Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
13/15.8GBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: FALTA
AUDIÊNCIA
MANDATÁRIO
ASSISTENTE
ERRO DE JULGAMENTO
INJÚRIA
IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
Data do Acordão: 03/15/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JL CRIMINAL DA FIGUEIRA DA FOZ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 151.º DO CPC; ARTS. 117.º, 312.º, 330.º, 331.º, 333.º, 412.º E 431.º DO CPP; ARTS. 170.º E 181.º, DO CP; ARTS. 20.º E 32.º DA CRP
Sumário: I - Não existe nenhuma norma legal estabelecendo que a pretensão de adiamento de audiência se considera deferida quando quem o requer ainda não tem conhecimento da decisão que recaiu sobre o pedido.

II - A conveniência do Ex.mo Advogado do assistente em ir a outra diligência, em vez de ir ao julgamento designado nos presentes autos, e um acordo para indicação de outras datas para julgamento com outra advogada, não são causa de adiamento do julgamento.

III - A exigência de que o representante do assistente esteja presente na audiência de julgamento por crimes particulares ou de que, faltando, justifique a sua falta, e a consequência estabelecida relativamente à falta nestas circunstâncias - vale como desistência da acusação, podendo, em último termo, conduzir à extinção da ação penal, não dificulta ou prejudica, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o interesse do assistente na realização da justiça penal.

IV - A documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse.

V - Se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova as provas indicadas por este não impõem decisão diversa da recorrida, nos termos do art.127.º do C.P.P., deve manter a decisão recorrida.

VI - Qualquer pessoa, com uma cultura média, sabe que ao dirigir-se a uma mulher, na via pública, dizendo “esta grande filha da puta, esta puta de merda veio para aqui por o lixo, mas vou falar com o Advogado e há-de tirá-lo com os cornos”, não tem apenas um comportamento grosseiro para com a visada; um comportamento como o descrito atinge a personalidade moral da visada em geral e designadamente a honra e consideração desta em termos de honestidade sexual.

VII - Na esfera do exibicionismo cabem os atos ou gestos de natureza sexual que, importunando uma pessoa, não envolvem contacto físico, mas lhe restringem a “liberdade de não ser envolvido em contexto sexual imposto, sob pena de se perder o sentido da incriminação.”

VIII - Da factualidade dada como provada resulta que o arguido envolveu a assistente em contexto de natureza sexual, contra a vontade dela, ao puxar para cima a camisola que trazia vestida, desapertar o cinto das calças, retirar delas o pénis e ao abaná-lo na direção da assistente dizendo-lhe em tom audível “querem-no, querem, tomem-no”. Ao assim agir preencheu os elementos objetivos do tipo.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

                          

     Relatório

Pela Comarca de Coimbra – Instância Local da Figueira da Foz, Secção Criminal – Juiz 1, sob acusação do Ministério Público, que a assistente A... acompanhou, e acusação particular da assistente A... que o Ministério Público acompanhou, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido

B..., filho de (...) e de (...) , natural da freguesia de (...) , concelho da Figueira da Foz, nascido a 02.01.1951, casado, reformado da GNR, residente na Rua (...) , Montemor-o-Velho,

imputando-lhe o Ministério Público, na acusação pública, a prática em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de importunação sexual, previsto e punido pelo art.170.º do Código Penal e a assistente A... , na acusação particular, a prática de um crime de  injúria, p. e p.  no art.181.º do C Penal.

A Assistente/demandante A... deduziu pedidos de indemnização civil contra o arguido/demandado pelos factos descritos nas acusações pública e particular, solicitando uma indemnização por danos morais no montante de €1000,00 pelos factos relativos à importunação sexual; e uma indemnização de € 800,00 acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento, por danos morais sofridos com as expressões injuriosas.

             Realizada a audiência de julgamento - no decurso da qual, em 9/6/2016, foi julgada injustificada, pelo Ex.mo Juiz, a falta à audiência do Ex.mo advogado representante do assistente B... e se homologou a desistência da acusação e extinto o procedimento criminal contra a arguida A... , quanto aos crimes de injúria e difamação que lhe eram imputados e, em 14/6/2016, foi mantido o despacho proferido na sessão anterior -, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 8 de julho de 2016, decidiu:

Julgar procedentes, por provadas, as acusações do Ministério Público e da assistente A... e, em consequência, condenar o arguido B... , pela prática de:

- um crime de injúria, p. e p. pelo art.181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 50 dias de multa; e de

- um crime de importunação sexual, p. e p. pelo art.170.º do Código Penal, na pena de 50 dias de multa; e

- operando o cúmulo jurídico destas penas, condenar o arguido B... na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 7 euros, ou seja, na multa de € 560,00.

Mais decidiu julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pela demandante A... e condenar o demandado B... a pagar àquela a quantia de € 1000,00, acrescida de juros de mora desde a notificação até integral pagamento, absolvendo-o de tudo o demais contra si peticionado.

            Inconformado com o despacho proferido a 9 de julho de 2016 dele interpôs recurso o arguido B... , extraindo da motivação do recurso as seguintes conclusões:

1.º Por despacho exarado em ata proferida a 09-06-2016, deu o tribunal a quo como injustificada a falta do mandatário, após o mesmo ter informado o tribunal que não poderia comparecer á mesma por ter de efetuar diligencia anteriormente marcadas.

2.º Para tanto, foi informada a colega/mandatária da arguida que também não esteve presente no julgamento.

3.º O ora requerente não foi notificado do despacho de indeferimento do seu requerimento requerendo o adiamento da diligência por se encontrar impedido de comparecer no presente dia.

4.º Apesar de previamente informado, o Tribunal a qual entendeu ignorar as informações prestadas pelo defensor do assistente, considerando a falta injustificada, quando foi previamente informados.

5.° O artigo 330.° n.°2 do CPP, prescreve que tratando-se da ausência do representante do assistente em crimes cujo procedimento depende de acusação particular, pode o julgamento ser adiado uma só vez ou considerando-se a falta injustificada, ser considerado desistência da acusação particular.

6.° Ora, o douto tribunal considerou, homologar a desistência de queixa e consequente queda da acusação particular, porquanto entendeu ser a falta do mandatário injustificada.

7.° Não obstante note-se ter nomeado mandatária para o assistente, sendo certo que a mesma não requereu prazo para a consulta dos autos, defendendo assim minimamente os direitos do assistente, como lhe deveria ser cometido e intrínseco.

8.º O mandatário procedeu com a devida diligencia informando quer o Tribunal, quer a Ilustre mandatária da arguida.

9.° Motivo pelo qual, entendemos que deveria ter sido adiada a diligência, na medida em que, a maior parte das pessoas convocadas não se encontravam presentes.

10.° o que, consideramos que o teor do supra mencionado despacho viola os direitos constitucionalmente consagrados no artigo 20.º n.º l e n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa, bem como constitui uma nulidade nos termos do artigo 120.° do CPP.

11.° Nestes termos, consideramos, salvo o devido respeito que deve o presente despacho em apreço ser revogado, ordenando-se a realização de julgamento com a validade da acusação particular elaborada nos presentes autos.

12.° Permitindo assim, ao ora assistente a prossecução dos seus direitos e interesses legítimos, bem como o direito a um processo equitativo.

13.° Devendo assim, ser declarado a nulidade presente nos termos da alínea b) do artigo 120.° do CPP por ter o despacho recorrido violado o disposto no artigo 330.° n.°2 CPP e 20.° da CRP.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve V/Exa declarar tal nulidade, com os devidos e legais efeitos, ordenando-se assim, a validade da acusação particular deduzida pelo assistente e a consequente continuação da tramitação dos autos, ordenando-se ainda, a prolação da sentença.

 

Inconformado também com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido B... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

I. As partes ora em apreço nos presentes autos, casaram em 1969, tendo esse casamento sido dissolvido, por sentença a 28/05/2002.

II. Tal divórcio nunca foi do agrado da requerida que admite em declarações ter “apanhado uma depressão” desde que o Recorrido lho pediu.

III. Vários são os desentendimentos familiares que têm surgido, nomeadamente entre as partes, deixando as filhas I... e J... de manter relações com o pai, ora Recorrente.

IV. O Recorrente desde sempre frequentou a habitação sita em Rua (...) , n.º y... , (...) , porquanto detentor do seu usufruto sucessivo e simultâneo desde 1996 e Usufruto exclusivo desde 2002.

V. Vários são os processos-crime que a ex-mulher insiste em intentar contra o Requerente, tendo sido o único colocado contra a Requerida o processo cuja acusação particular foi arquivada nos presentes autos e o processo 516/T9FIG que corre termos na Inst. Central – Sec. Inst. Criminal-J2, por furto qualificado;

VI. A Recorrida aufere mensalmente de uma pensão de alimentos dada por B... no valor de 100.00€;

VII. O Recorrente é doente, padecendo de patologias cardíacas, ortopédicas, e oftalmológicas, sendo certo que as do foro de ortopedia, tem vindo a reduzir drasticamente a sua capacidade de locomoção;

VIII.   Quanto à desistência de acusação particular por falta do assistente e do seu mandatário, em que era imputado à arguida A... um crime de Injúria e Difamação, porquanto no dia 27/01/2015, “porquanto no dia 27/01/2015, na Rua (...) , junto ao n.º y... , da Localidade de (...) , enquanto o assistente B... colhia tangerinas no quintal da propriedade da filha, foi abordado por A... que, questionado repetidamente o que estava a fazer na propriedade de sua filha lhe dirigiu as seguintes expressões, em voz alta “Seu Filho da Puta” “Porco”, “Cabrão”, “Andas a roubar as laranjas à nossa filha”.”

IX. Continuando a referir as seguintes expressões ao ora arguido “tu mais essa puta roubam-me tudo”

X. Cremos ser a mesma violadora dos mais elementares direitos de defesa do arguido constitucionalmente garantidos, nomeadamente pelo art.º 20 da CRP porquanto:

XI. O ilustre mandatário do Assistente nos presentes autos requereu o adiamento da diligência informando que no dia de hoje e à hora Marcada tinha uma diligência em Coimbra,

XII. Por despacho foi a mesma intenção indeferida visto que “poderia ter substabelecido em colega”

XIII. O indeferimento dessa pretensão não foi comunicada ao arguido por nenhum meio eficaz que permitisse ao arguido aperceber-se do mesmo indeferimento, já que em situações semelhantes foi autorizado o adiamento;

XIV. Entendemos que na interpretação do artigo 330.º do Código de Processo Penal que refere “Em caso de falta do representante do assistente ou das partes civis a audiência prossegue, sendo o faltoso admitido a intervir logo que comparecer. Tratando-se da falta de representante do assistente em procedimento dependente de acusação particular, a audiência é adiada por uma só vez; a falta não justificada ou a segunda falta valem como desistência da acusação, salvo se houver oposição do arguido.”

XV. O douto Tribunal poderia ter sido sensível ao facto de o Ilustre Mandatário ter tentado adiar a diligência, sendo certo que, apesar de em cima da hora, muito foram já os julgamentos desmarcados no próprio dia e com as pessoas à boca das salas.

XVI.   No entanto, pior que a falta de respeito que entendemos ter consubstanciado para o Ilustre Mandatário, que não teve oportunidade de substabelecer em colega, pois que nenhum se encontrava disponível, é a falta de apreciação das consequências que a homologação da desistência efetuada trouxe nos direitos de defesa do Assistente.

XVII.  O mandatário do Assistente/ora recorrente, colocou atempadamente a missiva no correio, tendo a mesma apenas chegado no dia anterior ao do julgamento.

XVIII. Não sendo notificado nem por telefone, nem por fax, meios expeditos para fazer chegar uma informação quase instantaneamente.

XIX. O mandatário nunca foi notificado por nenhuma das vias do despacho que indeferia a pretensão.

XX. Cremos, não poder a falta poder ser considerada sem mais, injustificada, coartando os direitos de defesa do assistente, para mais, estando a colega da parte contrária informada da impossibilidade de comparecimento do Ilustre Mandatário;

XXI. O Ilustre mandatário considerou assim, que a sua pretensão havia sido deferida visto que não foi contactado por qualquer via do indeferimento de tal pretensão, sendo certo que junto ao processo estão 3 número de contacto móvel e um n.º de FAX;

XXII.  Mais, o julgamento, necessitou de ser adiado para uma segunda data, pelo que entendemos ter havido violação do princípio da equitatividade, mormente no que diz respeito ao direto, à igualdade de armas, ao direito de defesa e contraditório, ao direito à prova e ao direito a um processo equitativo, Cf. n.º4 do art.º 20 da CRP.

XXIII. Entendemos mais ter sido violado o direito estabelecido no art.º 36.º n.º6 da CRP.

XXIV. Garante o artigo 20.º da CRP a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º1), direito que se deve efetivar através de um processo equitativo;

XXV. O assistente não tem direito a punir o criminoso mas o legislador reconhece-lhe interesse em contribuir para o exercício da acção penal, permitindo-lhe intervir direta e imediatamente nos bens jurídicos fundamentais da comunidade que não reclame desta uma reação automática.

XXVI. Deve assim, o presente despacho do qual se recorre revogado e considerado a nulidade nos termos do art.º 120.º do CPP, como obstáculo a prosseguir por parte do assistente a defesa dos seus direitos, bem como os seus interesses legítimos;

XXVII. Já relativamente ao crime de Injurias impõe-se a absolvição do arguido uma vez que XXVII. A sentença baseou-se essencialmente no depoimento feito pela Assistente e pela sua filha I... , que refere estar presente à data dos factos, ora, quanto à primeira, como já mencionado, é a mesma desavinda com B... , há mais de 14 anos, sendo certo que a mesma desde então não deixa passar uma oportunidade para provocar o arguido e ofender a sua actual companheira.

XXVIII. Mais atente-se que, não é o Recorrente que se desloca a casa da Ofendida para a provocar mas sim esta que quando vê o seu Jipe em casa de J... , imediatamente lhe questiona porque motivo ali se encontra.

