Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51/07.4GBMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO
VALOR PROBATÓRIO
Data do Acordão: 11/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MANGUALDE - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 345º, N.º 4, DO C. PROC. PENAL
Sumário: As declarações de um co-arguido podem ser livremente apreciadas, independentemente de haver ou não mais provas que as corroborem, desde que seja respeitado o princípio do contraditório.
Tudo depende, em resumo, da credibilidade que tais declarações oferecem, tendo presente o disposto no artigo 127.º, do C. Proc. Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) n.º 51/07.4GBMGL que corre termos no Tribunal Judicial de Mangualde, 2.º Juízo, foi proferido acórdão, em 1/7/2011, cujo DISPOSITIVO é o seguinte:
“3.Decisão: Pelo exposto, de facto e de direito, decide-se: I) absolver os arguidos A... e B... do crime de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213.°, nº1, alínea a), do C. Penal, que lhes vem imputado; II) condenar os arguidos A... e B... pela prática, sob a forma de co-autoria material, em concurso efectivo, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º, nº1, al.b), do C.Penal: a) na pena de 2 (dois) anos de prisão, acrescida de 1 (um) ano e 6 (seis) meses da sanção acessória de proibição de conduzir, prevista no art.69º, nº1, al. a), do mesmo diploma legal, o arguido A...; b) na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, acrescida de 1 (um) ano da sanção acessória de proibição de conduzir, prevista no art.69º, nº1, al. a), do mesmo diploma legal, o arguido B...; III) condenar os arguidos A..., B... e C... pela prática, sob a forma de co-autoria material, em concurso efectivo, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.°, n.° 1, do Código Penal: a) na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, o arguido B...; b) na pena de 2 (dois) anos de prisão, o arguido A... .; c) na pena de 2 (dois) anos de prisão, o arguido C.... IV) condenar os arguidos A..., B... e C... pela prática, sob a forma de co-autoria material, em concurso efectivo, de um crime de dano com violência, p. e p. pelo art.214º, nº1, al.b) , do Código Penal revisto, com referência aos artigos 213º, nº1, al.a), 212º, nº1, e 202, al.a), ambos do mesmo diploma legal, redacção vigente à data da prática dos factos: a) na pena de 4 (quatro) anos de prisão, o arguido B...; b) na pena de 5 (cinco) anos de prisão, o arguido A... .; c) na pena de 5 (cinco) anos de prisão, o arguido C.... V) condenar o arguido A... pela prática, sob a forma de autoria material, em concurso efectivo com os crimes acima referidos, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº2, do DL nº2/98, de 3/1, com referência aos arts. 121º, nº1 e 122º, n.° s 1 e 2, ambos do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
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Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, nos termos do disposto no art.77º do C.Penal, condena-se:

- o arguido A... . na pena única de 6 (seis) anos de prisão efectiva, acrescida de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de proibição de conduzir;

- o arguido B... na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão suspensa na sua execução sob regime de prova, acrescida de 1 (um) ano da sanção acessória de proibição de conduzir;

- o arguido C... na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

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Custas
Condenam-se os arguidos nas custas do processo e na taxa de justiça individual equivalente a 6 UC`s.
Acresce o equivalente a 1% daquela taxa a favor do Cofre Geral dos Tribunais (art.13º,nº3 do DL 423/91 de 30 de Outubro).
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Boletim ao registo criminal.
Após trânsito em julgado, remetendo cópia do presente acórdão, solicite a elaboração, no prazo de 30 dias e após prévia audiência do arguido B..., do plano individual de readaptação social, o qual deverá ser submetido a posterior homologação judicial (art.494º, nº3, do C.P.P.).
Após trânsito em julgado, relativamente aos condenados por crime doloso em pena concreta de prisão igual ou superior a três anos, ainda que substituída, proceda-se à recolha de amostras prevista no art.8º, nº2, da Lei nº5/2008, de 12/02, e à sua introdução na base de dados de perfis de ADN, ressalvada a dispensa prevista no nº6, do cit. art.8º.
Notifique e deposite.”
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Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 5/8/2011, o arguido C... dos Santos ., defendendo a sua substituição por outra que altere parcialmente a matéria de facto, com a subsequente absolvição, ou, caso isso não seja entendido, por outra que contemple a redução da pena, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. No modesto entendimento do arguido, a decisão recorrida assenta em meras conjecturas e suposições, desacompanhadas de suficiente prova, pois para poder condenar o co-arguido C..., que não teve participação nos factos, estriba-se apenas nas declarações do co-arguido B....
2. As declarações confessórias do co-arguido B..., na falta de outros elementos probatórios, não são suficientes para sustentar por si só a matéria de facto dada como provada, concretamente os pontos 1 a 4, mas principalmente 38 a 41, 47 e 49 e 51 e 52.
3. Declarações do arguido B...que, quanto ao recorrente, estão escoradas em contradições e incongruências e procuram uma vingança manifesta.
4. Segundo a melhor doutrina e jurisprudência, não obstante as declarações dos arguidos constituírem prova, ainda que de credibilidade especialmente diminuída, estas devem ser merecedoras de especial atenção por parte do julgador, uma vez que podem ter subjacentes interesses .is e outras circunstâncias que afectam irremediavelmente a sua isenção e crédito.
5. As declarações dos co-arguidos que decidiram prestar declarações não foram corroboradas por quaisquer outras provas ou, pelo menos, isso não resulta de forma alguma da fundamentação do douto acórdão, nomeadamente no que à prática dos factos pelo co-arguido C... diz respeito.
6. O digno Tribunal a quo alheou-se (erradamente) por completo da existência de desavenças entre os co-arguidos B...e C..., que deveriam ter suscitado a dúvida no julgador quanto à veracidade, isenção e reais motivações do arguido B...ao decidir prestar declarações incriminatórias contra o co-arguido C....
7. Das declarações prestadas pelo arguido B... Albuquerque ., torna-se evidente que este arguido acabou por trazê-lo para o processo ao querer fazer crer que foi o recorrente por telefone a decidir os destinos da fuga, aliás encetada sem qualquer decisão ou intervenção do recorrente (declarações gravadas em suporte digital, dia 5/5/2011, entre as 10:48:01 e as 11:29:48, cf. Acta de julgamento).
8. Ressalta das suas declarações, neste e noutros processos em que os arguidos estão envolvidos, concretamente processo n.º 223/07.1GCVIS, que o arguido B...procura incriminar o arguido C..., pelo menos a partir do momento em que percebeu que tal estratégia lhe vai propiciando penas mais suaves, tal como no caso também se verifica, mesmo quanto à forma de cumprimento das sanções aplicadas.
9. Durante o seu depoimento, o arguido B...referiu diversas versões relativamente à participação do arguido C..., tendo começado por querer repor a verdade esclarecendo que não era verdade que o arguido C... tenha dito para o arguido A... «puxar a embraiagem» - cf. passagem a 00.05 a 00:30.
10. A meio das suas declarações, perante a pergunta concretamente colocada se foi o co-arguido C... a dizer para carregar na embraiagem, puxar o travão de mão e meter a marcha-atrás, declarou «nem que sim nem que não» - cf. passagem a 30:12 a 30:45.
11. No final, porventura para ficar bem na «fotografia», acaba por dizer que foi o co-arguido C... a dizer para fazer a tal manobra de marcha-atrás – cf. declarações, minutos 39:55 a 40:45.
12. Esta construção é uma monstruosidade congeminada apenas para tentar «apanhar» o co-arguido C... que, de facto, não é nenhum santo, mas quis o destino que, no dia dos factos, mesmo que estivesse combinado ou fosse ser praticado algum facto ilícito, ele neles não pudesse participar.
13. A partir do momento em que os co-arguidos A... e B..., junto à empresa …, decidem fugir das autoridades, fica irremediavelmente comprometida por parte do arguido C... qualquer resolução criminosa que os co-arguidos tivessem engendrado.
14. É também completamente inverosímil ter acompanhado o co-arguido C... a perseguição, facto que não é corroborado nem sequer referido por mais nenhuma testemunha.
15. O aqui co-arguido C... é completamente alheio e, consequentemente, nenhuma responsabilidade lhe podendo ser assacada, à decisão de fugir, resistir e coagir elementos das forças de segurança e, bem assim, destruir ou danificar veículos das forças de segurança.
16. Não se alcança como o arguido C... possa ter determinado, obrigado ou mesmo manietado a vontade dos co-arguidos A... e B...via telefone, aliás em comunicação ou comunicações de duração não definida nem demonstradas.
17. Não faz sentido mandar pisar a embraiagem para esconder as luzes de travagem pois a própria marcha-atrás é também ela sinalizada com luz própria e, consequentemente, bem visível por qualquer condutor que siga atrás, mesmo que se tare de condutor de veículo das forças de segurança.
18. A própria paragem dos co-arguidos A... e B...tem de ser entendida como, mais ou menos, normal atendendo a que os co-arguidos A... e B...tinham chegado ao fim da estrada de alcatrão cf. declarações do co-arguido B...a 32:45 a 33:00 e da testemunha F..., declarações a 05:40 a 06:12.
19. Não resulta de nenhuma das declarações prestadas, mesmo das do próprio co-arguido B..., que tenha sido o arguido C... a mandar abalroar, momentos antes, em …, o Nissan Patrol das forças de segurança, na barragem que foi montada.
20. Foram também os co-arguidos A... e B...a escolher «à sorte» o percurso de fuga – cf. declaração a 29:20 a 29:32.
21. Para que as declarações do co-arguido B...pudessem ter um mínimo de sustentabilidade no que à condenação do co-arguido C... diz respeito, impunha-se que fosse feita a prova complementar, concretamente, bastava apenas apurar os números de telefone dos co-arguidos e apurar as chamadas realizadas no dia dos factos, concretamente, horas a que ocorreram, números de destino e duração.
22. A inconsistência nas declarações prestadas pelo arguido B...na parte em que pretende incriminar o arguido C... deveria ter determinado que o Tribunal a quo ficasse, pelo menos, com sérias dúvidas acerca da veracidade e isenção do depoimento do mesmo e, como tal, não deveria ter dado como provados os factos constantes dos pontos 1 a 4, mas principalmente 38 a 41, 47 e 49, 51 e 52 do item matéria dada como provada.
23. Caso tivesse feito uma correcta apreciação da prova, nomeadamente das declarações prestadas pelos arguidos, sempre o tribunal a quo deveria ter ficado com sérias dúvidas acerca da autoria dos factos relativamente ao recorrente.
24. Ao não ter apreciado correctamente a prova, no sentido supra indicado pelo recorrente e não ter decidido pela absolvição do recorrente quanto à prática dos crimes de que vem acusado, violou o Tribunal a quo o princípio constitucional do in dubio pro reo, previsto no artigo 32.º, da CRP.
25. E no caso sub judice, impunha-se que o Tribunal a quo, em face da indigência da prova existente – apenas e só as declarações confessórias de co-arguidos – ficasse com uma dúvida razoável acerca da alegada autoria dos factos por parte do arguido C..., especialmente porque desacompanhadas de quaisquer outros elementos de prova.
26. Sem prescindir de tudo o que se deixou exposto nos pontos que antecedem, as penas parcelares aplicadas ao arguido C... por cada um dos crimes, bem como a pena única, são manifestamente exageradas e subjectivamente desproporcionadas, não tendo o Tribunal a quo feito uma análise e ponderação adequadas, conforme obriga o disposto no artigo 71.º, do C. Penal, da culpa do arguido, assim como das exigências de prevenção especial que o caso requer.
27. O Tribunal a quo considerou apenas o lado negro do arguido, acusando-o de revelar uma personalidade fortemente censurável e de não mostrar sinais de arrependimento, nem interiorização do desvalor da sua conduta.
28. Para tal, esqueceu por completo o relatório social junto aos autos a fls. 515 e segs. de onde resulta precisamente o oposto, quando é afirmado pela técnica que o elaborou que o arguido se sente revoltado consigo próprio e está ciente da gravidade dos seus actos, dos danos para os lesados e do sofrimento que causou à sua família, nomeadamente aos seus pais.
29. Para além disso, o Tribunal a quo não levou na devida linha de conta, nomeadamente na análise das necessidades de prevenção especial e de ressocialização, o relatório social, nomeadamente quanto ao que tem sido o seu percurso exemplar dentro do sistema prisional e bem assim quanto ao apoio familiar em termos emocionais e materiais.
30. O arguido encontra-se em reclusão, desde Setembro de 2007 até à presente data, afinal o ano da prática dos factos…
31. São-lhe reconhecidas capacidades de trabalho, quer pelos técnicos responsáveis que o acompanham dentro do E.P., quer pelos seus familiares directos.
32. Dentro do E.P., destaca-se precisamente pelas reconhecidas capacidades de trabalho, ocupando postos de trabalho que exigem um grau de responsabilidade superior aos demais, correspondendo de forma positiva.
33. Tem uma estrutura familiar, composta pelos seus pais, .s que não têm qualquer ligação aos factos sub judice, nem a quaisquer outros ilícitos penais, que o visitam regularmente no E.P., que lhe prestam todo o apoio emocional, psicológico e material de que necessita e que estão na disposição de o acolher assim que este seja restituído à liberdade, proporcionando-lhe todo o apoio de que este venha a necessitar (emocional, habitacional e até profissional),
34. Para além dos seus pais, o recorrente tem também dois filhos ainda menores que se encontram actualmente a residir com a sua ex-companheira, com os quais mantém fortes laços afectivos, que o visitam regularmente, quer na companhia da mãe, quer dos avós paternos e que lhe dão toda a força necessária para que o arguido reencontre os trilhos da vida, afastado da fase de instabilidade e desorientação .l e profissional que marcaram os anos passados.
35. Uma das preocupações maiores da vida do arguido é precisamente não poder acompanhar e cuidar dos seus filhos, nem proporcionar-lhes adequadas condições de vida.
36. Revela intenções de trabalhar – que só poderão considerar-se sérias uma vez que é a trabalhar que o arguido ocupa o tempo dentro do E.P. e afastar-se em definitivo da prática dos crimes.
37. O Tribunal a quo, ao não considerar toda esta factualidade na determinação da pena, considerando, erradamente, no nosso modesto entendimento, que a favor do arguido não se vislumbra nenhuma circunstância atenuante digna de relevo, violou o artigo 71.º, do C. Penal.
38. Além de que só infundadamente pôde o Tribunal a quo chegar à conclusão de que o arguido apresenta traços de personalidade mal adaptativos, de natureza anti-social ou dissocial, não se importando com a verdade, não aprendendo com os erros que comete, tendendo a repeti-los.
39. Tais conclusões, por pressuporem conhecimentos técnicos e científicos que os juristas não possuem, não poderão ser apresentadas através de uma análise feita apenas e só pelo Tribunal a quo com recurso ao certificado do registo criminal do arguido e a tomada de declarações deste durante o julgamento nestes autos.
40. Deste modo, as penas parcelares, bem como a pena única aplicada ao arguido, são excessivas e desproporcionais.
41. E bem assim, face às penas aplicadas aos restantes arguidos.
42. Afinal, mesmo admitindo que o arguido C... tivesse participado nos factos, o que apenas por mero exercício de raciocínio se alega, não foi o arguido C... que não respeitou a barragem montada pelas forças de segurança, em Roriz, nem quem ia travando para provocar o embate entre os veículos ou mesmo engrenou a marcha-atrás, danificando o Seat das forças de segurança.
43. O arguido tem apenas 39 anos de idade e dois filhos ainda de tenra idade para ajudar a criar e educar, tem um suporte familiar e demonstra capacidades de trabalho e, dentro do E.P., tem assumido tarefas que lhe exigem um grau de confiança e responsabilidade superior, às quais tem correspondido de forma positiva.
44. É de esperar que o arguido em liberdade assuma o comando da sua vida de forma mais responsável e adaptada às regras de vivência em sociedade, longe da prática de ilícitos que marcou o período mais conturbado da sua vida, o que reduz substancialmente as necessidades de prevenção especial que a sua situação exige e consequentemente a pena a aplicar.
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido, em 3/10/2011, respondeu ao recurso, defendendo a sua total improcedência, e, sem apresentar conclusões, argumentou, em síntese, o seguinte: 1. Não ocorreu erro na apreciação da prova.
2. Não foi violado o princípio in dubio pro reo.
3. A decisão recorrida não violou o disposto no artigo 71.º, do C. Penal.
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O recurso foi, em 6/10/2011, admitido.
Já no Tribunal da Relação de Coimbra, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 14/10/2011, douto parecer, no qual acompanhou a resposta do Ministério Público da 1ª instância, defendendo, assim, a improcedência total do recurso. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.
O recorrente encontra-se preso, no E. P. da Guarda, em cumprimento da pena de prisão aplicada no PCC n.º 318/05.6GASRE, do Tribunal Judicial da Comarca de Soure (facto provado n.º 77 do acórdão recorrido e fls. 790).
Colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II. Decisão Recorrida:
“(…)
2. Fundamentação
2.1 Matéria de Facto Provada :
Da audiência de discussão e julgamento da causa - a que se procedeu com observância do atinente formalismo legal resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. Na noite de 13 para 14 de Abril de 2007, em execução de um plano que delinearam, e agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, os arguidos C..., A... e B..., introduziram-se no interior da viatura automóvel, pesado de mercadorias, da marca Mitsubishi, modelo Turbo Intercooler, de cor branca, de matrícula …, estacionada na zona de …, Coimbra.
2. Com a intenção de fazerem tal viatura coisa sua, sem autorização e contra a vontade do dono, os arguidos arrancaram com a mesma, vindo a estacioná-la em …, concelho de Nelas, nas imediações da casa de um primo do arguido C... .
3. Já no dia 15 de Abril de 2007, cerca das 20h00, de comum acordo e em conjugação de esforços, os três arguidos deslocaram - se até à localidade de …, concelho de Nelas, numa viatura automóvel conduzida pelo arguido C..., a fim de irem buscar a viatura de matrícula … .
4. Cerca das 2h00 da manhã, no dia 16 de Abril de 2007, de comum acordo e em conjugação de esforços, o arguido A... colocou aquela viatura em funcionamento e, com este arguido ao volante da mesma, levando como ocupante o arguido B..., dirigiram - se para a cidade de Mangualde, circulando por diversas estradas e ruas abertas ao trânsito de um número indeterminável de veículos a motor.
5. Já em área desta comarca de Mangualde, em plena Estrada Nacional nº234, junto à entrada que dá acesso à Rua Alexandre Herculano e às instalações da firma de granitos "lbergran", o arguido A... estacionou aquela viatura, ali aguardando com o arguido B..., como previamente combinado, pela chegada do arguido C..., que se fazia transportar noutro veículo automóvel.
6. Sucede que, entretanto, como se tivessem apercebido da aproximação de uma patrulha da GNR, os arguidos A... e B...colocaram-se em fuga, abandonando o local, a bordo da citada viatura, ainda com o arguido A... ao volante.
7. De facto, cerca das 2h45, aquela patrulha da G.N.R. , constituída pelos soldados F..., G... e H…, em missão de vigilância e fiscalização, uniformizada, deslocava-se num veículo caracterizado, publicamente reconhecido como sendo da G.N.R., de matrícula GNR L - …, da marca Seat, modelo IBIZA.
8. Circulava esta patrulha no referido local quando verificou que os arguidos A... e B...se encontravam no interior da referida viatura, o que levou aquela patrulha a aproximar-se dos mesmos.
9. Receando serem detidos, na iminência de se descobrir que aquela viatura havia sido subtraída, o arguido A..., sempre de comum acordo com o arguido B..., logo arrancou com aquela viatura, acelerando-a pela Estrada Nacional n.° 234, na direcção da rotunda que dá acesso à A25.
10. Como a patrulha da GNR fosse no seu encalço, a fim de evitar serem ultrapassados e interceptados por esta, o arguido A..., acompanhando as orientações do arguido B..., que melhor ia visualizando as manobras do Seat - IBIZA (carro – patrulha), e de acordo com a sua própria percepção das manobras deste veículo da GNR, circulou com a viatura por si conduzida por ambas as metades da faixa de rodagem, da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, e ao longo do eixo da via, tudo isto a cerca de 80 a 90 Km/hora.
11. Enquanto isso, através do megafone, os elementos daquela patrulha ordenavam-lhes que parassem, mantendo os rotativos luminosos ligados.
12. Ainda na Estrada Nacional n.° 234, e antes ainda da rotunda que dá acesso à A25, o condutor da viatura da GNR, iniciou uma manobra de ultrapassagem da viatura conduzida pelo arguido A....
13. Porém, acompanhando também as orientações do arguido B..., com quem actuou de comum acordo e em conjugação de esforços, o arguido A... guinou a viatura por si conduzida para a metade esquerda da faixa de rodagem, mantendo-se a circular nessa metade.
14. Desse modo obrigou o condutor da viatura da GNR a travar e a reduzir a velocidade e a retomar a metade direita da faixa de rodagem, sob pena de colisão com a viatura dos arguidos, chegando a viatura da GNR quase a bater nas barreiras de protecção existentes do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o sentido de trânsito Mangualde - rotunda que dá acesso à A25.
15. À medida que esta viatura ia procurando ultrapassar a viatura conduzida pelo arguido A..., este, mantendo - se a conduzir pela metade esquerda da faixa de rodagem, ia - se encostando também para a esquerda, atento o referido sentido de trânsito, impossibilitando assim qualquer ultrapassagem e quase provocando o embate da referida viatura da GNR contra aquelas barreiras de protecção .
16. Alcançando a rotunda que dá acesso à A25, os arguidos A... e B...prosseguiram na direcção de Penalva do Castelo, ao longo da Estrada Nacional 329-1
17. Tendo passado pela ponte de Penalva, estes arguidos cortaram de seguida à esquerda, na direcção de Moinhos de Pepim, passando a circular pela Estrada Municipal nº1417.
18. Após terem passado a Aldeia de Casal Diz, os arguidos A... e B...viraram à direita, passando a circular ao longo da Estrada Municipal n.° 603, na direcção de Roriz, concelho de Penalva do Castelo, ainda nesta comarca de Mangualde.
19. Ao longo deste trajecto, como a referida patrulha se mantivesse no seu encalço, a fim de evitar serem ultrapassados e interceptados por esta, o arguido A... circulou com a viatura, que conduzia, por ambas as metades da faixa de rodagem, da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, e ao longo do eixo da via, acompanhando as orientações do arguido B..., que melhor ia visualizando as manobras do carro - patrulha, e a sua própria percepção das manobras do veículo da GNR, por vezes a cerca de 80 a 90 Km/hora, abrandando por vezes a velocidade e travando inesperadamente, de forma a fazerem que a viatura da GNR lhes embatesse na retaguarda e de seguida se despistasse ou ficasse inoperacional, tudo isto sempre de comum acordo e em conjugação de esforços com o arguido B....
20. Entretanto, como esta patrulha da G.N.R. tivesse sido informada de que a viatura perseguida constava para apreender, por haver sido furtada, alertou a patrulha da GNR de Penalva do Castelo da perseguição que estavam a realizar e da direcção tomada pelos arguidos A... e B..., bem como da necessidade de efectuar uma barreira na estrada, assegurando a especial segurança dos militares da GNR, face ao comportamento adoptado pelos arguidos.
21. Então, a patrulha da G.N.R. de Penalva do Castelo, constituída pelo cabo … e pelo soldado …, em missão de vigilância e fiscalização, uniformizada e deslocando-se num veículo caracterizado, publicamente reconhecido como sendo da G.N.R., de matricula GNR J - … , jeep, da marca Nissan, modelo Patrol, deslocou-se para a localidade de Roriz, ao longo da Estrada Municipal nº603.
22. Nas imediações desta localidade, junto do entroncamento para Luzinde, esta patrulha imobilizou o jeep na faixa de rodagem, ocupando-a parcialmente, de forma a impedir a passagem da viatura onde seguiam os arguidos A... e B....
23. Seguidamente, enquanto o soldado … permaneceu no interior do jeep da GNR, o cabo …posicionou-se no exterior, aguardando pela aproximação da viatura onde se faziam transportar aqueles arguidos.
24. Aquando da aproximação desta viatura, ainda seguida, com os rotativos ligados, pela viatura da GNR de matricula GNR L - … , o cabo …, utilizando para o bastão luminoso, fez sinal de paragem à viatura onde seguiam os ditos arguidos.
25. Pese embora terem avistado esse sinal de paragem, os arguidos A... e B..., a fim de evitar serem identificados e detidos, de comum acordo e em conjugação de esforços, decidiram prosseguir a sua fuga e abrir caminho abalroando o jeep da GNR, afastando-o da faixa de rodagem e assim abrir passagem de forma a prosseguirem viagem, criando aos militares ali presentes receio pela sua integridade física e, dessa forma, forçá-los a deixá-los passar.
26. Como tivesse percebido que os arguidos não iriam parar e que iriam abalroar a viatura da GNR, o soldado … saiu rapidamente do interior do jeep e desviou-se deste juntamente com o cabo … quando a viatura dos arguidos se encontrava a cerca de 3 a 4 metros.
27. Nesse instante, os arguidos B...e A..., este ao volante da referida viatura, de comum acordo e em conjugação de esforços, mantiveram a sua viatura em aceleração e, intencionalmente, abalroaram o jeep da GNR para o afastar da faixa de rodagem.
28. Embateram então com a parte frontal esquerda do veículo onde se faziam transportar na frente esquerda do jeep, arrastando-o, permitindo a passagem do veículo onde seguiam.
29. Em consequência deste embate o veiculo de matricula GNR J- …de valor não inferior a 5500 euros, sofreu diversas amolgadelas,

