Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALBERTO RUÇO | ||
Descritores: | RECURSO – IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO APLICAÇÃO DO ARTIGO 638º N.º 7 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AO RECURSO PENAL | ||
Data do Acordão: | 11/11/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE - JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO ARTº 405º CPP | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 638.º, N.º 7, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ARTIGO 4.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ARTIGO 32.º, N.º 1 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA | ||
Sumário: | I – O disposto no artigo 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, não é aplicável (por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal) ao recurso penal que impugna a matéria de facto. II – A simples afirmação de que o prazo de 30 dias para recorrer limita consideravelmente a defesa do arguido, violando as garantias constitucionais previstas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, desacompanhada das premissas que a suportariam, não coloca uma questão a resolver e inviabiliza a respetiva avaliação, pelo que improcede ipso facto. | ||
Decisão Texto Integral: | Reclamação – artigo 405.º do Código de Processo Penal * * Reclamante/arguido …………………AA Reclamado……………………………...Ministério Público * I. Relatório a) A presente reclamação contra o não recebimento do recurso insere-se num processo comum singular. O reclamante foi condenado por sentença proferida em 12 de julho de 2022, a cuja leitura assistiu, tendo a sentença sido depositada no mesmo dia. Apresentou recurso da sentença no dia 7 de outubro de 2022, o qual não foi admitido com a justificação de que foi interposto para além do prazo de 30 dias estabelecido no artigo 411.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal. b) A reclamação incide sobre esta decisão e os seus fundamentos consistem na alegação de que o prazo de interposição é de 40 dias por aplicação do disposto no artigo 638.º, n.º 7 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão feita pelo artigo 4.º do Código de Processo Penal, porquanto o recurso visa a impugnação da matéria de facto. A não aplicação do prazo previsto no artigo 638.º, n.º 7 do Código de Processo Civil limita consideravelmente a defesa do arguido violando as garantias constitucionais declaradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição. 1. Saber se o prazo de interposição do recurso é de 40 dias por aplicação do disposto no artigo 638.º, n.º 7 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão feita pelo artigo 4.º do Código de Processo Penal, porquanto o recurso visa a impugnação da matéria de facto. 2. Se a não aplicação do prazo previsto no artigo 638.º, n.º 7 do Código de Processo Civil limita consideravelmente a defesa do arguido violando as garantias constitucionais declaradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição 1. Vejamos se o prazo de interposição do recurso é de 40 dias por aplicação do disposto no artigo 638.º, n.º 7 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão feita pelo artigo 4.º do Código de Processo Penal, porquanto o recurso visa a impugnação da matéria de facto. (a) O atual prazo de 30 dias foi introduzido no artigo 411.º do Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, e está previsto para o recurso verse ele apenas a matéria de direito ou também a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Antes desta alteração o prazo para a interposição do recurso era de 20 dias – artigo 411.º, n.º 1 do CPP –, mas, nos termos do n.º 4 deste artigo, «Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos nos n.º 1 e 3 são elevados para 30 dias» (Redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto). Verifica-se, por conseguinte, que o legislador esteve atento à eventualidade do recurso versar também sobre a matéria de facto, porquanto previa prazos diferentes, mas em dado momento decidiu prever apenas o prazo de 30 dias independentemente da sua complexidade. (b) Valem aqui os mesmos argumentos já invocados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para uniformização de jurisprudência n.º 9/2005, através do qual foi fixada a seguinte jurisprudência: «Quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, fixado no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil» - Diário da República — I Série-A n.º 233, de 6 de dezembro de 2005 Considerou-se na fundamentação deste acórdão que o Código de Processo Penal continha uma regulamentação completa do recurso penal. Ponderou-se que o regime estabelecido em processo penal relativo aos procedimentos de impugnação da decisão é um «…regime completo, que funciona com autonomia e que permite realizar, por inteiro e de modo razoável e constitucionalmente capaz, a função para que foi concebido, não há espaços não regulados que necessitem de complemento; não deixando espaços de regulamentação em aberto que importe preencher, não existe, pois, lacuna de regulamentação. E na sua completude é diverso, em momentos essenciais, do regime relativo à impugnação da matéria de facto em processo civil, e uma tal diversidade remete para o plano do legislador e não da pauta valorativa da lei.» Conclui-se, pelo exposto, que não há lacuna e, por isso, não há lugar à aplicação do disposto no artigo 638.º, n.º 7 do Código de Processo Civil. 2. Vejamos agora se a não aplicação do prazo previsto no artigo 638.º, n.º 7 do Código de Processo Civil limita consideravelmente a defesa do arguido violando as garantias constitucionais declaradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição A resposta é negativa, por duas razões: Em primeiro lugar, como se referiu atrás, o atual prazo de 30 dias é o prazo que anteriormente estava previsto para o recurso que incluísse a impugnação da matéria de facto. Ou seja, o atual prazo de 30 foi considerado anteriormente pelo legislador como suficiente para os casos em que existisse necessidade de impugnar a matéria de facto. Em segundo lugar, não basta afirmar que o prazo de 30 dias limita consideravelmente a defesa do arguido violando as garantias constitucionais declaradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição. Além de afirmar cumpria ao reclamante mostrar as premissas da afirmação, o que não fez. Ora, a simples afirmação de que o prazo de 30 dias para recorrer limita consideravelmente a defesa do arguido, violando as garantias constitucionais previstas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, desacompanhada das premissas que a suportariam, não coloca uma questão a resolver e inviabiliza a respetiva avaliação, pelo que improcede ipso facto. Considerando o exposto, julga-se a reclamação improcedente e mantém-se a decisão reclamada. * Alberto Augusto Vicente Ruço (Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, por competência delegada - Despacho do Ex.mo Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de março de 2022) |