dada como não provada

2.2.1. a Autora só se apercebeu que o estabelecimento não dispunha de licença de utilização ao juntar a documentação para outorgar contrato de arrendamento. [Factualidade incluída no quesito 3º da Base Instrutória]

2.2.2. A Autora trabalhou com o pai no estabelecimento durante muitos anos. [Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória]

2.2.3. A Autora acompanhou as remodelações em 2006. [Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória]

2.2.4. As obras nunca foram iniciadas porque o condomínio não quis. [Factualidade incluída no quesito 6º da Base Instrutória]

2.2.5. A maior parte dos lojistas, entre os quais o Réu (…) prefere funcionar sem cumprimento das regras de segurança e acessibilidade. [Factualidade incluída no quesito 7º da Base Instrutória]

2.2.6. A Autora nunca obteve resposta às cartas referidas em JJJ) e KKK) [2.1.41. e 2.1.42]. [Factualidade incluída no quesito 9º da Base Instrutória]

2.2.7. O Réu (…) guardou as cartas para si, não dando informação da sua existência aos condóminos. [Factualidade incluída no quesito 10º da Base Instrutória]

2.2.8.O Réu (…) assumiu a gestão do projecto de execução das obras de adaptação do centro comercial. [Factualidade incluída no quesito 13º da Base Instrutória]

2.2.9. A pintura do centro comercial foi mais cara do que as obras necessárias para adaptação do centro comercial.[Factualidade incluída no quesito 17º da Base Instrutória]

2.2.10. O Réu (….) não informou o condomínio do processo de obras e seu desenvolvimento. [Factualidade incluída no quesito 18º da Base Instrutória]

2.2.11. O Réu Fernando Borges deixou, intencionalmente caducar o alvará. [Factualidade incluída no quesito 19º da Base Instrutória]

2.2.12. O Réu (….) orientou a gestão do condomínio de acordo com os seus exclusivos interesses e de alguns lojistas. [Factualidade incluída no quesito 20º da Base Instrutória]

2.2.13. Durante vários meses, a Autora foi contactada por diversas pessoas, que manifestaram interesse em tomar o estabelecimento de arrendamento. [Factualidade incluída no quesito 22º da Base Instrutória]

2.2.14. Em 01/02/2010 a Autora celebrou com (….)e sua mulher (….), contrato promessa de arrendamento, com início a 01/05/2010, mediante o qual os mesmos se comprometiam a pagar € 25.000,00 pelo stock e uma renda mensal de €650,00 [Factualidade incluída nos quesitos 23º, 24º, 26º e 27º da Base Instrutória]

2.2.15. Em virtude de não ter celebrado contrato de arrendamento a Autora deixou de auferir €25.000,00 referente ao stock e o valor mensal de €650,00, correspondente às rendas. [Factualidade incluída nos quesitos 29º e 30º da Base Instrutória]

*

Nos termos do art. 635° NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

*

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz:

1.

V – Deve ser modificado o sentido da matéria de facto provada, nomeadamente os pontos 2.2.14 e 2.2.15 que o Tribunal a quo considerou não provados devem ser considerado como provados;

VI – Tudo com análise dos documentos 26 e 27, juntos com a PI, conjugados com o depoimento transcrito da testemunha (…), que, em conjunto, permitem concluir que de facto, em 1 de Fevereiro de 2010, a Autora e a referida testemunha, juntamente com a sua mulher, celebraram contrato promessa de arrendamento do estabelecimento comercial da Autora, pretendendo, efectivamente, fazê-lo, correspondendo à sua vontade real, no qual estes assumiam a obrigação de pagar €25 000 (vinte e cinco mil euros) para iniciar a actividade e €650 (seiscentos e cinquenta euros) de renda mensal. Porque o depoimento da testemunha foi credível e verdadeiro e a sua vontade real correspondia à vontade manifestada no contrato, deve considerar-se provados os referidos factos;

VII – O que também deve ser concatenado com o depoimento da testemunha (…), a qual manifestou interesse em arrendar o estabelecimento comercial, estando disposta a pagar uma renda entre €500 e €600 pelo estabelecimento comercial;

VIII – Da sentença não resultam argumentos credíveis para rejeitar o valor do depoimento das referidas testemunhas;

IX – Pelo que se deve considerar como provado que: Em 01/02/2010 a autora celebrou com (…)e sua mulher (….), contrato promessa de arrendamento, com início a 01/05/2010, mediante o qual os mesmos se comprometiam a pagar €25.000,00 pelo stock e uma renda mensal de €650,00 e que, em virtude de não ter celebrado contrato de arrendamento a Autora deixou de auferir €25.000,00 referente ao stock e valor mensal de €650,00, correspondente às rendas, desde a referida data até hoje;

X – Ou, pelo menos, que, desde a referida data, a Autora deixou de auferir a renda mensal no mínimo de €500;

Em enunciado pressuponente, que sempre se perfila em circunstâncias deste e de idêntico jaez, diga-se - tal como no Proc. nº251.11.2T2AND.C1, Relator Luís Cravo, que subscrevemos como 2º Adjunto - haver de ter sempre presente que o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e.. baseada numa audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (arts. 604°. n° 3 e 607°, n° 5 do N.C.P.Civil).

