Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1930/09.0T2AVR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
BENS COMUNS
CONCURSO
EFEITOS PATRIMONIAIS
DIVÓRCIO
Data do Acordão: 01/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.452, 1688, 1722, 1724, 1733, 1788, 1789 CC
Sumário: 1. No casamento celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, o prémio recebido em concurso que não seja de mera fortuna e azar, mas que implique labor manual e/ou intelectual, não pode ser considerado adquirido a título gratuito/doação, e, assim, bem próprio do cônjuge ganhador, mas antes, e porque o caso é, ainda, subsumível na previsão da al. a) do artº 1724º do CC, bem comum do casal.

2. A data do começo da separação de facto que permite, excepcionalmente, fazer retroagir os efeitos patrimoniais do divórcio à mesma, tem de ser provada e fixada na sentença da acção que o decretou – artº 1789º nº2 do CC; se o não for, e salvo óbices excepcionais como, vg., o abuso de direito, o património comum a partilhar é o que existia à data da propositura desta acção – artº 1789º nº1.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A (…)  instaurou contra  P (…), inventário pós divórcio para separação de meações, sendo este cabeça de casal.

Após prestar as legais declarações nas quais declarou existir um imóvel a partilhar, veio o cabeça de casal alegar que, afinal, inexistem bens comuns a partilhar, pois que:

- o então casal separou-se de facto  em 1990 e aquele imóvel adveio à sua titularidade em 1994 a título de prémio no âmbito de um concurso promovido pela x ( ...) J ( ...) , SA.

Contrapôs a interessada que se trata de bem comum pois que:

- foram casados no regime da comunhão de adquiridos tendo o imóvel sido atribuído a título de prémio de concurso ao cabeça de casal no estado de casado com a requerente,  não estando os prémios exceptuados da comunhão nos termos do art. 1733º do Código Civil, e presumindo-se o imóvel bem comum por se encontrar registado a favor de ambos na competente Conservatória.

 E porque:

- por referência ao art. 1724º do Código Civil, o dito bem não integra qualquer uma das previsões dos arts. 1722º, 1723º, 1726º, 1727º e 1728º do citado diploma.

2.

Seguidamente foi proferida decisão na qual:

Na improcedência da reclamação, declarou bem próprio do interessado P (…) o imóvel identificado nos autos, com consequente adjudicação do direito de propriedade do mesmo, na qualidade de respetivo titular.

3.

Inconformada recorreu a interessada.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

– O Tribunal Recorrido decidiu sem fundamentar de facto, e inclusivamente em contradição com os provados, fazendo dessa forma enfermar a douta sentença recorrida das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 668.º do C.P.C., que aqui expressamente se alegam;

2.ª – No divórcio por mútuo consentimento da Apelante e Apelado não foi fixada a retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio;

3.ª Por isso, tais efeitos, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, retrotraem-se à data da propositura da acção – artigo 1789º nº1 e 2 do C.C. -, ou seja, 08.02.2010;

4.ª A produção dos efeitos patrimoniais do divórcio está definitivamente decidida por sentença transitada em julgado, mostrando-se além do mais esgotado o poder jurisdicional para a apreciação desta questão;

5.ª A data da separação de facto e a produção dos efeitos patrimoniais do divórcio apenas podem ser fixados no respectivo processo de divórcio;

6.ª Violou assim a sentença recorrida o disposto nos artigos 666.º n.º 1 e 671.º e ss. do C.P.C. e 1789.º n.ºs 1 e 2 do C.C. e o caso julgado material;

7.ª O aqui Apelado quando se apresentou à insolvência nos autos principais, cumprindo com a obrigação legal de identificar os bens de que era titular, indicou apenas a meação no imóvel em causa, o agora declarado próprio, por considera-lo comum do casal;

8.ª Essa circunstância há-de ser havida como confissão judicial, ou pelo menos a expressão de confissão extrajudicial, ou em última instância forte indício dos factos que sustentam aquela declaração no processo, a impor, até porque o inventário comporta a  prova por confissão, a declaração do bem em causa como comum do casal;

9.ª A Apelante juntou aos autos certidão da descrição predial do prédio em causa, de onde consta a inscrição a favor dos ex-cônjuges desde 27.08.1997 beneficiando assim da presunção legal, da existência e titularidade do direito – art.º 7.º do C.R.P.;

10.ª Ora o Apelado, visando ilidir a referida presunção no seu requerimento alegou estar separado de facto desde 1990 juntando, para o efeito, apenas uma declaração de IRS, única prova que requereu, apresentada em 1992 reportando-se ano de 1991,

11.ª Os meios de prova, constantes dos autos, produzida não sustentam a prova do facto 2.º dos provados que se deve ter por não provado;

12.ª Desde logo por via da confissão referida em 8.ª desta e presunção alegada em 9.ª;

13.ª No regime da comunhão de adquiridos de acordo com o que dispõe o art.º 1724.º do C.C. são comuns o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos no matrimónio não exceptuados por lei;

