Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
627/18.4T8FIG.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
FRAUDE
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/31/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 483, 562 CC, 414 CPC, DL 328/90, DE 22.10.
Sumário: 1.- Em processo civil, no âmbito da decisão da matéria de facto, em caso de dúvida sobre a realidade dos factos funciona o princípio estatuído no art. 414º do NCPC e não o princípio processual penal do in dubio pro reo.

2.- Em caso de viciação dos equipamentos de contagem de energia eléctrica, a determinação do valor de consumo irregularmente feito, terá em consideração o tarifário aplicável, bem como todos os factos relevantes para a estimativa do consumo real durante o período em que o acto fraudulento se manteve, designadamente as características da instalação de utilização, o seu regime de funcionamento, as leituras antecedentes, se as houver, e as leituras posteriores sempre que necessário (nos termos do art. 6º, nº 1, do DL 328/90, de 22.10).

Decisão Texto Integral:

 

I – Relatório

1. E (…) Distribuição – Energia, SA, com sede em …, intentou acção declarativa contra J (…)  residente na …, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 27.934,61 €, acrescida de juros à taxa legal a partir da citação.

Alegou ser essa a indemnização pelos prejuízos sofridos, pois o R. tinha contratado o fornecimento de energia eléctrica e adulterou os equipamentos, subtraindo energia que não foi contada.

Contestou o R, tendo, além do mais, impugnado os factos.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência condenou o R. no pagamento à A. da quantia de 27.934,61 €, acrescida de juros à taxa legal de 4%, a partir da citação.

*

2. O R. recorreu, tendo concluído que:

a) A presente decisão da qual se está a recorrer espelha um clássico caso de in dubio pro reo que não foi correctamente apreciado.

b) O R., ora recorrente nunca em algum momento confirmou ter adulterado/ manipulador o contador de electricidade.

c) Aliás o mesmo contratou os serviços da A. em Fevereiro do ano de 2002, nunca tendo alterado o serviço que existia anteriormente.

d) Neste sentido o R. sempre pagou religiosamente as contas de fornecimento de electricidade, motivo pelo qual nunca pôs em causa que pudesse estar a pagar menos do que era devido.

e) Estranha o R. que só no ano de 2014 é que a A., ora recorrida, tenha vindo reclamar valores referentes a partir do ano de 2010.

f) Também não compreende o R., qual o critério ou rigor adoptado pela A. por forma a atingir o avultado valor a que foi condenado.

g) A finalizar, mais uma vez se afirma, que não existem nos autos qualquer prova cabal e credível que justifique tal condenação, não estando preenchidos os requisitos do art. 483º nº 1 do Código Civil.

Termos e que e nos melhores de direito deve ser a douta Sentença em crise substituída por douto Acórdão desse Venerando Tribunal da Relação, no qual seja considerada improcedente por não provada a acção intentada pela A., ora recorrida e consequentemente ser absolvido o R., ora recorrente, tudo com as legais consequências e como acto da mais elementar Justiça!

3. A A. contra-alegou, e formulou as seguintes conclusões (21, um número 3 vezes superior às conclusões do recorrente !!):

I. A ação declarativa sob a forma de processo de comum, intentada pela Recorrida contra o Recorrente sempre teve como intuito o apuramento da responsabilidade civil por factos ilícitos e subsidiariamente o enriquecimento sem causa.

II. No entanto, conforme referido na douta decisão, uma vez que se encontravam preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil, não foi necessário acorrer ao instituto do enriquecimento sem causa.

III. O tribunal a quo, julgou esta ação de forma irrepreensível encontrando-se a sua decisão, como bem reconhece o Recorrente, exemplarmente fundamentada e no cumprimento dos artigos 154.º e 607.º do Código de Processo Civil.

IV. Salvo devido respeito por mais douta opinião, não se reconhece qualquer razão formal ou material, de facto ou de direito, que fundamente a substituição da douta sentença e consequentemente a improcedência da ação intentada, assim como, não se compreende qual a premissa errada ou qual suposição que o Recorrente pretende evidenciar nas suas alegações.