Contudo, liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, naturalmente que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional - mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e - portanto, capaz de se impor aos outros.

De qualquer forma, não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente: na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição: na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerando em torno da testemunha. o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.

Não obstante o vindo de dizer, perfilhamos o entendimento de que quando há impugnação da matéria de facto e ao tribunal de recurso é solicitada uma decisão à luz do disposto no actual art. 662° do N.C.P.Civil, a “Fundamentação”/”Motivação” do tribunal a quo vai ser o objecto precípuo da atenção do tribunal de recurso, pois que o labor deste se orienta para a detecção de qualquer “erro de julgamento” naquela decisão da matéria de facto, em termos da apreciação e valoração da prova produzida (não podendo obviamente limitar-se à análise da coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto operada pelo tribunal a quo).

Sem embargo, “não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento” (cf. Ac. da Rel. de Coimbra de 17-04-2012. proc. n° 1483/09.9TBTMR.C 1. acessível em www.dgsi.pt/jtrc; no mesmo sentido, veja-se A. ABRANTES GERALDES in “Julgar’, n° 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, páginas 74 a 76 e o Ac. do S.TJ. de 15-09-2010, proferido no proc. n°241/05ATTSNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/stj.)

E assim o é em atenção ao entendimento de que a efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no art. 662° do N.C.P.Civil), impõe que o Tribunal da Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido.

É este, afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de julgamento fixado no art. 607°, n°5 do N.C.P.Civil.

Em qualquer circunstância, é consabido que, por força do estatuído no art. 640° do NCPC, o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto encontra-se adstrito à realização de vários ónus previstos nos nºs 1 e 2 desse preceito, sob pena de imediata rejeição desse recurso.

Ao confrontar estas alegacões recursivas, que corporizam a questão em perfil, desde logo se pode constatar que não se observou, em absoluto, o estatuído nas al.s a) e b) referenciadas, por ausência de especificação dos concretos pontos de facto tidos pelo recorrente como indevida/incorrectamente julgados (cf. Ac. RP de18.02.2004, acessível em www.dgsi.pt/jtrp, com entendimento que persiste como perfeitamente válido no presente quadro normativo); bem como da indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Tal imporia, logo, e sem mais, rejeitar esta impugnação da matéria de facto.

O que a lei impõe, pois, definindo os limites do ónus, é que se indiquem os concretos pontos de facto e que, relativamente a eles, se identifiquem os depoimentos (o concreto meio probatório invocado no caso) que impunham decisão diversa sobre aqueles pontos e pretende ver reapreciados, indicando-os, com referência à gravação constante da acta (Ac. STJ, de 29.11.20 II: Proc. 39/2002.E1.S1.dgsi.Net). O que ficou - na dimensão imprescindível - por acontecer.

Não obstante, e por convencimento, mais se diga que, ainda que tal se não verificasse, tal objecção estaria, igualmente, destinada ao insucesso.

Com efeito, nos próprios termos do art. 662º NCPC invocados, o poder de anulação, neste segmento, por parte da Relação só pode ser exercido quando este Tribunal considere "deficiente, obscura ou contraditória" a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto". O que, in casu, de todo, a pretexto das razões fulcrais pré definidas, não acontece (cf. Ac. STJ, de 20.09.2005, in www.dgsi.pt. igualmente neste circunstancialismo com alcance válido) (Ac. RC. N°1139.10.0TBPMS.C1, Relator Luís Cravo).

 

Tornando-se evidente que a recorrente não concorda com o sentido decisório, no final extraído, mas sem que exista ou, assim, se origine, vício ou erro de raciocínio no desenvolvimento daquele específico silogismo, no que à matéria de facto respeita. Ou seja, o tribunal a quo disse o que na realidade queria dizer, e o que disse expressou-o de forma clara, em termos perfeitamente coerentes e inequívocos, pelo que se terá de concluir a esse propósito, não ocorrer, igualmente, a este propósito - qualquer construção viciosa na decisão recorrida, não enfermando, assim, a mesma deste tipo de nulidade que lhe é apontada (cf. Ac. RC. nº1464.11.2TBVNO.C1, Relatora Maria José Guerra).

(…)

O que - na reconstituição da prova produzida -, e que, por aferição de outiva, dos depoimentos aludidos, sai plenamente validado. O que leva a considerar, na dinâmica da relação intra-processual assente, não se vislumbrar, em tais termos, alternativa conceitual ou de registo prático observado, em termos de radiografia circunstancial do evento convertido em problema judiciário, capaz de derrogar a consagração eleita (em termos estritamente factuais), como decorrente da prova produzida, plasmada em probatório.

