Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
932/05.0TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: CRÉDITO HOSPITALAR
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
TAXA DE JUROS DE MORA
EMPRESA PÚBLICA
ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL
Data do Acordão: 09/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 3º DO D. L. Nº 218/99, DE 15/06; DL Nº 73/99, DE 16/03
Sumário: I – O artigo 3º do DL nº 218/99, de 15 de Junho, referente ao prazo de prescrição dos créditos resultantes de despesas hospitalares, não inovou relativamente ao regime pregresso (artigo 9º do DL nº 194/92), no que respeita à contagem de tal prazo a partir da data em que cessou o tratamento hospitalar.

II – O DL 73/99, de 16 de Março, respeitante à determinação da taxa de juros de mora aplicável às dívidas ao Estado e a outras entidades públicas, não visa as dívidas a entidades integrantes do sector empresarial do Estado, designadamente às dívidas respeitantes a cuidados de saúde prestados, no âmbito do serviço nacional de saúde, por uma instituição hospitalar revestindo a forma de “entidade pública empresarial” (EPE) ou de “sociedade anónima” (SA).

III – Qualquer destas duas formas de estruturação de uma entidade hospitalar pública (EPE; SA) constituem sucedâneos de uma empresa pública, estando excluídas da aplicação do referido DL 73/99, pelo respectivo artigo 1º.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Em 7 de Julho de 2005[1], o Centro Hospitalar …, SA, posteriormente transformado no Centro Hospitalar …, E.P.E. (A. e Apelado no presente recurso), demandou a Companhia de Seguros …, S.A. (R. e Apelante), pedindo a condenação desta seguradora a satisfazer-lhe os valores respeitantes aos diversos cuidados de saúde prestados a A…[2], vítima de acidente de viação ocorrido em 16/08/1996, em Tomar, evento infortunístico cuja responsabilidade pertenceu exclusivamente (atribui-a desde logo o A.) à condutora de um veículo (…-EQ), cujos riscos de circulação eram, no momento do acidente, cobertos pela R. ao abrigo de um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel[3].

            Citada em 13 de Julho de 2005, contestou a R., invocando, nos termos do artigo 498º, nº 1 do Código Civil (CC), a prescrição dos créditos hospitalares peticionados pelo A.

            1.1. Efectuado o julgamento, foi a acção decidida através da Sentença de fls. 252/260 – esta integra a decisão objecto do presente recurso – que fixou a responsabilidade indemnizatória da R., atribuindo a culpa do acidente à condutora da viatura …-EQ, julgando improcedente a prescrição invocada e condenando a R. a satisfazer à A. a quantia de €30.395,71, acrescida de juros calculados por referência ao Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março.

            1.2. Inconformada, interpôs a R. o presente recurso, restringindo-o à questão da prescrição e do cálculo dos juros, motivando-o a fls. 267/269, formulando as seguintes conclusões:


“[…]

            O Apelado respondeu, pugnando pela confirmação da decisão apelada.


II – Fundamentação


            2. Encetando a apreciação do recurso, importa ter presente que as conclusões formuladas pelos Apelantes operaram a delimitação temática do respectivo objecto [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)].

            Numa primeira aproximação a esse objecto, constata-se que a R. não impugna os factos fixados na primeira instância, centrando a sua discordância na questão da prescrição do direito à indemnização fixada (este é o primeiro fundamento do recurso) e, caso se estabilize a condenação nessa indemnização, na questão da taxa de juro aplicável (este constitui o segundo fundamento do recurso).

            Os factos a considerar mostram-se, assim, definitivamente fixados, sendo eles – transcritos do texto da Sentença – os seguintes:


“[…]
1. No dia 16 de Agosto de 1996, pelas 14h50m, ocorreu um acidente de viação na Av. Marquês de Tomar, em Tomar, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-EQ, conduzido pela sua proprietária, M…, e o ciclomotor de matrícula 1-TMR-…, conduzido pelo seu proprietário A...
2. Aquando do acidente dito em 1), o veículo automóvel ali mencionado circulava no sentido Estrada do Pardo-Avenida Marquês de Tomar.
3. E o ciclomotor circulava na rotunda existente no cruzamento onde as referidas vias entroncam.
4. Precedendo a rotunda, atento o sentido de marcha do veículo automóvel, existia sinalização vertical, com o sinal B1 do Regulamento do Código da Estrada.
5. Não obstante aquela sinalização vertical, a condutora do veículo automóvel seguiu a sua marcha e entrou na rotunda.
6. Não permitindo a passagem do ciclomotor que nela circulava.
7. Pelo que ocorreu um embate entre a frente do ciclomotor e a lateral esquerda do veículo automóvel.
8. Embate esse que se verificou a 17,50 metros do prédio nº 41 de polícia.
9. A condutora do veículo automóvel podia prever que, entrando na rotunda sem facultar a passagem aos veículos que nela circulavam, punha em perigo os restantes utentes da via.
10. Como consequência do acidente o condutor do ciclomotor sofreu ferimentos graves, nomeadamente fracturas.
11. Devido às lesões ditas em 10) A… foi assistido no Centro Hospitalar ...
12. Devido às lesões ditas em 10) e à sua gravidade, A… foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas, e necessitou de ser internado por diversas vezes, e seguido no âmbito de consulta externa, e submetido a diversos exames laboratoriais e radiológicos.
13. A R. liquidou ao A. diversas facturas relativas a assistência prestada a A…, em consequência do dito acidente (outras).
14. O A. efectuou diligências, interpelando a R., com vista a dela obter o pagamento das facturas: nº 902131, no montante de €25,94; nº 902519, no montante de €1.302,86; nº 990210, no montante de €55,24; nº 2002554, no montante de €1.058,13; nº 3000314, no montante de €1.987,32.
15. Em consequência do dito em 11. e 12. o A. suportou custos que se encontram discriminados nas facturas ditas em 14., e nos montantes nelas mencionados.
16. A prestação de serviços de saúde [ao] A…, em consequência do acidente, tem vindo a prolongar-se ao longo dos anos.
17. Na sequência do embate [referido em] 1., para além do mais, prestou [o A.] a A… os serviços e submeteu-o aos exames discriminados na factura junta a fls. 185 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, tendo o último tratamento/serviço de saúde sido prestado em 21/11/2007.
18. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 4101386380, em vigor desde 23/11/1995, M… transferiu para a Companhia de Seguros R. a responsabilidade civil por danos provocados a terceiros, emergente da circulação rodoviária do veículo automóvel de matrícula …-EQ, tudo conforme melhor consta do documento de fls. 33 a 37, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
19. A presente acção deu entrada em juízo no dia 07/07/2005 e a R. foi citada, por via postal registada, em 13/07/2005.
[…]”
            [transcrição de fls. 254/256]

            2.1. Apreciando o fundamento do recurso referente à prescrição[4], dir-se-á pretender a Apelante a consideração dos diversos tratamentos prestados ao sinistrado como actos isolados (praticados e esgotados nas suas potencialidades jurídicas)[5], pugnando por uma interpretação do artigo 3º do Decreto-Lei nº 218/99, de 15 de Junho[6], que desvalorize o elemento aglutinador de uma prestação de cuidados de saúde que se apresente como continuada no tempo (o concreto evento que causalmente determinou essa prestação de cuidados nas suas múltiplas incidências), por sucessivos episódios clínicos, aferindo o elemento prescricional face a cada um desses episódios, entendendo-os como actos distintos a tratar individualmente para efeitos de prescrição.

            Este entendimento defende-o a Apelante remetendo – e nisso se esgota o respectivo argumento – para o entendimento do Tribunal da Relação de Évora expresso no Acórdão de 24/05/2007[7]. Coloca-se assim uma questão interpretativa sobre a qual esta Relação já teve ensejo de se pronunciar, num sentido distinto da decisão indicada pela Apelante. Com efeito, através do Acórdão de 03/03/2009, desta secção, relatado pelo Exmo. Desembargador Artur Dias[8], entendeu-se – e reproduzimos aqui o sumário da decisão – “[não existir] qualquer indício, seja na letra do artigo 3º do DL 218/99, de 15/06, seja no preâmbulo deste diploma, no sentido de que o legislador tenha, no tocante à contagem do prazo de prescrição dos créditos por dívidas hospitalares, querido adoptar qualquer mudança de regime relativamente ao que já constava do DL 194/92, diploma este que foi revogado pelo primeiro”. E acrescentou-se – e continuamos a citar o sumário – que, “[p]or isso, a solução mais acertada, sobre tal contagem, é a de manter o regime já existente à data da publicação do DL 218/99, isto é, de que «os créditos por dívidas hospitalares prescrevem no prazo de 3 anos, contados da data em que cessou o tratamento hospitalar”[9].