14.ª Está demonstrado da factualidade assente, que o bem foi adquirido na constância do matrimónio;

15.ª Competia ao Apelado alegar que o bem estava excluído da comunhão e demonstrar os factos que sustentam essa alegação;

16.ª Por outro lado o 1725.º faz presumir a natureza comum dos bens móveis do casal;

17.ª Os bens exceptuados por lei à comunhão, estão taxativamente previstos e no caso dos autos o imóvel não é subsumível à previsão de nenhuma norma que estatua a exclusão, sendo assim comum;

18.ª Ora, sendo os rendimentos de trabalho dos cônjuges comuns na vigência do casamento, cujos efeitos patrimoniais cessaram apenas em 08.02.2010, e presumindo-se a comunicabilidade dos bens móveis, outra conclusão não é viável que não seja que também aqui o Apelado não logrou cumprir com o ónus de alegação e prova que lhe competia;

19.ª Na verdade, nenhum facto alegou e por isso provou tendente a demonstrar a aquisição gratuita, ou com dinheiro próprio, do imóvel;

20.ª Na dúvida impõe-se ao tribunal que se decida contra aquele que tem o ónus da prova – art.º 342.º do C.C. -

21.ª Andou mal o Tribunal de Primeira Instância na interpretação dos artigos 342.º, 350.º, 1722.º, 1723.º,1724.º, 1725.º, 1726.º e 1728.º do C.C. e art.º 7.º do C.R.P., que aplicou incorrectamente;

22.ª A forma de aquisição do imóvel não reúne nenhum dos elementos da doação tal como ela vem definida no C.C. – cfr. art.º 940.º e ss -, mas como tal foi incorrectamente classificada na sentença em crise;

23.ª A aquisição, tal como resultou provado, deveu-se a compra e venda de pessoa a nomear com subsequente ratificação em virtude de concurso (cfr. escrituras públicas de fls. … dos autos não impugnadas);

24.ª Acresce aliás que, conforme está demonstrado o Apelado assumiu, como comprador e sem reservas, todas os direitos e obrigações no contrato supra referido;

25.ª Ao classificar como doação a forma de aquisição do imóvel em causa nos autos a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 452.º e ss. 940.º e ss., 874.º e ss. e 1245.º e ss. todos do C.C.;

26.ª Sem prescindir se dirá ainda que a prova da separação de facto não é ostensivamente suficiente para daí se concluir pela participação gratuita ou exclusiva do património próprio do Apelado na aquisição do imóvel já que, como ficou acima visto, os efeitos patrimoniais do divórcio apenas se produziram em Fevereiro de 2010;

27.ª No incidente de reclamação contra a relação de bens, embora devam as provas ser indicadas com o requerimento inicial e com a resposta, o Juiz deve, antes de decidir, atender não só às provas requeridas pelos interessados, mas, também promover as diligências “ probatórias necessárias”, com vista à justa decisão do incidente;

28.ª Apenas por cautela de patrocínio e para o caso de se entender existir uma insuficiência de factualidade para que a Mmª Juíza decidisse como decidiu essa mesma insuficiência de prova deveria ter conduzido a Mmª Juíza, nos termos do 1344º C.P.C. nº 2, a determinar as diligências probatórias necessárias para a questão em causa, o que não foi feito;

29.ª Posto que, a questão para ser decidida com segurança e consciência exigia uma aturada e complexa indagação, pelo que devia a Mmª Juíza determinado a suspensão da instância, até que ocorresse decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns, nos termos do disposto no nº1 do artigo 1335º do C.P.C., o que também não sucedeu.

Contra-alegou o recorrido pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes, essenciais, argumentos:

1. Prescrevem os n.ºs 1 e 2 do artigo 1689, n.º 1 do Código Civil que: “Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação ao património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património” e que “Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes”.

2. O processo de inventário em consequência de divórcio não se destina apenas a dividir os bens comuns dos cônjuges, e a liquidar definitivamente as responsabilidades entre eles e deles para com terceiros, mas também a separar do património comum os bens próprios de cada um.

3. È na partilha que os cônjuges recebem os bens próprios e a sua meação no património comum, e que cada um deles confere o que deve ao património comum.

4. O regime de bens que vigora no caso em apreço é o da comunhão de adquiridos, que tem como princípio base de que só fazem parte do acervo comum os bens adquiridos, a título oneroso, depois do casamento.

5. Neste regime, a regra geral é a de que são comuns todos os bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento, e são próprios de cada um dos cônjuges os bens levados por ele para o casamento ou adquiridos a título gratuito depois do casamento.

6. Os bens que qualquer dos cônjuges eventualmente leve para o casamento ou adquira a título gratuito, por não resultarem do esforço conjunto do casal, não entram nessa comunhão e são considerados próprios nos termos do Artigo 1722º do Código Civil.

7. Sendo o casamento uma comunhão de vida, a regra seja a de que tal comunhão também se estende à comunhão nos bens que sejam adquiridos na constância do matrimónio com a colaboração, a cooperação, e o esforço de ambos os cônjuges.