O que significa, nesta conformação, declaradamente, não existir  qualquer tipo de contradição entre o elemento narrativo/descritivo dos pontos que vêm referenciados. Assinalando-se, de resto, como perceptível a isenção, preocupação, rigor e o conhecimento directo dos factos pelas testemunhas referenciadas em fundamentação, na revelação chancelada em motivação/fundamentação.

Do mesmo modo, porque se não pode perder de vista a consideração de que “a prova de um facto assenta, em processo civil, num juízo de preponderância em que esse facto provado se apresente, fundamentalmente, como mais provável ter acontecido do que não ter acontecido como no caso vertente se evidencia (neste sentido, Ac. RC, de 06.03.2012, disponível em www.dgsi.pt; também Ac. RC. 25.02.2014 (Relatora Maria José Guerra), no Processo com o Nº 1712.12.1YIPRT.C1).

Consequentemente, alinhados e aferidos os elementos de prova com interesse para o esclarecimento do caso -, na relação intra-diegética dos Autos e no binómio verdade material/verdade real intra-processual, impõe-se, a tal pretexto, validar a decisão relativamente às respostas dadas, constantes dos pontos em causa.

Verificando-se, assim, que o tribunal apreciou livremente as provas e respondeu segundo a convicção que formou acerca de cada facto, tudo em harmonia com o disposto no art. 655° do Cód. Proc. Civil (607º NCPC). Isto porque o regime de prova é dominado pelo princípio da prova livre - o tribunal aferir livremente as provas; em qualquer circunstância, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Deste modo, pois que o julgador não é arbitrário na apreciação das provas pericial e testemunhal, mas é, legalmente até, livre, na apreciação desses meios probatórios.

A decisão mostra-se, do mesmo modo, conforme ao dictat do que se consigna no art. 659°, do CPC, maxime, no seu n°3 (607º NCPC), pois na fundamentação da sentença, imperativamente, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. O que, igualmente, considerações feitas, se mostra observado.

Demais, o ónus da prova (art. 342° Código Civil) traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta.

O que atribui resposta negativa às questões em 1.

*

2.

XI – Também a matéria de direito se encontra indevidamente julgada;

XII – Desde logo, no que concerne à imputação do facto ilícito por omissão;

XIII – Na medida em que, o facto deve ser considerado ilícito em relação a ambos os Réus, a ilicitude traduziu-se no incumprimento das regras legais determinadas para a segurança, incêndios e bem assim como da acessibilidade, sendo que, nos termos do art.º 6.º n.º 3 e n.º 4 c) do Decreto-Lei 220/2008, de 12 de Novembro, a responsabilidade da implantação nas partes comuns do referido sistema, é da competência do administrador do condomínio, enquanto gestor das mesmas;

3

XIV – Sendo também competência do administrador do condomínio, nos termos do art.º 1436.º al. l) do Código Civil, assegurar a execução e cumprimento das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio;

XV – Obrigações legais que o administrador do condomínio, José Borges, ora Réu, não cumpriu, respondendo pelo não cumprimento das regras legais, sendo ilícita também em relação a si a omissão desse cumprimento;

O problema vem colocado, assim, em sede de questionar se o administrador pode ser responsável perante os condóminos pela sua actuação. Aplicando-se, nesta matéria, os princípios gerais da responsabilidade civil (arts. 483.°, 562.° e 563.º do Cód. Civil). Deste modo a significar - e sempre no horizonte legal do que se consagra, em particular, também, nos art.s 1436º (Funções do Administrador) e 1437º (Legitimidade do Administrador) do Código Civil - que o administrador responde quando exceder os limites das suas atribuições, quando usa maI os poderes-deveres conferidos pela lei, ou quando não realiza aquilo que a lei ou regulamento impõem. Pouco importa que os danos tenham sido causados pelo administrador directamente ou por terceiros encarregados por ele de efectuarem certas tarefas, quer provenham de actos positivos quer de omissões.

Quanto a saber se o administrador é responsável se não realiza as reparações extraordinárias urgentes, haverá de referir que estas reparações excedem a administração ordinária e, por isso, não entram na competência normal do administrador. É certo que o administrador tem o poder de intervir quando há uma reparação urgente e indispensável, mas não tem a obrigação. Tal significa que, se tal reparação não é ordinária, a actuação correcta é levar a sua matéria à primeira assembleia ou, se houver necessidade, convocar extraordinariamente a assembleia.

A sua obrigação é avisar e expor a necessidade urgente da reparação. Só no caso de ver e não avisar, haverá má administração, tornando-se, portanto, culpado (Cf. Rodrigues Pardal Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, Código Civil e Legislação Complementar, 6ª Edição Revista e Actualizada, 1993, pp. 301-302 e 305-306).

Com tal tessitura de apreciação pressuponente, leve-se em consideração que, em termos de «2.4. Fundamentação de Direito», a diegese decisória tem o seguinte esquisso:

«A Autora fundamenta a sua pretensão na responsabilidade civil por factos ilícitos (artigos 136 e ss da petição inicial)

Assim, em primeiro lugar, há que averiguar se da parte dos Réus, existiu alguma actuação susceptível de preencher os pressupostos da responsabilidade civil, genericamente enunciados no artigo 483º nº1 do Código Civil.