fracturas e raspadelas, designadamente no guarda - lamas, pára-choques, grelha, pisca e óptica do lado esquerdo, ficando afectado em várias partes componentes e integrantes, retirando - lhe funcionalidade e impedindo - o temporariamente de circular, tudo como evidenciado na factura de fls. 33 - 34 , que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
30. A reparação daquele veículo custou ao Estado português - GNR a quantia de 2.029,02 euros, IVA incluído (352,14€ , de IVA) - cfr. fls. 158.
31. Os arguidos A... e B..., ao actuarem da forma acima descrita, sabiam que iriam amolgar o referido veículo da GNR de matricula GNR J - …, estilhaçando, amolgando e quebrando partes integrantes e estruturantes desse veículo, assim afectando aquele veículo na sua estrutura e composição, danificando-o e retirando-lhe funcionalidade, mesmo que temporariamente, bem sabendo desse modo criar também receio pela integridade física dos militares da GNR ali presentes, o que tudo quiseram e conseguiram.
32. Sabiam os arguidos A... e B...que aquele veículo, com as respectivas partes componentes e integrantes, não lhes pertencia e que actuavam sem autorização e contra a vontade do respectivo dono.
33. Sabiam os arguidos A... e B...que, ao conduzirem, de comum acordo e em conjugação de esforços, o referido veículo, pelo modo supra descrito, para escapar à acção policial, violavam os mais elementares preceitos estradais relativos à ultrapassagem e à obrigatoriedade de circular na metade direita da via e, mesmo assim, quiseram proceder daquela forma.
34. Mais sabiam que a sua condução na via pública, da forma descrita, criava o perigo de produção de acidentes nas estradas por onde passavam, e que assim poderiam ofender a integridade física e, até mesmo, causar a morte de transeuntes e de outros condutores, incluindo os elementos da GNR, o que não os coibiu de agir da forma descrita, conformando-se com a produção desse perigo, que ocorreu em relação aos referidos elementos da GNR .
35. Em todas as circunstâncias descritas os arguidos A... e B...actuaram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, a fim de melhor alcançarem o seu propósito, bem sabendo que a sua conduta era censurável e punida por lei como crime.
36. Prosseguindo na direcção da Quinta das Regadias, concelho de Penalva do Castelo, os arguidos A... e B...acabaram por mudar novamente de direcção, seguindo agora na direcção do lugar de Paul, que dista cerca de 2,5 Km da localidade de Roriz.
37. Continuavam, porém, com a patrulha da GNR do veículo de matricula GNR L- … (Seat – Ibiza) ainda no seu encalço, o que ia exasperando os arguidos A... e B....
38. A dado momento, via comunicação telefónica estabelecida por telemóvel, o arguido B..., que ia dando ao arguido C... conta da evolução da fuga, informou-o de que não conseguiam livrar-se da perseguição do veículo da GNR, que continuava no seu encalço, conseguindo evitar as manobras de despiste e estando na iminência de serem capturados.
39. O arguido C..., então, de forma a provocar o despiste e a inoperacionalidade da viatura de GNR e a evitar que os arguidos A... e B...fossem capturados e detidos, disse ao arguido B...para carregarem na embraiagem do veículo, puxarem o travão de mão e introduzirem a marcha atrás, fazendo então marcha atrás, de forma a que a GNR não se apercebesse que iriam travar e levar a que embatessem na retaguarda do veículo em que os arguidos fugiam.
40. Acto imediato o arguido B...transmitiu tais instruções ao arguido A..., o qual as executou quando circulavam já no interior da localidade de Paul, concelho de Penalva do Castelo, área ainda desta comarca de Mangualde.
41. Com efeito, ali chegados, o arguido A... travou a viatura e, fazendo marcha atrás, fez com que o veículo da GNR (Seat Ibiza) embatesse frontalmente na traseira daquela, num instante em que o veículo da GNR já se encontrava parado na faixa de rodagem.
42. Os arguidos A... e B...prosseguiram então a sua fuga, embrenhando - se por uma mata, seguindo em direcção a Luzinde, onde tomaram a Estrada Municipal, e depois em direcção à recta do Pereiro, já no concelho do Sátão, onde acabaram por abandonar o veículo em que se faziam transportar.
43. Seguidamente, via comunicação telefónica estabelecida por telemóvel, o arguido B...informou o arguido C... do local onde se encontravam, tendo este último ido buscá-los e regressado a Mangualde.
44. Em consequência do embate do veiculo de matricula GNR L- … (Seat Ibiza), de valor não inferior a 7.500 euros, provocado, da forma descrita, de comum acordo e em conjugação de esforços, pelos arguidos A..., B...e C..., aquele veículo sofreu diversas amolgadelas, fracturas e raspadelas, designadamente no guarda-lamas, pára-choques, grelha, pisca e ópticas, ficando afectado em várias partes componentes e integrantes, retirando-lhe funcionalidade e impedindo-o temporariamente de circular, tudo como evidenciado nas fotografias de fls. 7 a 10.
45. A reparação daquele veículo custou ao Estado português - GNR a quantia de 2.967,25 euros, IVA incluído ( 514, 98 € , de IVA) - cfr. fls. 159.
46. Ainda em consequência daquele embate, da força e velocidade com que o mesmo se deu e da natureza dos instrumentos com que se deu - veículos automóveis, com componentes metálicas - os referidos agentes da GNR, de forma necessária, adequada e suficiente, sofreram medo, dores, mal estar físico, safanões e embates no corpo, lesões estas que não necessitaram de tratamento hospitalar.
47. Ao actuarem da forma acima descrita, os arguidos A..., B...e C..., agiram sempre de comum acordo, em conjugação de esforços e intentos, bem sabendo e querendo atingir aquele veículo da GNR (Seat Ibiza) e, desta forma, o corpo e a saúde daqueles elementos da GNR, de forma a provocar-lhes dores e mal estar físico, o que aconteceu, não hesitando também em constranger psicologicamente os referidos elementos da G.N.R., confrontando-os com a iminência e o receio de ficarem feridos no seu corpo e integridade física, ou até mesmo de perderem a vida, fruto daquele embate.
48. Mais sabiam e queriam todos eles, com a força, a velocidade e violência daquele embate, evitar a identificação, fiscalização e detenção dos dois primeiros arguidos, desta forma impedindo aqueles elementos da G.N.R. de exercerem as suas funções, o que quiseram e conseguiram, bem sabendo os três arguidos que aqueles elementos da GNR eram agentes de autoridade, no legítimo exercício das funções que por lei estão cometidas à G.N.R. e a actuar no e por causa do legítimo exercício daquelas funções, enquanto elementos de uma força de segurança.
49. Os três arguidos, ao actuarem da forma acima descrita, provocando o referido embate, sabiam que iriam amolgar o referido veículo da GNR de matricula GNR L- …, estilhaçando, amolgando e quebrando partes integrantes e estruturantes desse veículo, assim afectando aquele veículo na sua estrutura e composição, danificando-o e retirando-lhe funcionalidade, mesmo que temporariamente, o que quiseram e conseguiram.
50. Como sabiam todos eles, como era seu propósito, que actuando desse modo, poderiam atingir o corpo e a saúde daqueles elementos da GNR, de forma a provocar-lhes dores e mal estar físico, o que aconteceu, da forma descrita, não hesitando, com aquele embate, em constranger psicologicamente os referidos elementos da G.N.R., confrontando - os com a iminência , o receio e o medo de ficarem feridos no seu corpo e integridade física, ou até mesmo de perderem a vida, fruto daquele embate, bem como com a força, a velocidade e violência daquele embate, o que aconteceu e os arguidos quiseram.
51. Sabiam os arguidos A..., B...e C... que aquele veículo, com as respectivas partes componentes e integrantes, não lhes pertencia e que actuavam sem autorização e contra a vontade do respectivo dono.
52. Ao actuaram da forma acima descrita, os três arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, a fim de melhor alcançarem o seu propósito, bem sabendo que a sua conduta era censurável e punida por lei como crime.
53. O arguido A..., ao conduzir o referido veículo, ao longo de diversas estradas abertas ao trânsito de um número indeterminável de veículos a motor, fê-lo sem possuir a necessária habilitação legal - carta de condução, designadamente - que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículos.
54. Sabia, no entanto, que a mesma lhe era legalmente exigível e que a sua falta o fazia incorrer em responsabilidade criminal, ao conduzir aquele veículo, cujas características conhecia, naquelas circunstâncias.
55. Não obstante saber tal, não se absteve de conduzir aquele veículo, nas circunstâncias descritas.
56. Em todas as circunstâncias descritas, ao conduzir o referido veículo, o arguido A... actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era censurável e punida por lei como crime.
57. O arguido C... é o mais novo de três filhos de um casal de emigrantes.
58. O seu processo de desenvolvimento decorreu na Alemanha, onde vivia com os pais e irmãs, beneficiando de ambiente familiar funcional e de adequadas condições de vida.
59. Fez o 1° ciclo do ensino básico em Portugal, entregue a familiares, tendo regressado com cerca de 12 anos à Alemanha, onde prosseguiu os estudos num colégio até completar o 12° ano, através de um curso profissional de hotelaria/turismo.
60. Casou em 1992 com … de quem teve uma filha; o casal divorciou-se 5 anos depois, altura em que a menor e a mãe foram para França, cessando os contactos com o arguido.
61. Após o divórcio C... veio para Portugal (Celorico da Beira).
62. Regressou à Alemanha onde, com a ajuda dos pais, iniciou nova actividade profissional numa empresa de transportes internacionais de mercadorias.
63. Encetou relação marital com … de quem tem dois filhos gémeos, actualmente com 7 anos de idade. Do agregado faziam também parte dois filhos de anterior relação da companheira.
64. A dinâmica familiar não seria muito equilibrada, quer em relação às crianças, quer no que se refere a uma gestão inadequada dos recursos financeiros.
65. A partir de Fevereiro de 2007 o arguido C... passou a relacionar-se amorosamente com a arguida, relacionamento que mantiveram até aquele ser preso em 17.09.2007.
66. Ainda na Alemanha C... registou confrontos com o sistema judicial, com várias condenações de multa por crimes de fraude, ofensa corporal e infracção da lei de seguro obrigatório.
67. Também em Portugal voltou a envolver-se na prática de ilícitos, encontrando-se preso desde 17 de Setembro de 2007.
68. Como atrás referido, nos últimos anos na Alemanha, C... deslocava-se e permanecia em Portugal durante períodos mais ou menos longos, alegadamente devido à actividade profissional.
69. Durante a reclusão tem mantido um comportamento correcto e ocupação regular, ocupando postos de trabalho que implicam algum grau de confiança e de responsabilidade, aos quais tem correspondido positivamente.
70. Até à reclusão viveu uma fase de instabilidade e desorientação .l, decorrente da situação de perda económica, o que o levou a envolver-se na prática de crimes.
71. Até à idade de 27 anos C... apresenta um trajecto de vida normativo, passado na sua maior parte na Alemanha, beneficiando de enquadramento familiar e social adequado e um trajecto escolar e laborai desenvolvido de forma regular, sendo mínimos os factores preditivos do seu percurso criminal.
72. O envolvimento em actividades ilícitas surge num primeiro momento limitado num curto espaço de tempo, após uma ruptura conjugal, tendo sofrido os primeiros confrontos com o sistema judicial e penitenciário.
73. No período seguinte logra aparentemente ultrapassar essas condutas, todavia a prática de novas actividades delituosas vem determinar a sua reclusão em 17.09.2007.
74. A sua conduta institucional tem sido correcta e participativa, revelando capacidades de trabalho.
75. Tem beneficiado de apoio afectivo e material dos familiares de origem que se afiguram elementos fundamentais e facilitadores do seu processo de reinserção social.
76. Tem vários antecedentes criminais, conforme CRC de fls.996-1015, a saber:

1. foi condenado, por acórdão proferido no dia 25 de Fevereiro de 2000, transitado em julgado no dia 13 de Março de 2000, no PCC nº 172/99, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 1 de Março de 1999;

2. foi condenado, por acórdão proferido no dia 27 de Março de 2000, transitado em julgado no dia 5 de Junho de 2000, no PCC nº 2/2000, do Tribunal Judicial da Comarca de Fornos de Algodres, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 23 de Abril de 1999. Pena esta que foi declarada extinta;

3. foi condenado, por acórdão proferido no dia 23 de Janeiro de 2001, transitado em julgado no dia 23 de Fevereiro de 2001, no PCC nº54/2000, do Tribunal Judicial da Comarca de Arganil, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 27 de Março de 1999. Pena esta que foi declarada extinta;

4. foi condenado, por acórdão proferido no dia 13 de Março de 2001, transitado em julgado no dia 28 de Março de 2001, no PCC nº231/2000, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 21 de Abril de 1999; pena esta que foi declarada extinta;

5. foi condenado, por acórdão proferido no dia 5 de Abril de 2001, transitado em julgado, no PCC nº6/2001, do Tribunal Judicial da Comarca de Arganil, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 9 de Março de 1999. Neste processo procedeu-se ao cúmulo superveniente das penas aplicadas nesse processo e nos cit.s processos nº172/99 e nº54/2000, ficando o arguido C... . condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, por acórdão de 3 de Julho de 2001, transitado em julgado no dia 3 de Julho de 2001;

6. foi ainda condenado, por sentença proferida no dia 16 de Junho de 2004, transitada em julgado no dia 1 de Julho de 2004, no PCS nº65/99.6GTALQ, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 10, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, cometido no dia 21 de Novembro de 1998; pena esta que o arguido cumpriu.

7. foi ainda condenado, por sentença proferida no dia 15 de Março de 2001, transitada em julgado no dia 1 de Junho de 2005, no PCS nº27/99.3GACLB, do Tribunal Judicial da Comarca de Celorico da Beira, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 2,50, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, cometido no dia 27 de Janeiro de 1999; pena que o arguido cumpriu, mediante cumprimento da prisão subsidiária;

8. foi ainda condenado, por sentença proferida no dia 17 de Fevereiro de 2005, transitada em julgado no dia 20 de Dezembro de 2007, no PCS nº650/99.6TBFIG, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, cometido no dia 27 de Janeiro de 1999;

9. foi condenado, por acórdão proferido no dia 11 de Dezembro de 2007, transitado em julgado no dia 8 de Janeiro de 2008, no PCC nº8/99.7GBGVA, do Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 19 de Junho de 2002;

10. foi ainda condenado, por sentença proferida no dia 14 de Abril de 2008, transitada em julgado no dia 14 de Maio de 2008, no PCS nº165/07.0TASVV, do Tribunal Judicial da Comarca de Sever do Vouga, na pena de 8 meses de prisão, pela prática de um crime de evasão, cometido no dia 20 de Setembro de 2007;

11. foi condenado, por acórdão proferido no dia 4 de Julho de 2008, transitado em julgado no dia 4 de Agosto de 2008, no PCC nº288/07.6JAAVR, do Tribunal Judicial da Comarca de Sever do Vouga, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de crimes de furto qualificado, roubo agravado, e detenção de arma proibida, cometidos no dia 4 de Setembro de 2007; neste processo procedeu-se ao cúmulo superveniente das penas aplicadas nesse processo e nos processos nº 650/99.6TBFIG e 165/07.0TASVV, ficando o arguido C... . condenado na pena única de 5 anos, 9 meses e 60 dias de prisão, por acórdão de 7 de Novembro de 2008, transitado em julgado no dia 3 de Dezembro de 2008, conforme certidão de fls.1127 ss;

12. foi condenado, por acórdão proferido no dia 27 de Outubro de 2009, transitado em julgado no dia 20 de Novembro de 2009, no PCC nº318/05.6GASRE, do Tribunal Judicial da Comarca de Soure, na pena de 3 anos de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 22 de Agosto de 2005; neste processo procedeu-se ao cúmulo superveniente das penas aplicadas nesse processo e nos processos 165/07.0TASVV e nº288/07.6JAAVR, ficando o arguido C... condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, por acórdão de 22 de Junho de 2010, transitado em julgado no dia 19 de Julho de 2010;

13- foi condenado, por acórdão de 18 de Junho de 2010, transitado em julgado no dia 20.12.2010, no PCC nº95/07.6GCSCD, do 2º Juízo de Sta Comba Dão, na pena 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um crime de dano simples e três crimes de furto qualificado, cometidos no dia 10.06.2007.
77. O arguido C... encontra-se preso no E.P. da Guarda, em cumprimento da pena de prisão aplicada neste PCC nº318/05.6GASRE, do Tribunal Judicial da Comarca de Soure.
78. Na Alemanha o arguido C... tem também várias condenações em juízo, conforme CRC de fls.541-6.

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79. O arguido B... nasceu no seio de uma família numerosa, originária de Mangualde, sendo o terceiro de cinco irmãos. O seu agregado familiar viveu algumas dificuldades económicas embora as suas necessidades básicas fossem sendo asseguradas. A mãe era doméstica e o pai trabalhava na construção civil. Paralelamente cultivavam terras agrícolas para consumo próprio.
80. A dinâmica familiar foi favorável à aquisição de regras e valores bem como à criação de um sentimento de coesão e pertença familiares.
81. Em termos escolares, apenas concluiu o 9° ano de escolaridade, abandonando o sistema de ensino aos 15 anos de idade, altura em que terá começado a acompanhar o pai executando trabalhos na área da construção civil.
82. Depois de cumprir o serviço militar obrigatório, permaneceu vinculado ao Exército, no Quartel General de Coimbra, por um período de dois anos, na situação de contratado. Regressou à sua família nuclear, e por cerca de meio ano voltou a acompanhar o pai na construção civil, até à altura em que começou a trabalhar em bares nocturnos de Mangualde e Viseu, propriedade do mesmo empresário.
83. Os pais não aprovavam o exercício desta actividade, o que potenciou um clima de conflito e consequente afastamento físico e relacional, passando o arguido a viver num quarto alugado na cidade de Viseu.
84. Passados dois anos ficou desempregado, com cerca de 22 anos de idade, período coincidente com a sua aproximação a elementos conectados com práticas criminais e posterior envolvimento em vários processos judiciais.
85. À data dos factos vivia em Viseu, num quarto alugado, e privilegiava a associação a outros indivíduos com prática criminais.
86. Identifica este período de vida, de Fevereiro de 2007 até à sua reclusão, em Setembro do mesmo ano, como muito conturbado, surgindo identificado em vários processos judiciais.
87. No período em que esteve em prisão preventiva contou de novo com o apoio dos pais e da família nuclear, que o visitavam e cujas orientações e apoio o arguido voltou a valorar de forma positiva.
88. O tempo de reclusão parece ter tido um efeito positivo no repensar do seu estilo de vida e potenciador de uma consciencialização das consequências dos seus comportamentos criminais.
89. Após sair do estabelecimento prisional, iniciou relação de namoro com a actual companheira, com quem reside há cerca de 3 anos, juntamente com os dois filhos desta, de 19 e 10 anos de idade. Esta relação parece ter contribuído favoravelmente para a estabilidade .l do arguido, que se mostra agora mais consciente da necessária responsabilidade inerente às decisões e escolhas que impendem sobre os adultos.
90. A companheira trabalha num consultório médico e o arguido colabora nas rotinas e tarefas familiares, nomeadamente no que diz respeito ao acompanhamento dos dois rapazes. A situação económica é valorada como satisfatória face às despesas do agregado.
91. Tem, desde a data dos factos, revelado empenho em reorganizar a sua vida, tentando manter ocupação laboral de acordo com as ofertas. Tem exercido, entre outras, actividades na área da construção civil e das vendas.
92. Desde Novembro passado que trabalha para uma fábrica de estofos de automóveis, ao serviço da empresa de trabalho temporário “ …”, auferindo a retribuição mensal líquida de cerca de €480.
93. B.... parece agora motivado para prosseguir um projecto de vida consentâneo com o ordenamento socio-jurídico, não existindo indicadores que a sua prática criminal tenha persistido no tempo. Tem cumprido de forma satisfatória os objectivos e acções delineados no seu plano de reinserção social
94. Na sua comunidade de residência goza actualmente de uma imagem social positiva, associada a hábitos de trabalho e adequada integração social. Beneficia do apoio próximo dos elementos da sua família de origem que ainda residem em Mangualde.
95. Relativamente aos factos revela capacidade crítica e sentido de responsabilidade. Contextualiza a sua prática criminal a um período da sua vida onde terá passado por algumas dificuldades económicas e, em razão do seu modo de vida de então, de se relacionar preferencialmente com .s associadas também a comportamentos ilícitos.
96. Revela motivação para consolidar o seu projecto de vida actual, o qual tem decorrido, desde há algum tempo, na esteira das normas sociais e jurídicas vigentes.
97. Tem vários antecedentes criminais, a saber:

1- foi condenado, por sentença proferida no dia 17 de Junho de 2008, transitada em julgado no dia 7 de Julho de 2008, no PCS nº186/07.3GAMGL, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária € 5, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, cometido no dia 11 de Junho de 2007; pena esta declarada extinta pelo pagamento;

2- foi condenado, por acórdão proferido no dia 4 de Julho de 2008, transitado em julgado no dia 4 de Agosto de 2008, no PCC nº288/07.6JAAVR, do Tribunal Judicial da Comarca de Sever do Vouga, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática de crimes de furto qualificado, roubo agravado, e detenção de arma proibida, cometidos no dia 4 de Setembro de 2007, conforme certidão de fls.1127 ss;

3- foi condenado, por sentença proferida no dia 25 de Novembro de 2009, transitada em julgado no dia 7 de Janeiro de 2010, no PCS nº387/07.4PBVIS, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, na pena de 12 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 3 de Abril de 2007, conforme certidão de fls.1087-1093

4- foi condenado, por sentença proferida no dia 1 de Fevereiro de 2010, transitada em julgado no dia 4 de Março de 2010, no PCS nº2281/04.1PCCBR, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, na pena de 320 dias de multa, à taxa diária de €7, pela prática de crimes de furto simples e falsificação de documento, cometidos no dia 20 de Agosto de 2004; pena declarada extinta pelo pagamento;

5 - foi condenado, por acórdão de 18 de Junho de 2010, transitado em julgado no dia 20.12.2010, no PCC nº95/07.6GCSCD, do 2º Juízo de Sta Comba Dão, na pena 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um crime de dano simples e três crimes de furto qualificado, cometidos no dia 10.06.2007.
98. Confessou integralmente e sem reservas os factos dados como provados que lhe são imputados.