8. O ingresso do bem na titularidade do Recorrido não decorreu do esforço patrimonial comum dos cônjuges.

9. Não se pode dizer-se que aquando da separação de facto a Recorrente era titular de uma qualquer expectativa quando à natureza comum do bem em causa, porquanto o mesmo foi adquirido pelo Recorrido posteriormente à separação de facto do casal.

10.Para prova da qualificação do bem adquirido na constância do casamento como próprio, nas relações entre os cônjuges é facultada ao cônjuge/adquirente a utilização de quaisquer meios de prova, no pressuposto que o preceito legal supra referido (art. 1724º, al. b) do Código Civil) tem o valor de mera presunção “juris tantum”.

11.Nenhuma censura merece a Douta Sentença recorrida,

12. Ao considerar óbvia a qualificação do imóvel em questão como bem próprio do Recorrido porquanto, apesar de adquirido na constância do casamento, o mesmo lhe adveio a título gratuito, isto é por doação, dado que por ele não pagou qualquer contrapartida, designadamente, o preço constante da escritura de compra e venda tratando-se de um prémio ganho pela participação num concurso.

13.Pelo que, o direito de propriedade foi transferido para o Recorrido, a título gratuito, através de contrato de compra e venda para pessoa a nomear com subsequente ratificação do mesmo por aquele.

14.Do teor da referida escritura e subsequente ratificação não se depreende que a doação tenha sido feita em favor de ambos os cônjuges conjuntamente, afastando assim o preceituado no art. 1729º do Código Civil.

15.Tendo em consideração o facto de o recorrido ser beneficiário, a título gratuito, de um contrato de compra e venda de imóvel, nos termos do preceituado nos Artigos 452º e ss. do Código Civil, afasta simultaneamente a presunção de comunhão decorrente do registo do bem em nome do recorrido casado com a recorrente no regime da comunhão de adquiridos.

16.Tal registo de outra forma não poderia ser inscrito porque na altura era aquele o estado civil do beneficiário do prémio.

17.A Douta Sentença posta em crise não infringiu qualquer norma legal, e não merece qualquer reparo por via disso.

18.Assim sendo, não deverá em caso algum vir a ser dado provimento ao recurso, mantendo-se, pois, na íntegra, a Douta Sentença recorrida.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª- Nulidade da sentença nos termos do artº 668º nº1 als. b) e c) do CPC.

2ª-  Não prova do facto 2- separação de facto.

3ª- Natureza do bem imóvel: comum a partilhar ou próprio do donatário.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão

5.1.1

Da falta de motivação.            

Nos termos do artigo 205º, nº1 do Constituição.:

«As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

E estatui o artº 158º do CPC que:

1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.

A necessidade da fundamentação prende-se com a garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial.

Na verdade a fundamentação permite fazer, intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz.

Ela é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.

Porque a decisão não é, nem pode ser, um ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes, maxime a vencida, necessitam de saber as razões das decisões que recaíram sobre as suas pretensões, designadamente para aquilatarem da viabilidade da sua impugnação.

E mesmo que da decisão não seja admissível recurso o tribunal tem de justificá-la.

É que, uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos, .pois que estes destinam-se a convencer que a decisão é conforme à lei e à justiça, o que, para além das próprias partes a sociedade, em geral, tem o direito de saber – cfr. Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 172 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, 3º vol., p.96.

Mas se assim é, dos textos legais e dos ensinamentos doutrinais se retira que apenas a total e absoluta falta de fundamentação pode acarretar a nulidade.

Na verdade a lei não comina com tão severo efeito uma motivação escassa, ou, mesmo deficiente. E onde a lei não distingue não cumpre ao intérprete distinguir.

Nem tal exigência seria de fazer considerando a «ratio» ou finalidade do dever de fundamentação supra aludidos.

O que a lei pretende é evitar é a existência de uma decisão arbitrária e insindicável. Tal só acontece com a total falta de fundamentação. Se esta existe, ainda que incompleta, errada ou insuficiente tal arbítrio ou impossibilidade de impugnação já não se verificam.

O que nestes casos apenas sucede é que a própria decisão pode convencer menos, dada a debilidade ou incompletude dos seus fundamentos. Mas pode ser sempre atacável e modificável.

Assim sendo, a grande maioria da nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que só a carência absoluta de fundamentação e não já uma motivação escassa, deficiente, medíocre, incompleta ou errada, acarreta o vício da nulidade da decisão – cfr. Entre outros, Ac. do STA de 18.11.93, BMJ, 431º, 531 e Acs. do STJ de 26.04.95, CJ(stj), 2º, 57, de 17.04.2004 e de 16.12.2004, dgsi.pt.

Poder-se-á fazer aqui, mutatis mutandis, uma equiparação com o que sucede com a ineptidão petição inicial, por falta de causa petendi, a qual origina a nulidade de todo o processado -  artº 193, nº1 e nº2, al.a) do CPC.