De acordo com o referido preceito legal e adoptando-se a sistematização avançada por Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, I, 5ª edição, Almedina, 1986, 478), para existir a responsabilidade civil, necessária se torna a presença de um facto, da ilicitude, da imputação do facto ao lesante, a existência de danos e de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Assim e quanto ao primeiro elemento para a concretização da responsabilidade civil exige-se, como se disse, a existência de um facto: - facto voluntário do agente, acção ou omissão objectivamente dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana, idóneo a produzir um resultado segundo um juízo de prognose póstuma.

Basta então a possibilidade de controlar o acto ou omissão, apenas se devendo excluir do conceito de facto voluntário, ou acto, as causas de força maior ou a actuação irresistível de circunstâncias fortuitas, que a vontade do ser humano não pode controlar. Só é isso é discutido nessa vertente.

No caso dos autos resulta da matéria provada, além do mais, que:

- O estabelecimento não dispunha, nem dispõe de licença de utilização. [2.1.6.]

- O estabelecimento da Autora reúne, individualmente, todas as condições para funcionamento; [2.1.51.]

- A Autora não obteve a autorização de utilização da sua fracção porque não foram executadas as obras de adaptação do centro comercial às regras de segurança contra incêndio; [2.1.55.]

- As obras de adaptação do centro comercial às necessidades de segurança contra incêndios e de acessibilidades nunca foram iniciadas; [2.1.63.]

- Os Réus tinham consciência da obrigação de realizar as obras. [2.1.64.]Factualidade incluída no quesito 14º da Base Instrutória]

- Os Réus sabiam que a obtenção da autorização de utilização do estabelecimento da Autora dependia da realização de obras de adaptação e impossibilitam a Autora de arrendar a fracção. [2.1.65.]

Ao não realizar as obras em causa o condomínio está a impedir a Autora de obter a licença de utilização da sua fracção, existe assim uma omissão do Réu condomínio, mas não por parte do Réu (…), que como administrador é apenas o órgão executivo do condomínio. Ou seja, o administrador não pode, por si só, executar obras nas partes comuns do condomínio se para tal não for mandatado pela assembleia uma vez que tal constituiu um acto de administração que extravasa o âmbito das funções que a lei lhe atribui. Conclusão que se retira da interpretação conjunta dos artigos 1436º e 1437º do Código Civil.

Em relação ao segundo elemento - a ilicitude - há que atender aos preceitos legais que obrigam à existência de licença de utilização para o tipo de estabelecimento em causa e aos pressupostos para atribuição de tal licença.

Quanto à obrigatoriedade de licença de utilização, quer para funcionamento do estabelecimento, quer para cedência por arrendamento, a sua obrigatoriedade decorre do artigo 1070º do Código Civil e do artigo 10º do Dec. Lei nº 234/2007 de 19 de Junho (que estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a instalação e a modificação de estabelecimentos de restauração ou de bebidas).

Por sua vez o tipo de edifício que constitui o centro comercial em causa está obrigado ao cumprimento de normas de segurança contra incêndios nos termos dos artigos 3º nºs 1 e 5, 8º nº1 alínea h) e 22º do Dec. Lei nº 220/2008, de 12 de Novembro, cuja fiscalização compete à Autoridade Nacional de Protecção civil, entidade cuja parecer é obrigatório e vinculativo para que a referida licença possa ser emitida pela Câmara Municipal (cfr. artº 7º do Dec. Lei nº 234/2007 de 19 de Junho).

Ora, não tendo sido emitida a licença de utilização em virtude do parecer negativo de tal entidade, por não terem sido realizadas as necessárias obras de adaptação [Vide 2.1.5. a 2.1.55 e ofícios de fls.102 e 103], dúvidas não restam que o Réu condomínio está a cometer um acto ilícito por omissão.

Quanto à imputação do facto ao lesante (aos Réus), era necessário que estes tivessem procedido com culpa - que fosse possível fazer um juízo de censura, de reprovação, sobre o(s) agente(s) em concreto : neste aspecto, o que resulta da factualidade provada, nomeadamente no decidido nas diversas assembleias [2.1.8 a 2.1.11., 2.1.15. a 2.1.22.,2.1.24., 2.1.28.,2.1.33 a 2.1.39. e 2.1.57, a 2.1.60] é que o condomínio tem deliberado no sentido de dar cumprimento às normas legais, tendo feito algumas diligências no sentido de dar início às obras em causa, por outro lado debate-se com graves problemas financeiros [2.1.78. a 2.1.81.] o que permite concluir pela inexistência de um juízo de censura relativamente à sua actuação.