XXIX. Como a mesma insiste em dizer que “aquilo é da minha filha, ele só tem os usus e frutos, que aquilo é da minha filha”… porém, como sabe este Douto Tribunal ser Usufrutuário dá o direito ao arguido de frequentar o imóvel e colher os frutos, ou de poder nela permanecer sem ser importunado.

XXX. O que não acontece sempre que o mesmo se dirige a (...) .

XXXI. Quanto à testemunha I... , vários são os motivos pelos quais não deve o seu depoimento ser atendido.

XXXII. Em primeiro lugar, a mesma cortou relações com o Recorrente desde a data do divórcio, não falando com o progenitor há cerca de 15 anos,

XXXIII. Mais, por sua vontade não deixa conviver o seu filho C... com o Avô, como pode ser visto pelo depoimento do menor ouvido em declarações para memória futura.

XXXIV. Ademais, apresenta um discurso incoerente, desorganizado e com inúmeros lapsos, nem sabendo quaisquer factos, tendo um discursão pela “rama” em larga medida arrancado e orientado.

XXXV. O que, não é normal, dado ser a mãe a alegada vitima e ela uma suposta testemunha ocular fundamental.

XXXVI. Não fosse os risinhos que ofereceu durante as várias partes do depoimento, e o repúdio que sente ao requerente teria ficado mais furtivo.

XXXVII. Na parte do discurso em que questionada sobre o episodio de dia 27 pelo Exmo. Procurador, I... responde “Muitas (rindo-se) … muitas situações existem entre este casal (continua rindo) (…) Ah mas há outro dia?

XXXVIII. Quer-nos parecer, que o caso não é para rir, pois então esta senhora não se lembraria de um dia tão importante, um dia tão importante que levou o filho a ser inquirido em declarações para memória futura?

XXXIX. É o vale tudo para arruinar a inocência de crianças, e pior! A imagem que o ora neto C... tem do Avô? Se é a isto que chama-mos pessoas de bem, integras e bem vistas, então o mundo está arruinado.

XL. Exmo. Juiz, douto Desembargador, atente-se que a maquinaria da falsidade está aqui muito bem engendrada e que todas as testemunhas do Recorrente, demonstram que basta que o Sr. B... se abeire da propriedade de (...) para que A... provoque desacatos!

XLI. Então as mesmas pessoas que acusam o avô, ora Recorrente, de um crime de Abuso de Menores, com base nas declarações da mãe e da avó, são agora as mesmas que vem afirmar que o menino não viu nada?

XLII.  Afinal qual é a baixeza com que tais pessoas se apresentam em Tribunal?

XLIII. Qual a moral para falar em maldade? Isto não é maldade em estado puro?

XLIV. Enfim, ainda quanto à Recorrida, com o devido respeito, a desculpa para se safar da má-educação que lhe é implícita, é a “choradeira” que faz em qualquer acção em Tribunal, alegando “eu sou uma mulher muito doente”, e justificando com isso que não tem capacidade para reagir a comportamentos do ora alegado arguido.

XLV.  Ora, poupe-nos, a mesma sempre foi perentória em apresentar queixas crimes, ações a pedir pensões de alimentos, perseguições ao Recorrente e agora refere que não quer ter nada a ver com ele?

XLVI. Já O... , também testemunha da Assistente, foi clara ao afirmar “Eu não vi nada… dos processos deles eu não vi nada….eu sei do que corre lá.”

XLVII. Pelo que impõe-se a desvalorização total do depoimento da presente testemunha, na medida em que em ordem ao estabelecido no artigo 130.º do Código de Processo Penal, não é admissível a reprodução de vozes públicas ou rumores públicos.

XLVIII. Assim, sendo o arguido não proferiu as expressões pelas quais vem sendo acusado e foi condenado, nem sequer é alegado por nenhuma das testemunhas o dia exato em que as mesmas ocorreram.

XLIX. A arguida sempre que o arguido se encontra na propriedade do qual tem o usufruto, que sai da sua residência para o importunar, e isso é bem visível porque em todos os processos crime o arguido está na propriedade e a Assistente do lado de fora “mas sempre com a desculpa perfeita” ora, valha-nos paciência!

L. Pela falta de credibilidade que tem de ser dada às testemunhas, bem como as dúvidas subjacentes aos factos ocorridos em dia não determinado de Novembro, impõe-se que seja a prova novamente apreciada, devendo ser dado como não provado o ponto 1. Dos factos prados, sobressaindo a duvida, levando a absolvição do arguido nos termos do art.º 32.º da CRP, em ordem ao Principio, In dúbio pro reu.

LI. Ainda assim, o que só por mera hipótese académica se concebe:

LII. De acordo com o Ac. da Relação do Porto de 25/06/2003, in www.dgsi.trp.pt, proc. N.º 0312710, “Traduz um comportamento revelador de falta de educação e de baixeza moral, que fere as regras do civismo exigível na conveniência social. Contudo, esse tipo de comportamento, socialmente desconsiderado, tido por boçal, medíocre e violador das normas consuetudinárias da ética e da moral, é destituído de relevância penal”

LIII. Ou seja, tais palavras, pela correnteza e sentido vago que possuem, não são objetivamente caracterizadores ou capazes de imputar à arguida a prática de factos, porque como é do conhecimento geral, a palavra “puta”, não é frequentemente chamada a alguém com o intuito de que lhe seja imputado o comportamento de uma prostituta.

LIV. Ou seja, tendo em conta, que as alegas palavras são proferidas num contexto de intrigas entre os ex-cônjuges, sempre se teria de atender ao contexto familiar em que teriam sido vertidas.

LV. No entanto e mais uma vez, por mera hipótese académica, a expressão imputada ao arguido, apesar de censurável do ponto de vista moral, não assume relevância penal nos termos em que lhe foi atribuído.

LVI. Injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, sob a forma de suspeita, um facto, ou formular um juízo de valor, ofensivo à sua honra ou desconsideração, entendida aquela como elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o caráter, a lealdade a probidade, a retidão, ou seja a dignidade subjetiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta ultima como sendo o merecimento que o individuo tem no meio social, isto é bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objetiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma, a opinião publica” – Cf. Ac. da Relação de Lisboa datado de 6/02/1996, disponível em www.dgsi.pt 

LVII.  Como escreve Beleza dos Santos, “nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (…) vide Revista de Legislação e Jurisprudência., ano 92.º, pág. 167

LVIII. Também nesta linha refe o Ac. do Tribunal da Relação de Évora, datado de 02/07/96, onde se lê: “Um facto ou um juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objeto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supões, pois, a violação de um mínimo ético- necessário â salvaguarda sócio-moral da pessoa, da sua honra e consideração. Disponível em www.dgsi.pt ou CJ96, IV, 295.

LIX. O preenchimento deste tipo legal implica que sejam feitas imputações diretas de factos (dados reais da experiência) ou juízos (apreciações valorativas) desonrosas a uma pessoa, isto é, é necessário que a imputação dos factos ou dos juízos lesivos da honra e consideração seja endereçada a uma determinada pessoa e na sua presença.

LX. Não se basta portanto apenas com a consideração de que o que se disse ofende a pessoa em si mesmo considerada.

LXI. Perante tal realidade, é patente a dúvida da efetiva prática dos factos, tanto que, de acordo com o artigo 32.º n.º1 da CRP, vigora o princípio in dúbio pro reo.

LXII. O princípio do in dúbio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de dúvida assaltar o espirito do juiz acerca da matéria de facto.

LXIII. Este princípio tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

LXIV. Perante a factualidade descrita, o arguido não deveria ter sido acusada pela inexistência de indício da prática dos crimes de injúrias pelo que se vem requerer a V/Exª a absolvição do mesmo.

LXV.  Mais, apurando-se que, que este é um tipo de linguagem que a arguida e o assistente usavam habitualmente nas relações diárias, v.g. com outras pessoas e em circunstâncias de conflito ou desentendimentos (nem sequer foi averiguado se aquele tipo de expressão – “filho da puta” – era utilizado com o mesmo significado, independentemente de ser dirigido a familiar com quem se dessem bem ou a familiar com quem estivessem desentendidos).

LXVI. Veja-se a propósito, o depoimento de C... que prestou declarações para memória futura onde naturalmente refere à Exma. Juíza que ouviu a avó no dia 27 de Janeiro de 2015, a chamar “Filho da Puta” e “Carneiro”.

LXVII. Quanto à intensidade da culpa, tem entendido a jurisprudência que “O crime de injúrias assume natureza dolosa, não sendo suficiente para o preenchimento do respectivo elemento subjetivo a alegação de que o agente sabia que estava a dirigir expressões cujo significado ofensivo do bom nome e consideração do ofendido conhecia cf. Ac. TRP datado de 03-11-2010, disponível em www.dgsi.pt

LXVIII. Deu o Exmo. Juiz do Tribunal à quo como provado o ponto 1. dos factos provados, sem especificar qualquer pormenor, apenas referindo na sentença que deu como credível o depoimento da assistente.

LXIX. Assim sendo, por não existirem indícios suficientes da prática de crime de Injúria, p. e p., artigo 180.º do CP, deve o ora arguido ser absolvido, de acordo com o princípio in dúbio pró reo, artigo 32.º, n.º 2 da CRP.

LXX.  Tendo em atenção ao supra exposto, em primeira linha, deve ser dado como não provado o ponto 1. Uma vez que se impõe a apreciação da prova, em que assentou a decisão do douto tribunal, impondo-se a absolvição do arguido,

LXXI. Ainda que assim não se entenda:

LXXII. Deve o arguido ser absolvido, dado que o arguido ainda que tivesse proferidos tais palavras não o fez querendo imputar à Assistente qualquer conduta ou comportamento que consubstancia-se um comportamento fora da moral e integridade do sexo feminino, nomeadamente imputando-lhe a prática de actos sexuais ditos “vergonhosos”.

LXXIII. Pelo que por falta de preenchimento dos requisitos do crime de Injuria p. e p. pelo artigo 180.º, deve o mesmo ser absolvido.

LXXIV. Relativamente ao crime de Importunação sexual, mais uma vez não se pode dar como provados os factos constantes do ponto 3. Ao ponto 7. Dos factos provados, na medida em que,

LXXV. Como tem sido posição do arguido, o mesmo não praticou os factos pelos quais vem acusado no dia 27 de Janeiro de 2016, referindo ademais, que tal imputação, para além de mais uma vez se dever em ocasião em que se deslocou a (...) , é ainda revelador, mais uma vez, da conduta provocadora da Assistente, sempre que o mesmo se encontra na propriedade da qual detém o usufruto.

LXXVI. Nestes termos, não deve ser considerado o depoimento de D... , a melhor amiga da Assistente e sua vizinha, nem da filha I... que demonstra mais uma vez um depoimento desprovido de nexo, sem credibilidade, e tendencioso por todos os motivos já explanados.

LXXVII. Acontece que, ainda que os factos alegadamente cometidos pelo Arguido /Recorrente, tivesse sido cometidos, mais se diria, que não integrariam os pressupostos do Ilícito típico de Importunação Sexual uma vez que,

LXXVIII. Analisando o tipo legal de crime verificamos os seguintes elementos:

i) Quem importunar outra pessoa – ou seja: ser inoportuno, perturbar, ser incómodo, não desejado, não solicitado, não aceite, não tolerado

ii) formular propostas de teor sexual – proferir palavras orais ou escritas de convite/ incitação/ estímulo a práticas, conteúdos, sentidos semânticos de teor sexual.

iii) O que é o teor sexual? Entendemos aqui que há uma conotação semiótica da prática de coito, coito anal ou sexo oral, incluindo “atos sexuais de relevo”. Cf. Artigo Do Exmo. Doutor Professor André Gonçalo Dias Pereira – Do crime de importunação sexual.

LXXIX. Assim, preencherá o tipo legal de crime uma afirmação, não solicitada, indesejada, inoportuna pela qual uma pessoa faz propostas com conteúdo sexual.

LXX. O bem jurídico que se visa proteger é, por um lado, a liberdade sexual, num sentido amplo. O interesse em ter conversas ou ouvir afirmações de teor sexual apenas com quem se quiser, e onde se quiser.

LXXXI. Em segundo lugar, visa-se a proteção de um direito a estar só, nesse reduto muito íntimo da personalidade que configura a sexualidade e o corpo, mesmo em lugares públicos. Recordando Orlando de Carvalho, a pessoa tem um direito a estar só, acrescentamos agora, mesmo na rua.

LXXXII. Assim sendo, o bem jurídico protegido tem um caráter misto: proteção da liberdade sexual, da reserva da intimidade da esfera sexual, mesmo em espaços públicos, e da integridade moral.

LXXXIII. Concluindo, a prática de uma importunação sexual, ofende a liberdade sexual, a liberdade de não ser importunado por terceiros, sem solicitação, fora de um âmbito de adequação social, para uma prática de extrema intimidade e que tem, na maior parte das vezes, um sentido des-subjetivante, apenas transformando a pessoa, normalmente uma mulher, num objeto, numa res, à mercê de uma observação do único sujeito da relação, o que viola o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º da CRP).

LXXXIV. O crime de importunação sexual, na esteira do que já resultava do tipo do artigo 171° do Código penal, na redação de 1995, para que a realidade fosse criminalizada o que exigia, tal como agora: era e é o facto de o ato dito exibicionista representar, para a pessoa perante a qual era praticado, um perigo de que se lhe seguisse a prática de um ato sexual, precisamente por consideração ao local do corpo tocado pelo agente; o legislador preferiu criminalizar tais comportamentos pelo “convite” que eles envolviam.

LXXXV. Desta opção resulta claro que o que era punido, antes como agora, repetimos, não era o ato em si mas o perigo de agressão à liberdade sexual que ele representava:’’ Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26-02-2012, disponível em www.dgsi.pt 

LXXXVI. O arguido foi condenado pelo crime de importunação sexual por ter adotado comportamento exibicionista, mais concretamente, por alegadamente ter tirado o “pénis das calças que tinha vestidas e afirmado vocês querem é isto”.

