Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1222/11.4TBPBL-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: CITAÇÃO
FALSIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 551º-A Nº 1 DO CPC
Sumário: O prazo em que deve ser arguida a falsidade do acto certificativo da citação é de 10 dias a contar da intervenção do réu no processo.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Nos autos de insolvência pendentes 3º Juízo da Comarca de Pombal em que é Requerente A... , SA e Requerida B... LDA foi ordenada a citação da devedora para, querendo, deduzir oposição ao pedido de declaração de insolvência, nos termos dos art.ºs 29, nº 1 e 30, nº 1 do CIRE.

Frustrada a citação pelo facto de o funcionário ter encontrado encerrada a respectiva sede, concretizou a secção a citação através de aviso com hora certa, em função do que deixou ali afixada nota de citação no dia e hora previamente marcados (20/06/2011, pelas 10 horas).

No entanto, em 1/07/2011 veio a Requerida B..., através de mandatário constituído, arguir a nulidade da citação assim efectuada, uma vez que com a aludida nota não lhe teriam sido facultados duplicados da petição ou de qualquer documento.

Em face deste requerimento foi proferido, em 5/07/2011, o despacho de fls. 83, em que se determina que se proceda à citação “nos termos legalmente previstos”.

Tentada em 28/07/2011 a citação da devedora B..., agora na pessoa do seu legal representante, é lavrada certidão negativa pelo facto de estar encerrada a morada de tal representante, aí sendo afixada nota para a respectiva citação com hora certa para o dia 29/07/11 pelas 10 horas (fls. 100 -106).

Diligenciada a citação da devedora através do mesmo representante no referido dia e hora, é junta ao processo a nota de citação de fls. 107-108. Nesta nota encontra-se riscado o segmento impresso “Juntam-se, para o efeito, um duplicado da petição inicial que se encontra nos autos”, mostrando-se acrescentado, na parte final respectiva, o seguinte segmento manuscrito: “Consigna-se que os duplicados se encontram disponíveis no 3º Juízo deste tribunal”.

A fls. 109 desta certidão está lavrada a certidão da citação efectuada na mesma data, em que se atesta que o representante de devedora não estava presente à hora marcada, e que no local da respectiva morada foi afixada a nota que antecede, pela qual o mesmo foi “ainda advertido de que os duplicados e cópias legais a que tem direito se encontram à sua disposição no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal”.

Seguiu-se a sentença declarativa da insolvência de devedora, em cujo relatório surge expressamente afirmada a “devida citação desta na pessoa do seu legal representante”, bem como a não dedução de oposição.

Notificada da sentença em 5 de Setembro de 2011, veio a devedora B..., em requerimento de 20 do mesmo mês, arguir a nulidade da citação e demais termos processuais, invocando a não pronúncia sobre a nulidade anteriormente arguida em 30 de Junho do mesmo ano, a “incompreensão” da nova citação a que a secção subsequentemente procedeu, e a afixação da última nota de citação a hora diferente da constante do aviso e desacompanhada do duplicado exigido pela lei.

Nesse mesmo requerimento de 20 de Setembro, reportando-se a esta última nota, observou a devedora, no respectivo art.º 5:

“Nessa nota de citação diz-se que se lhe junta duplicado da petição inicial, o que porém não aconteceu, e, de resto, decorre da certidão de citação que atesta aquilo que foi afixado (apenas a “nota de citação”, tendo-se advertido que os duplicados e cópias a que o citado teria direito se encontrariam no tribunal).”

Posteriormente, em 5 de Dezembro de 2011, alegando ter sido surpreendida com a cópia da nota de citação de 29 de Julho que se encontra junta ao processo, quando em 25 de Novembro de 2011 levantou uma certidão destinada a instruir o recurso da sentença de insolvência, arguiu a devedora B... a falsidade da referida cópia, ao abrigo do art.º 551-A do CPC. Essencialmente, acentua aí a circunstância de só com a certidão nessa altura recebida ter podido aperceber-se da discrepância entre a referida cópia e o original que fora afixado, dado que até então nada lhe indiciava que a dita cópia ou exemplar não referisse a entrega do duplicado da petição.

Tomando posição sobre este requerimento, veio o Sr. Juiz a indeferir a dedução do incidente de falsidade, uma vez que o mesmo teria sido requerido mais de 10 dias depois da primeira intervenção da requerente no processo, intervenção esta se verificara em 30 de Junho de 2011.

Inconformada, interpôs a devedora B... recurso admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre agora decidir.

                                                                            *

Os pressupostos de facto a ter em conta são os que decorrem do relato que antecede, sendo os necessários e suficientes para balizar as questões a apreciar.

                                                                            *

A apelação.

Nas conclusões com que fecha a respectiva alegação, a apelante B... circunscreve o objecto do recurso à questão de saber se arguição da falsidade em causa foi ou não tempestiva, à luz dos prazos legais aplicáveis, sendo inconstitucional a interpretação do art.º 551-A, nº 1 do CPC no sentido de que o prazo de 10 dias aí aludido se pode contar de data que não coincide com aquela em que se deva entender que a parte tomou conhecimento da falsidade.

O MºPº contra-alegou batendo-se pela confirmação do despacho recorrido.

Apreciando.