É que como ensina o Mestre Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 372: «Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente …quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga».

5.1.2.

Da oposição dos fundamentos com a decisão.

A oposição dos fundamentos com a decisão reconduz-se a um vício lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direção diferente.

Distinguindo-se das situações em que tal disparidade advém de mero erro material, pois, neste caso, a oposição não é substancial mas apenas aparente, dando apenas direito à retificação, enquanto que no caso invocado e que ora nos ocupa a invocada contradição, a existir, é autentica e real - pois que o juiz escreveu o que queria escrever -, a qual, verificando-se, acarreta um vício de conteúdo da sentença que implica a sua nulidade  – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 1981, 5º, 141, Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, 302 e Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, 195.

In casu.

A Sra. Juiz com base nos factos apurados e supra expressos, fundamentou de jure a decisão, nos seguintes termos:

« Sendo ponto assente que o casamento dos interessados vigorou sob o regime da comunhão de adquiridos, de acordo com o art. 1724º, al. b) do Código Civil fazem parte da aludida comunhão os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei. Por sua vez, o artº 1722º, nº 1, al. b) estatui que são considerados próprios dos cônjuges, designadamente, Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação.

Conforme doutrina e jurisprudência que pode dizer-se unânime, nas relações entre os cônjuges é facultada ao cônjuge/adquirente a utilização de quaisquer meios de prova tendentes à obtenção da qualificação como próprio do bem adquirido na constância do casamento, no pressuposto que o normativo previsto pelo art. 1724º, al. b) do CC tem o valor de mera presunção juris tantum (cfr. Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, 1986, págs. 488 e s., e Acs. STJ de 14/12/95, BMJ 452, pág. 437, de 24/09/96, BMJ nº 459, pág. 535, e de 15/05/01, CJSTJ, II Vol., pág. 75;mais recentemente, acórdão do STJ de 01.07.2010, disponível no site da dgsi).

Conforme interpretação extraída do art. 1722º do Código Civil e plasmada em douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.11.2005 (relatado pelo sr. Desembargador António Piçarra), No regime da comunhão de adquiridos, os bens que qualquer dos cônjuges leve para o casamento ou adquira a título gratuito, por não resultarem do esforço comum do casal, não entram na comunhão e são considerados próprios. (subl. nosso).

Tal interpretação assenta no pressuposto de que o património comum é constituído pelo conjunto de bens adquiridos, na vigência do casamento, «como produto da actividade conjunta de ambos os cônjuges ou graças ao apoio, estímulo e assistência que um deles preste à iniciativa, ao esforço e à capacidade realizadora do outro», cfr. Antunes Varela, Direito da Família, 1982, p. 372, citado pelo douto aresto.

Mais foi considerado pelo citado acórdão que, em causa estão apenas os interesses dos ex-cônjuges (não de qualquer terceiro), sendo desejável que, nas relações entre aqueles os bens sejam considerados próprios ou comuns consoante a realidade das suas origens. Tudo de sorte a evitar que o casamento, muito em especial ao desfazer-se, seja fonte de negócio, do enriquecimento de um dos cônjuges, ou de um dos ex-cônjuges, à custa do outro.

No confronto dos factos assentes com as considerações supra, resulta para nós óbvia a qualificação do imóvel em questão como bem próprio do ex-cônjuge P (…), apesar de adquirido na constância do casamento (posto que formal dada a já na altura inexistente vida em comunhão pressuposta pelo regime legal do casamento), o mesmo adveio à sua esfera jurídica a título gratuito, ou seja, por doação, pois que por ele não pagou qualquer contrapartida, designadamente, o preço constante da escritura de compra e venda, por corresponder aquele a prémio ganho pela participação num concurso. Acresce que do teor da dita escritura e subsequente ratificação não resulta que a doação – o que a entrega/transmissão daquele prémio consubstancia, cfr. art. 940º, nº 1 do CC - tenha sido feita em favor de ambos os cônjuges, conjuntamente, afastando assim o disposto pelo art. 1729º do CC.

A prova da origem ou causa da aquisição do bem nos termos descritos – enquanto beneficiário, a título gratuito, de um contrato de compra e venda de imóvel nos termos dos arts. 452º e ss. do Código Civil – afasta simultaneamente a presunção de comunhão decorrente do registo do bem dela objecto em nome do interessado P (…) casado com A (…) no regime da comunhão de adquiridos, registo que não poderia ser inscrito de outro modo porquanto na altura era aquele o estado civil do beneficiário do prémio (cujo direito de propriedade lhe foi transferido, repete-se, a título gratuito, através de contrato de compra e venda para pessoa a nomear com subsequente ratificação do mesmo por aquele, com o que o interessado P (…) adquiriu os direitos provenientes daquele contrato, a partir da celebração do mesmo, conforme art. 455º, nº 1 do Código Civil).