LXXXVII. Como resulta diretamente dos autos, o arguido não visou qualquer fim libidinoso que fosse projetado diretamente contra a arguida A... , nem tão pouco contra as testemunhas D... e O... , que no fundo seria também alegadamente ofendidas, dado que tal como descrevem as testemunhas, o mesmo proferiu as seguinte expressões: “querem-no? Tomem-no”; “era isto que queriam”

LXXXVIII. Reafirma-se, como foi defendido no Acórdão da Relação do Porto, publicado in www.dasi.Dt/itrp.nsf. de 06/05/2009, no processo n.º 598/06.JAPRT.P1: Para que se preencha o tipo criminal do art.170° do Código Penal é necessário que o ato exibicionista represente para a pessoa perante a qual é executado o perigo de que se lhe siga a prática de um ato sexual que ofenda a sua liberdade de autodeterminação sexual:”

LXXXIX. O que não foi o caso como tal por falta da verificação dos elementos subjetivo e objetivos do tipo legal de crime, não se podendo aceitar, como ressalta da douta sentença de que se recorre, que o arguido agiu com dolo intenso, pois não teve qualquer intenção de incomodar a esse nível quer as testemunhas, quer a ofendida.

XC. Ademais, a mesma segundo a versão apresentada pelas testemunhas, nunca esteve sequer na sua linha de visão como alvo a importunar, nunca o arguido fixou o olhar na mesma por forma a diminuir a sua capacidade de reação relativamente à sua liberdade sexual, tanto que nunca a pretendeu ofender ou incomodar diretamente, indo-se inclusive logo embora, como as testemunhas da ofendida referem.

XCI. Assim, tal como tem vindo a ser entendimento da defesa, pugna-se pela absolvição do ARGUIDO da pratica do crime de importunação sexual, VISTO tal ato não ter como fim a importunação da liberdade sexual da ofendida A... , na medida em que, esta não era a única visada que se encontrava no local, para além de que, mantem o mesmo a posição de que não cometeu os factos pelos quais vem acusado.

XCII.  Tal como mencionado na douta sentença, a fls. 29 “Conforme confere Paulo Pinto de Albuquerque, (…) O ato exibicionista consiste numa ação com conotação sexual realizada diante da vítima, que suscite o receio fundado da prática de um ato sexual com a vítima.”

XCIII. Ora, no presente caso a sentença apresenta-se até algo contraditória pois, tal como o douto Tribunal a quo teve conhecimento, o casal é desavindo há já vários anos, bem sabendo que tal ato apenas poderia configurar, uma tentativa de provocação/arreliação da ofendida mas nunca o perigo de que se lhe seguisse um ato sexual.

XCIV. A ofendida demostrou um sentimento de espanto com o ato em si, e não com o sentido objetivo que lhe foi direcionado, porque a mesma bem sabe, tal como refere, foi Arguido que não quis ter qualquer relação com a mesma, e a vergonha que a mesma refere, é uma vergonha generalizada com o facto do mesmo lhe ter pedido o divórcio! E é a mesma que o admite! Ou seja não sentiu a mesma vergonha, medo ou perturbação por sentir que o ato ainda que não lhe individualmente dirigido, tivesse qualquer fim libidinoso ou seja que a importunasse com um sentido sexual.

XCV.  Segundo o Tribunal da Relação de Coimbra, “Ultrapassa a mera imoralidade, constituindo importunação sexual, adequada ao preenchimento do tipo de crime do artigo 170.º do CP, o ato em que o arguido chama a atenção de menor, de quinze anos de idade, para a sua pessoa e, quando aquela olha na sua direção, retira das calças o seu pénis, exibindo-lho.” Cf. Ac. datado de 26/02/2014, processo 17/11.0GBAGD.C1. disponível em www.dgsi.pt.

XCVI. Assim, a contrário, tem de ser mera imoralidade a alegada falta de educação que o requerido teria, ao colocar o pénis fora sacudindo-o, na medida em que, não praticou qualquer ato que importunasse com carácter sexual quer a ofendida, quer as testemunhas!

XCVII. Mais, não pode o Tribunal ficar alheio ao quadro de intrigas e má relação das partes patente nos autos, e que, tal como descrito na Introdução, dura há mais de 14 anos, data pela qual, o Recorrente pediu o divórcio à Recorrida, havendo um cenário de provocação mutua desde então.

XCVIII. Como vimos na análise da prova, não existe, no caso dos autos, essa representação por banda do Recorrente. Nem o facto tem espessura do ponto de vista sexual, mas aqui não cabem factos causadores de um simples incómodo ou arrelia sendo certo que, não pode o recorrente ser punido pela alegada imensa vergonha que a Recorrente diz sentir, quando seguiu a sua vida, sem que a mesma nunca aceita-se tal facto!

XCIX Assim, “podemos apelidar de exibicionismo o comportamento do agente que envolva actos ou gestos relacionados com sexo contra a vontade da vítima, que vão para além, portanto, dos actos exibicionistas entendidos naquele sentido tradicional.” Cfr. Acórdão da Relação do Porto, publicado in www.dasi.Dt/itrp.nsf. de 06/05/2009, no processo n.º 598/06.JAPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt

C. “Também no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-01-2014 “A realização dos tipos de ilícito dos arts 170º e 171º, nº 3, alínea a) do Código Penal, que descritivamente apenas se distinguem pela idade da vítima, na modalidade de importunação por meio de ato exibicionista exigem a prática de acto exibicionista que cause perturbação.

A exibição do pénis e/ou o seu manuseamento, ereto ou não, perante vítima menor de 14 anos, a quem se causa deste modo receio, susto, intimidação e perturbação, realiza o tipo do art. 171º, nº 3, alínea a) do Código Penal, pois atinge a liberdade da vítima na vertente da sua autodeterminação sexual e é conduta perturbadora do desenvolvimento livre da sexualidade da menor atingida. Já relativamente a vítima de maior idade (art. 170º do Código Penal), em que não está em causa a tutela do desenvolvimento livre da personalidade sexual mas apenas o da liberdade sexual, exigir-se-á a comprovação de factos complementares, dos quais resulte que o ato exibicionista representou, no caso e em concreto, para a pessoa visada, um perigo de que se lhe seguisse a prática de ato sexual que ofendesse a sua liberdade sexual.” Disponível em www.dgsi.pt

Assim, atentando ao depoimento da A... gravado em sistema digital com inicio 10:48:41 e às 11:04:43

CI. Como podemos observar pelos depoimentos prestados pelas testemunhas da assistente, ainda que tivesse existido tal comportamento este compreenderia em si uma dimensão de má educação mas nunca de perigo produzido para a vítima ou para as demais presentes, que em momento algum, referiram ter-se sentido inibidas, perturbas ou constrangidas sexualmente!

CII. Acontece que, no depoimento de C... , neto de A... e B... , ouvido para memória futura, e transcritos pelo “Serviço de transcrições de cassetes de Áudio” retira-se que D... não presenciou nenhum dos factos, pois o C... confirma no seu depoimento que não viu o avô a praticar qualquer actos obsceno e que D... apenas teria chegado após uma discussão entre os Avós.

CIII. Concluindo-se assim, que D... , não presenciou, tendo sim chegado após a discussão.

CIV. Em suma, atendendo à posição do douto Tribunal para o qual se recorre, bem como para a opinião da maioria da jurisprudência, e à ratio com que o legislador pretendeu alterar a inserção do crime para o Capitulo relativo aos crimes sexuais, preenche o crime de Importunação Sexual p. p pelo artigo 170.º do CP, aquele ato exibicionista, que ultrapassa a mera imoralidade e o exibicionismo tradicional, traduzindo-se portanto num ato perturbador, perturbação essa causada pelo perigo produzido no intimo e psicológico da “vítima” de que lhe siga a tentativa ou consumação, de agressão à sua liberdade sexual por aquele que se mostra, e bem assim, aquele ato que possui fim libidinoso e conotação sexual com densidade penalmente relevante. 

CV. Não sendo assim punidos os atos de mera má educação, exibicionismo de ego ou aqueles que causam choque, supressa e perplexidade, por ver uma parte do corpo que outrora fora completamente tabu.

CVI. Tendo em conta todo o supra exposto, o quadro de desavenças, desde o término da relação entre Recorrente e Recorrida, claro se afigura que ainda que tal conduta tivesse sido perpetrada pelo arguido, a mesma não configuraria o preenchimento do ilícito típico do crime p. e p. pelo artigo 170.º do Código Penal, na medida em que não reúne os requisitos objetivos e subjetivos mencionados na norma.

CVII.  Assim sendo, por não existirem indícios suficientes da prática de crime de importunação sexual, p. e p., artigo 170.º do CP, deve o ora arguido ser absolvido, de acordo com o princípio in dúbio pró reo, artigo 32.º, n.º 2 da CRP.

CVIII. Impondo-se assim, a absolvição do arguido quanto ao crime de Importunação Sexual, pelo qual foi condenado ao pagamento de uma indemnização no valor de 500.00€ a título de danos não patrimoniais, e a 50 dias de multa à razão diária de 7€.

CIX. Impondo-se assim, que seja dados como não provados os factos constantes no dia 27 por nunca terem existido, não passando de mais uma cavala contra o Recorrente, ou ainda que assim não se entenda sempre se terá de avaliar a subsunção dos factos à matéria de direito, dado que não os mesmos, tendo em conta a linha da Jurisprudência não se subsumem hoje, no ilícito pelo qual vem o arguido condenado.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V/Exª doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser o Recorrente absolvido do crime de Injúria p. e p. pelo artigo 180.º do CP e do crime de Importunação Sexual p. e p. nos termos do art.º170 do CP, com as devidas e legais consequências.

            O Ministério Público na Comarca de Coimbra – Instância Local da Figueira da Foz, respondeu aos recursos interpostos pelo arguido do despacho proferido a 9 de julho de 2016 e da sentença recorrida, pugnado pelo não provimento dos mesmos e manutenção das decisões recorridas.

            A recorrida A... respondeu igualmente aos recursos interpostos pelo arguido concluindo pela confirmação do despacho proferido a 9 de julho de 2016 e da sentença recorrida e consequente improcedência dos recursos.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que os recursos não merecem provimento.

Dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., não houve resposta.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            O despacho recorrido, de 9 de julho de 2016, tem o seguinte teor:

«2. O Ilustre Mandatário do arguido/assistente B... a fls. 396 requerer o adiamento da diligência informando que no dia de hoje e à hora designada tinha uma diligência em Coimbra.

Por despacho constante de fls. 397 foi indeferido tal pretensão, uma vez que já tinha sido notificado nos termos do art. 151° do C.P.C., aplicado aqui subsidiariamente, em conformidade, salvo o devido respeito, considera-se injustificada a falta do Sr. Advogado a esta diligência, já que sempre poderia substabelecer em colega para o efeito.

Para efeitos do disposto no art. 330°, n.º 2, do C.P.P., determina-se o exercício do contraditório quanto à falta do Ilustre assistente já que o arguido B... figura ainda como assistente, tendo deduzido acusação particular nos autos, a qual consta a fls. 295 e seguintes, imputando à aqui arguida A... a prática dos crimes de injúria e difamação, previsto e punido no art. 181° do Código Penal.

Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, pelo mesmo foi dito o seguinte:

- Atendendo a que estamos perante crimes particulares, e a falta do Ilustre Advogado é considerada injustificada, entende o Ministério Público que esta falta vale como desistência da acusação, nos termos do art. 330°, n.º 2 do C.P.P., salvo se houver oposição da arguida A... , e nesse sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10/02/2005, proferido no âmbito do processo n.º 2096/04-2, disponível em www.dgsi.pt.

Assim, quanto a esta acusação particular, promove-se que se homologue a desistência da queixa, se não houver oposição da arguida.

Dada a palavra à Ilustre Defensora da arguida, pela mesma foi dito que, após ter conferenciado com a arguida, nada tem a opor a tal desistência.

Após, pelo Mm.° Juiz de Direito foi proferido o seguinte:
Despacho

Em conformidade com o supra já referido, uma vez que se considera injustificada a falta do Ilustre causídico representante do assistente B... e por estarem em causa crimes de natureza particular e ainda em face da arguida A... não ter deduzido oposição à presumida legal desistência, homologo a mesma que considero juridicamente válida e eficaz e declaro extinto nos autos o procedimento criminal contra a arguida A... quanto aos factos dos referidos crimes de injúria e difamação.

Custas a cargo do assistente B... que se fixam em 5 UC, pela desistência e ainda em face de ter dado azo a processado incluindo o presente incidente - arts. 116°, n.° 2 do Código Penal e 515°, n. ° 1, al. d) do Código do Processo Penal.

Registe e notifique.».

*

*

A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte:

            Factos provados

1. Em dia concretamente não determinado do mês de Novembro de 2014, cerca das 15 horas, quando A... se encontrava a chegar à sua residência sita na Rua d (...) , Figueira da Foz, o arguido abordou-a e de viva voz disse-lhe: “esta grande filha da puta, esta puta de merda veio para aqui por o lixo, mas vou falar com o Advogado e há-de tirá-lo com os cornos”.  

2. No dia 27.01.2015, pelas 17:30h, na Rua (...) , quando A... aguardava a chegada do seu neto C... , na companhia de I... , presenciou o arguido B... a apanhar tangerinas na propriedade da filha de ambos e de que o mesmo é titular de usufruto vitalício.

3. Nessa ocasião, D... , que regressava a casa sita na Rua (...) , junto ao n.º 10, ao ver o veículo do arguido imobilizado na rua dirigiu-se a A... dizendo que esta tinha visitas.