Em foco no vertente recurso está o acerto ou desacerto da decisão de fls. que considerou ultrapassado o prazo em que a devedora Mediatrix podia arguir a falsidade da cópia de nota de citação de fls. 107-108 (110-111 do processo principal), atenta a data em que efectivamente se apresentou a requerer o incidente, ou seja, em 5 de Dezembro de 2011.

Antes do mais importa averiguar a que concreto acto processual se dirigiu a arguição daquela devedora, ora apelante.

E aqui, acompanhando o entendimento plasmado na resposta do Mº Pº, também entendemos que o ataque que foi desferido à fidedignidade do conteúdo da cópia da nota de citação, esta afixada na morada do representante legal da devedora, não pode deixar de ser caracterizado como de imputação de falsidade à própria citação, visto esta compreender necessariamente o conjunto formado por todos os itens que têm por objectivo à chamada da requerida ao processo mediante o fornecimento dos elementos para tal relevantes.

Assim sendo, afigura-se-nos que, a ter existido a invocada desconformidade da realidade documentada naquele termo do processo, isso implicaria a transmissão dos elementos essenciais da citação em moldes diversos daqueles em que efectivamente esta teria ocorrido e que estariam espelhados no original da nota tal como foi afixada.

Haver-se-ia então por configurada a falsidade intelectual do acto, dado que se acharia consubstanciada uma “inexactidão das atestações do funcionário documentador, relativamente a acções ou percepções suas”[1].

Compulsado o requerimento de arguição indeferido, logo se vê que é isto que a devedora quer afirmar quando refere que a cópia junta aos autos não se identifica com o original entregue, na medida em que, ao contrário do que neste consta, a informação sobre a disponibilidade do duplicado no tribunal não foi fornecida ao citando.

Mas não tem a recorrente razão como se passa a evidenciar.

O aditamento e a rasura da cópia da nota de citação não podem ser considerados em si mesmos uma falsificação material, no sentido de alteração física de um documento préviamente elaborado; poderão antes ser qualificados de actos instrumentais de uma falsidade intelectual, uma vez que apenas visaram conferir a aparência de uma informação que, na verdade, esteve ausente do acto de citação original (e da respectiva nota).

Não interessa aqui, por conseguinte, o facto - que, ao que se colhe do requerimento da apelante de fls. 214-220, até corresponde à realidade - de o duplicado não ter sido entregue ao citando.

A norma a ter em conta para o prazo em que deve ser arguida a falsidade do acto certificativo da citação é, pois - e é-o inexoravelmente - a do aludido no art.º 551-A, nº 1, do CPC: 10 dias a contar da intervenção do réu no processo.

Diversamente do que se passa no nº 2 deste artigo, em que o prazo para arguir a falsidade de outros actos processuais se conta desde o dia “em que se deva entender que a parte teve conhecimento do acto”, no nº 1 basta-se a lei com a intervenção no processo. O que é facilmente compreensível porquanto se a parte vai ao processo sem ter sido citada é natural que só o faça depois de se haver inteirado do modo pelo qual aí foi tida como citada.

Pugna agora a apelante, todavia, pela defesa do princípio segundo qual antes do acesso à certidão - ou seja, antes de 25 de Novembro de 2011 - não lhe era exigível que soubesse da incongruência entre a cópia e a nota de citação afixada na morada do representante legal.

Sem qualquer fundamento o faz.

É que, como se constata do art.º 6º do requerimento da apelante de 20 de Setembro de 2011, a devedora e agora recorrente, logo ao arguir a nulidade da mesma citação  asseverou conhecer a certidão de citação que se encontrava junta aos autos, e a menção da nota citação por ela atestada de que fora efectuada a advertência de que os duplicados e cópias a que o citado teria direito se encontrariam no tribunal.

Ou seja, em 20/09/11, já a apelante dizia saber do teor da nota de citação que agora quer arguir de falsa[2].

Por isso, nem sequer é aceitável que, de boa fé, a apelante tenha vindo invocar a ignorância até 25 de Novembro de 2011 da aludida cópia da nota de citação que se encontra junta a fls. 107-109.

Sem embargo de aqui se sufragar a interpretação da 1ª instância de que à situação sub judice é aplicável o nº 1 e não o nº 2 do art.º 551-A do CPC.

E, revelando a parte o conhecimento da suposta falsidade, não pode deixar de ficar claramente prejudicada a invocação subsidiária da inconstitucionalidade do art.º 551-A, nº 1 do CPC, por ofensa aos princípios dos art.ºs 2º e 20º da CRP, se não interpretado no sentido de que o prazo ali previsto deve contar-se do dia em que se deva entender que a parte tomou conhecimento da falsidade. Vício que, de toda forma, nunca procederia, porquanto, como acima se deixou sublinhado, é irrazoável que ao arguir a falsidade da citação a parte respectiva não se tenha previamente inteirado do modo como ela se processou.

Em suma, o recurso soçobra.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, e embora por fundamentos não coincidentes, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante.


Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins


[1] É este o conceito de falsidade intelectual de Manuel de Andrade (Noções Elementares, 1976, páginas 225-226), que se contrapõe ao de falsidade material, vício que consiste na “suposição do documento ou na viciação do seu contexto, data ou assinatura”.
[2] Não é, portanto, inteligível que a decisão recorrida reporte o conhecimento pela apelante da falada nota de citação à sua intervenção em Junho de 2011, numa altura em que a citação em causa nem sequer tinha ocorrido.