Face à não imputação do facto ao lesante, desnecessário se torna falar sobre os danos; de qualquer modo sempre se dirá que sendo certo que a Autora se encontra impedida de outorgar um contrato de arrendamento por falta de licença de utilização, a verdade é que não logrou provar os prejuízos que peticiona, como resulta da factualidade dada como não provada sob os pontos 2.2.13., 2.2.14. e 2.2.15.

Face ao exposto e sem necessidade mais considerações, concluímos que a pretensão da Autora terá que improceder.

Quanto ao abuso de direito fica prejudicado o seu conhecimento face à improcedência total dos pedidos deduzidos pela Autora».

Inferências que - provados os factos em referência - se sufragam a pretexto de, incontornavelmente, a indemnização por facto ilícito pressupor a verificação simultânea dos seguintes requisitos: facto voluntário do agente; ilicitude do facto; nexo de imputação do facto ao agente; existência de dano e nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano sofrido. Verificando-se essa causalidade se o agente (entenda-se, na circunstância, o condomínio) não providencia pelas medidas destinadas a acautelar os prováveis danos, apesar de devidamente avisado para o efeito e de estar obrigado a tomar essas medidas (Ac. RP, 5-12-1994: BMJ, 442º-262).

Assim, constituindo, efectivamente, pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos arts. 483.º e 487.º, n.º 2, do Cód. Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada, muito embora, como regra em abstracto, segundo a diligência de um «bom pai de família». A causa juridicamente relevante de um dano é - de acordo com a doutrina da causalidade adequada adoptada pelo art. 563.º do Cód. Civil- aquela que, em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante. Sendo que, não obstante, a investigação de um nexo de causalidade adequada entre a conduta e o dano serve para excluir da responsabilidade decorrente de certo facto as consequências que não sejam típicas ou normais. (Ac. STJ, 10-3-1998: BMJ, 475.º-635).

Se é certo que a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando a correcta comprovação da falta de diligência, a verdade é que, em função do referencial efectuado, em perfil de permanência, agir com culpa significa, em princípio, actuar em termos de a conduta do devedor ser pessoalmente censurável ou reprovável. O juízo de censura baseia-se no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado devia e podia ter agido de outro modo (Ac. STJ. 11-5-1999: BMJ. 487.°-282).

Sendo que, no caso, o administrador de condomínio, como consagrado, nunca poderia ser responsabilizado pela não realização de obras, para o efeito claramente urgentes, mas em referencial classificatório, manifestamente extraordinárias (cf. Ac. RL.,20.02.2001:CJ, 2001, 1º-123). Mais ainda quando dependentes de proacção actuante do condomínio, depois de ordenar o seu empreendimento, tornasse real a sua efectivação, de modo a que tornassem compatível a estrutura do Centro Comercial com os normativos de regulamentação. Dos quais se mostrava dependente, em termos administrativos, a emissão da indispensável licença de utilização, para o efeito, designadamente, de consumação do aludido arrendamento.

Nesta vertente se confirmando - sempre em função da matéria de facto adequadamente tida por provada, maxime, do decidido em plúrimas assembleias [2.1.8 a 2.1.11., 2.1.15. a 2.1.22.,2.1.24., 2.1.28.,2.1.33 a 2.1.39. e 2.1.57, a 2.1.60] -, que o condomínio, se deliberou no sentido de dar cumprimento às normas legais, tendo feito algumas diligências para dar início às obras em causa, por outro lado evidencia limitações financeiras [2.1.78. a 2.1.81.] que tal inviabilizaram.

Em todo o caso, sem eximir de responsabilidade o próprio condomínio! A circunstancial incapacidade económica revelada, para o efeito, não pode conduzir a qualquer neutralização de culpa circunstancial (por banda exclusiva do condomínio). O que não permite concluir pela inexistência de um juízo de censura relativamente à sua actuação.

Esta sendo a resposta às questões em 2 e 3.

4.

XVI – Também a decisão de que o facto ilícito não pode ser imputado aos Réus está incorrecta, a actuação destes é, de facto, culposa, na medida em que lhes é censurável o não cumprimento dessas regras;

XVII – A Autora logrou provar que ambos os Réus tinham conhecimento da obrigação de cumprimento das referidas normas, que estavam em condições de o fazer, tendo deliberado a sua adjudicação e execução, mas nunca procedendo à mesma;

XVIII – O que significa que actuaram de forma ilícita quando podiam e deviam ter actuado em conformidade com a lei, ou seja, que o facto lhes é imputável, e a sua actuação culposa;

XIX – Não existindo factos que permitam aferir que os Réus se encontravam numa situação de impossibilidade de incumprimento das referidas disposições legais, mormente por dificuldades económicas;

XX – Pelo que, a conclusão deve ser no sentido da culpa de ambos os Réus, pela actuação ilícita de não cumprimento das regras, relativas à segurança, incêndios e acessibilidade no referido condomínio, que está na origem da impossibilidade de obtenção da licença de utilização para o estabelecimento da Autora, o que impede a rentabilização deste, por arrendamento;

A resposta foi já atribuída - neste específico segmento - em 1ª Instância, com o seguinte dizer que se convoca:

«Por sua vez o tipo de edifício que constitui o centro comercial em causa está obrigado ao cumprimento de normas de segurança contra incêndios nos termos dos artigos 3º nºs 1 e 5, 8º nº1 alínea h) e 22º do Dec. Lei nº 220/2008, de 12 de Novembro, cuja fiscalização compete à Autoridade Nacional de Protecção civil, entidade cuja parecer é obrigatório e vinculativo para que a referida licença possa ser emitida pela Câmara Municipal (cfr. artº 7º do Dec. Lei nº 234/2007 de 19 de Junho).