3. Volvidos alguns minutos e, sem que nada o fizesse prever, o arguido B... virou-se para o local onde a A... , I... e D... se encontravam

4. Acto contínuo, o arguido B... puxou para cima a camisola que trazia vestida, desapertou o cinto das calças, o botão e o fecho e retirou o pénis de dentro das calças.

5. De seguida, o arguido B... agarrando o pénis, abanou-o na direcção de A... dizendo em tom audível “querem-no, querem, tomem-no”.

6. O arguido B... agiu com o propósito concretizado de com a sua conduta importunar A... , praticando, perante esta, actos de carácter exibicionista, bem sabendo que exibia o seu pénis na presença e contra a vontade da A... , que ficou incomodada e constrangida, o que realizou;

7. O arguido agiu ainda com a intenção de por em causa a dignidade e bom nome da Assistente, como logrou conseguir ao proferir as expressões referidas em 1º.

8. O arguido agiu sempre de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

9. Na sequência das condutas do arguido supra referidas, a Assistente sentiu-se humilhada, triste e envergonhada;

10. O arguido encontra-se reformado e aufere por mês a quantia de 1300 euros; vive com a esposa que recebe uma reforma mensal de 280 euros; vive em casa arrendada e paga por mês 500 euros por mês; encontra-se a pagar um empréstimo de 100 euros mensais relativo a aquisição de uma mota; tem como habilitações literárias a 4ª classe;

11. O arguido não possui antecedentes criminais.

12. A Assistente padece, com relevância para o caso dos autos de doença do foro cancerígeno   tendo sido sujeita a  recente intervenção cirúrgica; em 2007 foi-lhe diagnosticado quadro depressivo.  

            Factos não provados

             Mais nenhum facto se provou com relevância para a decisão da causa, constante da acusação particular ou do pedido de indemnização civil, designadamente não se provou que:

            - Na sequência das condutas do arguido ao exibir  o pénis e ao proferir as expressões referidas em 1º , que a Assistente tenha agravado as doenças de que padece;

No dia 27-1-2015 pelas 17h 30 a Assistente tenha proferido as expressões: “ Seu filho da Puta”, “Porco”, “ Cabrão” “Andas a roubar as laranjas à nossa filha”; 

Motivação

            A convicção do Tribunal baseou-se na globalidade da prova produzida em audiência de Julgamento, nos termos que se explica:

            Nos termos do art.127º do CPP, sempre que a lei não disponha de modo diverso, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. O princípio da livre apreciação da prova é válido para todas as fases processuais. Não equivale a prova arbitrária. O juiz não pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas. A convicção do juiz não pode ser puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável.

            Ora, embora a decisão do juiz tenha sempre uma convicção pessoal, até porque nela  desempenham um papel  de relevo  não só  a actividade puramente cognitiva  mas também elementos racionalmente não explicáveis  e mesmo puramente emocionais v. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. 1, ed. 1974, p. 204, tem sempre de ser fundamentada objectivamente, para permitir o seu controlo, constituindo uma garantia contra a arbitrariedade;

            Como refere aquele professor, na ob. Cit , p. 203, se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados  do bom fundamento da decisão … a convicção do juiz  há-de ser … em todo o caso  uma convicção objectivável  e motivável, portanto , capaz de se impor aos outros  … em que  o tribunal  tenha logrado convencer-se  da verdade dos factos  para além de toda a dúvida razoável; 

            «O art.127º do CPP, - como bem referiu o AcRP de 10-10-2001, relatado pelo Exmº juiz desembargador, Clemente Lima, in www.dgsi.pt, indica-nos um limite à discricionariedade do julgador; as regras da experiência comum e da lógica do homem médio  suposto pela ordem jurídica.  Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção».

            Quanto às circunstâncias de tempo, modo e lugar dos factos, teor das expressões referidas no ponto 1º, e conduta do arguido referida nos pontos 2º a 4º, e consequências psicológicas para a Assistente referidas no ponto 9º, dos factos provados, teve-se em consideração, desde logo as declarações desta, A... que de modo lúcido, objectivo e coerente e por disso credível relatou o teor dos insultos em causa de que foi vitima, insultos proferidos pelo arguido, quando se encontrava a chegar à sua residência, na companhia da sua filha I... e da testemunha “ I... ”; que tinham as três ido ao Café tomar uma bica quando no regresso a casa a Assistente foi interpelada pelo arguido que andava no quintal da casa da filha; também confirmou os factos acontecidos no dia 27-1-2015, que referiu em suma, e com relevância, que quando o arguido andava a colher tangerinas e laranjas e trazendo consigo um saco cheio e “de rojo” e passou junto da Assistente e D... que estavam de conversa, quando levantou a camisola e  terá  na sequência exibido o pénis abanando-o dizendo “querem-no, querem,  tomem-no “em direcção às duas que ali estavam de conversa; que se sentiu muito envergonhada e humilhada com as atitudes do arguido;    

         A versão da Assistente foi confirmada na sua dimensão matricial, sem prejuízo de algumas imprecisões acidentais, compreensíveis pelo decurso já do tempo, pelos depoimentos das testemunhas e que de um modo objectivo, lógico, coerente e por isso credível relataram os factos: I... , que apesar de filha do arguido e de andar de relações cortadas com este referiu em relação aos factos ocorridos em Novembro de 2014, como tendo estado presente, quando regressavam a casa na companhia da Assistente, sua mãe e ainda da testemunha “ I... ”, o arguido abordou aquela por existir lixo de obras, sobretudo cascalho nas imediações e que levou o arguido a proferir as expressões em causa, com destaque para os termos “filha da puta”, puta”, “que havia de tirar o lixo com os cornos”; que a sua mãe ao ouvir tais expressões começou logo a chorar; igualmente confirmou ter presenciado o episodio ocorrido em Janeiro de 2015, pois estava no local já que tinha trazido o seu filho C... da escola e apercebeu-se que o arguida estava a apanhar laranjas e tangerinas  e quando regressava com a saca cheia do que tinha colhido  ao passar junto da Assistente e da D... (esta que se encontrava no local por ter trazido de carro a sua

neta da escola, a M... ) levantou a camisola e tirou o pénis que abanou para cima e para baixo  e disse para a Assistente e D... , “querem-no, tomem”; que no jeep do arguido que se encontrava estacionado a cerca de 15 metros da testemunha não se encontrava ninguém; que a Assistente, mãe da testemunha se sentiu muito envergonhada e humilhada; que ainda ouviu a D... a dizer ao arguido: “dá meio volta e enfia-o no rabo”; D... , que se encontrava no local dos factos, pois é vizinha da Assistente e tinha chegado por ter ido buscar a sua neta a M... à escola e passou pelo Jeep do arguido  e encontrou a A...   que lhe disse este  malandro veio apanhar todas as  tangerinas, tendo visto o arguido sair do quintal  um saco cheio e se dirigia ao Jeep quando passou junto da A... e da testemunha e parou levantou camisola de xadrez e exibiu o pénis dizendo o que vocês querem é isto, ao que a testemunha respondeu: “Olha dá-lhe meia volta e mete-o no rabo”; O...   amiga da Assistente e que no dia 27 de Janeiro, após a conduta do arguido esteve na companhia daquela que lhe relatou a conduta do arguido ao exibir o pénis  à ofendida; que reparou que esta ficou muito abalada em termos psicológicos com a conduta do Arguido; a Assistente “estava muito em baixo” já que o arguido “ faltou-lhe ao respeito”; N... , que confirmou os factos ocorridos em Novembro de 2014, pois estava na companhia da Assistente e da filha desta I... , que é conhecida por “ I... ”, que quando regressavam a “casa” vindas do Café o arguido abordou a Assistente e insultou-a com várias expressões recordando ter ouvido expressões como “ Filha da Puta”; “ Grande Puta”; “Tirar o lixo com os cornos”; que depois dos insultos que foram proferidos em tom de voz muito alto, a Assistente ficou em baixo, “fartou-se de chorar”;

            O arguido prestou declarações quanto aos factos imputados e negou por qualquer forma ter insultado a Assistente com as expressões atribuídas, antes pelo contrário considerou que foi injuriado pela mesma; negou ter exibido o seu pénis, tanto mais que segundo referiu tinha as mãos ocupadas a transportar dois sacos de fruta e vestia um casaco apertado que não lhe permitiria ter actuado de tal modo, designadamente exibir o pénis; mais referiu que no interior do seu veículo estavam três pessoas que presenciaram tudo: E... , sua esposa; F... seu ex-genro e G... e longa data; estas três testemunhas confirmaram que se encontravam no interior do veículo do arguido de onde não saíram enquanto o mesmo foi apanhar as laranjas e tangerinas (o arguido referiu duas sacas); salvo o devido respeito, existem sérias duvidas que tais pessoas se encontrassem no interior do veículo em causa, pois não justificaram de modo convincente o que é que estavam a fazer, o motivo pelo qual nem sequer saíram do veículo, tanto mais que para apanhar duas sacas de laranjas ou tangerinas, sempre decorre algum tempo; acresce que  estas testemunhas apresentam uma versão decalcada da versão do arguido, sustentando não ter visto o mesmo a exibir o pénis, e antes a ser insultado pela Assistente; por outro lado, a  testemunha I... que se encontrava no local dos factos  referiu que se apercebeu que no Jeep do seu pai não se encontrava ninguém, tendo condições de visibilidade para o efeito; Já em relação às testemunhas H... , vizinho do arguido não esteve presente no local dos factos pelo que nada presenciou, e aquilo que sabe foi o que o arguido lhe contou; apenas de concreto referiu que quando se desloca na companhia do arguido ao prédio de que este é usufrutuário é costume a A... insultar “o arguido e a esposa, chamando-o de ladrão, leva esta “filha da puta” daqui referindo-se à actual esposa, mas não logrou concretizar no tempo os factos em causa.

            Também a testemunha L... que é amigo e o conhece desde longa data, referiu não se encontrar presente no local dos factos, referiu ser frequente a Assistente discutir com o arguido e chamá-lo de nomes, instando a esclarecer com pormenor tal versão dos factos acabou por referir que aquilo que sabe foi o ouviu de conversas com o arguido, não possuindo conhecimento directo dos factos. 

               Em relação aos menores que prestaram declarações para memória futura cumpre referir: em relação ao menor C... , as declarações constam a fls. 195 ss e em relação à menor M... , as declarações constam a fls. 204 ss;  trata-se de crianças que  á data dos factos respectivamente com 9 e 7 anos de idade  não foram sujeitas a qualquer perícia à personalidade com vista a credibilizar o grau de rigor e  fiabilidade  no relato transmitido, em face do conhecido poder de sugestão a que são sujeitas, por intervenientes acidentais,  e isto sobretudo no caso em que não são vitimas e não desenvolvem consequências traumáticas  como sucede no caso dos autos  podendo desenvolver sentimentos de inibição e de vergonha não comuns aos adultos. Assim se o menor C... diz que não viu o arguido a baixar as calças não é possível formular um juízo seguro se tal corresponde a algo que percepcionou ou se tem vergonha e inibição de exprimir ter visto tal acto; note-se que em relação à menor M... trespassa em todo o seu depoimento um forte componente de sugestionabilidade, não sendo possível concluir o que a menor se encontra capaz de distinguir o que viu daquilo que a sua avó lhe disse que viu (a testemunha refere a fls. 210 que foi a avó que disse que viu o arguido a levantar a camisola e a mostrar o pénis que ela não viu nada); mas antes já tinha referido que estava no banco detrás do veículo “a ver os meus trabalhos” e viu pelo retrovisor o arguido a levantar a camisola e a mostrar o pénis!     

            Os depoimentos dos menores, desacompanhados de perícia sobre a personalidade e atento o teor dos seus depoimentos, em face das suas limitações de idade e inibições e fantasia próprias de crianças não permitem formular qualquer juízo próprio de fiabilidade probatória minimamente seguro em relação aos factos dos autos. 

            A prova produzida e examinada em audiência de julgamento permite concluir por um juízo seguro, para além de toda e qualquer dúvida séria e razoável que o arguido exibiu o seu pénis nos termos supra referidos bem como proferiu as expressões em causa.

            No que tange às expressões injuriosas em causa, elas foram atestadas pelas declarações fiáveis e credíveis da Assistente nos termos supra referidos cuja versão foi confirmada por duas testemunhas oculares, I... e N... nos termos supra expostos.

            Já em relação à conduta do arguido em exibir o seu pénis nos termos supra referidos   é possível concluir por um juízo probatório seguro da sua verificação,   seja pelas declarações da Assistente, seja pelas declarações das testemunhas oculares I... e D... . Na realidade o acto em si pela sua excepcionalidade e ousadia ultrapassa a imaginação de qualquer das testemunhas, note-se a reacção da sincera e verosímil da própria testemunha D... ao dizer ao arguido que desse meia volta e o enfiasse no rabo, que seria muito difícil de justificar caso não tivesse verdadeiramente ocorrido tal episódio. Por outro lado, a versão do arguido não foi confirmada por qualquer depoimento credível. O arguido sustentou que três pessoas que se encontravam no local e dentro do seu jeep - que ninguém confirmou ai as ter visto, antes pelo contrário houve depoimentos que referiram que o veículo estava sem ninguém - apoiavam a sua versão dos factos, mas como tais  depoimentos foram tão limitados nos termos supra expostos, a sua versão não logrou convencer, por contraposição da versão sólida, coerente da Assistente, e confirmada nos termos já referidos.   

            Já para prova do elemento subjectivo dos tipos do ilícito em causa cumpre referir que  o dolo  não constitui uma realidade ostensível e isto em face da sua natureza subjectiva. Como tal, não é possível de apreensão directa, pelo que só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, e por meio das presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou das regras gerais da experiência. Concordando-se com o douto Acórdão do S.T.J. de 01.04.93 in BMJ n.º 426, pág. 154 no qual se exarou: “Dado que o dolo pertence à vida interior e afectiva de cada um e, é portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo possa concluir-se, entre os quais surge, com a maior representação, o preenchimento dos elementos materiais integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral de experiência.”