Não podemos deixar de acrescentar que, sendo tal solução a que resulta da lei positiva aplicável ao caso, corresponde ademais à solução de justiça material que o caso clama, sob pena de enriquecimento ilegítimo da interessada A (…), desde logo porque o ingresso daquele bem na titularidade do interessado P (…) não decorreu do esforço patrimonial comum dos cônjuges pressuposto e/ou presumido pelo casamento (nem tão pouco pode dizer-se que aquando da separação de facto a mesma era titular de uma qualquer expectativa quando à natureza comum do bem em causa, na precisa medida em que o mesmo foi adquirido pelo interessado P (…) posteriormente à separação de facto do casal).».

  Analisado este discurso argumentativo e fazendo a sua analise em conjugação e concatenação com o acervo factual apurado na 1ª instância  bem como com a decisão proferida, facilmente se conclui que inexistem os vícios apontados pela recorrente.

Na verdade os fundamentos, de facto e de direito, foram especificados e invocados, sendo que, quanto a estes últimos, e por decorrência da referência expressa às pertinentes  normas legais aplicáveis.

Igualmente se afigura inexistir qualquer erro ou vício lógico ou silogístico entre os fundamentos e a decisão, antes pelo contrário: a julgadora entendeu que os factos apurados se subsumiam nas normas por ela invocadas  que apontam no sentido da taxação do bem como próprio do recorrido e, lógica e consequentemente, concluiu neste preciso sentido.

Perspetiva diferente é saber se tal pronúncia é a mais curial e consentânea com os factos provados, os dispositivos – legais e contratuais – pertinentes e a melhor  interpretação que de tais factos e normas deve ser feita.

Ou seja, o cerne do problema não se prende com a nulidade da sentença mas sim com o (de)mérito do decidido, isto é, com a sua (i)legalidade, o que infra se apreciará.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

Há que considerar que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº655º do CPC.

Perante o estatuído neste artigo pode concluir-se, por um lado, que a lei não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos de valoração.

Mas, por outro lado, também não lhe permite julgar apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito.

 Antes lhe exigindo que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

Na verdade prova livre não quer dizer prova arbitrária, caprichosa  ou irracional.

Mas quer dizer prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, posto que em perfeita conformidade com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

5.2.2.

Por outro lado há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.

 Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Efetivamente, com a produção da prova apenas se deve pretender criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente num grau de probabilidade o mais elevado possível, mas em todo o caso assente numa certeza relativa, porque subjetiva, do facto. – cfr. Ac. RC de 14.09.2006, dgsi.pt, citando Antunes Varela.

Uma tal convicção existirá quando, e só quando, o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.- Cfr. Figueiredo Dias, in Dto. Processual Penal I Pág. 205.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade, e, até, falibilidade, vg. no que concerne á decisão sobre a matéria de facto.

Mas tal é inelutável e está ínsito nos próprios riscos decorrentes do simples facto de se viver em sociedade onde os conflitos de interesses e as contradições estão sempre, e por vezes exacerbadamente, presentes, havendo que conviver - se necessário até com laivos de algum estoicismo e abnegação - com esta inexorável álea de erro ou engano.

O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, tendencialmente, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

É que a verdade que se procura, não é, nem pode ser, uma verdade absoluta -porque assente em premissas de cariz matemático-, mas antes uma verdade político-jurídica, a qual é consecutida se a sentença  convencer os interessados diretos: as partes – e, principalmente, a sociedade em geral, do seu bem fundado: isto é, a sentença valerá acima de tudo se for validada e aceite socialmente.

5.2.3.

Nesta perspetiva entendemos, na sequência de profusa jurisprudência, que o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de "ensaio" do verdadeiro julgamento a efetuar pelo Tribunal da Relação.

 É da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de recurso não julga, pelo menos de um modo apriorístico, global e indiferenciado, ex novo.

Assim, a função do Tribunal da 2ª Instância deverá circunscrever-se a "apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos - Ac. do Trib. Constitucional de  3.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51º, pág. 206 e sgs e Ac. da Rel. de Lisboa de 16.02.05,  dgsi.pt. com realce e sublinhados nossos tal como nas citações infra

5.2.4.

In casu pretende a recorrente que não se dê como provado que as partes estão separadas de facto desde 1990 porque o interessado apresentou apenas uma declaração de IRS, única prova que requereu, apresentada em 1992 reportando-se ano de 1991, porque  quando se apresentou à insolvência declarou o bem como comum o que equivale a confissão, e porque tal natureza resulta da presunção do artº 7º do CRPredial  já que o imóvel, quando registado,  foi inscrito a favor dos ex-cônjuges desde 27.08.1997.

Quanto a estes dois últimos argumentos eles são liminarmente de rejeitar porque se reportam à questão de direito e não  à questão de facto.

Quanto ao primeiro há que dizer que tal elemento documental é relevante, pois que, ainda antes de ter recebido ganho e recebido o prémio, o interessado já se declarava, perante entidades publicas, separado de facto.

Ademais ele não se apresenta como único meio probatório  no sentido de que o casal já estava separado de facto em 1992.