Ora não tendo sido emitida a licença de utilização em virtude do parecer negativo de tal entidade, por não terem sido realizadas as necessárias obras de adaptação [Vide 2.1.5. a 2.1.55 e ofícios de fls.102 e 103], dúvidas não restam que o Réu condomínio está a cometer um acto ilícito por omissão».

Não se ignora - em termos de macro estrutura - que os constrangimentos sistémicos decorrentes de uma crise económica assaz violenta condicionam, também, e em particular, o tecido empresarial, mais acentuada, ainda para os pequenos comerciantes, empresários e investidores, acarretando limitações financeiras e de tesouraria para tais operadores, verdadeiramente em sotoposição no perfil particular não muito distante da “pequena produção mercantil simples”. E tal, como facto notório, não se pode ignorar. Em todo o caso, não exime de responsabilidade, nem neutraliza ou afasta a culpa, perante a emergência objectiva dos factos.

Ou seja, não pode relevar com o alcance pretendido, o acervo de factos com existência jurídica, pois que provados, na dimensão que vem configurada. A saber,

2.1.78. Desde 2007 a até ao ano de 2010 a administração do condomínio debateu-se com graves problemas financeiros herdados da anterior administração, nomeadamente dívidas à Segurança Social, sendo que até ao ano de 2010 o condomínio esteve a cumprir planos de pagamento. [Factualidade incluída no quesito 34º da Base Instrutória]

2.1.79. Muitos condóminos não pagam a mensalidade a que estão adstritos. [Factualidade incluída no que sito 36º da Base Instrutória]

2.1.80. Foram tomadas várias decisões no sentido de reduzir os custos do condomínio, como a extinção do posto de trabalho de uma das responsáveis pela limpeza e um vigilante. [Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória]

2.1.81. Houve várias tentativas de aumentar a contribuição mensal de cada condómino, a fim de fazer face aos custos, mas sempre sem sucesso, pois os condóminos não retiram rentabilidade dos seus espaços. [Factualidade incluída no quesito 37º da Base Instrutória].

A conclusão vai, pois, no sentido da culpa tão só do Réu Condomínio, pela actuação consabidamente “ilícita de não cumprimento das regras, relativas à segurança, incêndios e acessibilidade no referido condomínio, que está na origem da impossibilidade de obtenção da licença de utilização para o estabelecimento da Autora, o que impede a rentabilização deste, por arrendamento”.

O que - por decorrência analítica - se mostra igualmente compatível com a circunstância de as decisões judiciais deverem ser fundamentadas mediante a discriminação dos factos que o julgador considere provados com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, nos termos do disposto no art. 659.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil (607º NCPC) (Ac. STJ, de 4.10.1995: BMJ, 450.º-492).

Com efeito, a interpretação de uma sentença (ou acórdão), como acto jurídico que é, deve obedecer, por força do disposto no art. 295.° do CC, aos critérios de interpretação dos negócios jurídicos. Significa isto que a sentença deve ser interpretada, de acordo com o que dispõe o n.º 1 do art. 236.° do mesmo código, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto. A correcta interpretação da parte decisória duma sentença exige a análise dos seus antecedentes lógicos, que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência. Exige, pois, que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, factores básicos da sua estrutura (Ac. STJ, de 5.12.2002, Rev. n.º 3349/02-2.ª: Sumários, 12/2002; Ac. STJ, de 18.9.2003: Proc. 03B1993/ITIJ/Net).

Assim a significar que o n.º 3 do art. 659.° do Cód. Proc. Civil (607º NCPC), que se enquadra em normativo relativo à estrutura intrínseca e extrínseca das sentenças, acórdãos e de alguns despachos, ao reportar-se à análise crítica das provas, reconduz-se à obrigação de naquelas peças processuais se deverem considerar os factos provados por acordo, confissão das partes e documentos com o relevo de prova plena e referenciação das respectivas normas de direito probatório material e adjectivo (Ac. STJ, de 20.11.2003: Proc. 03B3725/ITIJ/Net). O que, por mera observação directa, em decisório resulta explícito, embora não, em absoluto, adequado - como se restringiu, em termos de subsunção legal - e, por isso, inteiramente convincente.

Esta sendo, também, a resposta (restritiva afirmativa)  às questões em 4.

5.