         Ora, recorrendo às regras da experiência, e conforme já referido, a conduta do arguido ao exibir os genitais nos termos em que o fez e ao proferir as expressões supra referidas  segundo os critérios referidos  permite fazer um juízo seguro do dolo directo  e consciência da ilicitude Penal.

            Quanto ao apuramento das condições económicas, sociais e pessoais do arguido  baseou-se, o tribunal, nas declarações do mesmo, conjugadas com as regras da experiência .

             Em relação à ausência de antecedentes criminais teve-se em conta o CRC junto aos autos, sendo que a sentença condenatória junta pela assistente em que o arguido foi condenado pela prática de um crime de dano p. e p. pelo art.º 212º, n.º 1 do C.Penal na pena de 100 dias de multa transitada em julgado em 16-02-2009, em face de já ter decorrido mais de cinco anos da extinção da pena em conformidade com o art.º 11º, n.º 1 , alínea b)  da Lei n.º 37/2015, de 5/5  a  condenação em pena de multa deixou de ser considerado antecedente criminal.

            Quanto aos problemas de saúde teve-se em consideração o teor da documentação clinica junta, a fls. 292 a 294, revelando-se o demais alegado sem relevância para os factos dos autos.         

            Quanto à factualidade dada como não provada a mesma resulta da insuficiência de prova que seja capaz de criar a convicção da sua verificação; seja por a versão do arguido não ter merecido credibilidade nos termos supra referidos, seja por não existir documentação médica que ateste que a saúde doenças da Assistente ficou prejudicada, para além do facto de a mesma se ter sentido triste, humilhada, e vexada com o comportamento do arguido.
                                                                          *
            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

Como bem esclarecem os Cons. Simas Santos e Leal-Henriques, «Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art.684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido B... , relativamente ao despacho recorrido, as questões a decidir são as seguintes:

- se a falta do Ex.mo representante do assistente à audiência de julgamento do dia 9 de julho de 2016 deve considerar-se justificada; e

- se o despacho recorrido padece de nulidade nos termos do art.120.º, alínea b), do C.P.P. e violou o disposto nos artigos 330.º, n.º 2 do C.P.P. e 20.º e 32.º, n.º 6 da C.R.P..

Tendo em consideração as conclusões da motivação, relativamente à sentença recorrida, são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente o arguido B... :

- se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos constantes dos pontos n.ºs 1 e 3 a 7 da sentença recorrida;

- se a conduta do arguido dada como provada não integra a prática do crime de injúria; e

- se os factos dados como provados não integram os pressupostos do ilícito típico de importunação sexual, pelo que deve ser absolvido dos crimes e da indemnização arbitrada à assistente.

            Recurso do despacho de 9 de julho de 2016

1.ª Questão: da falta injustificada do representante do assistente à 1.ª audiência de julgamento.

O recorrente B... , na qualidade de assistente, não aceita que o despacho recorrido tenha considerado injustificada a falta do seu Ex.mo mandatário à audiência de julgamento do dia 9 de julho de 2016 com a fundamentação deste estar regularmente notificado nos termos do art.151.º do C.P.C. para a audiência e de que poderia ter-se feito representar por outro colega através de substabelecimento.

Alega para o efeito o recorrente, no essencial, o seguinte:

- O mandatário do assistente informou antecipadamente o Tribunal, através de missiva, de que não poderia comparecer à audiência de julgamento deste processo, por ter na mesma data e hora diligencias fora da comarca que o impediam de estar presente e, por tal razão, contactou a Ex.ma mandatária da arguida, advertindo-a de que iria enviar requerimento a solicitar o adiamento da diligência;

- O mandatário do assistente não foi notificado nos termos legais do despacho de indeferimento do requerimento, uma vez este não foi expedido nem a horas, nem por meios eficazes, de modo a permitindo-lhe tomar conhecimento do mesmo, designadamente por telefonema, o que o levou a considerar a sua pretensão deferida;

- O mandatário do assistente não designou ou substabeleceu em colega para que estivesse presente na audiência, porque não foi notificado do despacho que indeferiu a sua pretensão;

- Considerar a falta injustificada é coartar todo o direito de defesa do arguido/assistente nos autos, não lhe permitindo um acesso ao direito justo e um processo equitativo, como constitucionalmente consagrado no art.20.º da C.R.P.

Analisemos, antes do mais, as normas legais essenciais à decisão da presente questão.

O art.20.º, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, estabelecendo, designadamente, que « A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.» ( n.º1) e que « Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. (n.º4)».

O direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, significa fundamentalmente, direito à proteção jurídica através dos tribunais, ou seja, o direito a ver decidido o conflito relativo aos seus direitos e interesses legítimos de acordo com o direito através dos Tribunais.[4]

Ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, a Constituição não só assegura que a todos sejam facultados todos os meios necessários e adequados para que possa defender a sua posição em juízo, como impede a existência de normas processuais - ou de interpretações normativas - que se traduzam numa limitação inadmissível ou injustificada das suas possibilidades de defesa.

O conceito de “processo equitativo” tem sido desenvolvido sobretudo pela jurisprudência da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo artigo 6.º tem precisamente como epígrafe “Direito a um processo equitativo” e cujo §1.º dispõe, retirando as palavras do artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que «qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativamente», frase que é repetida no artigo 14.º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos.

Na concretização da figura do “processo equitativo” vem aquela jurisprudência chamando diversos fatores, desde logo, o de um tribunal independente e imparcial que, com respeito pelos princípios do contraditório e da igualdade de armas, examine publicamente as causas que lhe forem submetidas.

O Tribunal Constitucional, dentro deste âmbito, vem considerando que um processo equitativo é um processo justo, em que, designadamente, cada parte tem o direito de se pronunciar sobre todas as questões relevantes para a decisão da causa em questão, dispondo para o efeito de meios idênticos.

O art.312.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, estatui a propósito da marcação da audiência de julgamento, que « O tribunal deve marcar a data da audiência de modo a evitar a sobreposição com outros atos judiciais a que os advogados ou defensores tenham a obrigação de comparecer, aplicando-se o disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil.».

Por sua vez, o art.151.º do atual Código de Processo Civil (correspondente ao anterior art.155.º do C.P.C. de 1961), estabelece, nomeadamente, sobre a marcação das diligências processuais:

« 1 - A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.

2 - Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal e identificar expressamente a diligência e o processo a que respeita, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.».

Visam estes preceitos, conjugados entre si, prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências judiciais, designadamente de audiências de julgamento, entre os advogados ou defensores tenham a obrigação de comparecer, uma vez que, por regra, estas não podem ser objeto de adiamento.

Na impossibilidade de marcação do dia e hora da realização da audiência de julgamento, mediante prévio acordo (n.º1 do art.151.º do C.P.C.), o tribunal designa data para a audiência.

Caso os advogados ou defensores estejam impedidos de comparecer na data fixada pelo tribunal, devem, no prazo de cinco dias, comunicar o seu impedimento ao tribunal propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados. (n.º2 do art.151.º do C.P.C.).

A marcação da audiência de julgamento sem prévia observância do n.º1 do art.151.º do C.P.C., podendo sê-lo, constitui uma mera irregularidade (art.118.º, n.º 2 do C.P.P.), que terá de ser arguida a requerimento do interessado, nos termos do n.º 123.º, n.º1 do C.P.P.. 

O art.330.º, do C.P.P., sob a epígrafe «Falta do Ministério Público, do defensor e do representante do assistente ou das partes civis», estabelece:

«1 - Se, no início da audiência, não estiver presente o Ministério Público ou o defensor, o presidente procede, sob pena de nulidade insanável, à substituição do Ministério Público pelo substituto legal e do defensor por outro advogado ou advogado estagiário, aos quais pode conceder, se assim o requererem, algum tempo para examinarem o processo e prepararem a intervenção.

2 - Em caso de falta do representante do assistente ou das partes civis a audiência prossegue, sendo o faltoso admitido a intervir logo que comparecer. Tratando-se da falta de representante do assistente em procedimento dependente de acusação particular, a audiência é adiada por uma só vez; a falta não justificada ou a segunda falta valem como desistência da acusação, salvo se houver oposição do arguido.».

Deste preceito resulta medianamente claro que a falta de representante do assistente, devidamente notificado, não dá lugar a adiamento da audiência, tendo lugar sem a sua presença, sendo admitido a intervir logo que compareça, a menos que o procedimento dependa de acusação particular.

Dependendo o procedimento de acusação particular, se existir falta justificada do representante do assistente a audiência pode ser adiada, por uma só vez. O mesmo já não acontece sendo a falta do representante do assistente injustificada quando está em causa um crime de natureza particular: é que tal falta equivale a desistência de queixa, e tem como consequência, caso o arguido não se oponha, a extinção do procedimento criminal.

A segunda falta, mesmo que justificada, vale como desistência da acusação, salvo se houver oposição do arguido.

O art.117.º, n.º1, do C.P.P., estabelece, a propósito da justificação da falta de comparecimento a ato processual, que « Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no ato processual para que foi convocado ou notificado.».

A formulação de justificação da falta nos termos descritos neste preceito é algo genérica, deixando larga margem ao julgador na sua integração por factos concretos.

Retomando o caso concreto, começamos por anotar que o Tribunal a quo, no despacho de 31 de março de 2016, que designa dia para julgamento, depois de designar duas datas para a sua realização, a primeira das quais para o dia 9 de junho de 2016, manda dar cumprimento ao disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil.

O Ex.mo advogado do assistente/arguido foi notificado por carta de 5 de abril de 2016, para, nos termos dos artigos 312.º, n.º4 do C.P.P. e 151.º, n.º 2 do C.P.C., em caso de impedimento e mediante prévio acordo com os restantes mandatários, propor, no prazo de 5 dias, datas alternativas às já marcadas para audiência de julgamento.

Em 28 de abril de 2016, o ora recorrente B... , na qualidade de arguido, apresentou contestação às acusações e pedido civil contra si deduzidos.

Os sujeitos processuais foram entretanto notificados para comparecerem à audiência de julgamento.

Por fax remetido ao Tribunal às 17h:14m, do dia 7 de junho de 2016, o Ex.mo Advogado do ora recorrente, veio “… informar que, a data designada para o Julgamento no dia 9 de Junho de 2016, às 09:30 horas, não lhe é conveniente, uma vez que já tem para esse dia diligências em Coimbra. Assim, vem requerer (…) se digne marcar o Julgamento para uma das datas abaixo indicadas (…). Mais se refere, que já foi contactado a mandatária da parte contrária e foi obtida concordância da mesmo relativamente aos dias supracitados.”. 

O fax foi registado na Secretaria Judicial no dia 8/6/2016 e na mesma data concluso foi apresentado com os autos ao Ex.mo Juiz que proferiu, co m data supra, o seguinte despacho: “ Uma vez que já foi dado cumprimento ao disposto no art.151.º do CPC e não foi invocado qualquer impedimento dentro do prazo, e por já terem sido realizadas as notificações em causa dos demais intervenientes não é possível atender ao requerido. Notifique.”.

De folhas 398 e verso, resulta que, ainda em 8/6/2016, foi remetida carta ao Ex.mo Advogado com o teor do despacho e juntou-se prova da remessa do mesmo despacho para o fax do Ex.mo Advogado, com menção de que não foi enviada nenhuma notificação de entrega pelo servidor de destino.

Na data do julgamento designado, 9/6/2016, não se encontravam presentes, designadamente, o ora recorrente B... e o seu Ex.mo Advogado, nem fizeram chegar qualquer requerimento à audiência de julgamento durante o seu decurso.

Perante o exposto, será que andou mal o Ex.mo Juiz ao declarar, no despacho recorrido, como injustificada, a falta do Ex.mo Advogado?

Salvo o devido respeito, cremos que não.

O Ex.mo Advogado do assistente/arguido B... foi notificado por carta de 5 de abril de 2016 para, nos termos dos artigos 312.º, n.º4 do C.P.P. e 151.º, n.º 2 do C.P.C., em caso de impedimento e mediante prévio acordo com os restantes mandatários, propor, no prazo de 5 dias, datas alternativas às já marcadas para audiência de julgamento, e não o fez no prazo que lhe foi indicado.

A partir dessa altura, não tendo sido arguida qualquer irregularidade no cumprimento do art.151.º do C.P.C., o Ex.mo advogado do assistente/arguido não pode deixar de ficar ciente de que a audiência de julgamento se realizará nas datas e horas fixadas. Assim, um advogado diligente evitará a sobreposição de qualquer outro processual na data e hora das audiências designadas, designadamente por razões de conveniência sua, uma vez todos os sujeitos processuais ficaram convocados para a realização do julgamento.

No caso presente, o Ex.mo advogado do assistente/arguido, desrespeitando o sentido da atual legislação, de que marcada a audiência deverá realizar-se, assim se obstando à criticada demora na administração da justiça e ao verdadeiro desprestigio que são os adiamentos pelos mais variados motivos invocados pelos Ex.mos mandatários e defensores, não só desrespeitou o disposto nos artigos312.º, n.º4 do C.P.P. e 151.º, n.º 2 do C.P.C., como ainda apresenta o pedindo o adiamento da audiência de julgamento e marcação de outra data, praticamente em cima da diligência - às 17h:14m, do dia 7 de junho de 2016, portanto após o fecho da secretaria judicial -, com o fundamento de que tem conveniência em realizar outras diligências, em Coimbra, na mesma data e hora.

O Ex.mo advogado do assistente/arguido, como conhecedor de direito que é, não pode deixar de saber que uma conveniência sua ou um acordo entre si e a Ex.ma mandatária da assistente/arguida A... , na indicação de outras datas para julgamento, não são motivos de adiamento da audiência de julgamento já designada.

A Ex.ma advogada da assistente/arguida A... também o sabia e por isso fez comparecer na audiência de julgamento já designada uma sua Ex.ma colega com substabelecimento outorgado a seu favor.