V. O Recorrente nunca celebrou um contrato de fornecimento de energia com a Apelada, esta apenas estabeleceu, no dia 13.02.2002, a ligação da instalação elétrica do Recorrente à rede pública de distribuição, deixando os equipamentos em prefeito estado de funcionamento, selados e devidamente calibrados para a potência contratada.

Contudo,

VI. Na vistoria, realizada a 05 de maio de 2014, detetou-se que o contador se encontrava danificado e desselado nas tampas superior e inferior e que o Dispositivo de Controlo de Potência encontrava-se igualmente desselado e calibrado para uma potência superior à contratada de 27,6kVA.

VII. O consumidor, sabe bem e tem consciência do procedimento fraudulento ali detetado, até porque, o auto do qual o consumidor ficou com cópia foi devidamente rubricado por quem o representava no momento da vistoria.

VIII. Bem sabia o consumidor que, com aquela conduta utilizava energia da rede pública de distribuição a uma potência superior à contratualizada, não sendo a mesma contabilizada nem faturada pelo seu comercializador.

IX. O que criou um dano à legitima proprietária da rede pública de distribuição e da energia elétrica que nela circula, que se viu furtada de uma quantidade de energia da qual nunca foi ressarcida.

X. Durante todo este processo, o Recorrente, nunca demonstrou ao tribunal que não foi ele a violar/adulterar os equipamentos ou que não tivesse utilizado a energia elétrica proveniente daquele procedimento fraudulento.

XI. Da mesma forma, também nunca demonstrou ao tribunal a quo, que tivesse procedido ao ressarcimento desses prejuízos incumprindo assim, o ónus da prova que lhe competia e o dever de cooperação com a descoberta da verdade, previsto nos artigos 342.º do CC e 417.º do CPC.

XII. Nos termos do DL 328/90 de 22 de outubro, esta conduta violadora do contrato de fornecimento de energia, integra-se no conceito de procedimento fraudulento que se presume, salvo prova em contrário, imputável ao respetivo consumidor.

XIII. Salvo devido respeito por opinião em contrário, a prova realizada em sede de audiência de discussão e julgamento em conjugação com toda a prova documental junta aos autos, mostrava-se suficiente para o preenchimento do conjunto de requisitos previsto no artigo 483.º n.º 1 do Código Civil, como demonstra a sentença proferida pelo Tribunal a quo.

XIV. Por esse motivo, andou bem a decisão do tribunal a quo, quando pela análise criteriosa da prova conclui seguramente que o R. foi o beneficiado com esta situação que não lhe teria passado despercebida, e que de acordo com um critério de normalidade, a deve ser imputada a autoria da violação dos mesmos.

XV. Assim, encontrando-se devidamente demonstrado o cumprimento do conjunto de requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos, restava ao tribunal a quo, analisar o valor indemnizatório dos danos causado com a conduta ilícita do Réu.

XVI. Conforme referido na douta decisão e de acordo com artigo 562.º do Código Civil “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

XVII. O apuramento deste valor indemnizatório, onde se incluem o valor do consumo irregularmente feito e as despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude foi realizado no estrito cumprimento do artigo 6.º do DL 328/90 de 22 de outubro, considerando o tarifário aplicável, as caraterísticas da instalação de utilização, o regime de funcionamento e as leituras antecedentes e posteriores à anomalia, bem como, a substituição dos equipamentos danificados e os outros custos associados a essa operação.

XVIII. Desta forma apurou-se que a conduta do Réu criou um prejuízo global no valor de €27.934,61 (vinte e sete mil novecentos e trinta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), valor do qual a Recorrida nunca foi ressarcida.

XIX. Este cálculo encontra-se devidamente detalhado no documento 2 junto aos autos com a petição inicial e conforme referido na douta sentença, foi devidamente escrutinado em sede de audiência de discussão e julgamento, pela inquirição realizada à testemunha D…, Economista que procedeu à validação do cálculo do valor indemnizatório.