Na verdade tal resulta da própria anuência/confissão da requerente, pois que tento o requerido alegado que os interessados estavam separados desde 1990 – fs. 29 – a requerente na sua oposição plasmada a  quer a fls.49 quer a fls. 67 não contestou ou por qualquer modo pôs em crise tal alegação.

Logo, deve a mesma ter-se por confessada, e, assim, assente.

Consequentemente, impõe-se a manutenção de tal facto, porque provado,  desde logo, via confessória.

5.2.5.

Nesta conformidade os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

1. Os aqui interessados contraíram casamento no dia 22.08.1971 sem precedência de convenção nupcial, casamento que foi dissolvido por sentença já transitada proferida no processo nº 283/10.8TBPNF do Tribunal Judicial de Penafiel.

2. Os interessados separaram-se de facto em 1990.

3. Por documento escrito datado de 02.12.1994 o interessado P (…)  declarou que lhe foi entregue pela x ( ...) J ( ...) , SA o 1º prémio relativo ao Concurso “Notícias de Primeira Página”, correspondente a um apartamento T2 no valor de Esc.:12.000.000$00, em Aveiro.

4. Por escritura pública de compra e venda H ( ...) Ldª - 1ª outorgante -, declarou vender a x ( ...) J ( ...) , SA – 2ª outorgante - e esta declarou comprar, pelo preço de doze milhões de escudos, já recebido, a fracção autónoma designada pela letra Y destinada a habitação, descrita na Conservatória do Registo Predial de Ilhavo, freguesia da Gafanha da Nazaré, nº x ( ...) .

5. No âmbito do mesmo instrumento público mais declararam que fazem esta venda com perfeito conhecimento da reserva a seguir indicada: (…)

pela segunda outorgante foi dito que aceita a venda nos termos exarados, reservando-se esta, neste acto, o direito de nomear um terceiro que adquira todos os direitos e assuma todas as obrigações provenientes deste contrato, nos termos e para os efeitos do disposto no número 1 do artigo 452 do Código Civil. Que esta reserva destina-se a cumprir a atribuição da aludida fracção ao senhor P (…) pessoa contemplada com o primeiro prémio no sorteio que foi promovido pela x ( ...) J ( ...) , SA.

(…) concurso devidamente aprovado pelo Governo Civil do Porto pelo Despacho nº cinquenta e três/noventa e quatro, tendo o respectivo sorteio ocorrido em quatro de Setembro de mil novecentos e noventa e quatro (…).

6. Por documento epigrafado de Ratificação outorgado no dia 27.12.1996 no Cartório Notarial de Ilhavo, o interessado P (…), ali identificado no estado de casado com A (…) sob o regime da comunhão de adquiridos, foi declarado ratificar o contrato de compra e venda celebrado pela escritura aludida em 4 e 5, aceitando para si o aludido contrato, referente à fracção autónoma ali descrita.

7. Pela ap. 22 de 27.08.1997 a fracção aludida em 4 foi inscrita em benefício do interessado P (…) casado com A (…) no regime da comunhão de adquiridos, com fundamento em compra, tendo como sujeito passivo H ( ...) , Ldª. B)

(sublinhado nosso)

Havendo ainda a considerar, porque relevante, que:

- o aludido contrato de compra e venda foi celebrado no dia 27.12.1996 –  cfr. doc. de fls. 36

5.3.

Terceira questão.

No contrato de casamento e no regime  de bens da comunhão de adquiridos são considerados bens comuns do casal, nos termos do artº 1724º do CC:

a) O produto do trabalho dos cônjuges;

b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei.

E são excetuados por lei, ou seja, bens próprios de um dos cônjuges, nos termos do artº 1722º:

a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento;

B) Os bens que lhes advieram depois do casamento por sucessão ou doação;

C) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito anterior.

5.3.1.

O regime da comunhão de adquiridos é o regime mais adequado aos tempos de crise em que o casamento deixou de ter a estabilidade de antanho, evitando injustas repartições de bens.

Havendo até quem defenda que, dada a cada vez maior taxa de divorcialidade e a cada vez maior independência dos cônjuges, quer sob o ponto de vista pessoal, quer sob o ponto de vista da sua atividade produtiva, o regime supletivo deveria ser o da separação – neste sentido cfr. D. Leite de Campos, in Lições do Direito da Família e das Sucessões, 2ª ed., p.411 e sgs.

A lei considera comuns os bens adquiridos na constância do casamento.

Mas tal aquisição tem de merecer uma interpretação restritiva no sentido de apenas considerar comuns os adquiridos a título oneroso.

Na verdade tal limitação constitui o traço fundamental deste regime que o diferencia do regime da comunhão geral o qual taxa de comuns, e para além do mais, os bens adquiridos na constância do casamento tanto onerosa como gratuitamente.

Nesta conformidade: «comunhão de adquiridos é…expressão abreviada de comunhão de adquiridos (na vigência do casamento) a título oneroso» - A. Varela in Direito da Família, 1987, p.433.