Sabendo o ora recorrente e o seu Ex.mo advogado que o requerimento, pedindo o adiamento da audiência, apenas poderia ser apresentado ao Ex.mo Juiz titular do processo no dia anterior ao julgamento e, assim, que só nessa data seria decidido, se tivessem atuado com o cuidado e diligência que o caso impunha, não deixariam comparecer ao julgamento já designado ou do Ex.mo advogado substabelecer noutro advogado, ao não terem conhecimento da decisão que teria recaída sobre o pedido de adiamento da audiência.

No caso, resulta dos autos que ainda em 8/6/2016, foi remetida carta ao Ex.mo Advogado com o teor do despacho de indeferimento do adiamento e juntou-se prova da remessa do mesmo despacho para o fax do Ex.mo Advogado, com menção de que não foi enviada nenhuma notificação de entrega pelo servidor de destino.

O Tribunal a quo fez, pois, o que lhe competia em relação ao despacho proferido em 8/6/2016.

Ao contrário do que parece entender o recorrente, não existe nenhuma norma legal estabelecendo que a pretensão de adiamento de audiência se considera deferida quando quem o requer ainda não tem conhecimento da decisão que recaiu sobre o pedido.

Sendo certo que a conveniência do Ex.mo Advogado do assistente/arguido em ir a outra diligência, em vez de ir ao julgamento designado nos presentes autos, e um acordo para indicação de outras datas para julgamento com outra advogada, não são causa de adiamento do julgamento que veio a realizar-se no dia  9 de junho de 2016, não merece censura a decisão recorrida de considerar injustificada a falta de comparecimento a essa diligência daquele sujeito processual.

Por fim, diremos que enquanto sujeito do processo, o assistente é titular de direitos como o de estar presente na audiência de julgamento e de nela ser representado por advogado; mas também de deveres, como o de comparecer na audiência e de fazer comparecer nela o seu advogado.

Resulta claro do art.330.º, n.º 2 do C.P.P. que a falta injustificada do advogado do assistente ao julgamento, quando o crime é de natureza particular equivale a desistência de queixa, tendo como consequência, caso o arguido não se oponha, a extinção do procedimento criminal.

Assim, num caso como o presente, em que para além de faltar injustificadamente à audiência o representante do assistente, até o próprio assistente falta injustificadamente à mesma diligência, não se reconhece àquela declaração de injustificação da falta do representante do assistente o sentido de violação do “processo equitativo” em qualquer dos seus diversos fatores atrás descritos, designadamente, no de alegado direito de defesa do assistente.

Assim, improcede esta questão.

            2.ª Questão: da nulidade do despacho e violação dos artigos 20.º e 32.º, n.º 6 da C.R.P.

O recorrente defende que o despacho recorrido padece de nulidade nos termos do art.120.º, alínea b), do C.P.P. e violou o disposto nos artigos 330.º, n.º 2 do C.P.P. e 20.º e 32.º, n.º 6 da C.R.P., pelo que deve ser revogado, ordenando-se a realização de julgamento com a validade da acusação particular elaborada nos presentes autos.

Alega para o efeito e em, síntese, o seguinte:

- O Tribunal a quo poderia ter adiado o julgamento, nos termos do art.330.º, n.º 2 do C.P.P., uma vez que o seu mandatário informou o Tribunal e contactou a colega da contraparte do requerimento a solicitar o adiamento;

- O Tribunal a quo deveria ter adiado o julgamento na medida em que a maior parte das pessoas convocadas não se encontravam presentes;

- Na medida em que foi o mandatário do assistente substituído por outra mandatária o despacho está ferido de nulidade, nos termos do art.120.º, alínea b), do Código de Processo Penal;

- Não obstante ter nomeado mandatária para o assistente, esta não requereu prazo para a consulta dos autos, para defesa dos direitos do assistente, como lhe deveria ser cometido e intrínseco, homologando o Tribunal a quo a desistência de queixa e consequente queda da acusação particular, porquanto entendeu ser a falta do mandatário injustificada;

- O despacho recorrido viola os direitos constitucionalmente consagrados no art.20.°, n.ºs 1 e 4 da C.R.P. pelo que a prossecução dos direitos e interesses legítimos do assistente, bem como o direito a um processo equitativo, exige a sua revogação.

Cremos, mais uma vez, que o recorrente não tem razão.

O art.333.º, n.º 1, do C.P.P., estabelece, como regra geral, que a falta à audiência de julgamento do arguido regularmente notificado só é motivo de adiamento da audiência quando o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência. 

De forma idêntica, o art.331.º, n.º1 do C.P.P., estabelece, como regra geral, que a falta à audiência de julgamento, justificada ou não, do assistente, de testemunhas, peritos ou consultores técnicos ou das partes civis, não dá lugar ao adiamento da audiência; este, só pode ocorrer quando o Juiz Presidente decidir, por despacho, que alguma daquelas pessoas mencionadas é indispensável à boa decisão da causa e não for previsível a obtenção do seu comparecimento com a simples interrupção da audiência (n.º 2).

Sobre a falta do Ministério Público, do defensor e do representante do assistente ou das partes civis à audiência de julgamento, rege o já transcrito art.330.º, n.º2 do C.P.P., do qual resulta, como vimos, que a falta injustificada de comparência a julgamento do mandatário do assistente, em crime de natureza particular, equivale a desistência de queixa, e tem como consequência, caso o arguido não se oponha, a extinção do procedimento criminal.

Equivalendo a desistência de queixa, a falta injustificada de comparência a julgamento do Ex.mo mandatário do assistente B... , por se estar perante um crime de injúria, a lei impunha ao Ex.mo Juiz de julgamento perguntar à arguida A... se não se opunha a desistência de queixa e decidir em conformidade com o disposto no art.330.º, n.º 2 do C.P.P..

Não se opondo a arguida à desistência de queixa, como não se opôs, impunha-se ao Tribunal a quo declarar a extinção do procedimento criminal, pelo que o adiamento do julgamento, nestas circunstâncias, designadamente por não terem comparecido na audiência “a maior parte das pessoas convocadas”, violaria frontalmente o disposto no art.330.º, n.º 2 do C.P.P..

No que respeita à alegada nomeação de mandatária ao assistente, e à censura que o recorrente faz à mandatária nomeada ao assistente por não ter requerido prazo para a consulta dos autos e defesa dos direitos do assistente, como lhe deveria ser cometido e intrínseco, não podemos deixou de notar que o ora recorrente labora num evidente equívoco.

O ora recorrente tinha a qualidade, simultaneamente, de assistente e de arguido e, como resulta bem expresso da ata de julgamento, de 9 de junho de 2016, dada a falta do seu advogado, o Ex.mo Juiz do julgamento “determinou a nomeação de Defensor Oficioso, através do SINOA, tendo sido nomeada ao arguido faltoso a Sr.ª Dr.ª Z.....”.

É enquanto Defensora Oficiosa do arguido B... que aquela Ex.ma advogada exerceu funções na audiência de julgamento, sendo nessa qualidade que na ata da audiência de julgamento declarou expressamente que não se opunha ao início da audiência de julgamento na ausência do arguido B... .

O art.120.º, n.º 2 , al.d), do C.P.P. comina como nulidade dependente de arguição « A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.».

Para além do Tribunal da Relação não vislumbrar porque é que uma alegada substituição do mandatário assistente, por outra mandatária, constituiria uma por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, no caso tal nomeação nem sequer ocorreu.

Assim, mostra-se prejudicada a arguição da nulidade do despacho recorrido com fundamento na alegada substituição do mandatário assistente, por outra mandatária.

Por fim, o Tribunal da Relação não reconhece no despacho recorrido, a violação dos direitos constitucionalmente consagrados no art.20.°, n.ºs 1 e 4 da C.R.P., ou seja, o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional e a um “processo equitativo”.

O art.32.º, n.º 7, da C.R.P., dispõe que «o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei.».

Ao remeter para a lei, o direito de intervir no processo, a C.R.P. deixou na discricionariedade normativo-constitutiva do legislador a possibilidade quer da determinação dos processos ou crimes em que a intervenção do ofendido poderá ocorrer, quer da regulação dos termos a que essa intervenção processual deverá obedecer, só não podendo abolir ou restringir esse direito de forma desadequada, desnecessária ou arbitrária.

E, assim, o legislador veio dispor no art.70.º, n.º 1, do CPP, que “os assistentes são sempre representados por advogado” e em caso de crimes particulares têm de deduzir acusação particular e estar acompanhados na audiência de julgamento por advogado que os represente.

A exigência de que o representante do assistente esteja presente na audiência de julgamento por crimes particulares ou de que, faltando, justifique a sua falta, e a consequência estabelecida relativamente à falta nestas circunstâncias - vale como desistência da acusação, podendo, em último termo, conduzir à extinção da ação penal, não dificulta ou prejudica, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o interesse do assistente na realização da justiça penal.

As regras são claras nos crimes dependentes de acusação particular. Se para além do seu representante, o próprio assistente não comparece à audiência de julgamento para que foi regularmente notificado, nem justifica nenhum deles a falta, num crime dependente de acusação particular, não é de modo nenhum violador do seu direito de acesso ao Tribunal e a um processo equitativo, a declaração de extinção do procedimento criminal pelo crime dependente de acusação particular.

Assim, não se reconhecendo a violação, no despacho recorrido, dos direitos do assistente/recorrente constitucionalmente consagrados no art.20.°, n.ºs 1 e 4 da C.R.P., mais não resta que julgar improcede também esta questão. 

*

            Recurso da sentença

            1.ª questão: do erro de julgamento.

O art.431.º do Código de Processo Penal, estatui que, sem prejuízo do disposto no art.410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada se se verificarem os seguintes requisitos:

  « a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;

     b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou

     c) Se tiver havido renovação de prova.”.

A situação prevista na alínea a), do art.431.º, do C.P.P. está excluída quando a decisão recorrida se fundamenta, não só em prova documental, pericial ou outra que consta do processo, mas ainda em prova produzida oralmente em audiência de julgamento. 

Também a possibilidade de modificação da decisão da 1.ª instância ao abrigo da al. c) do art.431.º, do C.P.P., está afastada quando não se realizou audiência para renovação da prova neste Tribunal da Relação, tendo em vista o suprimento dos vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P..

A situação mais comum de impugnação da matéria de facto é a que respeita à alínea b) do art.431.º do C.P.P. e foi a utilizada pelo recorrente para impugnar a matéria de facto, uma vez na impugnação da factualidade remete para a prova produzida oralmente em julgamento.

A alínea b) do art.431.º do C.P.P., conjugada com o art.412.º, n.º3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:

  « a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados ;

     b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

     c) As provas que devam ser renovadas

O n.º 4 deste art.412.º, acrescenta que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação

O recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as declarações ou depoimentos constam e localizar a passagem em causa na gravação, entre os minutos em que produziu prova oralmente, de modo a deixar claro qual a parte da declaração ou depoimento que se quer que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie.

Tal não obsta a que, nos termos do n.º 6 do art.412.º do C.P.P., o tribunal não possa proceder à audição ou visualização das passagens indicadas e, ainda, de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

O arguido B... , nas conclusões da motivação, especifica os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, mas não indica as concretas passagens em que funda a impugnação, embora proceda à transcrição de algumas, curtas, declarações de prova produzida oralmente em julgamento.

No entanto, na motivação do recurso a recorrente especifica, por referência ao consignado na ata, as concretas as passagens em que funda a impugnação, transcrevendo-as e indicando-as na gravação.

O Tribunal da Relação considera, deste modo, que o arguido deu cumprimento ao mínimo ao estabelecido no art.412.º, n.ºs 3, al. b) e 4 do C.P.P.. e, consequentemente, julga-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, se concluir pela existência de erro de julgamento.

Antes, porém, importa realçar que é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse.

O recurso é um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.

Num Estado de Direito Democrático o princípio fundamental em matéria de prova, é princípio da livre apreciação da prova.

Este princípio, previsto no art.127.º do Código de Processo Penal, estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência, a que se deve atender na apreciação da prova, são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade[5].

Quanto à livre convicção do juiz, ela não se confunde com a apreciação arbitrária ou contrária da prova efetivamente produzida.

Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, a convicção do juiz não pode deixar de ser “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela ( deve ser) uma convicção objetivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[6] .

Este princípio assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.355.º do Código de Processo Penal. É ai, na audiência de julgamento, que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na receção direta de prova e se assegura o princípio do contraditório, garantido constitucionalmente no art.32.º, n.º5.

Reportando-se aos princípios da oralidade e imediação diz o Prof. Figueiredo Dias, que « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efetivos  e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) . Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais corretamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”[7].

Uma vez, porém, que o princípio da livre apreciação da prova tanto vincula o tribunal de 1.ª instância como o tribunal de recurso, e que a reforma do Código de Processo Penal de 1998 deixou inequívoco que se quis assegurar um recurso efetivo da matéria de facto, o Tribunal da Relação, na reapreciação da matéria de facto a que se procede nos termos do art.412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., deve proceder a uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, avaliando se as provas indicadas por este não só permitem, mas impõem, decisão diversa da recorrida.

Se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova as provas indicadas por este não impõem decisão diversa da recorrida, nos termos do art.127.º do C.P.P., deve manter a decisão recorrida.

A propósito da apreciação da prova, importa ainda realçar, o princípio in dubio pro reo, que estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido. Ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

O mesmo decorre do princípio da presunção da inocência, consagrado no art.32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, que estatui que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.

O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele , escolheu a tese desfavorável ao arguido.[8]

Se na fundamentação da sentença/acórdão oferecida pelo Tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.

A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados. Como refere o Prof. Roxin, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida”.[9]

Retomando o caso concreto.

O arguido defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos constantes dos pontos n.ºs 1 e 3 a 7 da sentença recorrida

Relativamente ao ponto n.º 1 dos “factos provados”, alega, em síntese e no essencial, o seguinte:

- a sentença baseou-se essencialmente no depoimento da assistente e da sua filha I... , mas os seus depoimentos não devem ser atendidos.