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99. O arguido A... tem vários antecedentes criminais, a saber:

1- foi condenado, por sentença proferida no dia 24 de Janeiro de 2005, transitada em julgado no dia 9 de Fevereiro de 2005, no processo sumário nº26/05.8GAMGL, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €3, pela prática de um crime de condução sem habilitação, cometido no dia 23 de Janeiro de 2005; pena declarada extinta, pelo pagamento;

2- foi condenado, por sentença proferida no dia 20 de Abril de 2006, transitada em julgado no dia 5 de Maio de 2006, no processo abreviado nº 401/05.8GAMGL, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 2, pela prática de um crime de condução sem habilitação, cometido no dia 29 de Setembro de 2005; pena declarada extinta, pelo pagamento;

3- foi condenado, por sentença proferida no dia 14 de Dezembro de 2006, transitada em julgado no dia 11 de Janeiro de 2007, no PCS nº337/05.2GAMGL, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €4, pela prática de um crime de condução sem habilitação, cometido no dia 17 de Agosto de 2005; pena declarada extinta, pelo pagamento;

4- foi condenado, por sentença proferida no dia 22 de Maio de 2007, transitada em julgado no dia 12 de Setembro de 2007, no PCS nº30/06.9GAMGL, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, cometido no dia 20 de Janeiro de 2006; pena declarada extinta, pelo pagamento;

5- foi condenado, por sentença proferida no dia 17 de Junho de 2008, transitada em julgado no dia 7 de Julho de 2008, no PCS nº186/07.3GAMGL, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, na pena de 900 dias de multa, à taxa diária de € 5, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, cometido no dia 10 de Junho de 2007;

6- foi condenado, por acórdão de 18 de Junho de 2010, transitado em julgado no dia 20.12.2010, no PCC nº95/07.6GCSCD, do 2º Juízo de Sta Comba Dão, na pena 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um crime de dano simples e três crimes de furto qualificado, cometidos no dia 10.06.2007.

*

2.2. Matéria de Facto Não Provada
De resto não se provaram outros factos com relevância para a boa decisão da causa nomeadamente que :
a) o soldado … também tivesse feito sinal de paragem aos arguidos;
b) o veículo da GNR (Seat Ibiza) ficou imobilizado em consequência do embate na viatura dos arguidos.
*
2.3. Motivação da Decisão de Facto
O tribunal formou convicção quanto ao carácter e às condições de vida social, familiar e ocupacional dos arguidos C... e B...nas declarações que este prestaram a esse respeito conjugadas com os relatórios sociais de ambos. Já sobre os factos típicos, na falta do arguido A... e negação do arguido C..., o Tribunal baseou-se desde logo nas declarações do arguido B...que confessou os factos que lhes são imputados.
Assim, o arguido B...confirmou que ao tempo dos factos integrava nomeadamente com os arguidos C... e A..., um grupo organizado, chefiado pelo primeiro, que se dedicava exclusivamente à prática reiterada de assaltos como forma de obter proveitos para o respectivo sustento, não tendo qualquer deles outra profissão, actividade ou ocupação.
Neste contexto o arguido B...confessou a subtracção da carrinha de matrícula … , estacionada na zona de Parreiras, São Martinho do Bispo, Coimbra, acompanhado pelos arguidos C... e A..., esclarecendo as circunstâncias em que tanto ocorreu.
Relatou também que na noite dos factos, como habitual, foram buscar a dita carrinha a …, concelho de Nelas, para praticar algum furto, explicando as circunstâncias em que o fez com o arguido C... e A..., regressando depois a Mangualde, com o arguido A... sempre ao volante da mesma.
Já em Mangualde foram surpreendidos, disse, pela aproximação de uma patrulha da GNR que se fazia transportar no Seat Ibiza de fls.7-10, devidamente caracterizado, numa ocasião em que os arguidos B...e A... aguardavam no interior daquela carrinha a chegada do arguido C..., como tudo justificou detalhadamente.
Como receassem ser identificados e detidos, já que se faziam transportar numa carrinha furtada, afirmou que logo se colocaram em fuga, com o arguido A... ao volante da viatura, confirmando circunstanciadamente o arguido B...todo o trajecto percorrido e as manobras realizadas, incluídas infracções estradais cometidas, para se desembaraçarem, quer da patrulha que os perseguiu naquele Seat Ibiza, quer daquela outra que a dada altura lhes quis obstruiu o caminho com o jeep marca Nissan - Patrol.
Manobras e infracções essas sempre efectuadas pelo arguido A..., de acordo com a percepção deste e as instruções do arguido B..., sempre em conjugação de esforços e intentos, o que também ocorreu, como explicou circunstanciadamente, com o deliberado abalroamento do jeep da GNR da patrulha de Penalva do Castelo e com a posterior colisão daquela outra patrulha de Mangualde que os perseguia no Seat Ibiza, condutas que justificou com o propósito de evitar a identificação e detenção dos arguidos A... e B....
Num e noutro embate (jeep da GNR de Penalva do Castelo e Seat Ibiza da GNR de Mangualde) o arguido B...relatou o perigo iminente criado para os militares da GNR que integravam as respectivas patrulhas, sempre com o propósito de escapar à acção policial.
Acrescentou que, ao longo da perseguição se manteve em conversação telefónica com o arguido C..., a quem ia dando conta da evolução da fuga designadamente da dificuldade em se libertarem do veículo da GNR, que continuava no seu encalço.
Mais esclareceu detalhadamente as instruções que este C... lhe transmitiu de forma a conseguir o embate do Seat Ibiza na traseira da carrinha, o que tudo comunicou ao condutor A..., acabando por conseguir esse embate, como relatou, e prosseguir a viagem em direcção à recta do Pereiro, já no concelho do Sátão, onde acabaram por abandonar o veículo em que se faziam transportar e foram recolhidos pelo arguido C....
Também a testemunha F..., 47 anos, Cabo da GNR de Mangualde, que no exercício das suas funções integrava a patrulha do automóvel ligeiro de marca Seat Ibiza, relatou as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que decorreu o contacto visual e posterior perseguição policial durante a fuga da viatura automóvel, pesado de mercadorias, da marca Mitsubishi, matrícula 20-57-TG, ocupada pelos arguidos A... e B....
Também assim a testemunha José António Jesus Amaral, 34 anos, militar da GNR de Penalva do Castelo, que no exercício das suas funções integravam a patrulha do jeep Nissan Patrol, que descreveu as circunstâncias em que a carrinha tripulada pelos arguidos A... e B...se apresentou e a forma como abalroou aquele jeep, bem assim a actuação dos militares nesse instante.
Ambos descreveram a composição das respectivas patrulhas, bem assim a caracterização dos militares e das viaturas de serviço envolvidas.
Depondo circunstanciadamente sobre a fuga dos arguidos, estas testemunhas relataram o perigo provocado para os militares envolvidos, tudo conforme detalhadamente referido por estas testemunhas e corroborado pelo arguido B..., já que ambas as viaturas da GNR ficam danificadas como explicado por aquelas testemunhas.
Estas testemunhas depuseram sobre o percurso realizado pelos arguidos enquanto contactaram com a dita carrinha, mais explicando nessa medida as condições em que o fizeram e o modo como a viatura perseguida circulava designadamente as infracções estradais entretanto cometidas por violação de ordem de paragem, excesso de velocidade, posição de marcha, manobras perigosas e violação de sinalização luminosa, como tudo esclareceram de forma circunstanciada.
Entre essas manobras perigosas as testemunhas recordaram a forma como os arguidos conseguiam impedir a sua ultrapassagem pelo carro patrulha, abalroaram o jeep que obstruía a hemi-faixa de rodagem e, finalmente, fizeram embater a carrinha que conduziam contra o ligeiro Seat Ibiza que prosseguiu no seu encalço, mantendo sempre a marcha em condições contravencionais que faziam esperar, como sempre ocorreu, o perigo para a vida e integridade física dos próprios arguidos e dos militares da GNR.
Em relação aos elementos subjectivos dos crimes foram consideradas as regras da experiência comum conjugadas com o relatado comportamento dos arguidos e a confissão do arguido B....
A testemunha António Ferreira Simões depôs sobre as circunstâncias em que ocorreu o desaparecimento da viatura de marca Mitsubishi, matrícula 20-57-TG, a qual disse jamais foi recuperada.
Para terminar, o tribunal serviu-se ainda do auto de noticia de fls.3-4 e 6 quanto aos factos e circunstâncias objectivamente ali retratados e descrito(a)s como tendo sido directamente percepcionado(a)s pelo autuante, fotos de fls.7-10, orçamento de fls.17 e 33-4, facturas de fls.157-9, recibo de fls.160-4, certificados de registo criminal de fls.521-556 e relatórios sociais de fls.507-511 e 515-8, tudo examinado em audiência.
Quanto aos factos não provados a convicção do tribunal alicerçou-se na falta de consistência da prova sobre os mesmos produzida, em resultado, nomeadamente, de não terem sido carreados para os autos outros elementos probatórios credíveis e com força bastante para os sustentar, sendo certo que a versão apresentada pelo arguido C... não foi corroborada por qualquer outro elemento de prova designadamente pelo testemunho da sua ex-companheira, ... Barros Henriques, que participava com os arguidos na prática de assaltos, havendo desde logo contradições entre ambos a respeito da deslocação ou não daquele ao Sátão a fim de recolher os demais arguidos naquela noite.
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2.4 Aspecto Jurídico da Causa
2.4.1 Enquadramento jurídico-penal :
Sendo esta a matéria de facto provada, façamos o seu enquadramento jurídico-penal.

Crime de dano qualificado e dano com violência (art.212°, n°1 e 214, n°1, al.b), do C. Penal)
Aos arguidos vem imputada, sob a forma de co-autoria material, a prática de um crime de dano com violência e um crime de dano qualificado.
Provado ficou que cerca das 2h00 da manhã, no dia 16 de Abril de 2007, de modo a evitar a sua captura, após diversas tentativas de abalroar a patrulha da GNR que os perseguia no ligeiro Seat Ibiza, os arguidos A... e B..., com o mesmo propósito, embateram deliberadamente no jeep da GNR que outra patrulha imobilizara em plena via para obstruir a sua passagem.
Nas referidas circunstância conduzia o arguido A..., de comum acordo e em conjugação de esforços com o arguido B..., já que o fazia segundo a sua percepção das condições com que se deparava, mas também com base nas orientações que o arguido B...lhe transmitia pois melhor visualizava as manobras do carro – patrulha que os perseguia.
Embatendo no referido jeep da GNR, aqueles arguidos lograram abrir caminho e prosseguir a fuga.
Contudo, como a outra patrulha da GNR continuasse no seu encalço com o Seat Ibiza, seguindo as instruções dadas, via telefónica, pelo arguido C... ao arguido B..., e que por sua vez este transmitiu ao condutor, o arguido A... travou abruptamente a carrinha e, fazendo marcha atrás, fez com que o veículo da GNR (Seat Ibiza) embatesse frontalmente na traseira daquela.
Assim conseguiram os arguidos prosseguir a fuga, como era seu propósito, acabando os arguidos A... e B...por abandonar a viatura e, recolhidos pelo arguido C..., regressar a Mangualde.
Em consequência daqueles embates, as viaturas da GNR sofreram danos, ao tempo dos factos de valor elevado (art.202º, al.a), do C.Penal), no total de €4.996,27 (€2.967,25 + €2.029,02).
Sucede que ao longo de toda a sua actuação os arguidos actuaram de modo a criar receio nos militares da GNR designadamente de sofrerem acto atentatório da sua vida ou integridade física e, dessa forma, evitar a sua captura, bem sabendo e querendo, dessa forma, provocar os sobreditos estragos materiais nas viaturas da GNR.
É inegável que a actuação dos arguidos consubstancia a prática de um crime de dano qualificado (art.213º, nº1, al.a), do C. Penal), pois, destruíram, em parte, aquelas duas viaturas, cuja reparação ascendeu ao total de €4.996,27.
É também inquestionável que esse dano foi cometido com violência para efeitos de preenchimento da agravação estabelecida pelo art.214º, nº1, al.b), do C. Penal.
Isto porque reconhecidamente o crime de dano com violência pre­visto no art.214º do C. Penal, quer na sua estrutura, quer nas penas estabelecidas, se aproxima do crime de roubo.
Enquanto “no crime de roubo a violência é ins­trumental relativamente à subtracção ou a transferência do bem material objecto do crime, no crime de dano a violência visa neutralizar a capacidade de reacção de alguém que esteja em condições de impedir a consumação do dano.
A violência prevista no nº1 deste artigo é prévia ao início da execução do dano e visa criar as condições que potencializem a efectivação do mesmo” – cfr. A Leonel Dantas, in A Revisão do C. Penal e os Crimes Patrimoniais, Jornadas de Direito Criminal, II, CEJ, 1998, pg.526 O mesmo entendimento vemos defendido por Manuel Costa Andrade, in "Comentário Conimbricense - Código Penal - Parte Especial" - Tomo II, pg.256, “ a violência intervém antes da consumação do Dano…. A violência é ainda um meio de cometimento do Dano”.
Também Conceição Ferreira da Cunha, "Comentário Conimbricense - Código Penal - Parte Especial" - Tomo II, pg.160, §3 e 4, já em anotação ao art.210º (Crime de Roubo), defende que a ofensa aos bens .is surge como o meio de lesão dos bens patrimoniais; a tutela dos bens .is resulta dos meios tipificados para levar a cabo a subtracção da coisa.
E adiante escreve que: “Deste modo, não basta que se tenha conseguido subtrair uma coisa móvel alheia ou se tenha conseguido a sua entrega; não basta ainda que, no intuito de se conseguir tal resultado último (…) se tenha empregue violência, ameaça ou se tenha colocado outrem na impossibilidade de resistir; é necessário que se possa afirmar um nexo de imputação entre o conseguir a coisa móvel alheia e os meios utilizados e, assim, que esses meios tenham provocado um efectivo constrangimento à entrega do bem ou um efectivo constrangimento à tolerância da sua subtracção”..
Daí que ao nível do tipo subjectivo do roubo se diga ser necessário pelo menos que o agente esteja consciente de que a violência ou a ameaça é adequada a constranger à entrega do bem ou a constranger à tolerância da subtracção do bem.
Ora este nexo de imputação entre o dano da coisa e os meios utilizados e, assim, que esses meios tenham provocado um efectivo constrangimento à destruição do bem ou um efectivo constrangimento à tolerância do dano não resulta claro no quadro da actuação global danosa dos arguidos.
O problema surge quando a violência é contemporânea da acção danosa; a violência é perspectivada como “mero facto típico acompanhante da acção do agente”.
Ora, no caso que nos ocupa, em consequência e no momento dos embates nas viaturas da GNR, intencionalmente provocados pelos arguidos, os militares que integravam as respectivas patrulhas sofreram naturalmente receio pela sua integridade física, posto que no momento da colisão se encontravam no interior do Seat Ibiza e próximos do jeep Nissan Patrol.
Os arguidos actuaram com o objectivo de danificar tais viaturas, como efectivamente danificaram e actuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo e querendo intimidar os militares da GNR, criando-lhes receio e, dessa forma, forçá-los deixar prosseguir a sua fuga.
Neste contexto estamos em crer que é inegável a existência deste elemento típico violência contra .s.
Independentemente do perigo real para a integridade física, ou, mesmo, para a vida dos militares é inquestionável que qualquer dos embates nas viaturas da GNR configura desde logo uma forma de violência psíquica (indirecta) contra aqueles que ali se encontravam ( Consabidamente o conceito de violência contemplado no art.214º do C.Penal, abrange tanto a violência física, como psíquica sobre certa ., como a própria intervenção física directa sobre coisas, do visado ou de terceiro, que atinjam por via indirecta as .s – cfr. Ac. STJ 23.01.2003, Relator Consº Pereira Madeira, CJ, t.1, 168.).
Por conseguinte, a conduta dos arguidos é qualificada pelo artigo 214.º, n.º 1, do Código Penal, cabendo-lhe, por isso, a moldura abstracta que resulta da conjugação dos artigos 213.º, nº1, al.a) e 214.º, n.º 1, b), do mesmo diploma, ou seja, 3 a 15 anos de prisão ( Entre outros casos similares qualificados como crime de dano com violência:
- vide Ac. STJ 23.01.2003, Relator Consº Pereira Madeira, CJ, t.1, 168: caso do indivíduo que, depois de ver negada uma bifana, se colocou ao volante do seu veículo e atacou (embateu) a roulotte de farturas onde se encontrava o dono.