XX. Por fim, no que toca ao principio in dubio pro reo, alegado aqui pelo Recorrente, dir-se-á que é um principio geral do processo penal constitucionalmente consagrado como uma das vertentes da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP), constituindo um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova em processo penal.

XXI. Nesse sentido e salvo devido respeito por opinião diversa, não se poderá aplicar este principio à douta decisão do tribunal a quo, dado que, não nos encontramos sobre alçada da jurisdição penal, mas antes da jurisdição civil, onde vigora o principio da livre apreciação da prova e da autorresponsabilidade das partes, onde se incluem como corolários os princípios do inquisitório e da cooperação com a descoberta da verdade e da justa composição do litigio.

Nestes termos e nos melhores de direito que V/Excas. doutamente suprirão deve manter-se a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, por provada, improcedendo pretensão do Recorrente, com todas as consequências legais, custas e procuradoria adequada

Assim decidindo, farão V/Excas. inteira JUSTIÇA.

II - Factos Provados

1. A E (…) Distribuição, exerce, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica em alta, média e baixa tensão.

2. Na qualidade de operador da rede de distribuição, a Autora é a entidade responsável pelo fornecimento, instalação, conservação e manutenção dos equipamentos de medição.

3. É ainda da responsabilidade da autora a leitura das grandezas registadas e medidas nos referidos equipamentos de contagem, conforme resulta do disposto no ponto 27, da Secção II, Capítulo III do referido Guia de Medição.

4. Os referidos equipamentos de medição procedem à contagem e registo dos consumos de energia elétrica, para efeitos, além do mais, da faturação dos consumos a efetuar pelos comercializadores dos respetivos clientes.

5. Os equipamentos de contagem são fornecidos e instalados pela Autora.

6. Tais equipamentos são propriedade da Autora, sendo os clientes os seus fieis depositários.

7. Os equipamentos de contagem aplicados nos diversos locais de consumo fazem parte integrante da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão de serviço público.

8. Razão pela qual a Autora efetua habituais rondas de leituras a que alude o artº 255º do RRC, e procede periodicamente, através de técnicos habilitados a vistoriar contadores, à fiscalização das instalações de consumo ligadas à rede elétrica pública, tendo em vista despistar a existência de irregularidades, designadamente adulteração dos equipamentos de contagem.

9. No dia 5 de Maio de 2014, pelas 11h55m, a Autora realizou uma vistoria ao Local de Consumo nº (…), sito Rua (…), (…), verificando que o equipamento de contagem se encontrava manipulado, designadamente, desselado.

10. Na citada vistoria verificaram os referidos técnicos que o contador se encontrava desselado nas tampas inferior e superior e o

Dispositivo de Controlo de Potência (DCP) se encontrava igualmente desselado e calibrado para potência superior à contratada – vd. documento de fls. 6verso.

11. Estando contratada a potência de 20,70kVA o disjuntor deveria estar calibrado a 30A por fase, contudo este encontrava-se calibrado a 40A por fase.

12. A atuação consubstanciou-se num ato voluntário e consciente do R. que de tal beneficiou, enquanto utilizador da instalação.

13. A energia elétrica consumida na referida instalação não era totalmente registada no contador.

14. Assim, a autora efetuou o cálculo dos consumos, com base no histórico de leituras e consumos, a fim de apurar o montante de energia elétrica consumida.

15. Assim, a Autora apurou que no período de 21 de Outubro de 2010 a 2 de Julho de 2014 o valor de energia subtraída pelo R ascende a 27.934,61€, conforme mapa de cálculo junto pela A a fls. 6, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

16. Assim, o R. apoderou-se de energia elétrica contra a vontade da sua legitima proprietária (a A.) mediante de um procedimento que lhe permitia abastecer-se de energia elétrica a uma potencia superior à contratualizada e que não era totalmente registada pelo equipamento de contagem, fazendo com que a mesma não fosse faturada pelo comercializador.

17. A A., intentou a presente ação no dia 13 de abril 2018.

*

Factos Não Provados:

a) o R. nunca manipulou ou adulterou quaisquer contadores de energia elétrica.