As declarações da assistente não merecem credibilidade porque está desavinda com o ora recorrente há mais de 14 anos, e desde então não deixa passar uma oportunidade para provocar o arguido e ofender a sua atual companheira, como resulta das declarações do arguido e da assistente, que indica na gravação e transcreve na motivação do recurso.

Quanto à testemunha I... , cortou relações com o recorrente desde a data do divórcio, não falando com o progenitor há cerca de 15 anos, não deixando conviver o seu filho C... com o avô, como pode ser visto pelo depoimento do menor ouvido em declarações para memória futura.

A mesma não sabe quaisquer factos, tendo um discurso pela “rama” em larga medida arrancado e orientado. Como resulta dos segmentos da gravação do seu depoimento , que transcreve na motivação do recurso, quando questionada sobre o episódio de dia 27 pelo Exmo. Procurador, respondeu “Muitas (rindo-se) … muitas situações existem entre este casal (continua rindo) (…) Ah mas há outro dia?. Não fosse os risinhos que ofereceu durante as várias partes do depoimento, e o repúdio que sente ao requerente teria ficado mais furtivo.

Já a testemunha O... , conforme resulta dos segmentos da gravação do seu depoimento que indica e transcreve na motivação do recurso, foi clara em afirmar “Eu não vi nada… dos processos deles eu não vi nada….eu sei do que corre lá.”, pelo que se impõe a desvalorização total do seu depoimento, na medida em que, nos termos do art.130.º do C.P.P., não é admissível a reprodução de vozes públicas ou rumores públicos.

Perante a falta de credibilidade das testemunhas, que nem sequer alegam o dia exato em que os factos ocorreram, às dúvidas subjacentes aos factos ocorridos em dia não determinado de Novembro, e ao princípio in dubio pro reo e art.32.º da C.R.P. deve ser dado como não provado o ponto n.º 1.

Quanto aos pontos n.ºs 3 a 7 dos factos dados como provados, resulta das declarações do arguido, cujos segmentos da gravação se indicam e transcrevem na motivação do recurso, que não praticou os factos pelos quais vem acusado no dia 27 de Janeiro de 2016, referindo ademais, que tal imputação, para além de mais uma vez se dever em ocasião em que se deslocou a (...) , é ainda revelador, mais uma vez, da conduta provocadora da assistente, sempre que o mesmo se encontra na propriedade da qual detém o usufruto.

Não deve ser considerado o depoimento de D... , a melhor amiga da assistente e sua vizinha, nem o da filha I... , por se mostrar desprovido de nexo, sem credibilidade, e tendencioso por todos os motivos já explanados. Acontece que, no depoimento de C... , neto de A... e B... , ouvido para memória futura, e transcritos pelo “Serviço de transcrições de cassetes de Áudio” retira-se que D... não presenciou nenhum dos factos, pois declara que não viu o avô a praticar qualquer atos obsceno e que D... apenas teria chegado após uma discussão entre os avós.

Dos segmentos dos depoimentos das testemunhas A... , mulher do arguido, H... , vizinho do arguido em (...) e L... , irmão da assistente e de relações cortadas com ela há mais de 15 anos, que se indicam na gravação e transcrevem na motivação do recurso, e a que não se atentou na sentença recorrida, resulta que, mesmo não sendo testemunhas oculares, confirmam os desacatos provocados pela assistente sempre que o arguido se dirige à habitação. 

Vejamos.

Quanto ao ponto n.º 1

Do curto segmento das declarações do ora recorrente B... , indicado e transcrito na motivação do recurso, resulta que quando lhe foi perguntado sobre o que tinha a dizer “em relação às injúrias” imputadas, respondeu que de todas as vezes que a assistente o vê com a atual esposa quem é injuriado é ele, que é a assistente que se vem meter consigo, e que paredes meias com esta vive a D... .

Dos segmentos das declarações da assistente A... resulta, no essencial, que se se divorciaram há 14 anos e que ainda não a deixou em paz, e que em Novembro de 2014, almoçou em casa da filha mais velha e uma amiga desta chamada “ I... ” e depois de terem passado pelo café chegou à sua residência acompanhada daquelas, às 3 horas e pouco. Quando saiu do carro, viu parado o jipe do arguido e este dentro do jardim o arguido.

A filha da depoente, de quem a casa é, e de que o arguido tem os “usos e frutos”, deixou em agosto contratados dois senhores para lhe arranjarem uma varanda que rachou e em novembro andaram a arranjá-la o entulho que tiraram puseram-no a um cantito, onde não estorva ninguém. Ao passaram as três , o arguido disse para a assistente “ oh sua grande puta (…), ó puta de merda, ó grande filha da puta, tu tinhas alguma coisa que ir ali por ali por o lixo (…) deixa estar que hoje é domingo mas amanhã vou falar com o advogado e tu vais tirá-lo com os cornos.”.

A testemunha I... , no segmento do depoimento que indica, começa por querer contar o que se passou no dia em que fez um almoço para si, para a sua mãe e para a amiga N... . O Ex.mo Procurador interrompe-a para que falasse sobre o dia “com apanha de tangerinas”, mas depois pede para voltar ao dia em que fez o almoço e esta assim faz, referindo que nesse dia, 30 de novembro de 2014, no fim do almoço, quando ao chegarem a casa desta o arguido, seu pai, as abordou dizendo para a assistente expressões, como “puta, filha da puta, hás-de vir a tirar este lixo com os cornos” e que nesse dia era domingo, mas no  dia seguinte ia falar com advogado dele. Posteriormente, quando é perguntado pelo  Ministério Público se além desta situação existiram outras, declarou, “muitas”. Tendo-lhe sido referido pelo Ministério Público que “ nós querem saber de uma” acrescentou a testemunha” Muitas situações existem neste casal” e passa a referir o que se passou “ em janeiro seguinte …portanto, já 2015”.     

Da audição deste depoimento, resulta evidenciado que a transcrição, já de si curta, constante das conclusões da motivação é lacunosa, estando longe do essencial do depoimento da testemunha I... sobre os factos que narrou relativamente ao episódio de novembro de 2014 e, ao contrário do insinuado pelo recorrente, esta esclareceu, com relativo pormenor e profundidade, o que viu e ouviu, confirmando no essencial as declarações da assistente a este propósito. Por outro lado, o riso da testemunha está longe poder ser qualificado como de repúdio que sente ao requerente, mas sim como de impotência pelo comportamento reiterado de situações ofensivas do arguido à mãe da testemunha. 

Quanto ao segmento do depoimento da testemunha O... , indicado pelo recorrente,  onde consta ter dito “ eu não vi nada”, com referência a novembro de 2014 ou janeiro de 2015, temos como completamente infundada a invocação do disposto no art.130.º do C.P.P., uma vez que resulta bem evidenciado da motivação da matéria de facto da sentença recorrida que o seu depoimento foi apenas tido em consideração relativamente ao estado de abalo psicológico da assistente quando esta lhe relatou o que ocorrera no 27 de janeiro de 2015 com o arguido.

A credibilidade das declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento particularmente dependente da imediação e da oralidade.

No caso, o Tribunal a quo não deixando de anotar que quer a assistente A... , quer a testemunha I... , filha desta e do arguido, estão de relações cortadas, conclui no âmbito da imediação e da oralidade que prestaram declarações e depoimentos lógicos, coerentes e credíveis.

De acordo com a motivação da sentença, a testemunha N... confirmou a versão dos factos narrados pela assistente A... e pela I... relativamente ao dia de Novembro de 2014 e das provas reapreciadas, indicadas pelo recorrente, o Tribunal da Relação não encontrou elementos objetivos que permitam concluir que em face delas se impunha ao Tribunal a quo dar como não provada a factualidade constante do ponto n.º 1 da sentença. 

Percorrido a douta sentença recorrida, não se deteta ainda nela qualquer dúvida que tenha existido no Tribunal a quo ao dar como provada a factualidade do ponto n.º 1, embora dela resulte a desvalorização das declarações do arguido, que os negou.

Acresce que, face à motivação de facto que dela consta, também não detetamos qualquer situação determinativa de que nesse estado de dúvida devesse ter ficado.

Passando aos pontos n.ºs 3 a 7 dos factos dados como provados.

Do curto segmento das declarações do ora recorrente B... , indicado e transcrito na motivação do recurso, resulta, no essencial, que na altura em que ia com um saco de laranjas em cada mão e ia a uma consulta média com a mulher, não baixou as calças perante a assistente. Que esta sujeitou duas crianças a uma inquérito judicial, se uniu à filha contra si,  andou de relações cortadas um irmão e que agora não se dá com o irmão mais novo.

Salvo o devido respeito, não vislumbramos aqui nenhuma razão objetiva para que a imputação que a assistente A... faz ao arguido, descrita na motivação da sentença, não seja real.

O recorrente refere que os depoimentos das testemunhas D... e da I... , são desprovidos de nexo, sem credibilidade, e tendenciosos, mas não indica, em concreto, qualquer outro segmento do depoimento da I... , além do já reapreciado.

Quanto ao segmento do depoimento da testemunha D... indicado e transcrito na motivação do recurso, nele declara , no essencial, que no dia 27 de janeiro, por volta das seis menos quinze, quando chega e está dentro do carro, vê o menino ao cimo das escadas, a filha a meio e a assistente em baixo. Viu o arguido vir com um saco cheio não sabe de quê, depois de abrir o jipe, levanta a camisa de xadrez, desce as calças abaixo, mete o pénis fora e vira-se e diz “vocês querem é disto”, ao que lhe respondeu chamando-lhe porco, que lhe desse meia volta e o metesse no cú.

O Tribunal da Relação apenas vislumbra aqui uma confirmação, plausível, das declarações da assistente.

Quanto ao depoimento da testemunha C... , neto da assistente A... e do arguido B... , ouvido para memória futura, e transcrito pelo “Serviço de transcrições de cassetes de Áudio” não nos parece que se retire dele que a testemunha D... - que cremos ser a “ K....” referida pelo menor -, não presenciou nenhum dos factos. Este menor refere que um dia em e o avô foi apanhar tangerinas, estava com a mãe e a avó.  Quando estava a subir as escadas, não viu o avô a levantar a camisola e a baixar as calças, mas a K.... e a avó viram, e disseram-lhe “asneiras”, como “filho da puta, carneiro”.

Dos segmentos das declarações da assistente A... , indicados e transcritos pelo recorrente, resulta uma confirmação geral e um complemento do depoimento da testemunha D... .

Quanto aos segmentos dos depoimentos das testemunhas E... , mulher do arguido, H... , vizinho do arguido em (...), e L... , irmão da assistente, que se indicam na gravação e transcrevem na motivação do recurso, resulta que, a primeira, nega que o seu marido tenha praticado os factos; a segunda que não presenciou os factos , mas já presenciou o arguido e mulher a ser insultados pela assistente; e, a terceira, que quantas vezes o arguido vai ao local das laranjas, quantas as vezes é insultado pela assistente.

A este respeito diremos apenas que o depoimento destas testemunhas é desvalorizado pelo Tribunal a quo na motivação da matéria de facto da sentença, no âmbito da imediação e da oralidade, através de confrontação objetiva de outra prova analisada ali criticamente examinada.

Reapreciada a prova indicada pelo recorrente B... nas conclusões do recurso, conclui o Tribunal da Relação que a convicção a que o Tribunal a quo chegou mostra-se objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbra qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

Por outro lado, a sentença, designadamente a motivação da matéria de facto, denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos ora impugnados, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, pelo que inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo também quanto a esta parte.

Assim, não se impondo uma decisão diversa da recorrida, mais não resta que confirmar a decisão recorrida relativamente à matéria de facto, que se tem assim como definitivamente assente nos termos que dela constam.

-

            2.ª Questão: da prática do crime de injúria.

            O art.181.º, n.º 1 do Código Penal, imputado ao arguido, estabelece que «Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou  dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.».

O bem jurídico protegido é a honra ou consideração da pessoa.

A honra ou consideração aqui pressupostas consistem num bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.

Se a norma diz claramente que injuriar mais não é que imputar factos a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigir palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, também se vem entendendo que nem todo o facto imputado ou palavra dirigida ao ofendido que envergonha e perturba ou humilha, cabem na previsão do art.181.º do Código Penal.

A conduta pode ser reprovável em termos éticos, profissionais ou outros, mas não o ser em termos penais.

Para a correta determinação dos elementos objetivos do tipo é imprescindível atender ao contexto em que os factos ou juízos pretensamente atentatórios da “honra ou consideração” são produzidos.[10]

Há que conciliar, pois, o direito à honra e consideração, com o direito à crítica, pois um e outro, pese embora sejam direitos fundamentais, não são direitos absolutos, ilimitados.

Em matéria de direitos fundamentais deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível.

Concluindo-se que a conduta do agente é típica e que se trata de imputação de factos cumpre seguidamente averiguar, em sede ilicitude, se esta pode ser excluída, designadamente por se verificar a causa de justificação a que alude o n.º 2 do art.180.º do Código Penal, aplicável ao crime de injúrias por força do n.º 2 do art.181.º, do mesmo Código.

A este respeito estatui o art.180.º do Código Penal, que:

«2 - A conduta não é punível quando:

      a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e

      b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.»

3. Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º2 do art.31.º o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar de imputação de facto relativo à intimidade da vida provada ou familiar.

4. A boa fé referida na alínea b) do n.º2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.».

É pacífico que a “exceptio veritatis”, como causa de exclusão da ilicitude prevista no art.180.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal, tem lugar através da prova dos factos imputados, não se aplicando à formulação de juízos ofensivos.[11]

Um facto é um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos; já um juízo deve ser percebido, neste contexto, como uma apreciação relativa ao valor de uma ideia ou de uma coisa. No juízo a ideia ou coisa é valorada em função do fim prosseguido.