Sendo, aliás: «esta a ideia geral que define o regime, e que corresponde, basicamente, à ideia de só tornar comum aquilo que exprime a colaboração de ambos os conjunges no esforço patrimonial do casamento» - Pereira  Coelho, in Curso do Direito da Família, 2ª ed. 2001, p.505.

(sublinhado nosso.

Decorrentemente, e na sequencia de tal interpretação, a lei, como se viu,  considera bens próprios os que o cônjuge recebeu  a título de sucessão ou doação.

 Exceto se forem doados conjuntamente a ambos os cônjuges, ou, quando deixados ou doados apenas a um, e não integrarem a legítima do donatário ou testamentário, o doador ou testador declarar que devem entrar na comunhão. – artº 1729º do CC.

Por outro lado são comuns, desde logo o produto do trabalho dos cônjuges.

O que bem se compreende se se pretender estimular e sedimentar o espírito associativo e de colaboração recíproca dos cônjuges.

Mas,  a assim ser, aqui deve ser operada uma interpretação mais lata/extensiva, no sentido de considerar outrossim comuns os bens ou rendimentos que sejam decorrentes ou contrapartida  do esforço ou empreendedorismo de um dos  cônjuges.

Destarte, devem considerar-se produto do trabalho, e,  como tal, bens comuns: «todos os proventos auferidos por trabalho dependente ou independente, regular ou esporádico, pago em dinheiro ou géneros, bem como as prestações retribuídas com prémios de produtividade laboral e ainda os prémios ou gratificações que não resultem de pura sorte, isto é que impliquem uma contraprestação de esforço, destreza, ciência ou de outra aptidão de qualquer dos cônjuges, como as que se realizam nas competições desportivas ou em concursos televisivos» - Pereira Coelho, ob. cit., p.543.

Na verdade: «os concursos públicos destinados a galardoar o concorrente mais dotado em qualidades físicas ou intelectuais – vg., uma competição desportiva, os prémios escolares, literários, científicos ou artísticos – têm, em principio, natureza idêntica à doação, por envolverem um propósito de liberalidade…Porém…configura(m)-se como negócio jurídico unilateral oneroso, residindo a onerosidade na atividade desenvolvida pelo concorrente, a qual reverte a favor do promitente como um valor económico e representa a contraprestação…do premio oferecido. Consequentemente, os bens e valores adquiridos pelos concorrentes neste género de concursos não estão incluídos na previsão do artº 1722º nº2 al.b) do CC, tendo pois, em regime….de comunhão de adquiridos, a natureza de bens comuns» - Ac. do STJ de 09.01.1990, BMJ, 393º, 603.

Devendo, aliás, e nesta perspetiva, também serem considerados produtos do trabalho, os rendimentos auferidos por um dos cônjuges decorrentes do seu direito de propriedade intelectual, ie. os proventos resultantes da efetiva exploração económica da obra – cfr. artº 1678º nº2 al. b) do CC.

5.3.2.

In casu.

O imóvel adveio à titularidade do requerido ex vi do contrato de compra e venda celebrado entre o seu dono e a x ( ...) J ( ...) que patrocinou o concurso cujo prémio tinha por objeto tal fração.

Todavia esta empresa não celebrou o contrato para produzir efeitos na sua esfera jurídica, mas antes, como dele adrede e inequivocamente consta, com reserva de nomeação de terceiro interessado, que no mesmo logo indicou ser o requerido, tudo nos termos do artº 452º e segs do CC.

Tal nomeação foi feita na pessoa do requerido e este aceitou e ratificou a mesma. Tudo no próprio dia da escritura inicial. O que, designadamente porque tempestivos, - cfr. artº 453º do CC -  torna todos os negócios jurídicos válidos e eficazes.

Todavia e apesar dos mesmos dimanar, expressa e claramente, que a  compra e venda foi apenas um meio de efetivar a transferência da propriedade para o requerido, não tendo ela correspondido o pagamento de um preço por parte deste, nem assim se pode considerar o bem como próprio.

 Pois que, como se viu, na génese da atribuição do premio consubstanciado no imóvel, esteve um concurso,  denominado “Notícias de Primeira Página”, ao qual o  ora interessado concorreu e no âmbito do qual,  para o poder ganhar,  e como do próprio título dimana, certamente que teve de desenvolver uma atividade não apenas de índole física, como, outrossim,  mental, intelectual e, logicamente,  demonstrativa de conhecimentos e competências quiçá de cariz literário e/ou científico.

Em suma, e como resulta do supra exposto, não se pode concluir que a atribuição do imóvel  tenha resultado de um mero golpe de sorte que beneficiou o requerido pelo que ela não consubstancia uma simples liberalidade/doação.

 Antes tendo como pressuposto um esforço e um trabalho do concorrente que deve ser integrada na previsão da al. a) do artº 1724º na abrangente interpretação  que lhe deve ser dada e  que se tem por mais curial.