- vide STJ 23.06.99, CJ, t.2, 231: Pratica tal crime aquele que, voluntariamente, com intenção de imobilizar e de causar danos num automóvel, onde seguiam várias .s, embate contra ele, com o que conduzia;

- RP 29-4-98; CJ, t.2, 251: Cometem o crime de dano com violência – e não o crime de dano simples – aqueles que, munidos de uma machada, com o propósito de causar receio, desferem, com ela, vários golpes no «capot» e nas partes laterais de um automóvel, no interior do qual se encontrava a ofendida, que estava grávida, o que eles sabiam, acompanhada de mais duas .s; vide RP 91.05.15, BMJ, 407/623: Praticado um dano voluntário num veiculo automóvel, tendo em razão daquele ficado feridas as .s que se encontravam no seu interior - facto que foi previsto como possível pelo autor do dano - ocorre o elemento violência do artigo 309., nº 1 do C. Penal (dano agravado); - vide RC 87/04/29, CJ, t.2, 120: Cometem, em concurso aparente, o crime de ofensas corporais e dano com violência os agentes que atiram pedras à casa do ofendido, uma das quais, lançada por um, atinge aquele.).
É sabido que os arguidos actuaram sempre em comunhão de esforços e comum acordo, agindo, ao longo de toda a sua actuação, no desenvolvimento de uma só resolução, inicialmente formulada, de evitar a sua captura, abalroando o que necessário fosse das autoridades policiais, criando-lhes receio desde logo pela sua integridade física, como efectivamente fizeram.
Posto isto, verifica-se que os arguidos A... ., B...e C... cometeram um só crime de dano e não uma pluralidade de crimes em função do número das viaturas da GNR danificadas.
Nenhuma dúvida oferece o carácter doloso do comportamento dos arguidos que assim actuaram sob co-autoria material – art.14º, nº1, e art.26º do C. Penal É co-autor aquele que toma parte directa na execução do crime, não sendo indispensável que participe em todos os actos.
Ademais, há co-autoria material quando, embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente na consciência e vontade de colaboração na realização do objectivo criminoso, aferidas à luz das regras da experiência comum – cfr. Faria Costa in “Formas do Crime”, in Jornadas de Direito Criminal, GEJ, Fase I, pg.170. .
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Do crime de condução sem habilitação legal
Ao arguido A... . é também imputada a prática de um crime de condução de veículo, sem habilitação legal, previsto e punível pelo art.3º, nº2, do DL 2/98, de 3 de Janeiro, cometido na noite de 16 de Abril de 2007, ao volante da viatura automóvel de matrícula 20-57-TG.
Na verdade, em face da factualidade provada não se suscita qualquer dúvida de que a conduta deste arguido integra o tipo de crime previsto no citado normativo legal.
Com efeito, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, o arguido conduzia um veículo automóvel, na via pública, sem que para tanto estivesse legalmente habilitado.
Mais ficou demonstrado que, ao actuar na forma descrita, agiu deliberada, livre e conscientemente, bem querendo e sabendo conduzir o dito veículo naquele local, sem a competente habilitação legal.
Preencheu, pois, em autoria material e sob a forma consumada, o tipo de ilícito em causa, punível com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias - nº2, do citado art.3º.
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Do crime de resistência e coacção sobre funcionário
O bem jurídico protegido pela incriminação do art.347°, do C. Penal, é a autonomia intencional do Estado.
Pretende evitar-se que não-funcionários ponham entraves à livre execução das intenções estaduais, tornando-as ineficazes.
Tendo a incriminação como objectivo primacial a tutela da liberdade da acção estadual, reflexamente protege-se a . e liberdade individual do funcionário incumbido de desempenhar funções estaduais.
O sujeito passivo deste tipo terá de ser um funcionário ( O conceito de funcionário para efeitos penais encontra-se plasmado no artigo 386°, do C. Penal. Contudo, a definição de funcionário ínsita neste normativo tem, tão-somente, como campo de aplicação" nos casos em que o agente activo do crime seja funcionário" - CUNHA, J. M Damião, in "Comentário Conimbricense - Código Penal - Parte Especial" - Tomo III, pg.811.), ou um membro das Forças Armadas, in casu GNR, militarizadas, ou de segurança ( A ratio da distinção entre funcionários civis e militares assenta no facto de estes últimos estarem sujeitos a um regime penal especial - Regulamento de Disciplina Militar.).
No que concerne ao meio utilizado para perpetração do crime cumpre dizer que poder-se-á traduzir em violência ou ameaça grave.
Só a violência ou a ameaça grave leva ao preenchimento do tipo, pelo que estamos perante um crime de execução vinculada ( ... Líbano Monteiro, in "Comentário Conimbricense - Código Penal - Parte Especial" - Tomo III, pg.341. ) .
Também o fim da acção – opor-se a que a autoridade pública exerça as suas funções – faz parte do tipo objectivo (e não uma intenção especifica do tipo subjectivo).
No caso concreto, consideradas as diferentes manobras de abalroamento das viaturas da GNR e as colisões neles provocadas pelos arguidos, de modo a causar receio pela integridade física dos militares que se encontravam no seu interior ou ali próximos, resulta claro que a conduta daqueles configura um acto de violência realizada com o fito de interferir na actividade funcional do Estado.
Com efeito, para evitar que a GNR os fiscalizasse e detivesse designadamente em virtude de tripularem uma viatura furtada e sem habilitação legal, os arguidos prosseguiram a sua marcha nas referidas condições, só não atingindo os militares do jeep abalroado em virtude destes, usando de destreza, se desviarem, o mesmo não acontecendo com aqueles que se encontravam no interior do Seat Ibiza, os quais sofreram o impacto da colisão deliberadamente provocada contra este.
Actuaram os arguidos com o sobredito desígnio de se escapulir à acção policial, sabendo que assim actuando poderiam provocar lesões corporais nos militares da GNR.
Ora, é inegável que esta conduta violenta empreendida pelos arguidos se revestiu de intensidade bastante para perturbar, como aconteceu, a liberdade de acção dos militares da G.N.R. .
Acção tipicamente dolosa (dolo directo), posto que os arguidos sabiam empregar a sobredita violência contra aqueles militares, dessa forma se opondo a que estes concretizassem a identificação e detenção dos arguidos B...e A... ., o que no caso equivale dizer que os mesmos praticassem actos relativos ao exercício das suas funções.
Tendo os três arguidos actuado em comunhão de esforços e comum acordo, sempre com o propósito concertado de evitar a captura de dois deles, abalroando para o efeito o que necessário fosse das autoridades policiais, criando-lhes receio desde logo pela sua integridade física, como efectivamente fizeram, nenhuma dúvida oferece o carácter doloso do seu comportamento e que assim actuaram em co-autoria material – art.14º, nº1, e art.26º do C. Penal.
Por conseguinte, cometeram os arguidos A..., B...e C..., sob a forma de co-autoria, um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. nos termos do art. 347º, nº1, do C.Penal (redacção vigente ao tempo dos factos).
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Crime de condução perigosa
Provado ficou que por efeito directo e necessário da condução daquela viatura, os arguidos A... e B...sabiam colocar em perigo a vida e integridade física de transeuntes e de outros condutores, incluindo os elementos da GNR designadamente os ocupantes do carro-patrulha (Seat Ibiza) que os perseguiram ao longo da fuga, persistindo os arguidos nessa condução e indiferença perante esse perigo, conformando-se com esses possíveis resultados danosos.
Perigo esse que no caso se traduziu numa situação de risco proibido (num aumento intolerável do risco permitido inerente à própria circulação rodoviária) de produção do resultado (previsível e não uma ocorrência fortuita) de ofensa à vida e à integridade física.
E essa possibilidade séria (perigo real e efectivo) de causar lesões no corpo e saúde de outros, concretização do aludido risco (proibido) criado pela actuação do arguido, é evidenciada no caso concreto.
Perante este quadro estamos em crer que os arguidos A... e B...não só criaram uma situação de perigo real e efectivo para a vida e integridade física daqueles elementos da GNR, como previram e se conformaram com esse risco acrescido.
É certo que o crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art.291º, do C. Penal, é um crime de perigo concreto na medida em que da conduta do agente terá de resultar um perigo real e efectivo para (…) a integridade física ( Pretendeu o legislador conter a sinistralidade rodoviária e proteger os utentes da via de condutas potenciadoras de acidente, criminalizando a condução realizada com inobservância grosseira das mais elementares regras estradais.
Como se escreve Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo II, Coimbra Editora, 1999, pg.1079-80, com a incriminação em referência pretendeu-se conter a sinistralidade rodoviária "punindo todas aquelas condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado", erigindo como bem jurídico tutelado pela norma a segurança rodoviária.
Todavia, trata-se de um crime de perigo concreto, porquanto da conduta do agente terá que resultar um perigo real e efectivo para a integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado, alheios. ).
O crime de perigo concreto caracteriza-se pelo facto de a situação de perigo ser em si um elemento do tipo legal de crime, apresentando-se como o resultado típico da violação da norma.
Tal facto típico deve-se ter por consumado, pois, logo que se verifique o risco (efectivo) de lesão de qualquer dos bens jurídicos que se visam proteger, desde que esse risco advenha de uma condução de veículo rodoviário (em via pública ou equiparada) ( O perigo de que aqui se trata (perigo concreto) traduz-se na forte probabilidade de ocorrência de dano ou do resultado desvalioso que a norma pretende evitar se desencadeie ou, pelo menos, na colocação em causa da segurança dos bens jurídicos tutelados (vida, integridade física e bens patrimoniais de valor elevado) de tal modo que a sua lesão não fica dependente do acaso (Cfr. neste sentido Rui Carlos Pereira, “O Dolo de perigo”, 1995, pg.32, defende haver perigo (concreto) quando a segurança do bem jurídico é posta em causa de tal modo que a sua lesão ou não lesão depende do acaso. ).
Mas o que tem de ser concreto é o perigo (maior ou menor) de tal ocorrer, não sendo necessário que se verifique efectivamente a lesão ou sequer contacto físico, bastando o perigo de aquela ocorrer.
Daí que ao caso seja irrelevante saber se ocorreram lesões efectivas ( Sob pena de se transformar este crime de perigo num crime de resultado.), contanto que essa possibilidade e consequente lesão no corpo e saúde daqueles elementos da GNR se tenha mostrado iminente, como aqui ocorreu, única circunstância exigível ao preenchimento do elemento subjectivo do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
Efectivamente, corridos os factos provados, é inegável que os arguidos A... e B...colocaram eminentemente em risco a integridade física ou mesmo a vida das patrulhas da GNR que tentaram a sua captura.
Tinham os arguidos vontade livre e a perfeita consciência de estar conduzindo o seu veículo na via pública e nas sobreditas condições.
E foi a sua conduta violadora das regras de circulação rodoviária que provocou esse perigo.
Mas, o tipo de condução perigosa de veículo previsto pelo cit. art.291º exige também uma violação grosseira das regras de circulação rodoviárias.
Como facilmente se deduz, para que ocorra a previsão deste preceito, não basta que se violem regras da circulação rodoviária, sendo necessário que se trate de uma violação grosseira dessas mesmas regras (exigência que se mantém na actual redacção da al. b) do n.º 1 do cit. art.291º, que, no entanto, agora, especifica as regras da circulação rodoviária a cuja violação grosseira se liga tipicamente o perigo a que se refere a parte final do normativo).
Próximo deste conceito (violação grosseira) encontramos o de negligência grosseira, entendido na doutrina como uma negligência qualificada, traduzida numa conduta de manifesta irreflexão ou ligeireza.
E é inegável que a condução realizada pelo arguido A..., em comunhão de esforços e intentos com o arguido B..., com velocidade inadequada, posição de marcha indevida, manobras perigosas relativas a ultrapassagem e violação de sinal de paragem, sempre de modo a causar perigo, espelha uma total inobservância do dever de cuidado que lhe era exigível (violação grosseira das mais elementares regras estradais no caso atinentes desde logo ao limite de velocidade, à obrigação de parar e à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita).
Ao conduzir nas sobreditas condições os arguidos romperam deliberadamente e no mais elevado grau com as precauções exigidas pela mais elementar prudência no exercício da condução, sem tomar em conta deveres estradais que no caso concreto pareceriam óbvios.
A velocidade excessiva, a violação da obrigação de parar e a obrigatoriedade de circular pela direita e ceder passagem, sem olvidar as manobras obstrutivas de ultrapassagem durante a perseguição policial, como tudo se descreveu, constitui uma violação (dolosa) das cautelas mais elementares.
Factos que constituem uma forte acervo circunstancial revelador da elevada gravidade e potencialidade perigosa da actuação empreendida pelos arguidos A... e B..., enquadrável na previsão da al.b) do n° l do art.291º.
Foram estes arguidos quem, no modo descrito, exclusivamente criaram aquele perigo, sem intervenção de terceiros ou de factores externos acidentais, tendo consciência de que a condução por si efectuada podia por em perigo a integridade física de outros, se não mesmo a vida, conformando com esse resultado típico (o perigo).
Cometeram, pois os arguidos A... e B..., sob a forma de co-autoria, um crime rodoviário da al.b) do n°l, do art.291º, do C.Penal.
Acresce a sanção acessória de proibição de conduzir de 3 meses a 3 anos - art.69º, nº1, al. a), do Código Penal, na redacção da Lei nº77/2001, de 13 de Julho.
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2.4.2. Da Escolha e Medida Concreta da Pena
Quanto à escolha da pena principal (prisão ou multa) a aplicar, o tribunal deve, em abstracto, dar preferência a uma pena não privativa de liberdade nos termos do art.70º do C.Penal.
Contudo, o critério geral de esco­lha da pena radica exclusivamente em exigências de prevenção (geral e/ou especial), motivo pelo qual a pena não privativa da li­berdade só deverá ser aplicada quando realize de forma adequada e suficiente essas finalidades, centrando-se, agora, a função da culpa na determinação da medida da pena.
Não obstante se reconhecerem os efeitos perniciosos das penas privativas da liberdade, sobretudo quando de curta duração, no caso dos autos, em face da elevada taxa de comportamentos típicos semelhantes aos que nos ocupam, ninguém duvidará da imperiosa necessidade de lhes pôr termo de forma eficaz.
Acresce que, na hipótese aqui tratada, as necessidades de prevenção especial são de tal modo acentuadas que desvirtuam na pena de multa, ainda que cumprida fosse, qualquer prognose social favorável.
Isto porque é conhecida a cada um dos arguidos uma pluralidade de crimes de natureza vária, sem que nenhuma das condenações anteriores dos arguidos C... e A... tivesse sido suficientemente dissuasora do cometimento de novos crimes.
A personalidade violenta dos arguidos evidenciada nos factos e nos respectivos antecedentes criminais, associada à reiteração do seu comportamento delinquente, justifica o afastamento da pena pecuniária.
Em suma, deve ser aplicada a pena privativa da liberdade.
Cumpre, agora, determinar a medida concreta das penas de prisão aplicar, nos termos do art.71º do Código Penal, levando em consideração a culpa, mas também as necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir e as demais circunstâncias atípicas que deponham a favor e contra os arguidos.
Por se reflectir na pena, através da culpa, antes de mais, há que considerar como factor de graduação daquela, a ilicitude típica que, no caso concreto, se afigura ponderosa em relação a todos os crimes.
Nesta perspectiva temos o modo preocupante como os arguidos fizeram uso da viatura em circunstâncias que atestam a sua total indiferença perante os agentes fiscalizadores de trânsito, o perigo criado no exercício da condução e a sinistralidade rodoviária em geral.
Isto apesar de não terem resultado sérias consequências danosas (lesões corporais) nos militares da GNR.
O dano material perpetrado, próximo do limiar da qualificativa já considerada, nunca foi reparado pelos arguidos.
A reacção dos arguidos para evitar a fiscalização e detenção de dois deles, interferiu na concretização desses actos, sobressaindo a persistência e particular intensidade da sua conduta para danificar violentamente as viaturas da GNR e perturbar a liberdade de acção dos respectivos militares.
Eficazes quanto à consecução do fim visado, foi grave o desrespeito revelado na sua conduta e o grau de violação dos deveres que se lhes impunham perante as ordens da autoridade.
Considerando o modo e circunstâncias como sempre actuaram, o dolo dos arguidos foi intenso em qualquer dos seus comportamentos, sendo também acentuado o dever de representarem o risco de lesão dos interesses fundamentais protegidos com a incriminação da condução perigosa, fortemente responsável pela sinistralidade rodoviária.
Os arguidos revelam acentuada propensão para a prática de actos com marcada violência.

