Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
727/10.9TTVFR.1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: INCAPACIDADE
DETERMINAÇÃO DO VALOR
BONIFICAÇÃO
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 72º, Nº 1 E 75º, Nº 1 DA NLAT (LEI Nº 98/2009, DE 04/09); TNI, APROVADA PELO DEC. LEI Nº 352/07, DE 23/10.
Sumário: I – Determina a instrução geral 5ª/a da TNI, aprovada pelo Dec. Lei nº 352/07, de 23/10, que na determinação do valor da incapacidade os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula IG + (IGx0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.

II – Esta instrução, ao contrário do que estipulava a sua congénere da TNI aprovada pelo Dec. Lei nº 341/93, de 30/09, para além de outras alterações, veio expressamente consagrar que o factor de bonificação 1.5 apenas pode ser aplicado uma vez quando o sinistrado não tiver beneficiado da aplicação desse factor.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado A..., empregado de balcão, residente em ... Ovar e entidade responsável COMPANHIA DE SEGUROS B..., S.A., com sede em ..., Lisboa, veio esta requer exame médico de revisão às lesões que para aquele resultaram do acidente de trabalho ocorrido em 29 de Março de 2010.


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Sujeito a exame médico por perito singular e não tendo sido requerida junta médica foi proferida decisão que fixou ao sinistrado o coeficiente de desvalorização de 37,5% com efeitos a partir de 20/06/2012 e decidiu atribuir-lhe uma pensão anual e vitalícia no valor de € 2.771,87 anuais desde 30.05.2012, sendo porém paga a quantia € 1.195,97 até a diferença anual (€ 1.575,90) esgotar o valor do capital de remição (que acontecerá em 10 anos e quase seis meses) a pagar conforme artº 72º, nº 1 da NLAT e sem prejuízo das actualizações legais.

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II – Inconformada veio a seguradora apelar alegando e concluindo:

[...]


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Na resposta o Magistrado do MºPº em 1ª instância entende ser de confirmar a decisão recorrida.

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III – Com interesse para a decisão há a reter a seguinte factualidade:

1. O autor, que nasceu em 16.02.1948, foi vítima de acidente de trabalho no dia 29 de Março de 2010.

2. Submetido a exame médico por perito singular foi este do parecer ser o sinistrado portador das lesões descritas no respectivo auto, o que lhe acarreta, com a aplicação de factor de bonificação 1.5, uma IPP de 21,255%.

3. Na tentativa de conciliação a seguradora não aceitou o resultado do exame.

4. Contudo não requereu a realização de junta médica pelo que foi proferida sentença que, após rectificação dos cálculos efectuados naquele exame decidiu, com ponderação do factor 1.5, fixar a IPPP em 21,32%, e condenou a seguradora a pagar ao sinistrado o capital de remição de uma pensão anual no valor de € 1.575,90, desde o doa imediato ao da alta – 15.10.10.

5. Em 11de Março de 2011, o sinistrado recebeu o capital de remição no valor de € 16.512,28

6. Entretanto o sinistrado foi submetido a tratamento cirúrgico: artroplastia total em coxartrose ou revisão hemiartroplastia.

7. Em 20 de Junho de 2012 invocando um agravamento na capacidade geral do sinistrado, a seguradora veio requerer que o sinistrado fosse submetido a exame de revisão.

8. Neste exame o perito singular foi do parecer que o sinistrado é portador da lesão descrita no ponto 10.2 4b) da TNI [anca esqueleto - sequelas osteoarticulares -, perda de segmentos - ressecção ou amputação -, com artoplastia], tendo-lhe fixado, com aplicação do factor de bonificação1.5, uma IPP de 37,5%.

8. Não tendo sido requerida junta médica foi proferida a decisão impugnada na qual se lê, na parte que interessa à decisão do recurso, o seguinte: “a revisão da capacidade de ganho tem por fundamento a modificação da capacidade de ganho do sinistrado, que pode ter por base um agravamento (exacerbação de da lesão ou enfermidade), recidiva (reaparição da enfermidade após ter sido debelada uma primeira vez), recaída (recomeço dos sintomas antes de atingir um estado de saúde completo), melhoria (que vai desde a diminuição do grau de gravidade das lesões até ao estado de saúde completo), ou de necessidade posterior de tratamentos/intervenção médica2.