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Responsabilidade civil do R.

2. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“EDP Distribuição (…) SA, melhor id nos autos, veio intentar a presente acção de processo comum contra J (…), pedindo Réu no pagamento à Autora da quantia de 27.934,61€ (vinte e sete mil novecentos e trinta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), acrescida de juros à taxa legal a partir da citação, como indemnização mínima justa pelos prejuízos sofridos, alegando, em suma, que o R, que consigo tinha contratado o fornecimento de energia elétrica adulterou os equipamentos, subtraindo energia que não foi contada e por isso se locupletou no valor peticionado.

Cabe ao autor o ónus da prova dos elementos constitutivos da causa de pedir que invoca (artigo 342º nºs 1 e 2 do Código Civil).

Em primeira linha, a questão pode ser analisada através do instituto da responsabilidade civil aquiliana …..

Vejamos.

Estabelece o artigo 483º, nº1 do Código Civil que "aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

De tal norma se retira que a obrigação de indemnizar resultante de responsabilidade por factos ilícitos depende da verificação de vários pressupostos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Verificados que estejam estes pressupostos determinativos da responsabilidade civil, nasce a obrigação de indemnização a cargo do lesante.

O facto é a actuação humana, que se tem por assente atendendo ao provado no ponto 12 FP.

Pois bem, quanto à ilicitude da conduta do R., temos que a conduta de quem, pelos seus próprios meios e contra a vontade do fornecedor, obtém energia da rede, de forma subreptíca e sem que tal consumo possa ser contabilizado, designadamente pela forma constante de 10 a 13 dos FP, pratica os crimes aludidos nos arts. 203º, nº 1, designadamente, crime de furto, de crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo art. 258º e crime de quebra de selos, p. e p. pelo art. 356º, todos do CP.

Quanto à culpa, ou a imputação do facto ao lesante, dúvidas não resultam, da matéria assente, de que se tratou de um acto doloso do réu, no sentido em que a sua conduta foi pretendida quer nos seus termos, quer nos seus efeitos, para assim lograr a obtenção de energia sem proceder ao respectivo pagamento.

Mas para que haja responsabilização civil é essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém. Sabendo que o R. se apoderou de energia elétrica contra a vontade da sua legitima proprietária (a A.) mediante de um procedimento que lhe permitia abastecer-se de energia elétrica a uma potencia superior à contratualizada e que não era totalmente registada pelo equipamento de contagem, fazendo com que a mesma não fosse faturada pelo comercializador, aqui reside o dano, concretamente no prejuízo económico que assim causou.

Por tudo, dúvidas não restam que a A sofreu dano patrimonial, verificando-se preenchido mais um pressuposto da responsabilidade civil.

O último requisito que cumpre apreciar é o nexo de causalidade entre o facto e os danos. No caso sub judice, pode pois afirmar-se que a ação do R foi adequada a causar tais danos. Por outras palavras, a conduta do mesmo não foi de forma alguma indiferente à produção de tais danos, tendo sido a correspondente causa adequada.

Estão assim preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil …..

*

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562º Código Civil).

Reclama a A a título de reparação dos danos o total de 27.934,61 euros, valor este obtido por estimativa, sendo que o referido cálculo foi realizado com base nos critérios previstos no nº 1, artigo 6º do Decreto-Lei 328/90 de 22 de Outubro, tendo ainda sido tomado em conta o tarifário aplicável, bem como todos os factos relevantes, designadamente as características da instalação de utilização e o seu regime de funcionamento – fls. 6.

Trata-se de um valor de estimativa que pode e deve ser fixado por recurso à equidade, nos termos do n.3 do artº 566 do C. Civil, pelo que no seu pagamento deve o R ir condenado.”.

A fundamentação jurídica da sentença recorrida merece concordância.

O recorrente diverge dela, como decorre das suas conclusões de recurso. Sem razão, todavia. Vejamos, então, mas de modo necessariamente breve, dada a simplicidade do caso em análise.