Ressalvado o arguido B..., os demais não mostram sinais de arrependimento, nem de interiorização do desvalor da sua conduta.
Já o arguido B...colaborou de forma relevante para a descoberta da verdade, o que muito o favorece, militando ainda a seu favor a circunstância de beneficiar agora de enquadramento laboral e familiar estável, conservando uma postura critica relativamente ao seu comportamento anterior, investindo na reorganização da sua vida.
Também o seu adequado grau de inserção actual e a motivação revelada para consolidar o seu projecto de vida, o qual tem decorrido, desde há algum tempo, na esteira das normas sociais e jurídicas vigentes, surgem como pontos fortes para o desejado e adequado processo de reinserção social do mesmo.
Os arguidos têm vários antecedentes criminais, pese embora o arguido B...ser delinquente primário à data dos factos.
A favor dos arguidos C... e A... . não se vislumbra nenhuma circunstância atenuante digna de relevo.
O arguido C... apresenta traços de personalidade mal adaptativos, de natureza anti-social ou dissocial, não se importando com a verdade, não aprendendo com os erros que comete, tendendo a repeti-los.
Atentos os respectivos antecedentes criminais e a actividade ilícita que vinha desenvolvendo, aliada ao seu modo de vida, já que sem hábitos de trabalho, sem inserção social, profissional ou familiar equilibrada, o arguido C... revela acentuada propensão para a prática de crimes
Como referido, avultam as exigências de prevenção geral no tocante aos crimes em apreço.
No plano da prevenção especial mostra-se necessária uma importante resposta punitiva que previna a prática de comportamentos da mesma natureza, fazendo sentir aos arguidos a antijuridicidade e gravidade da sua conduta.
Reveladores de uma personalidade desajustada às regras de convivência social, os factos mostram frieza de carácter e absoluta indiferença relativamente à acção da justiça e da autoridade policial.
Em suma, perante a gravidade das condutas delituosas, sem olvidar a amplitude das molduras penais consideradas e a ausência de outras atenuantes de relevo, entende-se adequada às finalidades da punição (penas principais e acessória), sem exceder a culpa dos arguidos:
I) pela prática, sob a forma de co - autoria material, do crime de condução perigosa de veículo rodoviário (art.291º, nº1, al.b), do Código Penal):

- a pena de 2 (dois) anos de prisão, acrescida de 1 (um) ano e 6 (seis) meses da sanção acessória de proibição de conduzir, o arguido A...;

- a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, acrescida de 1 (um) ano da sanção acessória de proibição de conduzir, o arguido B...;

II) pela prática, sob a forma de co-autoria material, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário (art.347.°, n.° 1, do C.Penal):

- a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, o arguido B...;

- a pena de 2 (dois) anos de prisão, o arguido A... .;

- a pena de 2 (dois) anos de prisão, o arguido C....

III) pela prática, sob a forma de co-autoria material, de um crime de dano com violência (art.214.°, nº1, al.b)):

- a pena de 4 (quatro) anos de prisão, o arguido B...;

- a pena de 5 (cinco) anos de prisão, o arguido A... .;

- a pena de 5 (cinco) anos de prisão, o arguido C....

IV) pela prática, sob a forma de autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (art.3º, nº2, do cit.DL nº2/98), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, o arguido A....

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Considerando a conjugação dos factos sobreditos a propósito da medida concreta da pena e a personalidade dos arguidos neles revelada, tratando-se de crimes pluriofensivos cometidos numa mesma ocasião, os antecedentes criminais, a similitude dos crimes, a tendência criminosa evidenciada pelos arguidos, a colaboração prestada e a ausência de reparação do dano pelos mesmos, nos termos do disposto no art.77º do C.Penal, afigura-se equilibrada em cúmulo jurídico destas penas parcelares:

- a pena única de 6 (seis) anos de prisão efectiva, acrescida de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de proibição de conduzir, para o arguido A... .;

- a pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, acrescida de 1(um) ano da sanção acessória de proibição de conduzir, para o arguido B...;

- a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva para o arguido C....