Quer no exame médico singular realizado quer nos serviços clínicos da seguradora é agora, depois de o sinistrado ter sido submetido a cirurgia (artroplastia), atribuída IPP de 25%.

Sucede que no primeiro foi aplicado o factor de bonificação 1,5.

Assim, a questão está em saber se é de aplicar o factor de bonificação 1,5 como foi feito no exame médico singular.

Argumenta a seguradora que, tendo no âmbito do presente acidente sido aplicado já o factor de bonificação, «não pode agora o sinistrado ser duplamente favorecido com essa prerrogativa» (fls. 41).

Vejamos.

A al. a) do nº 5 das instruções gerais da TNI estabelece que os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.

Em 04.02.2011 foi nestes autos proferida sentença considerando que o sinistrado apresentava IPP de 21,32% [0,1421 + (0,1421 x 0,5)].

Estavam em causa sequelas enquadradas da seguinte forma na TNI, todas no Cap. I (aparelho locomotor):

ponto 11.1.1 b) hipotrofia da coxa, diferença superior a 2 cm

ponto 10.1.1 anca, partes moles, hipotrofia dos glúteos (nadegueiros)

ponto 10.2.2.1 d) anca, esqueleto (sequelas osteoarticulares), limitação (rigidez) da mobilidade da articulação coxo-femural, na flexão, mobilidade possível até 90º

ponto 10.2.2.4 b) anca, esqueleto (sequelas osteoarticulares), limitação (rigidez) da mobilidade da articulação coxo-femural, na abdução, mobilidade possível até 20º

Entretanto sinistrado foi submetido a tratamento cirúrgico: artroplastia total em coxartrose ou revisão hemiartroplastia, após o que foi pedida a revisão, sendo as sequelas enquadradas no Cap. I (aparelho locomotor) da TNI mas agora num único ponto, mas diverso daqueles em que foram antes as sequelas enquadradas: ponto 10.2.4 b) anca, esqueleto (sequelas osteoarticulares), perda de segmentos (ressecção ou amputação), com artroplastia

Ou seja, na sequência do tratamento cirúrgico o sinistrado deixou de apresentar sequelas a enquadrar conforme havia sido efectuado antes e passou a apresentar sequelas a enquadrar na TNI em termos diferentes, podendo dizer-se em termos simplistas que por via da cirurgia umas sequelas substituíram outras que existiam.

Sendo assim, não se nos afigura que no caso em apreço, para ponderar a aplicação do factor 1,5, se possa dizer que o sinistrado já havia beneficiado da aplicação desse factor.

Com efeito, a norma da TNI supra transcrita pretende evitar que, sendo o factor de bonificação aplicado sobre a IG (incapacidade global), haja duplicação na aplicação do factor de bonificação (se, por exemplo, por via das instruções específicas um sinistrado beneficiar desse factor por via de uma sequela – cfr. por exemplo as instruções no ponto 1 do Cap. II – já não beneficiará do mesmo por via das instruções gerais).

Ora, havendo aplicação do factor a propósito de umas sequelas, e se essas sequelas forem “substituídas” por outras, não se pode falar em duplicação de aplicação do factor de bonificação, pelo que não cabe a situação na norma acima transcrita.

Note-se que neste caso, não ponderar a aplicação do factor de bonificação é retirar a bonificação, eliminar a aplicação do factor de bonificação, e não a voltar a aplicá-lo, o que contrariaria o estabelecido pelo legislador.

Impõe-se, assim, que in casu seja, tal como foi feito no exame médico singular, aplicado o factor de bonificação 1,5.”.


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IV - Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões (artºs 684º nº 3 e 685-A nº 1, ambos do Código de Processo Civil), importa decidir se no exame de revisão podia ter sido atribuído ao sinistrado o factor de bonificação 1.5.