            É este entendimento, ao qual aderimos, que aqui se pretende aplicar, com a consequência, face às incidências fácticas do caso concreto (última prestação de cuidados de saúde peticionada já ocorrida na pendência da acção), de julgar, concordantemente com a decisão recorrida, não prescrito o direito feito valer na presente acção.

            Improcede o recurso, pois, quanto a este primeiro fundamento.

            2.2. Interessa-nos agora, enquanto segundo fundamento do recurso, a questão da taxa de juro, especificamente na incidência, decorrente da Sentença, correspondente à sujeição da mora ao regime do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março, respeitante à determinação da taxa de juros de mora aplicável às dívidas ao Estado e outras entidades públicas[10].

            A aplicação deste diploma à situação de cobrança de uma dívida respeitante a cuidados de saúde prestados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, por um hospital, integrado no sector empresarial do Estado[11], dotado da estrutura societária organizacional da A. (actualmente uma “entidade pública empresarial”, sucessora de uma “sociedade anónima”), a aplicação do DL 73/99 a uma pessoa colectiva com esta natureza, dizíamos, não se justifica, ofendendo mesmo, ao que julgamos, o disposto no artigo 1º, nº 1 deste diploma[12].

            Com efeito, para além da aparente não correspondência de uma dívida referente a cuidados de saúde à enumeração das quatro alíneas do nº 1 do artigo 1º do DL 73/79, há que considerar a expressa exclusão das situações de dívidas a pessoas colectivas públicas que tenham forma, natureza ou denominação de empresa pública. Ora, é este o caso de um centro hospitalar “entidade pública empresarial”, por transformação de uma “sociedade anónima” de capitais exclusivamente públicos, como sucede com o aqui A.[13].

            Vale a este respeito, e para ele remetemos, o percurso interpretativo enunciado no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, votado na sessão de 06/04/2000[14], cujas conclusões aqui transcrevemos (sendo que delas emerge a correspondência do A. à estrutura sucedânea de uma empresa púbica):


1.ª A expressão empresa pública constante das alíneas a) e b) do artigo 3.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, tinha o mesmo sentido que a de empresa pública na caracterização dada pelo Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril;
2.ª
O mesmo sentido tinha igual expressão constante do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro;
3.ª
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, deve proceder-se a uma interpretação actualizada daquela expressão na Lei n.º 64/93, que passa a dever ser entendida como feita para as entidades públicas empresariais, previstas no capítulo III deste diploma de 1999;
4.ª
Correspondente interpretação actualizada se deve realizar da expressão constante do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 464/82;
5.ª
As sociedades anónimas contempladas no artigo 3.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, são aquelas cujo capital pertença, por força da lei ou dos estatutos, exclusiva ou maioritariamente a entidades públicas.

            2.2.1. Excluída a aplicação a uma dívida respeitante a cuidados de saúde prestados pelo A. do regime previsto no DL 73/99, perde sentido a determinação constante da Sentença apelada no trecho aqui especificamente em causa. A questão da taxa de juros devidos pela R., ressalvadas as referências temporais indicadas na Sentença (que são correctas), deve ter em conta os sucessivos valores referenciais decorrentes do regime atinente aos juros civis estabelecido no nº 1 do artigo 559º do CC, através da aplicação aos períodos e valores aqui em causa das sucessivas taxas decorrentes desta disposição.

            Procede, pois, este fundamento do recurso.

            2.3. Importa, assim, formular decisoriamente o resultado antes explanado, não sem que antes deixemos nota, em sumário elaborado pelo relator, do antecedente percurso argumentativo:


I – O artigo 3º do DL nº 218/99, de 15 de Junho, referente ao prazo de prescrição dos créditos resultantes de despesas hospitalares, não inovou relativamente ao regime pregresso (artigo 9º do DL nº 194/92), no que respeita à contagem de tal prazo a partir da data em que cessou o tratamento hospitalar;
II – O DL 73/99, de 16 de Março, respeitante à determinação da taxa de juros de mora aplicável às dívidas ao Estado e outras entidades públicas, não visa as dívidas a entidades integrantes do sector empresarial do Estado, designadamente às dívidas respeitantes a cuidados de saúde prestados, no âmbito do serviço nacional de saúde, por uma instituição hospitalar revestindo a forma de “entidade pública empresarial” (EPE) ou de “sociedade anónima” (SA);
III – Qualquer destas duas formas de estruturação de uma entidade hospitalar pública (EPE; SA) constituem sucedâneos de uma empresa pública, estando excluídas da aplicação do referido DL 73/99, pelo respectivo artigo 1º.