XXI – Deve concluir-se, então, que estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, descritos no art.º 483º, a. verificando-se uma actuação ilícita, por parte de ambos os Réus, assente no incumprimento das disposições legais;

b. assente numa actuação culposa dos Réus;

c. causadora do dano, proveniente do não arrendamento do espaço comercial propriedade da Autora;

d. Dano que provém da ilicitude do comportamento dos Réus (nexo de causalidade);

XXII – Devendo ambos os Réus serem condenados solidariamente pelos danos causados à Autora, nos termos peticionados.

Fixada a questão da responsabilidade (imputável ao R. Condomínio), em função do que vem de se apreciar, remanesce a questão dos danos peticionados pela Autora. O mesmo determinando, como inexorável, convocar a factualidade em apreço inicial (considerada não provada).

«2.2.13. Durante vários meses, a Autora foi contactada por diversas pessoas, que manifestaram interesse em tomar o estabelecimento de arrendamento. [Factualidade incluída no quesito 22º da Base Instrutória]

2.2.14. Em 01/02/2010 a Autora celebrou com (…) ontrato promessa de arrendamento, com início a 01/05/2010, mediante o qual os mesmos se comprometiam a pagar € 25.000,00 pelo stock e uma renda mensal de €650,00 [Factualidade incluída nos quesitos 23º, 24º, 26º e 27º da Base Instrutória]

2.2.15. Em virtude de não ter celebrado contrato de arrendamento a Autora deixou de auferir €25.000,00 referente ao stock e o valor mensal de €650,00, correspondente às rendas. [Factualidade incluída nos quesitos 29º e 30º da Base Instrutória]»;

validada já com a fundamentação em resposta às questões em 1, no que a estes factos (2.2.13; 2.2.14; 2.2.15.) respeita.

Não obstante, em decorrência do que, agora, se aprecia, dúvidas não restam que, para lá de tal realidade, a posição omissiva assumida pelo condomínio, ao não empreender as obras necessárias que possibilitem a obtenção da indispensável licença de utilização que permita, designadamente à Autora, arrendar o seu espaço (virtualidade que lhe é intrínseca, uma vez que, a loja, em si, revela essa compatibilidade, assente que ficou que “o estabelecimento da Autora reúne, individualmente, todas as condições para funcionamento; [2.1.51.]”; “a Autora não obteve a autorização de utilização da sua fracção porque não foram executadas as obras de adaptação do centro comercial às regras de segurança contra incêndio; [2.1.55.]”, ainda que, porventura, em condições menos vantajosas, a verdade é que se não encontra despojada de tal aptidão.

O que se passa é que, enquanto não forem executadas as obras de adaptação do centro comercial às regras de segurança referidas e normativamente impostas, tal se não pode concretizar. O que acontece, tal como sai provado, de manifesta omissão do condomínio quanto à sua efectivação. O que, sendo compreensível, não afasta, nem neutraliza, a culpa (do Condomínio). Logo com a obrigação decorrente de indemnização para com a Autora quanto aos danos, recte, outros danos, para além dos impetrados, mas que não lograram comprovação (patrimoniais e não patrimoniais), daí necessariamente decorrentes, e que, assim se perfilam (em regime de permanência) enquanto a situação (derivada da omissão do condomínio) não for resolvida, tal como já determinado em diversas reuniões de condomínio, mas inconclusivas, em termos de concretização.

Acontece, no entanto, que em termos de sistemática processual, esses não foram peticionados. Logo, relativamente a eles, quod non est in actis, non est in mundo. Daí que - caprichosamente -, não possa ser alterada a decisão proferida quanto aos danos concretos emergentes (que se não provaram), nem outros que, não obstante a sua constatação, até em termos de factos notórios, que não foram equacionados nem peticionados (cf. fls 25 dos Autos, onde, de resto onde o pedido só é formulado contra o “Réu Administração do Condomínio”!...) (sendo que por pedido - art. 581º NCPC - se entende unicamente a pretensão formulada na conclusão da petição inicial, independentemente de quaisquer factos constantes da parte narrativa deste articulado – Ac. RL, de 20.1.1994:BMJ, 433º, 607º). Por isso mesmo, nem sequer susceptíveis de virem a ser relegados para eventual execução de sentença (art. 16º NCPC).

Esta sendo a resposta/afirmativa restritiva às questões em 5.

Podendo, desta forma, concluir, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.

Quando há impugnação da matéria de facto e ao tribunal de recurso é solicitada uma decisão à luz do disposto no actual art. 662° do N.C.P.Civil, a “Fundamentação”/”Motivação” do tribunal a quo vai ser o objecto precípuo da atenção do tribunal de recurso, pois que o labor deste se orienta para a detecção de qualquer “erro de julgamento” naquela decisão da matéria de facto, em termos da apreciação e valoração da prova produzida (não podendo obviamente limitar-se à análise da coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto operada pelo tribunal a quo). Sem embargo, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento. O que, circunstancialmente - e nos termos expressos quanto à matéria de facto-, não acontece.

2.

O ónus da prova (art. 342° Código Civil) traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta.