Determina a instrução geral 5ª/a da TNI, aprovada pelo Dec. Lei 352/07 de 23/10 que na determinação do valor da incapacidade os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor;

Esta instrução, ao contrário do que estipulava a sua congénere da TNI aprovada pelo Dec. Lei 341/93 de 30/09, para além de outras alterações que ao caso não interessam, veio expressamente consagrar que o factor de bonificação 1.5 apenas pode ser aplicado uma vez quando o sinistrado não tiver beneficiado da aplicação desse factor.

Conforme se refere na decisão sob censura pretende-se evitar a duplicação na aplicação desse factor 1.5.

Esta decisão entendeu que, aplicando-se o dito factor à incapacidade que resultou do exame de revisão, não ocorreu qualquer duplicação na medida em que na sequência do tratamento cirúrgico o sinistrado deixou de apresentar sequelas a enquadrar conforme havia sido efectuado antes e passou a apresentar sequelas a enquadrar na TNI em termos diferentes, ou seja “essas sequelas forem “substituídas” por outras, não se podendo falar em duplicação de aplicação do factor de bonificação”.

Com o devido respeito, não sufragamos este entendimento.

Na verdade, o natural é que num exame de revisão, quando houver alteração clínica da situação do sinistrado, as lesões e sequelas emergentes do acidente sejam enquadradas em pontos da TNI diferentes daqueles em que inicialmente foram enquadradas. Só assim não será quando a situação clínica se mantiver inalterada por não ter ocorrido qualquer agravamento ou melhoria dessa situação.

Ora, no caso em apreço, as lesões apresentadas pelo sinistrado resultaram de um único acidente de trabalho e o factor de bonificação 1.5 foi aplicado por aquele ter mais de 50 anos de idade.

Não se pode assim afirmar que as lesões foram substituídas por outras de forma a justificar a aplicação dupla do factor de 1.5.

Houve quanto a nós duplicação na aplicação do dito factor em violação da referida instrução mas, essa duplicação não foi total como a seguir se pretenderá demonstrar.

No exame inicial foi fixado ao sinistrado a incapacidade (depois de corrigida em sentença) de 14,21%.

Com a aplicação do factor 1.5 foi atribuído ao sinistrado o coeficiente global de 21,32% (14,21% x 1.5).

No exame de revisão, a incapacidade atribuída foi de 25%.

A aplicação do factor de bonificação continuava a justificar-se pois, como é óbvio, o sinistrado continuava a ter mais de 50 anos!

Contudo, sobre 14,21% de incapacidade já tinha incidido o factor 1.5 pelo que essa parte da incapacidade, sob pena de se estar a violar a referida instrução, não podia beneficiar da bonificação.

Já não será assim relativamente à parte da incapacidade resultante da diferença entre os 14,21% e os 25% atribuídos na revisão pois esta diferença não foi ainda objecto de bonificação.

Deste modo, o factor de bonificação apenas deve, quanto a nós, ser aplicado sobre 10,79% (25% - 14, 21%).

Em consequência, temos que a incapacidade decorrente do exame de revisão deve ser fixada em 30,40% assim obtido: 10,79% x 1.5 = 16,19% + 14,21% = 30,40%.

A pensão revista passará a ser de € 2,247,06 (€ 10.559,50 x 70% x 30,40%), pensão esta que, não obstante a redução operada, tal como no despacho recorrido, continua a não ser obrigatoriamente remível, mas sim vitalícia (artigo 75º nº 1 da NLAT (Lei nº 98/2009 de 04/09)[1].


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V Termos em que se delibera julgar a apelação parcialmente procedente em função do que se fixa em 30,40% o coeficiente de incapacidade resultante do exame de revisão indo a recorrente condenada a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia no valor de € 2.247,07 (dois mil duzentos e quarenta e sete euros e sete cêntimos) a pagar e com os efeitos determinados na sentença impugnada.

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Custas, com redução a 1/5, a cargo do recorrente.

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Joaquim José Felizardo Paiva (Relator)

Jorge Manuel da Silva Loureiro

José Luís Ramalho Pinto



[1] IPP superior a 30%.