III – Decisão


            3. Assim, na parcial procedência da apelação, revoga-se a sentença recorrida no trecho decisório respeitante aos juros devidos, excluindo-se a aplicação ao caso da taxa respectiva calculada nos termos previstos no Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março, devendo os juros devidos pela R. ser calculados nos termos indicados supra no item 2.2.1. deste texto.

            Em tudo o mais, designadamente na questão da prescrição, confirma-se a Sentença.

            Custas pelo Apelado (20%) e a Apelante (80%).


Relator: Des. Teles Pereira
1º Adjunto: Des. Manuel Capelo
2º Adjunto: Des. Jacinto Meca

[1] A indicação desta data, além da relevância que apresenta para a questão de fundo do recurso, evidencia que se aplica neste caso o regime processual recursório anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 9º, alínea a). 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Assim, qualquer disposição do Código de Processo Civil citada no presente Acórdão pressuporá a versão anterior ao DL 303/2007.
[2] O pedido inicial (€4.429,49) foi ampliado no decurso da acção (v. fls. 183) para €30.395,71, derivado da continuidade, após a propositura, da prestação de tratamentos ao sinistrado (cfr. despacho de fls. 198/199).
[3] Por ser relevante para o presente recurso, transcreve-se o seguinte trecho do articulado inicial:
“[…]

19º
A prestação de serviços por parte do Hospital ao A…, em consequência do acidente relatado, tem vindo a prolongar-se ao longo dos anos, tendo a última consulta ocorrido em Outubro de 2002,
20º
Desconhecendo-se se o mesmo ainda necessitará de outros tratamentos e/ou assistência em virtude do acidente relatado.
[…]”
                [transcrição de fls. 3]
[4] Refere-se este fundamento à seguinte passagem da Sentença:
“[…]
Em contestação e, posteriormente, na resposta ao requerimento de ampliação do pedido, a R. veio arguir a excepção peremptória de prescrição do direito de crédito do A.
O artigo 3º do DL 218/99 de 15 de Junho, estatui no sentido de que os créditos de que são titulares as instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, em virtude dos cuidados de saúde prestados, prescreverem no prazo de três anos, contados da data da cessação da prestação dos serviços que lhes de origem.
No caso concreto apurou-se que o último tratamento ou serviço de saúde prestado [à vítima do acidente], em virtude do embate sofrido, foi prestado em 21/11/2007, já depois da propositura da presente acção e subsequente citação da R.
Pelo exposto, julga-se improcedente a invocada excepção peremptória de prescrição.
[…]”
                [transcrição de fls. 256/257]
[5] Fazendo nascer direitos de crédito autónomos, iniciando contagens autónomas de prazos prescricionais.
[6]Os créditos a que se refere o presente diploma prescrevem no prazo de três anos, contados da data da cessação da prestação de serviços que lhe deu origem”.
[7] Colectânea de Jurisprudência, 2007/III, p. 246. Lê-se no sumário deste aresto: “[o] artigo 3º do Decreto-Lei nº 218/99, de 15 de Junho, que revogou o Decreto-Lei nº 194/92, de 8 de Setembro, alterou o regime que vigorava em matéria de prescrição de dívidas hospitalares, remetendo o início da contagem do prazo prescricional para o momento de cada prestação de serviço, individualmente considerada, em que se consubstancia um tratamento médico e não – como acontecia antes – desde a data em que terminava o tratamento ou assistência, no âmbito de um processo continuado, que lhes dava origem”.
[8] Acórdão proferido no processo nº 41123/03.8YXLSB.C1 (descritores: crédito hospitalar; prescrição; contagem dos prazos), disponível no sítio do ITIJ no seguinte endereço (ou através da pesquisa nos campos indicados): http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/3f405e1c55b7faea.
[9] No texto do Acórdão esta asserção interpretativa é justificada nos seguintes termos:
“[…]
É nosso entendimento que, para além da óbvia redução do prazo de prescrição de cinco para três anos, a diferença entre o artigo 9º do Decreto-Lei nº 194/92 e o artigo 3º do Decreto-Lei nº 218/99 se situa apenas ao nível da linguagem técnico-jurídica, mais aprimorada neste do que naquele.
No restante, nomeadamente no que concerne ao termo inicial da contagem do prazo de prescrição, afigura-se-nos que as expressões «contados da data em que cessou o tratamento», usada pelo Decreto-Lei nº 194/92 e «contados da data da cessação da prestação dos serviços que lhes deu origem», utilizada pelo Decreto-Lei nº 218/99, se equivalem.
Com efeito, não é estranha ao direito a figura do facto continuado ou duradouro, o qual, não se esgotando num único acto material e sendo constituído por um conjunto de actuações concretas ligadas por um elemento comum, frequentemente recebe um tratamento jurídico unitário, como se de uma unidade se tratasse.
De acordo com o artigo 9º do Código Civil, na interpretação da lei deve o intérprete partir da respectiva letra, não se limitando a ela mas também nunca a abandonando completamente, em busca do pensamento legislativo, tendo presentes os elementos sistemático, histórico e teleológico e presumindo sempre que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
No caso presente não se colhe qualquer indício, seja na letra do artigo 3º seja mesmo no preâmbulo do Decreto-Lei nº 218/99, no sentido de que o legislador tenha, no tocante à contagem do prazo de prescrição, querido a mudança de regime defendida pela recorrente.
E, presente o elemento aglutinador comum de todos os cuidados e serviços prestados no espaço temporal que começou em 14/05/2000 (data do acidente e da entrada do assistido nos Serviços de Urgência do A.) e terminou em 21/05/2001 (data da última consulta) – encontrarem a sua origem e causa no mesmo acidente – afigura-se-nos que a solução mais acertada, por isso querida pelo legislador, é a de se manter o regime anterior quanto à contagem do prazo de prescrição. A não se entender assim, prolongando-se no tempo a prestação dos serviços, correr-se-ia o risco de, para evitar a prescrição, terem as entidades prestadoras dos cuidados de saúde de ir intentando sucessivas acções, com evidente prejuízo para a economia processual e para a aplicação da justiça em geral.
Acresce que, devendo presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, seria expectável que, se quisesse mudar o termo inicial da contagem do prazo de prescrição, não utilizasse uma fórmula tão semelhante á anterior ou, usando-a, manifestasse a vontade legislativa por qualquer outra forma inequívoca, nomeadamente fazendo à alteração uma referência no preâmbulo.
[…]”