De modo ligeiramente diferente, diz-nos o Prof. Augusto Silva Dias que “… “facto” é pacificamente definido na doutrina como acontecimento ou situação pertencente ao passado ou ao presente e suscetível de prova. Esta definição abrange também os factos interiores (motivos, objetivos) desde que se apresentem numa relação reconhecível com determinados eventos exteriores. “Juízo de valor” será, por seu lado, toda a afirmação contendo uma apreciação sobre o carácter da vítima que não está inscrita em factos”.[12]

Em suma, a conduta do agente não será punível quando a imputação de factos for feita para realizar interesses legítimos e o mesmo provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira, sendo que a boa fé exige o cumprimento do dever de informação.

Quanto ao tipo subjetivo de ilícito é notório que no seu âmbito cabem apenas as condutas dolosas, admitindo-se qualquer modalidade de dolo.

Para o preenchimento do crime basta o conhecimento e vontade do agente de realização dos elementos do tipo objetivo, com consciência da censurabilidade da sua conduta.

Não se exige hoje um qualquer dolo específico, como o chamado animus injuriandi.

No caso concreto, o recorrente defende que a expressão descrita no ponto n.º 1 dos factos provados como alegadamente por si dirigida à assistente -  “esta grande filha da puta, esta puta de merda veio para aqui por o lixo, mas vou falar com o Advogado e há-de tirá-lo com os cornos” -, apesar de censurável do ponto de vista moral, não assume relevância penal.  As palavras ali mencionadas, são correntes e de sentido vago e é do conhecimento geral, que a palavra “puta”, não é frequentemente chamada a alguém com o intuito de lhe ser imputado o comportamento de uma prostituta. As alegadas palavras são proferidas num contexto de intrigas entre os ex-cônjuges, pelo que teria de se atender ao contexto familiar em que teriam sido vertidas, sendo um tipo de linguagem que a arguida e o assistente usavam habitualmente nas relações diárias, v.g. com outras pessoas e em circunstâncias de conflito ou desentendimentos (nem sequer foi averiguado se aquele tipo de expressão – “filho da puta” – era utilizado com o mesmo significado, independentemente de ser dirigido a familiar com quem se dessem bem ou a familiar com quem estivessem desentendidos). A propósito deve considerar-se o depoimento de C... que prestou declarações para memória futura onde refere à Exma. Juíza que ouviu a avó, no dia 27 de Janeiro de 2015, a chamar “Filho da Puta” e “Carneiro”. Quanto à intensidade da culpa, tem entendido a jurisprudência que o crime de injúrias assume natureza dolosa, não sendo suficiente para o preenchimento do respetivo elemento subjetivo a alegação de que o agente sabia que estava a dirigir expressões cujo significado ofensivo do bom nome e consideração do ofendido conhecia, pelo que o ora recorrente deve ser absolvido do crime de injúria.

Vejamos.

Antes do mais importa deixar claro que com a apreciação da presente questão estamos já a subsumir os factos dados como provados ao tipo penal de injúria imputado ao arguido.

Transcrever na motivação do recurso um pequeno segmento das declarações prestadas para memória futura pela testemunha C... de onde resultará que este terá dito que a K.... e a assistente disseram “ filho da puta, carneiro”, para daí concluir, a nível de tipicidade e ilicitude, que este era um tipo de linguagem que o recorrente e a assistente usavam habitualmente nas relações diárias, é subsumir declarações prestadas ao direito, quando ao direito devem apenas ser subsumidos os factos provados.

Se o recorrente entendia que um determinado facto devia ter sido dado como provado na sentença recorrido, devia especificá-lo nas conclusões da motivação, indicando as concretas provas.

No caso concreto, não especificou que se devia ter dado como provado que o recorrente e a assistente usavam habitualmente, nas relações diárias, linguagem do tipo filho da puta, carneiro , e através do segmento das declarações para memória futura do menor C... o mais que se poderia eventualmente dar como provado é que as “asneiras” , pelo que ouviu no momento dizer à avó (assistente), ocorreram após o avô (arguido) ter levantado a camisola e baixado as calças e as cuecas, o que terá sido visto pela assistente e pela K..... Anotamos ainda que o Tribunal a quo, por motivos que se aceitam como razoáveis, mencionados na motivação da matéria de facto, não considerou credíveis as declarações do menor, de 9 anos, C... , nem da menor M... , de 7 anos de idade, para fundamentar a matéria de facto da sentença.

Fechado este parêntesis, que de acordo com a testemunha C... não respeitará ao episódio narrado no ponto n.º1, mas sim ao do ponto n.º2 e seguintes, importa fixar a atenção na factualidade dada como provada naquele ponto n.º 1, da sentença.

Desta ponto resulta que o arguido B... , em dia indeterminado do mês de Novembro de 2014, abordou a assistente, na via pública, e de viva voz dirigiu-lhe os seguintes dizeres: “esta grande filha da puta, esta puta de merda veio para aqui por o lixo, mas vou falar com o Advogado e há-de tirá-lo com os cornos”.

Qualquer pessoa, com uma cultura média, sabe que ao dirigir-se a uma mulher, na via pública, dizendo “esta grande filha da puta, esta puta de merda veio para aqui por o lixo, mas vou falar com o Advogado e há-de tirá-lo com os cornos”, não tem apenas um comportamento grosseiro para com a visada; um comportamento como o descrito atinge a personalidade moral da visada em geral e designadamente a honra e consideração desta em termos de honestidade sexual.

Os juízos valorativos insertos nas palavras “puta”, “ puta de merda” e que tem “cornos” com que há tirar o lixo, atingem valores ética e socialmente relevantes do ponto de vista do direito penal.

Não deixa aliás, de ser contraditório, que o arguido B... venha defender que a expressão “filho da puta” não tem relevância criminal, e tenha deduzido acusação contra a assistente A... , por esta alegadamente lhe ter dirigido a expressão “filho da puta”.

A conduta do arguido, para além de típica é ainda ilícita, uma vez que não está a coberto de qualquer causa de justificação da ilicitude, designadamente as mencionadas nos artigos 180.º, n.º 2 e 31.º, n.º 2.º alínea b), ambos do Código Penal. 

Estando ainda dado como provado, nos pontos n.ºs 7 a 9 da factualidade da sentença, que o arguido ao dirigir aquelas palavras à assistente, agiu com liberdade de ação e intenção de por em causa a dignidade e bom nome da assistente, como logrou conseguir, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, dúvidas não há que se mostram preenchidos  todos os elementos do tipo subjetivo do crime de injúria pelo qual o mesmo vem acusado.

Deste modo, estando preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de injúria, não merece qualquer censura a condenação do ora recorrente pelos factos relativos à injúria.

-

3.ª Questão: da prática do crime de importunação sexual

Por fim, defende o recorrente B... que deve ser absolvido do crime de importunação sexual, alegando para o efeito, no essencial e em síntese: o tipo penal exige, para o seu preenchimento, uma afirmação, não solicitada, indesejada, inoportuna pela qual uma pessoa faz propostas com conteúdo sexual e ato exibicionista deve representar, para a pessoa perante a qual era praticado, um perigo de que se lhe segue a prática de um ato sexual, precisamente por consideração ao local do corpo tocado pelo agente; o legislador preferiu criminalizar tais comportamentos pelo “convite” que eles envolviam. Desta opção resulta que punido não é o ato em si mas o perigo de agressão à liberdade sexual que ele representa.

O comportamento exibicionista alegadamente praticado por ter tirado o “pénis das calças que tinha vestidas e afirmado vocês querem é isto”, não visou qualquer fim libidinoso que fosse projetado diretamente contra a arguida A... . Conforme resulta das declarações da assistente, cujo segmento na gravação se indica e transcreve na motivação do recurso, esta demostrou um sentimento de espanto/choque com o ato em si, e não com o sentido objetivo que lhe foi direcionado, porque a mesma bem sabe, tal como refere, que foi o arguido que não quis ter qualquer relação com a mesma, e a vergonha que a mesma refere, é uma vergonha generalizada com o facto do mesmo lhe ter pedido o divórcio! Ou seja, não sentiu a mesma vergonha, medo ou perturbação por sentir que o ato ainda que não lhe individualmente dirigido, tivesse qualquer fim libidinoso ou seja que a importunasse com um sentido sexual. O que resulta ainda de um outro segmento das declarações da assistente, e de um segmento do depoimento da testemunha D... , que se indicam na gravação e transcrevem na motivação do recurso, é que se tivesse existido o comportamento do recorrente dado como provado, o mesmo compreenderia em si uma dimensão de má educação, mas nunca de perigo  produzido para a vítima ou para as demais presentes, que em momento algum, referiram ter-se sentido inibidas, perturbadas ou constrangidas sexualmente.  

Ademais, retira-se do segmento das declarações prestadas para memória futura da testemunha C... , que a testemunha D... não presenciou nenhum dos factos, pois chegou após a discussão. 

Tendo em conta todo o supra exposto, o quadro de intrigas e desavenças, desde o término da relação entre Recorrente e Recorrida, ainda que a conduta dada como provada tivesse sido perpetrada pelo arguido, a mesma não configuraria o preenchimento do ilícito típico do crime p. e p. pelo art.170.º do Código Penal, na medida em que não reúne os requisitos objetivos e subjetivos mencionados na norma.

Vejamos.

Tal como dissemos aquando do conhecimento da questão anterior, estamos já no âmbito da subsunção dos factos dados como provados ao tipo penal imputado ao arguido, no caso o de importunação sexual.

Transcrever na motivação do recurso segmentos das declarações prestadas para memória futura pela testemunha C... de onde resultará que a testemunha D... não presenciou nenhum dos factos, pois terá chegado após a discussão, é querer regressar à impugnação da matéria de facto. O mesmo acontece na parte em que o recorrente, através da indicação de segmentos na gravação das declarações da assistente A... e do depoimento da testemunha D... , que transcrevem na motivação do recurso, a factualidade dada como provada relativa à importunação, incómodo e constrangimento. 

De todo o modo, foi já objeto de análise e a matéria de facto mostra-se definitivamente fixada.

Avançando, diremos a respeito do crime de importunação sexual, que o art.170.º do Código Penal, estabelecia à data dos factos, e ainda estabelece na parte em apreciação, que « Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, (…) ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.».

Este crime encontra-se inserido nos «crimes contra a liberdade sexual», dentro do título mais vasto dos «crimes contra as pessoas».

O tipo legal em análise criminalizava, à data dos factos, a «importunação sexual» de outra pessoa através de duas condutas distintas: a prática, perante outra pessoa, de atos de caráter exibicionista; e o constrangimento de outra pessoa a contacto de natureza sexual. Hoje, após a alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, criminaliza, ainda, a formulação de propostas de teor sexual.

Na esfera do exibicionismo cabem os atos ou gestos de natureza sexual que, importunando uma pessoa, não envolvem contacto físico, mas lhe restringem a “liberdade de não ser envolvido em contexto sexual imposto, sob pena de se perder o sentido da incriminação.”.[13]

O tipo subjetivo de ilícito exige o dolo do agente, em qualquer das suas modalidades enunciadas no art.14.º do Código Penal.

No caso em apreciação, a sentença recorrida ponderou os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime, com indicação de doutrina e jurisprudência.

Da factualidade dada como provada resulta que o arguido B... envolveu a assistente em contexto de natureza sexual, contra a vontade dela, ao puxar para cima a camisola que trazia vestida, desapertar o cinto das calças, retirar delas o pénis e ao abaná-lo na direção da assistente A... dizendo-lhe em tom audível “querem-no, querem, tomem-no”. Ao assim agir preencheu os elementos objetivos do tipo.

Tendo agido ainda voluntariamente, com conhecimento e vontade de importunação sexual da assistente, na modalidade de ato exibicionista, preencheu o tipo subjetivo do ilícito.

Deste modo, estando preenchida pela conduta do arguido B... , todos os elementos constitutivos do crime de importunação sexual, não merece censura a sua condenação pela prática deste crime.

Não havendo motivos para absolver o arguido dos crimes, bem como da indemnização arbitrada, mais não resta que manter também a sentença recorrida.

            Decisão

 

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento aos recursos interpostos pelo arguido B... e manter o douto despacho e sentença recorridos.

             Custas pelo recorrente B... , fixando em 6 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                         *

Coimbra, 15 de março de 2017

           

(Orlando Gonçalves – relator)

(Inácio Monteiro – adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4]  cfr., Prof. J.J. Gomes Canotilho, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª ed., página 488 e ss.  

[5] Cf. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300.   
[6] Cf. Prof. Figueiredo Dias , “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
[7]  Obra citada, páginas 233 a 234

[8] Cfr. entre outros , o acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996 , in C.J. , ASTJ , ano IV , 1º, pág. 177  .

[9] “Derecho Processal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111.
 
[10] Cf., neste sentido,  Prof. José Faria Costa, in "Comentário Conimbricence ao Código Penal" , Tomo I , pág. 612, e ainda, entre outros, os acórdãos da Rel. de Coimbra, de 5-6-2002, proc. n.º 1480/02, e de 18-09-2013, proc. n.º 471/09.0PBTM R.C1 in WWW.dgsi.pt..
[11] Cf. Desembargador António Oliveira Mendes, in “ O direito à honra e a sua tutela Penal”, Almedina , 1996, páginas 62 a 64, e Cons. Leal-Henriques e Simas Santos, in “ Código Penal” , 2º Vol., 2ª edição, Rei dos Livros, pág.319 , e acórdão da Relação de Coimbra, de 23 de Abril de 1998, CJ, ano XXIII, 2º, pág. 64. 
[12] “Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e de Injúrias”, ed. A.A.F.D.L., 1989, pág. 14.

[13] Cf. Inês Ferreira Leite , in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 21, n.º 1, Janeiro-Março 2011, “A tutela Penal da Liberdade Sexual”,  pág.71 e segs.