Nesta conformidade e versus o decidido na 1ª instância, o imóvel deve ser considerado comum.

5.3.3.

Certo é que se provou que as partes estão separadas de facto desde 1990.

A questão que se pode colocar é se os efeitos do divórcio devem, ou não, retroagir a tal ano, sendo certo que também se provou que a atribuição do prémio ao interessado se verificou já em 1994 e a entrada efetiva na sua esfera jurídica patrimonial em 1996.

As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam, para além do mais, pela dissolução do casamento – artº 1688º do CC.

O divórcio é um dos modos da  sua dissolução  – artº 1788º.

Os efeitos do divórcio, posto que, no tocante às relações patrimoniais, por via de regra, retrotraem à data da propositura da ação – artº 1789º nº1.

Mas  podem retroagir à data do começo da separação de facto se estiver provada no processo e tal for pedido por um dos cônjuges – artº 1789º nº2 na redação dada pela Lei nº 61/08, de 31/10, já aqui aplicável, pois que a ação de divórcio foi instaurada em 2010.

Entende-se, porém, que esta data tem de ser fixada apenas  no processo de divórcio e, neste, apenas na sua modalidade de litigioso, que não já na de consensual,  e somente na sentença que não já posteriormente em processado incidental, e, muito menos, noutra ocasião ou processo, nomeadamente no inventário – Acs. do STJ de  22.01.1997, de 16.03.2011 e de  22.05.2012 in dgsi.pt, ps. 96A567, 261-C/2001.L1.S1 e 601/2002.C1.S1; Ac. da RC de 12.07.2011, p. 802/07.7TBMGR.C1 e Pereira Coelho, Ob. Cit. p. 657.

Isto porque se exige a prova da separação de facto – antes daquela lei apenas falta de coabitação -  o que  apenas se compagina com o próprio processo de divórcio litigioso.

Ora no caso vertente desde logo não resulta alegado nem provado se o divórcio foi por mútuo consentimento ou litigioso, ainda que, considerando o circunstancialismo envolvente, se presuma que revestiu aquela modalidade.

Mas mesmo que fosse litigioso, outrossim não se alcança alegado e provado que neste processo tenha sido fixado, na respetiva sentença, a data do começo da separação de facto.

Nesta conformidade a prova da separação nestes autos de inventário é ineficaz/irrelevante.

Pelo que a composição do património comum é aquela que existia na data do regime regra: - a da propositura da ação - e não em momento anterior, designadamente à data da separação de facto.

 E só os bens existentes no momento da instauração da ação de divórcio - mas todos esses bens - devem ser objeto de partilha.- Cfr. Ac. da RC de 08.11.2011, p. 4931/10.1TBLRA.C1.

Logo o bem em causa continua a assumir o jaez de bem comum e tem de ser partilhado.

Certo é que estando os cônjuges separados de facto há mais de 20 anos e sendo o bem adquirido passados já cerca de seis anos após a separação, dúvidas se podem colocar quanto à bondade – rectius justiça – desta solução, pois que, em termos de uma certa normalidade sempre se poderá conjeturar ou até concluir que o bem foi adquirido fora da comunhão de vida  e economia conjunta do casal e sem que a interessada tivesse minimamente contribuído para a sua aquisição e manutenção.

Mas, perante os factos apurados, o teor dos normativos aplicáveis e a interpretação dos mesmos que se tem por melhor, a solução, de jure strictu, não pode, smo., deixar de ser a que se alcançou.

O elemento/instituto jurídico obstativo da mesma, e  eventual remédio de uma possível injustiça, estaria na válvula de escape do regime, qual seja o abuso de direito.

Mas sendo certo que esta figura apenas emerge quando o respetivo titular  exerce o direito de uma forma arbitrária, exacerbada ou desmesurada,  que fere e ofende as conceções ou o sentimento ético-jurídico dominante na coletividade, facilmente se verifica que os factos apurados – e porque muitos outros factos e vicissitudes infirmadores desta atuação são, em tese, congemináveis - não permitem o alcandoramento a tal magno instituto jurídico.

Procede o recurso.

6.

Sumariando:

I – No casamento celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, o premio recebido em concurso que não seja de mera fortuna e azar, mas que implique labor manual e/ou intelectual, não pode ser considerado adquirido a título gratuito/doação, e, assim, bem próprio do cônjuge ganhador, mas  antes, e porque o caso é, ainda, subsumível na previsão da al. a) do artº 1724º do CC, bem comum do casal.

II – A  data do começo da separação de facto que permite, excecionalmente, fazer retroagir os efeitos patrimoniais do divórcio à mesma, tem de ser provada e fixada na sentença da ação que o decretou – artº 1789º nº2 do CC; se o não for, e salvo óbices excecionais como, vg., o abuso de direito, o património comum a partilhar é o que existia à data da propositura desta ação – artº 1789º nº1.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e, consequentemente, declarar o cariz de bem comum do casal do imóvel em causa, com as legais consequências.

Custas pelo recorrido.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Alberto Ruço