[10] A este aspecto se refere o seguinte trecho da Sentença:
“[…]
A A. peticionou que o montante indemnizatório fosse acrescido de juros moratórios, à taxa legal, contados desde a data da propositura da acção até integral pagamento.
No que respeita aos juros, de harmonia com o disposto nos artigos 804º, 805º, nº 1 e 806º, nº 1 do CC, uma vez que estamos perante obrigações pecuniárias, são devidos, à taxa prevista no Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março, a contar desde tal data – 07/07/2005 (porque assim foi pedido pelo A.), sobre a quantia de €4.429,49 (pedido inicial) e a contar desde 14/04/2008/19/12/2007 sobre a quantia de €25.187,97 (data da notificação à R. do requerimento de ampliação), até cabal pagamento.
[…]”
                [transcrição de fls. 259/260]
[11] V. o Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro (alterado pelo Decreto-Lei nº 300/2007, de 23 de Agosto e pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro).
[12] Estabelece este:
Artigo 1º
Incidência
1 – São sujeitas a juros de mora as dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas que não tenham forma, natureza ou denominação de empresa pública, seja qual for a forma de liquidação ou cobrança, provenientes de:
a) Contribuições, impostos, taxas e outros rendimentos quando pagos depois do prazo de pagamento voluntário;
b) Alcance, desvios de dinheiros ou outros valores;
c) Quantias autorizadas e despendidas fora das disposições legais;
d) Custas contadas em processo de qualquer natureza, incluindo os de quaisquer tribunais ou de serviços da Administração Pública, quando não pagas nos prazos estabelecidos para o seu pagamento.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
[13] Essa transformação decorreu do disposto nos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 93/2005, de 7 de Junho, por referência à lista anexa ao mesmo diploma.
[14] Correspondente ao nº convencional PGRP00001224; Relator: Alberto Augusto Oliveira; descritores (entre outros): sector empresarial do Estado, empresa pública, entidades públicas empresariais, instituto público, sociedade anónima; disponível no sítio do ITIJ no seguinte endereço (ou através da pesquisa nos campos indicados): http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/0/ec45782f21339f948025686500583cbc.