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Suspensão da execução da pena
Em abstracto, a pena de prisão aplicada ao arguido B...consentem a suspensão da sua execução.
Tratando-se o arguido B...de um delinquente primário à data dos factos, tendo confessado no essencial os factos e apresentando hoje a sua vida reorganizada, mantendo ocupação laboral e integração no meio social onde vive, é de esperar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão possam agora responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito.
Sendo ainda jovem à data dos factos e alteradas as suas condições de vida, estando actualmente integrado ao nível familiar e profissional, e tendo fundamentalmente em conta a relevante colaboração assumida em julgamento para a descoberta da verdade, a mostrar consciência critica em relação ao seu comportamento anterior, é de realizar um juízo de prognose favorável.
Determinar-se-á, portanto, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido B..., acompanhada de regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pelos serviços de reinserção social, após prévia audiência do arguido, e no prazo de 30 dias - cfr. arts. 50º, nos 1, 2, e 5, 53º e 54º, todos do Código Penal, e 494º, n.º 3, do C.P.P.”
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III. Apreciação do Recurso:
O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.
Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da ., “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
As questões a conhecer são as seguintes:
1 – Saber se há erro de julgamento, devendo ser considerados como não provados os factos que no Acórdão recorrido se deram por provados nos pontos 1 a 4, 38 a 41, 47 e 49, 51 e 52.
2 – Saber se está violado o princípio in dubio pro reo.
2 – Saber se a pena aplicada ao recorrente é adequada.
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1 – Da impugnação da matéria de facto/erro de julgamento:
Um recorrente pode pretender invocar vícios oficiosos do artigo 410º, do CPP, assim impugnando a matéria de facto dada como provada, ou pode pretender reapreciar a matéria dada como provada, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP. Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP. **** Estabelece o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da ., Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da ., Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
**** Por sua vez, o erro de julgamento, consagrado no artigo 412º, nº 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.P.: «3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c)-As provas que devem ser renovadas». A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Além disso, o n.º 4, do citado artigo 412.º contempla o seguinte:Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” Ora, no caso em apreço, o recorrente situa, sem margem para dúvidas, a impugnação da matéria de facto no âmbito do erro de julgamento, apelando à reapreciação da prova gravada em audiência, ao considerar que determinados factos, acima mencionados, foram dados como assentes a partir apenas das declarações do co-arguido B...., sem que existam outros meios probatórios que as complementem.
Vejamos.
È certo que o Tribunal a quo deu especial relevância às declarações do co-arguido B..... Tal resulta da motivação da decisão de facto, em que pode ser lido, logo no seu início, que “na falta do arguido A... e negação do arguido C..., o Tribunal baseou-se, desde logo, nas declarações do arguido B...que confessou os factos que lhes são imputados”. Nada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova – artigos 140º, n.º 2 e 128º, do C.P.P., ou seja, tanto sobre factos que só a ele digam directamente respeito, como sobre factos que também respeitem a outros arguidos. Não estamos perante prova proibida, como resulta da conjugação dos artigos 125.º e 126.º, ambos do CPP. As declarações sobre o objecto do processo prestadas por um arguido, como todos sabem, constituem um meio de prova a apreciar livremente pelo Tribunal – ver Marques Ferreira, Jornadas de Dir. Proc. Penal, C.E.J. , pág. 249, e Ac. da Relação de Coimbra, de 13/3/02, C.J. XXVII, Tomo 2, pág. 45. Fundamental é que seja respeitado o princípio do contraditório, o que se verificou no decorrer da audiência de julgamento – ver, neste sentido, Ac. do S.T.J., de 20/6/2001, C.J., Acs. do S.T.J., Tomo 2, pág. 230.
Na realidade, pode ler-se na motivação do recurso que “no caso sub judice, foi dada a possibilidade de cross examination aos defensores dos co-arguidos atingidos pelas declarações confessórias, ainda que na ausência dos co-arguidos da sala de audiências.” A este propósito, escreveu-se já em dois arestos do STJ que acompanhamos e que passamos a citar, apesar da sua extensão, por serem elucidativos da posição ali seguida: A - (num primeiro, datado de 7 de Maio de 2009, relatado pelo Exmo. Conselheiro Arménio Sottomayor, e acessível no site www.dgsi.pt, sob o n.º 08P1213): “(...) Quanto ao valor das declarações do co-arguido. Dispõe o art.º 133.º do CPP: «1. Estão impedidos de depor como testemunhas: a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade; b) As .s que se tiverem constituído assistentes, a partir do momento da constituição; c) As partes civis. 2. Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas, se nisso expressamente consentirem.» Face a este preceito, designadamente à al. a) do n.º 1, tem sido questionado se o arguido está absolutamente impedido de testemunhar no próprio processo em que figure com essa qualidade. A Doutrina já respondeu que os arguidos não estão impedidos de produzir prova “por declarações do arguido no decurso do julgamento, nos termos dos art.º 140.º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos art.ºs 343.º e 345.º, todos do CPP, mas que essas declarações – na decorrência de co-arguição – não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros arguidos. Rodrigo Santiago, (Reflexões sobre as “Declarações do Arguido” como Meio de Prova no CPP de 1987) conclui deste jeito: “1. os co-arguidos estão impedidos de ser testemunhas relativamente uns aos outros, adentro do mesmo processo, em caso de co-arguição e nos limites desta, como decorre do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 133.º do CPP; 2. não estão, todavia, impedidos de produzir prova “por declarações do arguido no decurso do julgamento, nos termos dos art.ºs 140.º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos art.ºs 343.º e 345.º, todos do CPP. Porém; 3. as declarações assim prestadas por um ou mais dos co-arguidos - na decorrência, repete-se, de co-arguição - não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros; 4. servindo tais declarações, únca e exclusivamente, como meio de defesa do arguido ou arguidos que as tiverem prestado - art.º 343.º, n.º 2 do CPP. Logo, se 5. da motivação da sentença, nos termos do art.º 574.º, n.º 2, in fine, do CPP constar que as declarações dos co-arguidos contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal, verifica-se uma nulidade do julgamento, por assunção de um meio de prova proibido.” Mas a propósito da mesma questão do depoimento de co-arguido, enquanto meio proibido ou não de prova, também se concluiu pela não proibição, lembrando, no entanto, que se trata de um meio de prova frágil, que impõe o controle pela defesa do co-arguido e prefere a corroboração por outras provas. Teresa Beleza conclui assim (Rev. Min. Públ., Ano 19, 58 e 59): “O depoimento de co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma acusação. Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula. Na medida em que esteja totalmente subtraído ao contraditório, o depoimento de co-arguido não deve constituir prova atendível contra o(s) co-arguido(s) por ele afectado(s). A sua valoração seria ilegal e inconstitucional.” Entendeu o Tribunal Constitucional que é inconstitucional, por violação do art.º 32,º, n.º 5, da CRP, a norma extraída com referência aos art.ºs 133.º, 343.º e 345.º do CPP, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido em prejuízo do outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (Ac. n.º 524/97, de 97/07/14, DR II S de 97-11-27). No mesmo sentido o Ac. do STJ de 25-2-99 (Acs STJ VII, 1, 229), “está vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio, sob pena de violação do art.º 32.º, n.º 5 da CRP.” Cfr. ainda o Ac. do STJ de 7-2-01 (proc. n.º 4/00-3): “As declarações que os arguidos prestem estão tuteladas na sua produção e no seu âmbito pelo estatuto próprio do arguido, devendo ser sujeitas ao princípio do contraditório na medida em que afectem o co-arguido, não valendo contra este se esse contraditório não puder ser estabelecido, mormente pela oposição do arguido produtor da prova.” No sentido de os cuidados que se impõem ao Tribunal deverem redobrar quando as circunstâncias ou direito ao silêncio impediram ou limitaram o exercício do contraditório pelo co-arguido, mas que não impede a livre apreciação por parte do tribunal, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques (CPP Anotado, I, pág. 727). E conclui-se igualmente que é a posição interessada do arguido, a par de outros intervenientes citados nesse art.º 133.º, que dita o impedimento, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo. Como referem aqueles autores (pág. 726-7): “Parece-nos, contudo, que a interpretação correcta deverá repousar na consideração de que o arguido, só porque o é, não estará sem mais impedido de prestar declarações no próprio processo em que se encontra envolvido. O legislador pretendeu, em primeira linha, constRC...r no Código a figura do arguido, assegurando-lhe todos os meios de defesa mesmo através de si próprio, pelo que, se o entender necessário à sua defesa, poderá usar o amplo direito que lhe assiste a ser ouvido. E a defesa desta posição leva a que o arguido ou co-arguido não possam ser ouvidos no mesmo processo ou processos conexos como testemunhas, ou seja como intervenientes que não só são obrigados a prestar declarações, como a fazê-lo com verdade (art.º 91.º) por tal ser incompatível com a sua posição de interessados no desfecho do processo e com o seu direito ao silêncio. De notar que no mesmo n.º 1 deste artigo, nas als. b) e c), e por identidade (parcial) de razões, também os assistentes e as partes civis estão impedidos de depor como testemunhas, interessados que também são no mesmo desfecho. É, pois, esta posição interessada que dita o impedimento, posição reforçada no caso do arguido, dado o seu estatuto especial. Isso mesmo entendeu o STJ ao decidir que este artigo visa proteger próprio impedindo-o de depor contra si, nada porém obstando a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade (Ac. de 96-10-17, BMJ, 460-399). Daqui decorre também que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido nele podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo. Cuidado que deve redobrar quando as circunstâncias ou direito ao silêncio impediram ou limitaram o exercício do contraditório, mas que não impede, a nosso ver, a livre apreciação por parte do tribunal.” Este Tribunal afirmou, impressivamente (Ac. de 3-5-00, Acs STJ VIII, 2, 180): “não há qualquer impedimento legal em que as declarações dos co-arguidos sejam valoradas, segundo o prudente critério do tribunal, em conjunto com os outros meios de prova.” E tem sido neste último sentido que se tem formado a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito decidiu-se que “(1) a crítica feita no sentido de que não seria lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art.º 125.º, do CPP; (2) na verdade, este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, estabelecendo o art.º 126.º, aquelas que são proibidas, não constando deste elenco o caso das declarações dos co-arguidos. Estas são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.; (3) o que acontece é que a Lei Processual ao proibir que o arguido seja ouvido como testemunha, pretende, tão só, protegê-lo e impedi-lo, por exemplo, que venha a ser condenado por perjúrio” (Ac. do STJ de 03-06-1993, proc. n.º 44347). E que “o art.º 133.º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo” (Ac. do STJ de 04-05-1994, proc. n.º 44383). “Nada impede que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos. O art.º 344.º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido” (Ac. do STJ de 30-05-1996, proc. n.º 498/96). No mesmo sentido o Ac. de 30-5-97 (proc. n.º 498/96): “(1) - Nada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento e que constituam objecto de prova, quer de factos que só a ele digam directamente respeito, como sobre factos que também respeitem a outros arguidos. (2) - O n.º 3 do art. 344.º do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova resultante das declarações do arguido, mas apenas que, nesses casos, as declarações do arguido não têm o valor de força probatória pleníssima que deve ser atribuída aos casos do n.º 2.” Claramente no sentido sustentado pelos últimos autores referidos, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art.º 133.º do CPP, tem um objectivo muito próprio: o de garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa. Porém, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos julgadores (Ac. do STJ de 10-12-1996, proc. n.º 48697). “O sentido da norma do art.º 133.º, n.º 1, al. a), do CPP é o de que com ela se intenta proteger o próprio arguido, impedindo-o de depor contra si próprio, nada obstando a que preste declarações, nomeadamente para se defender de uma acusação ou aligeirar a sua responsabilidade nela.” (Ac. do STJ de 31-01-2001, proc. n.º 3574/00-3). No mesmo sentido o Ac. de 29-3-00 (proc. n.º 1134/99): “(1) - O que o art.º 133.º, do CPP, pretende evitar é que o arguido ou co-arguidos prestem declarações que sejam incriminatórias de si próprios. (2) - Um arguido que decide prestar declarações, ao indicar factos ou circunstâncias que excluam ou diminuam a ilicitude ou a sua culpa, relevando para a minoração da medida da pena, pode directa ou indirectamente contribuir para a prova incriminatória de outros arguidos. (3) - A lei processual, com todas as garantias a que o arguido tem direito - entre as quais se destaca a de guardar silêncio quanto aos factos de que é acusado - não vai ao ponto de impedir a prestação de declarações, de forma livre e espontânea, sejam elas ou não incriminatórias ou agravatórias da responsabilidade de outros intervenientes nos factos criminosos. (4) - De molde a evitar que os co-arguidos possam usar de reivindicta ou se desresponsabilizem recíproca ou multilateralmente, mandam as regras da experiência comum que se use de cautela na valoração de tais declarações.” “Se é certo que os arguidos no mesmo processo ou em processos conexos não podem depor como testemunhas, não é menos verdade que sempre podem prestar declarações, que o tribunal valorizará dentro das balizas do art.º 127.º do CPP.” (Ac. do STJ de 30-11-2000, proc. n.º 2828/00-5). Cfr. ainda o Ac. do STJ de 26-3-98 (proc. n.º 44/98): “Não existe qualquer disposição legal que proíba que as declarações de co-arguido possam valer como meio de prova, pelo que as mesmas poderão ser objecto de valoração por parte do tribunal, para fundamentar a sua convicção sobre os factos que dá como provados, dentro da regra da livre apreciação da prova.” “As declarações de co-arguido são meios admissíveis de prova e, como tal, podem ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca dos factos que dá como provados. O art.º 133.º do CPP, o que proíbe é que os co-arguidos sejam ouvidos como testemunhas, mas não impede que os arguidos da mesma infracção possam prestar declarações (cuja credibilidade é, naturalmente, mais diluída), no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo (art.º 343, n.º 1, do CPP) (Ac. do STJ de 23-10-1997, proc. n.º 679/97). Deve, assim, entender-se, em síntese, que é a posição interessado do arguido, a par de outros intervenientes citados no art.º 133.º do CPP, que dita o seu impedimento para depor como testemunha, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo. A crítica feita no sentido de que não ser lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art.º 125°, do CPP, pois este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art.º 126.º do CPP não consta o caso das declarações dos co-arguidos, que são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc. Pode, assim, afirmar-se que o art.º 133.º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos. O art.º 344.º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido. Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art.º 133.º do CPP, tem um objectivo muito próprio: garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa, mas, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos julgadores (Cfr. neste sentido os Acs. do STJ de 28-6-01, proc. n.º 1552/01-5, de 5.6.03, proc. n.º 976/03, de 22/06/2006, proc. n.º 1426/06-5 e de 8-2-2007, proc. 28/07-5, com o mesmo Relator). No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no aresto citado e com a limitação indicada, hoje normativizada na nova redacção do art. 345.º, n.º 4 do CPP dada pela Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto. Assim, não merece censura a posição das instâncias de que podiam valorar as declarações prestadas pelos co-arguidos.” B - (num segundo, relatado pelo Exmo. Conselheiro Santos Cabral, a 3 de Setembro de 2008, igualmente acessível naquele site, sob o n.º 08P2044): “(...) Lateralmente os recorrentes... vêm renovar a decantada questão do depoimento do co- arguido sujeitando-o à necessidade de uma conjugação com outros meios de prova. Reafirma-se sobre a questão o que oportunamente se referiu no Acórdão desta 3.ª secção de 12 de Março de 2008 nomeadamente no sentido de que não se desconhece o teor de algum posicionamento doutrinal que se suscitou anteriormente à Lei 48/84 sobre o valor das declarações do arguido como meio de prova. Arrancava tal assunção opinativa de um eixo fundamental: - a consideração de que o silêncio do arguido não poderia, em circunstância alguma, desfavorecê-lo. Todavia, o mesmo silêncio acabaria por prejudicar tal sujeito processual de forma efectiva, caso se aceitassem, como meio de prova as declarações do co-arguido, porquanto se o mesmo estivesse disposto a declarar, bem poderia ter abalado a eficácia da convicção atribuída a quem, com verdade, ou contra a verdade, concordou em prestar declarações. Na mesma lógica argumentativa se referia que o silêncio nunca podia desfavorecer o arguido sendo o exercício do direito ao silêncio a concretização do princípio da presunção de inocência ligado agora directamente ao princípio da preservação da dignidade .l. A culminar tal raciocínio afirmava-se que, atribuindo a lei a faculdade do arguido não estar presente em julgamento, a prestação de declarações por parte dos co-arguidos presentes não poderia ser contraditada pelos ausentes. Assim, concluíam os defensores de tal posição pela validade das seguintes regras processuais em relação aos depoimentos dos arguidos: 1 - Os co-arguidos estão reciprocamente impedidos de ser testemunhas, adentro do mesmo processo, em caso de co-arguição e nos limites desta, como decorre do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 133.º do Código de Processo Penal; 2 - Não estão, todavia, impedidos de produzir prova - a chamada prova por declarações do arguido - mesmo no decurso da audiência de julgamento, nos termos dos artigos 140.º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos artigos 343.º e 345.º, todos do Código de Processo Pena. Porém, 3 - As declarações assim prestadas, maxime as que o forem em audiência de julgamento, por um ou mais dos co-arguidos - na recorrência, repete-se, de coarguição - não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros, 4 - Servindo tais declarações, no âmbito da coarguição, única e exclusivamente como meio de defesa .l do arguido ou arguidos que as tiverem prestado artigo 343.º, n º 2 do Código de Processo Penal. Logo, 5 - Se da motivação da sentença, nos termos do artigo 374.º, n.º 2, in fine, do referido diploma, constar que as declarações dos co-arguidos - verificados os supostos premonidos nas conclusões 1.ª e 3.ª, isto é, a circunstância da coarguição - contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal, verifica-se uma situação de nulidade do julgamento, por violação do disposto nos artigos 323.º, alínea j) e 327.º, n.° 2, entre outros, todos do Código de Processo Penal. (Confrontar por todos R. Santiago R.P.D.C). Numa outra linha de orientação, menos assertiva, se situavam aqueles que integram as declarações do arguido num tertium genus, admitindo a sua valoração, desde que acompanhada por outros meios de prova. A este propósito, Teresa Beleza refere que “o depoimento do co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito Português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma condenação”, in Rev. Min. Publico, n.º 74, pág.58. Outros autores entendiam que as declarações do co-réu deviam ser corroboradas, isto é o julgador teria de se socorrer de outros meios de prova que lhe permitam confirmar a credibilidade das mesmas (Medina de Seiça, in O conhecimento probatório do co-arguido, págs 212 e segs.) concluindo, também, que, quando as declarações dos réus, referentes a co-réus não se encontravam corroboradas por qualquer outra prova o tribunal deveria ser entendido que não constituíam prova suficiente dos factos relatados, dando-os como não provados (conf. José . Vasquez Sotelo, in Presuncion de Inocencia del Imputado e Intima Conviccion del Tribunal pág 134).” Relativamente à evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em relação a esta matéria nos dá noticia o Acórdão de 27 de Novembro de 2007. O eixo do posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça radica na ideia de que, fundamentalmente, o que está em causa é a posição interessada do arguido, que, assumido o seu impedimento para depor como testemunha, não obsta a que preste declarações, nomeadamente para esclarecer o tribunal sobre a sua responsabilidade criminal numa postura de colaboração na procura da verdade material. Sendo um meio de prova legal cuja admissibilidade se inscreve no artigo 125.º do Código de Processo Penal as declarações do co-arguido podem, e devem, ser valoradas no processo. Como referem Leal Henriques e Simas Santos, “Parece-nos, contudo, que a interpretação correcta deverá repousar na consideração de que o arguido, só porque o é, não estará sem mais impedido de prestar declarações no próprio processo em que se encontra envolvido. O legislador pretendeu, em primeira linha, constRC...r no Código a figura do arguido, assegurando-lhe todos os meios de defesa mesmo através de si próprio, pelo que, se o entender necessário à sua defesa, poderá usar o amplo direito que lhe assiste a ser ouvido. E a defesa desta posição leva a que o arguido ou co-arguido não possam ser ouvidos no mesmo processo ou processos conexos como testemunhas, ou seja como intervenientes que não só são obrigados a prestar declarações, como a fazê-lo com verdade (art.º 91.º) por tal ser incompatível com a sua posição de interessados no desfecho do processo e com o seu direito ao silêncio. De notar que no mesmo n.º 1 deste artigo, nas als. b) e c), e por identidade (parcial) de razões, também os assistentes e as partes civis estão impedidos de depor como testemunhas, interessados que também são no mesmo desfecho. É assim a especial posição do arguido que dita o impedimento do mesmo a depor como testemunha dado o seu estatuto especial, nada porém obstando a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade.” Subscrevemos tal entendimento adiantando ainda que, em nosso entender, importa precisar alguma confusão que está subjacente à cruzada empreendida contra o arguido que produz depoimento incriminatório. Na verdade uma coisa são proibições de prova que são verdadeiros limites à descoberta da verdade, barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo e outra, totalmente distinta a valoração da prova. Nesta ultima está implícita uma apreciação da credibilidade da prova produzida em termos legais. Portanto a questão que se coloca é tão só, e singelamente, saber se é válida processualmente a admissibilidade do depoimento do arguido que incrimina os restantes coarguidos. A resposta é, quanto a nós, frontalmente afirmativa e dimana desde logo da regra do artigo 125.º do Código Penal que dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei; por outro lado não se sente qualquer apoio numa interpretação rebuscada da Constituição que aponte a inconstitucionalidade de uma tal interpretação. Bem pelo contrário, a consideração de que o depoimento do arguido que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos, reveste à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o principio da igualdade dos cidadãos. Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do co-arguido. Esta credibilidade, como adiante precisaremos, só pode ser apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas de apreciação da credibilidade retornando ao sistema da prova tarifada, opção desejada pelo sistema inquisitorial. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei. Na verdade, conforme refere o Prof. Figueiredo Dias, o processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça e de verdade. O que é tanto mais evidente quanto se recorde que por detrás da imposição de uma pena está uma finalidade de prevenção geral de integração e, portanto, uma exigência de verdade e de justiça na aplicação da sanção. Por outro lado, não obstante a descoberta da verdade material ser uma finalidade do processo penal não pode ela ser admitida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processual válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das .s que no processo se vêem envolvidas. A protecção perante o Estado dos direitos fundamentais das .s surge, assim, também ela, como finalidade do processo penal. Afirmá-lo é também proteger o interesse da comunidade de que o processo penal decorra segundo as regras do Estado de Direito. São precisamente estas regras do Estado de Direito - que se prendem com os direitos fundamentais das .s e que exigem que a decisão final tenha sido lograda de um modo processualmente válido - que vão impedir, em certas situações, a obtenção da verdade material. Isto pode ocorrer, em concreto e p. ex., com a proibição da valoração das provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em gera/, ofensa da integridade física ou moral das .s. Se isto é assim, também é, no entanto, verdade que aquela que foi historicamente a arma do Estado de Direito a persistência na convicção de que, em todas as circunstancias, os direitos de cada . devem ser defendidos e a sua liberdade salvaguardada - tem vindo a ser relativizada: o Estado de Direito não exige apenas a tutela dos interesses das .s e o reconhecimento dos limites inultrapassáveis, dali decorrentes, à prossecução do interesse oficial na perseguição e punição dos criminosos. Ele exige também a protecção das suas instituições e a viabilização de uma eficaz administração da justiça pena, já que pretende ir ao encontro da verdade material. Assim, e vendo agora as coisas sob um outro prisma, em certas circunstâncias, para que os interesses assinalados se concretizem, necessário se torna pôr em causa direitos fundamentais das .s. O remédio para esta impossibilidade de harmonização integral das finalidades do processo penal, adianta o referido Mestre, estará numa tarefa – infinitamente penosa e delicada - de operar a concordância prática das finalidades em conflito. Tal tarefa implica, relativamente a cada problema concreto uma mútua compressão das finalidades em conflito, de forma a atribuir a cada uma a máxima eficácia possível: de cada finalidade há-de salvar-se, em cada situação, o máximo conteúdo possível, optimizando-se os ganhos e minimizando-se as perdas axiológicas e funcionais. Se o critério geral reside assim, não na validação da finalidade preponderante à custa da de menor hierarquia ao estilo da teoria do direito de necessidade jurídico-penal - mas sim numa optimização das finalidades em conflito, situações há no entanto em que se torna necessário eleger uma só das finalidades, por nelas estar em causa a intocável dignidade da . humana. Do que se trata então é do princípio axiológico que preside à ordem jurídica de um Estado de Direito material: o principio da dignidade do homem, da sua intocabilidade e da consequente obrigação de a respeitar e proteger. Mas será que tal núcleo fundamental estará por alguma forma violado quando se admite como válido o depoimento incriminatório do arguido e em relação aos restantes arguidos. Será que os direitos de defesa dos seus companheiros no banco dos arguidos são minimamente atingidos se forem observadas as regras processuais de produção de prova? Será que o arguido que opta pelo direito ao silêncio adquire ope legis um direito de veto à produção de outra prova que não aquela que lhe convém? O direito de não se auto incriminar do arguido é conflitual como a colaboração do co-arguido na procura da verdade material? Estamos em crer que a resposta tem de ser necessariamente negativa. A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais co-arguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada á prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal nomeadamente no que toca á luta contra criminalidade organizada. Como refere o Professor Costa Andrade é evidente que ninguém coloca em causa o principio do nemo tenetur se ipsum accusare que deriva desde logo da tutela jurídico constitucional de valores ou direitos fundamentais como a dignidade humana, a liberdade de acção e a presunção de inocência em geral referenciados como a matriz jurídico constitucional do principio. A lei processual penal portuguesa contém uma malha desenvolvida e articulada de normas através das quais se assegura acolhimento expresso às mais significativas exigências do princípio nemo tenetur. A começar e em se tratando de factos pertinentes à culpabilidade ou medida da pena, o Código de Processo Penal garante ao arguido um total e absoluto direito ao silêncio (art.º 61.º, n.º 1, al. c). Um direito em relação ao qual o legislador quis deliberadamente prevenir a possibilidade de se converter num indesejável e perverso privilegium odiosum, proibindo a sua valorado contra o arguido. E tanto em se tratando de silêncio total (art.º 343.º, n.º 1) como em se tratando de silêncio parcial (art.º 345.º, n.º 1). Para garantir a eficácia e reforçar a consistência do conteúdo material do princípio nemo tenetur a lei impõe às autoridades judiciárias ou órgãos de polícia criminal, perante os quais o arguido é chamado a prestar declarações, o dever de esclarecimento ou advertência sobre os direitos decorrentes daquele principio (conf., v. g., art.ºs 58.º, n.º 2; 61.º, n.º 1, al. a); 141.º, n.º 4 e 343.º, n.º 1). A eficácia de tais normas é contrafacticamente assegurada através da sanção da proibição de valoração. Porém, a proibição de valoração incide sobre o silêncio que o arguido adoptou como a melhor estratégia processual e, como é evidente, não poderá repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal e que venha a precisar e demonstrar a responsabilizar criminalmente o arguido. Seria necessária uma visão fundamentalista, e unilateral do processo penal, defender que o exercício do direito ao silêncio tivesse potencialidade para inquinar todo o meio de prova que, não obstante a sua regularidade, viesse a demonstrar a falência de tal estratégia de silêncio. É evidente que tal argumentação não é aceite para quem, nos processos de grande criminalidade organizada, aposta a defesa dos arguidos no seu silêncio conjunto por uma questão de estratégia processual. Porém, não são tais visões parcelares e parciais que irão contribuir para elucidar a questão em apreço. Bem ao contrário daquela perspectiva, estamos em crer que o eixo fundamental da mesma questão reside no facto de o depoimento incriminatório estar sujeito ás mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, a sua sujeição á regra da investigação; da livre apreciação e do princípio in dubio pro reo. Assegurado que esteja o funcionamento de tais princípios e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artigo 32.º da Constituição nenhum argumento subsiste á validade de tal meio de prova. Aliás, a partir do momento em que o arguido depõe no exercício do seu direito de defesa é evidente que as suas palavras têm uma dupla conotação: sendo emergentes de um inviolável direito de defesa elas são também um meio de prova. Não é possível, em termos práticos, separar aquela realidade concreta que é o depoimento do arguido considerando ora como um exercício legítimo de um direito ora como meio de prova. Tal visão, para além de um inequívoco maniqueísmo, esquece que o processo penal visa a descoberta da verdade material e não de tantas realidades quanto aquelas que interessam aos diversos sujeitos processuais. Um dos eixos argumentativos aduzidos em favor da inadmissibilidade do referido depoimento situa-se num eventual direito á mentira que constaria da colectânea de direitos dos arguidos. Assim, argumenta-se, como credibilizar um depoimento produzido por alguém que tem o direito de mentir? A respeito de tal argumentação é importante esclarecer que uma mentira não é verdade pelo facto de ser repetida até á exaustão e que tal pressuposto é agora, como sempre foi, falso. Nenhum Estado de Direito digno desse nome outorga aos seus cidadãos o direito de mentir em qualquer circunstância e muito menos num processo penal. Já em 1974 Figueiredo Dias se pronunciava sobre um invocado direito a mentir repudiando-o decididamente. Afirmava o mesmo Professor que nada existe na lei, com efeito, que possa fazer supor o reconhecimento de um tal direito. As soluções legais em matéria de silêncio e de cessação do dever de colaboração explicam-se perfeitamente pela oposição que assim, se quer fazer à velha e odiosa ideia inquisitória, segundo a qual o arguido, enquanto meio de prova, poderia ser obrigado, inclusivamente através de meios de coacção física e psíquica, sem excluir a própria tortura, à prestação de declarações que o incriminassem. E sabe-se como todo o processo penal reformado fez de uma tal oposição um dos seus propósitos mais salientes. Mas sendo assim, poderia pensar-se (e não faltam autores a lançarem-se, mais ou menos profundamente, nesta via de compreensão das soluções legais) que, podendo o arguido optar livremente entre o silêncio ou o prestar declarações, caso escolhesse esta segunda possibilidade continuaria a recair sobre ele um dever de verdade, ou como mero dever moral, ou mesmo como verdadeiro dever jurídico. A verdade, porém, é que do reconhecimento de um tal dever não ressaltam quaisquer consequências práticas para o arguido que minta, uma vez que tal mentira não deve ser valorada contra ele, quer ao nível substantivo autónomo das falsas declarações, quer ao nível dos direitos processuais daquele.”
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Como pode ser depreendido do até agora exposto, assentemos, pois, que, segundo a jurisprudência do STJ, em resumo, as declarações de um co-arguido podem ser livremente apreciadas, independentemente de haver ou não mais provas que as corroborem, desde que seja respeitado o princípio do contraditório.
Tudo depende, em resumo, da credibilidade que as mesmas oferecem, tendo presente o disposto no artigo 127.º, do CPP.
Abra-se, aqui, um parêntesis para fazer três considerações de ordem genérica, no que diz respeito às declarações dos arguidos, em sede da respectiva credibilidade. Desde logo, o interrogatório de um arguido é sujeito à crítica do julgador, pelo que este pode entendê-lo como todo verdadeiro ou todo falso ou aceitá-lo parcialmente como bom. Avançando algo mais, é muito importante que as audiências de julgamento sejam gravadas, mas seria muito mais útil que fossem filmadas. O comportamento do arguido durante um julgamento, ainda que não haja regras matemáticas para o definir, e em especial quando não se julga observado, é elucidativo, muitas vezes. Com efeito, as suas diferentes manifestações revelam muito mais do que possa ser pensado. Por fim, não existem critérios constantes e rígidos que permitam deduzir se um arguido é culpado ou inocente, apenas pelas suas declarações, dada a especificidade do comportamento de cada ser humano. Daí o extremo cuidado que é exigido ao julgador, quando aprecia o que é dito por alguém que está a ser julgado.
Dito isto, nada existe nos autos que permita concluir que o Tribunal a quo tenha postergado as citadas orientações de índole geral.
Revertendo ao nosso caso, o recorrente entende que “são várias as contradições e incongruências que existem nas próprias declarações do arguido B...” e acrescenta que delas “perpassa um, natural, aligeirar das suas responsabilidades e uma vingança manifesta em relação ao co-arguido C..., aqui recorrente”
Mas é mesmo assim?
Liminarmente, nada transparece da audiência de julgamento quanto ao alegado propósito de vingança. Tanto assim é que o recorrente não traz aos autos um único dado objectivo que o comprove, ficando-se por deixar no ar um mero processo de intenções, como tal inconsequente.
Centremos, pois, a nossa atenção nas alegadas “contradições e incongruências”.
Se bem notarmos, o recorrente, a esse nível, apenas refere o que consta nos pontos 9. a 11. das suas conclusões, limitando-se, quanto ao mais, a fazer a sua análise da prova.
No entanto, não se vislumbra onde possam estar contradições e incongruências com relevo tal que levem a considerar ter havido um errado julgamento sobre a matéria de facto.
As declarações de um arguido ou o depoimento de uma testemunha devem ser analisados de um modo global e não através de frases situadas fora de um contexto.
Ora, as primeiras declarações do arguido B... prolongaram-se por 41:07 e as suas últimas duraram 2:55 (ver gravação da audiência).
É indesmentível que as suas declarações não são uniformes, no que tange à participação do ora recorrente nos factos.
Todavia, delas resulta, se bem notarmos, que a participação do arguido C... nos factos não chega a ser, nunca, excluída e isso tem muita importância, como mais abaixo veremos. Num primeiro momento, ao ser perguntado se era verdade o que constava da acusação, B..., de um modo espontâneo, referiu que vinha a falar ao telemóvel com o ora recorrente, afirmando que “só há aí um pormenor, da parte a dizer que o C... disse para o A... puxar a embraiagem, isso” aí, não”.
Num segundo momento, demonstrando muita hesitação, foi menos claro e transmitiu a ideia de já não se recordar o que havia sido dito ao telemóvel.
Por fim, num terceiro momento, ao ser confrontado pelo Ministério Público, de um modo muito mais concreto, sobre a participação do arguido C..., foi claro quanto à mesma (38:47 - 41:10).
Podemos, então, dizer que nada indica estarmos perante uma “monstruosidade congeminada apenas para tentar «apanhar» o co-arguido C...”, na medida em que B.... só num momento final das suas declarações acabou por explicar o envolvimento em causa, sem esquecer que o seu tom de voz sempre revelou algum desconforto quando se referia ao ora recorrente, revelador de algum receio (nomeadamente quanto a um tal Zé Luís, primo deste último – ver 38:47 a 41:10), o que explica as cambiantes transmitidas.
Além disso, aquando das suas últimas declarações, e por sua própria iniciativa, reiterou que o ora recorrente “vinha uns poucos metros atrás do carro da polícia e foi-nos buscar logo a seguir ao embate, à Recta do Pereiro”, “ia atrás, que era para nos apanhar, se nós conseguíssemos largar a carrinha”, acrescentando ainda, quanto ao depoimento da testemunha ... (companheira/namorada do recorrente, cuja inquirição ocorreu ao abrigo do disposto no artigo 340.º, do CPP, a seu requerimento), “eu vou pedir desculpas da maneira que vou falar, mas se eu trouxer também uma . que colabora comigo aqui, senta-se aqui e diz aquilo que eu lhe disser para falar”, sem embargo de ter, ainda, respondido “claro”, quando lhe perguntaram se ela tinha mentido (1.55:2.10).
Importa vincar, para terminar, que não deixa de ser estranho que as apontadas “contradições e incongruências” não tenham sido objecto de confronto com o co-arguido B.... por parte do ilustre mandatário do ora recorrente, no momento próprio (durante a audiência de julgamento).
Por conseguinte, é inequívoco que o recorrente não chega a indicar qualquer prova que imponha uma decisão diversa da recorrida.
Ao alegar o que consta das suas motivações, em boa verdade, o recorrente está, em síntese, a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos aquele adquiriu em julgamento, esquecendo-se da regra da livre apreciação da prova inserida no artigo 127.º, do C.P.P.
O citado artigo 127.º dispõe que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Prova livre não significa prova arbitrária ou caprichosa, antes quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos. Se O tribunal decidisse como lhe apetecesse não apreciaria livremente as provas, antes estaria a desprezá-las…
Ora, não se extrai que o tribunal tenha procedido a um julgamento arbitrário da prova produzida. E a valoração por este feita não tem que coincidir com aquela que o recorrente pretende ver operada.
A livre apreciação da prova significa, em resumo, que esta deve ser feita de acordo com a convicção íntima do juiz. Aliás, já Chiovenda o afirmava, citando o imperador Adriano, conforme pode ler-se no Digesto 3, 2, De testibus, 22, 5…
À valoração do tribunal preside um juízo atípico, porque fundando-se nas regras da experiência, isto é em critérios generalizadores e tipificados, índices corrigíveis, critérios definidores de conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas sempre tendo presente a individualidade histórica do caso concreto, tal como ela foi adquirida representativamente no processo, pelas alegações, respostas, inquirições e outros meios de prova disponibilizados - cfr. Prof. Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1967/1968, n.º 4 - Os Princípios de Processo Penal..
E se é certo que o princípio da livre apreciação da prova não pode ser confundido como uma apreciação judicial arbitrária - ou, na expressiva fórmula de Paolo Tonini “o conflito entre a acusação e a defesa não pode ser resolvido com base num acto de fé La Prova Penale, pág. 9 e segs. -, e que a livre convicção do juiz não pode ser meramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável “A liberdade de apreciação da prova não pode estar mais longe das meras conjecturas e das impressões sensitivas injustificáveis e não objectiváveis” - Paulo Saragoça da Mata, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Organizadas pela Faculdade de Direito de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Coordenação Científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, pág. 231., certo é, também, que a “verdade material que se busca em processo penal, não é o conhecimento ou apreensão absolutos de um conhecimento, que todos sabem escapar à capacidade de conhecimento humano; tanto mais que aqui intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes de possível erro, quer porque se trata do conhecimento de acontecimentos passados, quer porque o juiz terá as mais das vezes de lançar mão de meios de prova que, por sua natureza - e é o que se passa sobretudo com a prova testemunhal -, se revelam particularmente fiáveis». Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, secção de textos da FDUC, 1988-9, págs. 140.
E assim, como ensina o insigne Professor, “a convicção judicial será suficientemente objectivável e motivável quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará, pois, na “convicção”, de uma mera opção “voluntarista” pela certeza de um facto e contra toda a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável pelo menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse».
Consabidamente, a verdade que o direito encerra é a «processualmente demonstrada por recurso às provas carreadas para os autos, sujeita a todos os limites que, por definição, tem o espírito humano na tentativa de conhecer e compreender o real. O conhecimento da verdade (correspondente ao “pedaço de vida” acontecido) «na maioria das situações pressuporia uma impossível incursão na mente humana, empreitada essa, de patente que é, não necessita de ser sublinhada». Paulo Saragoça da Mata, ob. cit., pág. 251.
Intimamente ligados ao princípio da livre apreciação da prova estão os princípios da continuidade da audiência, ou da concentração, oralidade e imediação da prova.
Quanto aos dois últimos, constituem a um tempo decorrência lógica do princípio da livre apreciação da prova e “conditio sine qua non” para a respectiva admissibilidade. Com efeito, apenas quem tenha assistido à produção da prova e às disposições assumidas pela acusação e pela defesa poderá estar capaz, no fim da discussão, de se considerar convicto de uma determinada verdade, podendo proceder ao julgamento. Paralelamente, a oralidade permite com muito maior probabilidade aceder a um discurso directo, espontâneo, não ensaiado e vivo, o que obviamente contribui para um aumento das possibilidades de descoberta da verdade e de formação de uma correcta convicção.
Quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum.
No caso em apreço, a decisão recorrida, não o esqueçamos, encontra-se bem fundamentada, oferecendo um raciocínio linear, lógico e perceptível, não sendo vislumbrada qualquer incorrecta apreciação da prova, nomeadamente quanto à medida e extensão da credibilidade que mereceram as declarações de B...., sendo certo que a opção do Tribunal assentou na imediação e na oralidade, não tendo resultado que a mesma seja inadmissível perante as regras da experiência comum.
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2 – Da violação do princípio in dubio pro reo:
Não estamos perante qualquer violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.
De acordo com Cavaleiro Ferreira, «Lições de Direito Penal», I, pág. 86, este princípio respeita ao direito probatório, implicando a presunção de inocência do arguido que, sendo incerta a prova, se não use um critério formal como resultante do ónus legal de prova para decidir da condenação do arguido que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos. O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto. Como todos sabem, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, pág. 213 – já Ulpiano dizia “é melhor um crime impune do que um inocente castigado”. Porém, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos actos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – cfr., a este propósito, ... Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997. Lendo a fundamentação da decisão ora em crise, facilmente é constatado que o tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida sobre a matéria de facto.
A fundamentação de facto acima transcrita é consistente e racional.
O princípio geral do processo penal ora em análise é aplicável apenas nos casos em que, apesar de toda a prova recolhida, continuam os factos relevantes para a decisão a não poderem considerar-se como provados por continuar a subsistir dúvida razoável do Tribunal.
O princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
No caso vertente, o Tribunal “a quo” não se quedou por um non liquet de facto, ou seja, não permaneceu na dúvida razoável sobre os factos relevantes à decisão, pelo que não há lugar a qualquer aplicação do princípio in dubio pro reo (a dúvida reside apenas no recorrente e não no Tribunal).
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, (tal como sucede com a livre convicção) argumentada, coerente, razoável – neste sentido cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25. Assim, para a revogação da sentença importaria demonstrar, não só duas versões diferentes do mesmo facto, mas duas versões sérias, razoáveis e plausíveis e que, em tal contexto o tribunal acolheu aquela que desfavorece o arguido. O que, como se viu, não sucede com a análise do recorrente, sem qualquer conteúdo probatório susceptível de pôr em causa os meios de prova e análise critica em que repousa a decisão impugnada.
Note-se que o depoimento da testemunha ... Henriques (. que teria estado junto do arguido C..., na data dos factos, isto é, quem poderia ter trazido aos autos uma versão séria, razoável e plausível, a si favorável) nem sequer foi usado como argumento no recurso, o que demonstra a sua ineficácia para o efeito pretendido.
Pelo exposto, não há que alterar a matéria de facto.
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3 – Medida da pena:
O recorrente limita-se a entender que as penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes, bem como a pena única, são manifestamente exageradas e subjectivamente desproporcionadas, pugnando pela respectiva redução, sem indicar em que termos.
Façamos uma breve análise sobre as finalidades legais das penas com reflexos no seu doseamento e nos critérios legais concretos a observar neste doseamento.
Como dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.
Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.
Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (cfr. nomeadamente Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª edição, pags. 238 a 255).
Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, preceitua, na senda do citado artigo 40.º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o n.º 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).
Em resumo, tendo como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, ou seja, tendo como primeira referência a culpa, a fixação da medida da pena perseguirá concomitantemente a prevenção (que, neste contexto, exige fixação de pena que seja entendida pela sociedade como a necessária à tutela do direito e adequada à confiança na aplicação da justiça) e, sempre, objectivos pedagógicos e ressocializadores, tudo tendo em vista a protecção de bens jurídicos e a reinserção social do agente.
**** Quanto a esta matéria, pouco há que dizer.
Na verdade, a pretensão do recorrente não tem consistência.
Estamos perante um arguido com largos antecedentes criminais no âmbito de crimes contra o património, o que não pode ser escamoteado, antes pelo contrário.
Mais, o arguido não interiorizou o desvalor da sua conduta, persistindo em negar a prática dos factos, o que denota uma personalidade anti-social evidente (está por demonstrar, salvo o devido respeito, que esta conclusão pressuponha conhecimentos técnicos e científicos que os juristas não possuem).
Acresce que o comportamento do arguido é grave, como bem salientado no acórdão recorrido.
E não se diga que o Tribunal a quo considerou apenas o “lado negro do arguido”.
Com efeito, foi entendido que “a favor dos arguidos C... e A... não se vislumbra nenhuma circunstância atenuante digna de relevo”.
E assim é, já que o bom comportamento prisional e o apoio familiar são duas realidades que nada têm de especial.
Note-se que o relatório social de fls. 515 a 518 termina do seguinte modo:
“A nível .l, apesar do arguido indiciar alguma capacidade para analisar criticamente o seu comportamento, terá necessariamente de aprofundar essa reflexão por forma a poder determinar a sua conduta por parâmetros normativos:”
Por conseguinte, só resta considerar adequadas as pena parcelares aplicadas, o mesmo sucedendo relativamente à pena única.
Também aqui, tem que soçobrar, por isso, a pretensão do arguido.
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IV – DECISÃO:
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar, na íntegra, o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em seis UC.

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José Eduardo Martins (Relator)
Maria José Nogueira