3.

Assim a significar que o n.º 3 do art. 659.° do Cód. Proc. Civil (607º NCPC), que se enquadra em normativo relativo à estrutura intrínseca e extrínseca das sentenças, acórdãos e de alguns despachos, ao reportar-se à análise crítica das provas, reconduz-se à obrigação de naquelas peças processuais se deverem considerar os factos provados por acordo, confissão das partes e documentos com o relevo de prova plena e referenciação das respectivas normas de direito probatório material e adjectivo.

4.

Questionado se o administrador pode ser responsável perante os condóminos pela sua actuação,  aplicam-se, nesta matéria, os princípios gerais da responsabilidade civil (arts. 483.°, 562.° e 563.º do Cód. Civil). Deste modo a significar - e sempre no horizonte legal do que se consagra, em particular, também, nos art.s 1436º (Funções do Administrador) e 1437º (Legitimidade do Administrador) do Código Civil - que o administrador responde quando exceder os limites das suas atribuições, quando usa maI os poderes-deveres conferidos pela lei, ou quando não realiza aquilo que a lei ou regulamento impõem. Pouco importa que os danos tenham sido causados pelo administrador directamente ou por terceiros encarregados por ele de efectuarem certas tarefas, quer provenham de actos positivos quer de omissões.

5.

Quanto a saber se o administrador é responsável se não realiza as reparações extraordinárias urgentes, haverá de referir que estas reparações excedem a administração ordinária e, por isso, não entram na competência normal do administrador. É certo que o administrador tem o poder de intervir quando há uma reparação urgente e indispensável, mas não tem a obrigação. Tal significa que, se tal reparação não é ordinária, a actuação correcta é levar a sua matéria à primeira assembleia ou, se houver necessidade, convocar extraordinariamente a assembleia. A sua obrigação é avisar e expor a necessidade urgente da reparação. Só no caso de ver e não avisar, haverá má administração, tornando-se, portanto, culpado.

6.

Ao não realizar as obras em causa o condomínio está a impedir a Autora de obter a licença de utilização da sua fracção, existe assim uma omissão do Réu condomínio, mas não por parte do Réu, que como administrador é apenas o órgão executivo do condomínio. Ou seja, o administrador não pode, por si só, executar obras nas partes comuns do condomínio se para tal não for mandatado pela assembleia uma vez que tal constituiu um acto de administração que extravasa o âmbito das funções que a lei lhe atribui. Conclusão que se retira da interpretação conjunta dos artigos 1436º e 1437º do Código Civil.

7.

Assim, constituindo, efectivamente, pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos arts. 483.º e 487.º, n.º 2, do Cód. Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada, muito embora, como regra em abstracto, segundo a diligência de um «bom pai de família». A causa juridicamente relevante de um dano é - de acordo com a doutrina da causalidade adequada adoptada pelo art. 563.º do Cód. Civil - aquela que, em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante. Sendo que, não obstante, a investigação de um nexo de causalidade adequada entre a conduta e o dano serve para excluir da responsabilidade decorrente de certo facto as consequências que não sejam típicas ou normais.

8.

Se é certo que a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando a correcta comprovação da falta de diligência, a verdade é que, em função do referencial efectuado, em perfil de permanência, agir com culpa significa, em princípio, actuar em termos de a conduta do devedor ser pessoalmente censurável ou reprovável. O juízo de censura baseia-se no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado devia e podia ter agido de outro modo

9.

No caso, o administrador de condomínio, como consagrado, nunca poderia ser responsabilizado pela não realização de obras, para o efeito claramente urgentes, mas em referencial classificatório, manifestamente extraordinárias.  Mais ainda quando dependentes de proacção actuante do condomínio, depois de ordenar o seu empreendimento, tornasse real a sua efectivação, de modo a que tornassem compatível a estrutura do Centro Comercial com os normativos de regulamentação. Dos quais se mostrava dependente, em termos administrativos, a emissão da indispensável licença de utilização, para o efeito, designadamente, de consumação do aludido arrendamento.

10.

O n.º 3 do art. 659.° do Cód. Proc. Civil (607º NCPC), que se enquadra em normativo relativo à estrutura intrínseca e extrínseca das sentenças, acórdãos e de alguns despachos, ao reportar-se à análise crítica das provas, reconduz-se à obrigação de naquelas peças processuais se deverem considerar os factos provados por acordo, confissão das partes e documentos com o relevo de prova plena e referenciação das respectivas normas de direito probatório material e adjectivo. O que, por mera observação directa, em decisório resulta explícito, embora não, em absoluto, adequado, como se restringiu, em termos de subsunção legal. Fazendo ressumar que, por pedido - art. 581º NCPC - entende-se unicamente a pretensão formulada na conclusão da petição inicial, independentemente de quaisquer factos constantes da parte narrativa deste articulado.

***

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, por isso com diversa fundamentação, nega-se provimento ao recurso interposto.

Custas pela Recorrente.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Anabela Luna de Carvalho