- Como o apelante não impugnou a decisão da matéria de facto (a coberto do art. 640º do NCPC), desde logo, há que dizer, não faz sentido algum apelar ao princípio do in dubio pro reo, pois este só funciona naquele âmbito.

De todo o modo nunca se poderia fazer uso do mesmo, por ser princípio privativo do processo penal. No processo civil o que rege neste aspecto da matéria de facto é o art. 414º, que estatui sobre o princípio a observar em casos de dúvida. Não procede, pois, a conclusão a) do recurso do apelante.

- Diz o mesmo que nunca adulterou/manipulou o contador de electricidade. Não passa de uma afirmação vazia, pois não provou essa alegação, como decorre do facto não provado a). E até se provou que o fez, segundo os factos provados 9. a 12.

Por isso, a conclusão b) de recurso do recorrente não procede.

- Diz, também, que pagou sempre as contas da electricidade fornecida. Ora, tal afirmação não é verdadeira, porque se provou exactamente que o recorrente não pagava toda a electricidade fornecida e consumida, como resulta dos factos provados 13. a 16.

Daí que as suas conclusões de recurso c) e d) improcedam.

- Menciona o apelante ser estranho que a A. só no ano de 2014 tenha vindo reclamar valores referentes a partir do ano de 2010. Nada de estranho se vê nesta circunstância, pois a A. só em Maio de 2014 descobriu a adulteração no equipamento de contagem, e verificou que tal decorria desde Outubro de 2010 (cfr. os factos provados 9. e 15.).

Pelo que a sua conclusão de recurso e) não tem fundamento.

- Refere, ainda, o recorrente que não compreende o critério adoptado pela A. por forma a atingir o valor reclamado e em que o mesmo foi condenado.

Mas a sentença explicou-o, validado no facto provado 15., ao indicar que “…o total de 27.934,61 euros, valor este obtido por estimativa, sendo que o referido cálculo foi realizado com base nos critérios previstos no nº 1, artigo 6º do Decreto-Lei 328/90 de 22 de Outubro, tendo ainda sido tomado em conta o tarifário aplicável, bem como todos os factos relevantes, designadamente as características da instalação de utilização e o seu regime de funcionamento – fls. 6.”. E na verdade este apontado normativo estatui que a determinação do valor de consumo irregularmente feito, terá em consideração o tarifário aplicável, bem como todos os factos relevantes para a estimativa do consumo real durante o período em que o acto fraudulento se manteve, designadamente as características da instalação de utilização, o seu regime de funcionamento, as leituras antecedentes, se as houver, e as leituras posteriores sempre que necessário.

Assim, não procede a conclusão de recurso f).

- Por fim, defende o apelante não estarem preenchidos os requisitos do art. 483º, nº 1, do CC. – vide sua conclusão de recurso g).

Apesar de na fundamentação jurídica da sentença apelada o tribunal ter expendido nesse sentido, o apelante não justifica, minimamente que seja, essa sua posição, não diz porquê é que tais requisitos não se mostram preenchidos. Não passa, pois de uma simples afirmação, destituída de qualquer base jurídica. Pelo que, mais uma vez aqui, terá de rejeitar-se tal conclusão.

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Em processo civil, no âmbito da decisão da matéria de facto, em caso de dúvida sobre a realidade dos factos funciona o princípio estatuído no art. 414º do NCPC e não o princípio processual penal do in dubio pro reo;  

ii) Em caso de viciação dos equipamentos de contagem de energia eléctrica, a determinação do valor de consumo irregularmente feito, terá em consideração o tarifário aplicável, bem como todos os factos relevantes para a estimativa do consumo real durante o período em que o acto fraudulento se manteve, designadamente as características da instalação de utilização, o seu regime de funcionamento, as leituras antecedentes, se as houver, e as leituras posteriores sempre que necessário (nos termos do art. 6º, nº 1, do DL 328/90, de 22.10).

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se confirmando a decisão recorrida.

*

Custas pelo R./recorrente.

*

   Coimbra, 31.3.2020

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Alberto Ruço